A Esperança - Peeta Mellark escrita por Nicoly Faustino


Capítulo 4
Capítulo 4




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De alguma maneira, consigo abandonar o corpo de Cinna. Minhas pernas doem de ter ficado tanto tempo ajoelhado. Mas eu não conseguia soltar a mão dele. Volto para meu quarto, totalmente desnorteado. Não me importo por eu estar com a roupa coberta de sangue, apenas me deito, encolhido na cama. Fito o chão. Já não tenho lágrimas. Nem esperanças. Lentamente adormeço. Sem sonhos.

– Peeta! Você está bem? Por favor, acorde!

Nem preciso abrir os olhos para saber quem é. Moira.

– Porque você não desiste de mim? – pergunto de olhos ainda fechados.

– Eu não posso. Esse é o meu trabalho. Ande, está na hora do seu remédio – ela diz, num tom levemente brusco.

Abro os olhos. E fico espantado. Seu rosto exibe hematomas roxos. Seus pulsos também. Ela evita me olhar nos olhos.

– O que aconteceu com você? – pergunto, assustado.

– Toda a ação, tem uma consequência – ela se limita a dizer.

Ficamos em silencio. Eu tomo o remédio que eu tanto repudio sem protestar. Ela lança um leve sorriso em minha direção. Mas quando as imagens do que presenciei invadem minha mente, não consigo retribuir seu sorriso.

– Cinna está morto – digo abruptamente.

Moira não esboça nenhuma reação.

– Eu sei – ela diz, fitando o chão.

– Eu o vi morrer - digo, num sussurro.

– Eu sei – ela diz mais uma vez.

De repente, uma preocupação me acomete.

– Portia está aqui, também? – pergunto, alarmado.

Moira suspira.

– Não. Ela fugiu. Junto com alguns membros de sua equipe.

Pondero por um momento. Não é como se Portia tivesse envolvida na revolução. Cinna fez o vestido se transformar num tordo. Imagens de Katniss rodando no palco enquanto seu vestido se queima, surgem em minha cabeça. Eu quase consigo sentir o momento. Meus olhos marejam. Eu só não consigo me lembrar do que aconteceu depois.

– Moira. Eu acho que estou perdendo a memória – digo.

– Não seja bobo – ela retruca. – Tenho uma coisa importante para lhe falar.

Me incomoda o fato de ela ter mudado de assunto. Mas apenas assinto.

– O presidente Snow, quer vê-lo.

Um calafrio sobe por minha espinha. Não estou preparado para ficar em frente ao homem que indiretamente destruiu minha vida. Abro a boca para falar, mas Moira me interrompe.

– E você não tem outra escolha.

Algumas horas depois, estou no centro de treinamento. Moira tratou dos meus ferimentos, e me deu mais um comprimido daqueles que eu não gosto. Me sinto aliviado por poder sair daquela prisão, mas este lugar não me traz boas recordações também. Sou levado para um quarto, onde uma nova equipe de preparação me arruma. Sinto o mesmo nervosismo que senti quando estava prestes a ir para os jogos. Ninguém diz uma palavra. Eles apenas tiram meus pelos, cortam meu cabelo, esfoliam minha pele, numa agilidade impressionante. Mas, ficar sem falar nada? Isso é atípico para essas pessoas da capital. Quando eles terminam, apenas saem da sala, em silencio. Me olho no espelho, e fico impressionado com a minha imagem. Eu pareço tão... bem. Tão diferente do real estado no qual me encontro. Me visto com as roupas que estão em cima de uma cômoda. Um elegante terno branco. Há uma batida na porta.

– Entre – digo, incerto.

Um pacificador aparece.

– Apenas me acompanhe – ele diz.

Seguimos por corredores, elevadores e escadas. Até que o homem para em frente a uma porta, e a abre, fazendo sinal para eu prosseguir. Minhas mãos tremem compulsivamente. Entro no cômodo, e avisto o presidente Snow. Sentado atrás de uma imponente mesa. Vasos de rosas brancas o rodeiam. O cheiro é maravilhoso. Mas me faz ficar enjoado. Quando ele me vê, sorri, e gesticula para que eu me sente a sua frente. Eu o faço, sem dizer palavra alguma. Ficamos nos encarando. Espero que ele possa sentir a raiva que emana do meu corpo.

– Bem... Sr. Peeta Mellark. É bom vê-lo. Sua aparência está bem melhor que da última vez que o vi.

Trinco os dentes.

– Há algo que eu queria lhe mostrar – ele diz, e aperta um botão. Imediatamente, surge uma imagem entre nós. É uma imagem da arena. É uma imagem de Katniss. Seguro com força a beira da cadeira, para não me descontrolar. Meu peito dói. A vontade de poder tocá-la é tão, forte. Deixo escapar um gemido. Snow finge não notar. Tento desesperadamente ver a cor dos seus olhos. Mas não consigo. Chego mais perto da tela. É quando vejo Katniss pegar o fio de Beete, o analisar, em seguida colocar na sua flecha, e lançar contra o céu da arena, ao mesmo tempo em que o raio cai na arvore. A gravação acabou.

– Presumo que o sr. saiba o que aconteceu a seguir – ele diz, num tom desgostoso.

– Katniss não sabia de nada – me ouço dizer. – Não tinha como ela saber.

– Isso parece uma iniciativa bem rebelde, para mim – Snow retruca friamente.

Permaneço em silencio.

– Escute, Katniss