Cheetah escrita por Virginia Storm


Capítulo 1
Capítulo Único: 84FS


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Já era noite. Não havia luz, mas eu sabia. Sentia o cheiro do breu. O frio estava perto. Ele estava próximo.

Como sempre, estou louca para vê-lo. Ansiosa para ter brancura dele tocando minha pele escura. O calor e a calidez que contrasta com minha rígida frieza.

Eu podia ouvi-lo agora.

Não sabia bem quem era ele. Não sabia o que ele queria comigo. Mas ao cair da noite ele era meu. Seu toque, suas lágrimas, seus sussurros e confidências. Todo meu.

Estou completamente apaixonada pelo meu dono. Eu nunca, em toda a minha vida vadia, pertenci a alguém parecido com ele.

Sempre fui uma nômade. Sou acostumada a mudar de lugar constantemente, mesmo não querendo. Não posso dizer que lido bem com isso. Tenho cicatrizes pelo meu corpo que não me deixam esquecer o passado, mas me orgulho. Sim, me orgulho do que sou. Mesmo que eu tenha sido usada muitas vezes, minha dignidade permanece intacta. Desafortunados foram os que me usaram. Os que foram descobertos.

Sempre achei incrível como os olhares reprovadores nunca caíam sobre mim. Meus parceiros tolos. Quantos tentaram me esconder? Quantos me usavam com prazer para, tão logo, me largarem sentindo um repentino e estranho asco?

Meus devaneios foram interrompidos quando a porta se abriu. A luz da lua era pálida e banhava o rosto de meu dono de maneira etérea. Eu sorri pra ele, mas ele não sorriu de volta. Não me importei. Os dedos deslizando pelo meu corpo. Isso era o suficiente.

Ele me levou para seu leito como sempre fazia. O ar fora de meu esquife era tão frio quanto o hálito de meu dono. O quarto era escuro e eu pouco podia ver, mas consegui distinguir as feições torturadas dele. Havia lágrimas brotando dos olhos rútilos. Pequenas gotas translúcidas erguendo-se tímidas do canto das pálpebras inferiores. Tão belo quanto a lua.

Meu dono apertou-me entre as mãos macias e senti meu corpo ceder as carícias habilidosas dele. Destravou-me de uma maneira que nenhum outro fez. Ergueu-me com uma súbita violência, fazendo-me chiar levemente. Aquilo pareceu empertigá-lo. Olhou para mim assustado e senti que ele começava a se afastar de mim. Ainda carinhoso, mas seu toque tornou-se distante. Não! Eu quis gritar pra ele. Não me deixe! Não me envie de volta para o escuro.

Mas ele não entendeu meus mudos sussurros. Talvez tenha me ignorado.

Eu não posso pedir, concluí amargamente. Afinal, sou sua escrava. Submissa ao meu dono. Uma kajira e seu mestre.

Ele se levantou levando-me junto ao peito. Senti-me segura, como se nada pudesse acontecer a nós dois. Ele retornaria amanhã.

Como sempre fazia.

Sempre...

Meu.

Dono. Meu Dono...

Meus últimos pensamentos ainda rodeavam minha mente quando um raio de luz rasgou a escuridão de meu féretro. Era dia. Era ele.

As borboletas em meu estômago ficaram pesadas quando notei o olhar ansioso e torturado na face dele. Desvairado. Ele não me carregou até a cama. De pé ele agarrou-me. Com ódio nos olhos ele me violou. Senti a umidade de seus lábios e o hálito etílico. Com um aperto rude, ele me tocou. Onde muitos tocaram. E eu fiz o que sempre fazia. Gritei.

Um grito oco e seco. Vindo do fundo de minha alma. Atravessando meus lábios como uma flama pulsante. Tangível. Derramando minha essência mortífera. Um cuspe certeiro. Assassino. Devastando tudo que encontra pela frente.

Não!

O líquido de meu dono não chegou a tocar minha pele, mas eu podia sentir o cheiro. Aquele cheiro familiar e pungente. Tão quente e abundante. Tingindo o chão. Vermelho. Ciano. Negro. Sólido e líquido.

As mãos macias ainda me seguravam. Mas transformaram-se em garras assustadas e enrijecidas. Elas não me largaram em momento algum. Eu caí ao seu lado. Observando pelo meu único olho. Frente a frente com seu rosto agora arruinado. Vi a chaga que se formou com meu poder gritante. Destruiu a boca que desejei com tanta gana. O vermelho escorria por ela. Não!

Eu queria chorar. Tão tola. Como eu poderia chorar?

Ouvi os passos apressados de outros. Ruidosos. Arfantes. Curiosos. Atraídos pelo timbre de minha voz aguda. Como cervos hipnotizados pelos faróis de um carro. Pelos olhos do assassino. Uma síndrome de Estocolmo doentia. Malditos!

Estavam mais próximos e dessa vez seria diferente. Eu podia sentir. Com ele tudo tinha sido diferente. Os passos estavam mais próximos. E eu não pude me mexer.

Nunca pude.

Finalmente chegaram ao nosso leito de sangue. E não estranhei quando os olhos assustados e acusatórios se fixaram em mim.


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Notas finais do capítulo

Beretta 84FS Cheetah é um revolver, mas acho que vocês já devem ter advinhado isso :)

Espero que tenham gostado!



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