Survive escrita por Claire Haddock


Capítulo 4
Gladiators


Notas iniciais do capítulo

Ok, vamos começar aqui com um pedido muito sério de desculpas... Foi mal, gente. A inspiração não queria cooperar. Porém, felizmente, parece que as coisas estão fluindo outra vez! Tomara que continue desse jeito, hein? Aí vai mais um capítulo procês.

ATENÇÃO: esse capítulo tem algumas ceninhas fortes. Tipo, se você possui problemas muito sérios com sangue, eu não aconselho que leia até o fim. Não são tão pesadas, garanto que The Walking Dead já fez pior, mas é só pra constar, ok?



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ANTES

Dayton, Ohio

Era seu quinto atraso naquele mês e era de se pensar que não seria o último. Desta vez, atribuía a culpa a Toothless por ter literalmente comido seu dever de casa. Ele até tentou salvar o que pôde das folhas mastigadas e refazer alguns pedaços da lição que ainda recordava. Claro que se dissesse o motivo de estar chegando vinte minutos após o sinal bater, a professora não acreditaria por um só segundo. Porém, ela não parecia muito interessada nas suas desculpas ou no que ele tinha conseguido recuperar do dever. Lançou um olhar cansado para Hiccup e lhe indicou seu assento no centro da sala.

Ao se sentar, reparou que os gêmeos Ruffnut e Tuffnut pareciam estar rindo dele, mas preferiu ignorá-los. Afinal, a vista à sua frente era muito mais interessante.

Naquele dia, Astrid Hofferson estava usando seus cabelos louros claros num rabo de cavalo alto, vestia um suéter vermelho típico natalino combinando com uma saia preta. De onde estava, Hiccup podia apenas ter um vislumbre de sua alva nuca, do contorno delicado de seus ombros e, às vezes, se tivesse sorte, podia ver de perfil o rosto angelical da garota caso esta olhasse para o lado por alguma razão.

Ele sabia que aquela sua paixonite chegava a beirar o ridículo, especialmente por gostar de Astrid desde o ensino fundamental e ainda não ter feito nada a respeito. Porém, alguma coisa que Gobber, um velho amigo de seu pai, havia dito na sua última visita o fizera inflamar com coragem.

— Você falou que ela não namora ninguém... Há quanto tempo disse que gosta mesmo dessa menina? — questionou Gobber.

O pai de Hiccup tinha ido à cozinha buscar algumas bebidas e o outro homem aproveitou a oportunidade para perguntar. Hiccup e seu pai nunca tinham sido próximos o bastante para falar sobre aquele tipo de coisa — na verdade, sobre praticamente qualquer assunto.

O garoto deu de ombros, meio constrangido.

— Faz uns dez anos, talvez.

Gobber começou a rir, deixando o jovem confuso e um pouco mais embaraçado.

— Desculpe, desculpe, foi meio grosseria minha... Mas garoto, o que você está esperando? Algum tipo de milagre? Você vai se formar esse ano! Se não a chamar para um encontro logo, ela vai para a universidade e vai esquecer você! É isso que você quer?

— N-Não, mas...

— Então, pare de perder tempo e se mexa, rapaz! Se seu pai tivesse seguido esse meu conselho, quem sabe sua mãe ainda estivesse por perto...

Stoick tinha recebido aquele mesmo conselho? Sua mãe... Caso o pai tivesse feito algo na época, talvez ela não tivesse deixado os dois... Não, não podia deixar que o mesmo acontecesse agora. O passado não ia se repetir.

Imerso em devaneios, nem reparou quando a aula foi encerrada e todos começaram a guardar os materiais para ir para o segundo período. Só se tocou quando Astrid se levantou e foi andando em direção à saída.

Droga, sua chance estava escapando por entre seus dedos. Tinha de agir.

Meio desajeitado, ele recolheu todos os seus pertences, empilhando-os de qualquer jeito nos braços e correu para fora da sala. Olhou para os lados e procurou pela garota. Ah, ali estava ela, perto dos armários, pegando o livro que usaria na próxima aula. Sem nada planejado em mente, Hiccup se aproximou como se não quisesse nada ali e só estivesse passando por perto. No entanto, Astrid percebeu sua presença e o olhou desconfiada.

— Hã, Hiccup?

Ele quase derrubou seus pertences do colo, virando-se abruptamente para a loira.

— A-Astrid! Nossa, você por aqui? Que surpresa!

— Nós acabamos de sair da mesma aula de Geografia. — Ela ergueu as sobrancelhas.

— É mesmo, não é? Poxa, eu nem reparei que a gente tinha essa matéria juntos...

— Er, então tá. — Astrid se voltou para o armário outra vez, continuando a separar o material. — Enfim, você vai falar por que está aqui ou está apenas me secando assim por causa de algum problema mental?

Ela também não facilitava em nada aquela situação. Foi quando Hiccup se lembrou de Snotlout, do time de futebol americano, que havia se declarado a Astrid em pleno refeitório algumas semanas atrás, gesto que ela não apreciou nem um pouco. Ainda era possível enxergar os vestígios de roxo no olho esquerdo do jogador.

Será que ela também ia ficar zangada com Hiccup? E se ela nunca mais quisesse olhar na cara dele? Provavelmente, teria de parar de sentar atrás dela em todas as aulas que compartilhavam, além de precisar mudar a rota de volta para casa, já que moravam bastante próximos um do outro e tinham grandes chances de se esbarrarem.

Ele precisava parar com aquilo. “Será” e “se”, todas aquelas hipóteses não o levavam a lugar algum. Pior que levar o maior fora de todos os tempos seria nunca ter tentado.

Inspirando fundo e inflando o peito, Hiccup decidiu desembuchar.

— Ok, lá vai.

Curiosa com o tom repentinamente determinado do garoto, Astrid fechou o armário e começou a prestar atenção em Hiccup.

— Astrid, eu estava pensando se... bem, quem sabe, você... Digo, eu...

Ela soltou uma risada fraca, fazendo-o parar.

— Está me chamando para sair, Hiccup?

A princípio, o moreno ficou sem saber o que dizer. Ela não parecia zangada, mas talvez fosse porque considerava aquela situação uma grande piada. Ou estaria ficando paranoico?

Dane-se, e o que eu tenho a perder?

Ele deu de ombros, comprimindo os lábios.

— Se eu dissesse que estou, qual seria a sua resposta?

Talvez pela franqueza de Hiccup, Astrid não falou nada de início. Depois, deixou que um sorriso maroto escorregasse pela boca.

— Minha resposta? Bom, ela seria...

De repente, um ruído estridente ecoou pelos corredores. Vinha do sistema interno de rádio, como se houvesse uma falha crítica no circuito. Depois de alguns segundos, normalizou-se, o diretor do colégio possuindo o microfone.

— Bom dia a todos os alunos, aqui é o seu diretor. Apesar de ser contraproducente, as aulas estão sendo suspensas. Essas foram ordens dadas diretamente pelo governador e ficarão em vigor por tempo indeterminado por todo o estado de Ohio. Até segunda ordem, todas as avalições estão canceladas, assim como trabalhos que seriam entregues nas próximas semanas. Por favor, todos os estudantes devem se dirigir às saídas com organização e calma, aqueles que precisarem esperar pelos pais, aguardem no estacionamento. O corpo docente deve se apresentar na sala dos professores o quanto antes. Por enquanto, é só isso. Mais informações serão dadas a vocês nos próximos dias através de uma carta redigida pelo secretário do governador. Obrigado.

A primeira coisa que Hiccup e Astrid fizeram foi olharem um para o outro com estranhamento.

— O que será que aconteceu? — perguntou o garoto.

— Não sei... Eu... — Astrid ia falar alguma coisa, mas desistiu no meio da frase. — Eu preciso ir, Hiccup.

Ela pegou algumas coisas no armário e foi embora. Seria a última vez que Hiccup a veria em algum tempo.

–-x—

AGORA

Algum lugar em Ohio

A lateral de sua face estava úmida e gelada. Seu corpo doía. Foi necessário algum esforço para erguer as pálpebras e mais alguns segundos para que a visão se ajustasse à penumbra.

— Desculpa, Haddock, eu não queria machucá-lo, mas não vi outro jeito na hora...

— Tudo bem, você fez certo. O Toothless sabe se cuidar... foi melhor assim.

Onde... Onde estou?, Jack deixou escapar um arquejo de dor, a parte de trás de sua cabeça parecia ter sido acertada por um tijolo. Levou a mão ao machucado e constatou que não sangrava. Pelo menos isso.

— Jack acordou! — ouviu a voz de Hiccup e precisou de uns instantes para localizá-lo do outro lado da... O que era aquilo?

— Hiccup... — ele murmurou.

— A gente achou que você não ia acordar mais — comentou Merida aborrecida, mas a preocupação em sua voz era palpável. — E a sua cabeça? Eu vi a pancada que aquele cara te deu.

Jack se forçou a sentar. O chão malcheiroso era de metal e estava coberto esparsamente por folhas caídas das árvores da floresta e sujeira. A floresta... Pelo jeito, foi para onde os levaram.

— Está doendo um pouco — admitiu Jack. — Isso parece ser uma... uma jaula?

— É, uma bem espaçosa. Fico imaginando onde conseguiram uma dessas... — comentou Hiccup.

— Ora, e de que isso importa? Será que não está mais preocupado com o que está havendo aqui? — indagou Merida sem paciência.

— Isso poderia ser um detalhe importante para nos dar alguma pista, ok?

— Até onde sei, essa jaula poderia ter sido de um circo e eu acho que isso não ajudaria em nada na nossa situação!

Hiccup suspirou.

— Ok, tudo bem, temos que ficar calmos. Sejamos práticos, vamos coletar o máximo de informação possível. O que sabemos?

— Há fogo para aquele lado. — Jack apontou ao norte, onde havia uma iluminação vacilante atrás de um morro. — Além disso, dá para escutar algumas vozes daquela direção. Nossos sequestradores devem estar acampados ali.

Hiccup ficou pensativo.

— Que eles estão ali, isso é certeza, mas que isso é um acampamento como outro qualquer, disso eu não sei. Como eu disse, a jaula é uma parte importante. Ela tem sinais de estar sendo utilizada com frequência, mais gente passou por aqui — ele pegou uma pequena presilha florida do chão e mostrou aos outros.

— Isso está ficando muito estranho... — Merida observou o objeto com cautela. — Afinal, que lugar é esse? Para que esses caras nos deixariam aqui se fossem saqueadores comuns? Eles não estavam interessados somente nas nossas coisas, ou não estaríamos tendo essa conversa agora.

Como se tivessem sido conjurados para responder a dúvida de Merida, um trio de homens surgiu, descendo o pequeno morro. O homem ao centro era grande como um urso e tinha cicatrizes por todo o rosto. Possuía longos e grossos dreadlocks, além de uma expressão dura e intimidante. Os dois homens atrás eram aparentemente apenas dois comparsas, um deles era forte e alto, ainda que não tanto quanto o homem no meio, e o outro era franzino, de rosto comprido.

— Esses caras são completamente loucos... Eles não podem nos manter aqui — Jack disse antes que os homens chegassem a eles.

— Você está com a chave aí, Frost? — Merida questionou sarcástica. — Porque tenho a impressão de que eles podem, sim.

— Parem! — avisou Hiccup.

Agora, tinham companhia.

— Novos gladiadores! — exclamou o homem-urso. — Nós estávamos precisando... E esse grupo parece que renderá uma luta interessante. Se tiverem sorte, mais de uma. Bom, os últimos não duraram muito na arena, mas soube que deram bastante trabalho pro meu pessoal. Um deles está com um ferimento bem sério na cabeça.

— Na próxima, vou atropelá-lo direito — Merida disse num tom desafiador, Hiccup a segurou pelos ombros.

— Que droga tá fazendo?! — o moreno perguntou, incrédulo.

— Me larga, Haddock. — Ela se desvencilhou com irritação.

— Ah, isso é sempre bom de ver, gosto de entusiasmo! — o homem-urso sorriu com seus dentes escurecidos. — E qual de vocês será o primeiro?

Hiccup lançou um olhar de advertência à ruiva e tomou a frente.

— Senhor, er... Eu não sei o que pretende fazer, mas sei que podemos encontrar uma solução melhor em que ambas as partes saiam ganhando.

O homem-urso e o magrelo começaram a rir em deboche. O terceiro homem observava o trio na jaula num silêncio concentrado.

— E qual a sua proposta?

Hiccup engoliu em seco, tentando não se deixar intimidar.

— Eu sou mecânico, sou muito bom em consertar coisas. Minha amiga é excelente caçadora. E este cara aqui — Apontou para Jack. — é o melhor matador de mortos-vivos que eu conheço. Poderíamos ser uma adição valiosa ao seu grupo.

— Quem disse que eu quero trabalhar pra esse daí? — Merida retrucou.

— Você quer — Hiccup se voltou para ela, falando entredentes. — É claro que quer.

Ela entendeu a sutileza, mas nem por isso melhorou a cara. Já o homem-urso, este parecia pensativo.

— Se o que diz é verdade, seria estúpido não considerar.

— M-Mas, Drago — interveio o franzino. — Se for verdade, é mais um motivo para prosseguir com o plano. Pense bem, eles poderiam se voltar contra nós.

Drago ponderou por mais alguns instantes, Hiccup e o magricela o observavam com o mesmo olhar de expectativa. Ele exalou o ar dos pulmões, exasperado.

— Tem razão, o risco não compensa. E por ter dado a ideia, você, moleque, será o primeiro na arena.

— Como é?!

— Ah, e que tal se tivessem uma ideia do que está por vir? Prendam as mãos deles e me sigam. Vamos assistir àquele idiota de hoje cedo ser nocauteado — Drago foi andando de volta pelo caminho que veio.

O franzino pegou a chave do bolso, mas, antes de abrir a jaula, avisou:

— Se tentarem alguma coisa, o Eret explode os miolos de vocês.

O tal Eret segurava duas armas, uma em cada mão. Dada sua firmeza em segurá-las, ninguém duvidaria daquela afirmação. Um por um, foram saindo do cárcere. Quando chegou a vez de Merida, o magrelo tomou alguns segundos a mais.

— Sabe, eu sempre gostei das ruivas...

Merida cuspiu aos pés dele, enojada.

— Eu morro antes de você encostar um dedo em mim.

Ele chegou mais perto, seu hálito fétido indo contra o pescoço dela.

— Não seja tão arisca...

— Deixa ela, seu imbecil! — Hiccup ia se virar para defendê-la, mesmo com as mãos atadas, mas parou no ato quando uma bala passou a cinco centímetros de sua orelha.

Todos ficaram estáticos por um instante. Eret manteve sua arma em posição.

— Vamos logo com isso. O Drago odeia esperar.

O capanga magrelo riu com gosto.

— Essa foi boa, Eret. O garoto quase se molhou.

Eret não parecia compartilhar do senso de humor do colega ou estava somente sem paciência. Finalmente, os três foram guiados morro acima.

— Meu... Deus... — murmurou Hiccup quando viram o que os aguardava.

Aquilo era mesmo uma arena. Rudimentar, mas ainda assim uma. Grades foram erguidas para formar um círculo. No centro, havia um amontoado de carcaças de automóveis enferrujados. Não havia arquibancada, mas os homens — devia haver uns quinze deles — pareciam se contentar em assistir através das cercas, alguns poucos haviam subido nos caminhões estacionados para enxergar melhor. E o que eles presenciavam era uma coisa bárbara.

Um homem de uns vinte e poucos, com só uma faca como recurso, defendia-se de seis zumbis. Ele procurou o ponto mais alto por instinto, escalando o monte de tralhas, enquanto os mortos convergiam para ele. Quando os cadáveres chegaram perto o suficiente, ele começou a atacá-los, sendo capaz de se livrar de um em seu primeiro golpe.

— Vocês são desumanos! — Jack vociferou, embasbacado.

O magrelo riu.

— Não pisque, ou vai perder o grand finale.

Quando o homem da arena tentou avançar num ataque contra um segundo zumbi, perdeu levemente o equilíbrio. Os três segundos necessários para se recompor eram mais que suficientes para que outro zumbi fizesse seu movimento ofensivo. Este cravou os dentes em seu ombro, fazendo o homem urrar de dor. Depois disso, foi fácil para os outros companheiros desfigurados investirem contra o coitado.

A cena seguinte talvez tivesse sido a mais grotesca de todas. Ao final dela, só haviam ossos ensanguentados e pedaços de órgãos internos emporcalhando o monte de metal. Jack teve um ataque de tosse, quase vomitando de repulsa. Não era a primeira vez que os vivos se mostravam piores que os mortos.

— Nesses tempos difíceis, precisamos tirar proveito da situação e arranjar uma maneira de nos distrair — Drago reaproximou-se do grupo, um sorriso perverso nos lábios marcados por cicatrizes.

— Matar outros seres humanos de forma brutal é diversão para vocês? — questionou Hiccup, descrente.

— O inferno tem um lugar especial guardado para gente assim — sibilou Merida.

— Isto já é o inferno, ruivinha — e ele tinha sua cota de razão ao dizer aquilo.

— Apenas uma pessoa sobreviveu à arena — o franzino comentou.

Drago chegou próximo de Eret e deu-lhe dois tapas nas costas.

— Mas ele não saiu ileso, não é?

Eret olhou para o chefe, compreendendo uma ordem silenciosa, e puxou a gola da camisa para baixo, revelando uma tremenda cicatriz no peito. Nas atuais circunstâncias, parecia um preço baixo a pagar pela própria vida.

— Bom, o passeio acabou. De volta à jaula — ordenou Drago.

— Chefe, chefe! — interrompeu o magrelo. — Posso ficar com a garota? Posso?

Merida arregalou os olhos para os amigos em pânico. Eles pareciam igualmente nervosos.

— Eu não sei, os outros vão achar injusto. Além disso, a última que eu te dei ficou em pedacinhos. Não quero esse tipo de sujeira no meu galpão.

— Oh não, serei bem comportado, prometo ao senhor.

Drago revirou os olhos.

— É preciso manter os funcionários contentes, hein? Ande logo com isso, imprestável. E dê as chaves ao Eret.

Merida soltou um grito de raiva quando começou a ser puxada para o sentido oposto que Jack e Hiccup.

— ME LARGA!

— MERIDA!! — Jack e Hiccup berraram em uníssono. Mas logo eles já estavam de volta à jaula, trancados e incapazes.

As próximas horas seriam preenchidas pelos mais terríveis pensamentos que pudessem ter.

–-x—

O magrelo fechou a porta do galpão com mais delicadeza do que se esperaria dele. Merida dava passos lentos para trás, ganhando o máximo de tempo que conseguisse.

— Em pedaços? O que ele quis dizer com aquilo? — ela perguntou inocentemente.

Ele deu uma risadinha depravada.

— Eu vou mostrar a você.

— Mas eu sou muito mais útil inteira, não concorda? Qual é o seu nome?

— De que importa o meu nome? Você em breve estará morta.

Merida tentou dar um sorriso gracioso.

— Ora, seja esperto. Se me ajudar, eu posso ajudá-lo também. Eu seria eternamente grata.

Ele sacou um facão das costas, andando de modo vagaroso na direção dela, como uma criança que brinca com a própria comida.

— E qual seria a graça nisso? Eu quero ouvir você gritar.

Merida, então, deu de encontro com uma escrivaninha velha. Uma arma, qualquer coisa. Ela procurava com as mãos nas costas apalpando tudo que conseguia sobre aquela superfície. Só havia papéis, algo com o formato de borracha e... Enfim, encontrou um lápis com uma ponta relativamente afiada, mas era obviamente uma arma muito fraca e patética.

— O que vai fazer com isso aí? Escrever seu epitáfio? — o magrelo deu mais uma risada.

— Não. — Ela suava frio. Estava quase na hora. — Mas posso escrever o seu, se quiser.

— Quero ver você tentar. — Ele foi para cima dela.

E o treinamento militar nunca foi tão oportuno. Com os pulsos um pouco voltados para fora, Merida usou os braços como alavanca e arrebentou a abraçadeira de nylon contra o cóccix. O facão passou com um zumbido ao lado de sua orelha, mas não foi rápido o suficiente para acertá-la. Quando a arma retornava num segundo ataque, Merida segurou o pulso do homem.

— Você é até que bem forte para uma garota, não? — ele tinha um olhar lunático e continuava a rir.

Merida tentou atacar com a outra mão, porém sua tática recente de defesa foi imitada, seu pulso sendo imobilizado.

— Acha que isso vai me machucar?

Com um ofego de esforço, Merida chutou entre as pernas do homem, depois derrubou-o metendo o pé bem no centro de seu peito. O facão caiu a alguns centímetros dele. A ruiva agarrou seu pescoço, o lápis ainda preso entre o dedo indicador e o médio, e ajoelhou sobre seus ombros para dificultar seus movimentos, mas não conseguiu impedi-lo de todo. Ele alcançou o facão, segurando-o com vigor. Naquela posição, Merida não teria tempo de desviar sem ser atingida. Ela precisava pensar muito rápido. Não teria tempo de estrangulá-lo, mas havia uma alternativa igualmente letal. Eu não posso fazer isso, eu não posso! Mas o homem não lhe daria aquele tempo para pensar, o facão vinha em sua direção sem hesitar.

Ela gritou ao enfiar o lápis pelo globo ocular do magrelo, inserindo-o pelo menos dez centímetros para dentro do crânio. Logo em seguida, pôs-se a tremer violentamente, deixando-se cair para um dos lados. Suas mãos estavam banhadas de sangue fresco. Ainda estava quente. O tinir do facão caindo no chão decretava a morte do homem.

Acabei de matar uma pessoa, ela mal conseguia pensar direito. Ele estava ali, imóvel. Parara de respirar, seu peito não se movia. Sim, estava morto de fato.

Então, ela escutou vozes do lado de fora, fazendo-a sair do estado de torpor. Não havia tempo de se sentir mal, poderia se condenar depois caso vivesse. Com alguma dificuldade, arrastou o corpo para trás da escrivaninha e pegou o facão. Cautelosa, ela entreabriu a porta do galpão e espiou o lado de fora. Parecia tudo limpo.

No entanto, assim que fechou a porta e virava-se para escapar, esbarrou em alguém.

Estou morta.

–-x—

— Está na hora do espetáculo — Drago foi até a jaula acompanhado de Eret.

Hiccup e Jack o miravam com ódio.

— O que fizeram com ela? — Hiccup perguntou, ainda que uma parte dele estivesse com medo de ouvir uma resposta.

— Não se preocupe, você vai se divertir mais do que ela.

— O que fizeram?! — Jack insistiu, sem paciência.

Drago apenas riu.

— Íamos levar um, mas agora, pensando bem, melhor levar o albino também para assistir. Assim todos se divertem.

Os garotos ainda estavam presos, por isso, a única tarefa de Eret era abrir a jaula e conduzi-los de volta à arena. Drago arrastou Hiccup consigo apesar dos protestos, para prepará-lo para o combate. E, a despeito de inúmeras tentativas anteriores, Jack se esforçou inutilmente para afrouxar a abraçadeira. Primeiro, Merida e agora, Hiccup também. Era o fim. Eles estariam todos mortos antes do amanhecer.

— Venha. — Eret esbarrou com força em seu ombro, tomando a frente.

De que adiantava resistir? Jack seguiu Eret até a parte de trás de um caminhão. Será que todo aquele papo de assistir à luta de Hiccup tinha ocorrido apenas para distrai-lo de outro destino? Teria ele de lutar na arena também? Ou o executariam ali mesmo?

— Tá legal, temos pouco tempo. — Eret parou de súbito e Jack trombou com ele.

— Hã?

Eret tirou uma faca do cinto.

— Vire-se, vou soltar você.

— Como é?!

— Quer ficar com as mãos atadas? Tudo bem, você quem sabe, mas ia facilitar muito na fuga.

— Não, claro que não quero, mas... O que está havendo?

Houve um estalo de plástico se rompendo e Jack sentiu alívio imediato, massageando seus pulsos doloridos.

— Eu odeio essa droga de lugar — confessou Eret. — Estava esperando um grupo decente parar por aqui para dar o fora.

— Que quer dizer?

— Todos os gladiadores de antes... Eles não tinham a menor chance. Mas vocês são resistentes. Aliás, encontrei sua amiga escapando.

— Merida! — Jack arregalou os olhos, surpreso com a notícia. — Ela está bem?

— Ela sim, eu a escondi. O cara que ela enfrentou nem tanto...

— Com certeza, não teve nem metade do que merecia. Bom, e o que temos de fazer?

Os homens começaram a gritar de euforia, a luta devia ter começado. Eret passou a faca que usara para Jack.

— Você fica aqui aguardando o meu sinal. Seu amigo deve durar o primeiro round numa boa. No intervalo, eu dou um jeito de trazê-lo comigo.

Jack estava confuso.

— E o que significa isso?

— São apenas dois cabeças-oca no primeiro confronto. Para que os gladiadores durem mais, entende. Daí, vão acrescentando um por rodada.

— Cara, isso é doente.

— Acha que não sei?! Sou o único sobrevivente até hoje, esqueceu?

Jack murmurou uma desculpa, impaciente. Mas ele tinha confiança de que seu amigo conseguiria.

— O maior erro de Drago foi pensar que, depois de tudo, eu aceitaria trabalhar para ele sem rancor. As cicatrizes nunca somem.

–-x—

Se aquele tal de Eret esperava que ela fosse esperar obedientemente até o sinal ser dado, ele estava muito enganado. Merida estava tomada pela raiva, ódio, revolta, e agiria de acordo com seus sentimentos. Aqueles vermes desprezíveis, ela escutava suas risadas e urros entusiasmados, deviam estar vendo Hiccup lutando por sua vida naquela porcaria de arena.

Eles achavam aquilo divertido? Pois então estavam prestes a ter seu divertimento dobrado.

Eret dera-lhe as armas que foram tomadas algumas horas mais cedo, seu arco, seu machado, o punhal de Hiccup, a pistola e o bastão de beisebol de Jack. Para sua tarefa do momento, escolhera levar somente o bastão do amigo. Não teria estômago para matar mais uma pessoa naquele dia com as próprias mãos, mas se o destino assim quisesse, outra coisa poderia provocar a morte daqueles miseráveis.

— Ei, o que está faze...? — um dos capangas guardando um caminhão distante da arena mal a viu se aproximar e nem mesmo teve tempo de completar a pergunta graças a pancada na cabeça.

Ela o olhou desacordado no chão sem dó. Fizera um péssimo trabalho como vigia, afinal, ela já estava o observando despercebida havia uma hora. Aquele tempo fora o suficiente para confirmar a carga que o caminhão levava.

Merida não sabia quantas pessoas já haviam sido vítimas daquela selvageria, mas hoje elas teriam sua justiça.

–-x—

Hiccup cravou a faca na lateral da cabeça do zumbi e o cadáver caiu aos seus pés, inerte. Sua respiração estava instável. Afinal de contas, o que essas pessoas viam de prazeroso naquilo? Ele só fazia aquilo porque não tinha escolha, lembrava-se de como ficara hesitante no princípio de todo o caos. Não queria fazer mal a ninguém. E se ainda houvesse um ser humano consciente dentro daqueles corpos em decomposição? Felizmente, deixou aquele pensamento logo para trás, caso contrário, era provável que não tivesse durado tanto tempo.

Limpava o suor da testa com o dorso da mão quando houve um disparo. E outro. Depois, outro.

— Mas o quê...?

Uma grande movimentação teve início. As vozes que outrora riam e vaiavam, agora berravam em pavor. Hiccup ficou estático, sem saber o que fazer. A arena não tinha saída.

Mais tiros e gritos, os caminhões estavam sendo ligados e ele enfim os viu. Uma horda de mais de cinquenta mortos-vivos invadia o território daqueles homens. Quando se tinha a oportunidade de exterminar os zumbis um por um, não era uma tarefa tão difícil, mas no caso de um bando grande como aquele, o melhor a se fazer era correr e rezar.

Por um breve instante, Hiccup ficou aliviado por ter a proteção das grades. Seu alívio evaporou quando um caminhão com vários acéfalos agarrados nele tombou as grades e liberou a passagem não só para Hiccup como para qualquer coisa morta ou viva.

— Hiccup! Aqui! — Jack gritou a alguns metros dele, abaixando-se por causa dos tiros, Eret em seu encalço.

— O que está havendo? — Hiccup chegou a eles. Ele olhou Eret em suspeita. — Espera, ele é nosso "amigo" agora?

— É, algo assim, depois explico. Mas ainda não sabemos o que aconteceu direito. Alguém liberou os defuntos, este lugar está indo abaixo! Vamos pegar a Merida e sair daqui!

— O sul é ruim! — Eret tentava se fazer ouvido acima da cacofonia. — Eles têm depósitos de armas espalhados em cidades por todo sul do estado!

— Onde você deixou a Merida?

Eret fez um aceno com a cabeça, pedindo que o seguissem. De repente, um deles gritou. Hiccup havia caído sobre a grama, segurando a perna.

— Hiccup, o que está fazendo?! A gente tem que ir! — zangou-se Jack. Logo, ele percebeu que não se tratava de um tropeço à toa. – Merda!

Hiccup tinha sido atingido por uma bala na panturrilha. A vários metros dos três, um homem se aproximava repleto de ira. Era Drago.

— Vocês! Vou matar vocês!

Nesse momento, Merida surgiu por dentre as árvores arfando e com uma mochila que não lhe pertencia nas costas. Ela segurava seu arco em posição de ataque e fitava a cena perplexa, sem entender nada.

— Levem-no daqui! — ordenou Eret. — Eu cuido do Drago! — Pegou suas pistolas e se posicionou. — Vão! Vão!

Com a ajuda dos amigos, Hiccup foi posto de pé. Os três sumiram na floresta, um único pensamento na mente de Jack.

Se eles vão para o sul, é para o norte que nós iremos.


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Notas finais do capítulo

Eu sei, eles aparentemente não conseguem sair de um problema sem arranjar outro. E acreditem, pode ficar pior. Para quem estava ansioso para o quarteto ficar completo, vão gostar do que os espera no capítulo seguinte! Sim, é isso mesmo que estão pensando. Aliás, os acontecimentos deste capítulo aqui vão ter consequências, hein? Não só o Hiccup ferido, mas a Merida matou sua primeira pessoa, isso com certeza mexe com a cabeça de qualquer um. Espero que estejam prestando atenção nos detalhes, porque eu tenho esse costume de espalhar coisinhas importantes no decorrer da história para depois resgatar lá na frente.

Preview do cap. 5:

https://youtu.be/hXx-7oqkpYk

Até o próximo! Beijitos!

P.S.: Feliz Natal e um ótimo Ano Novo! Em 2016, vamos ter bem mais de "Survive"!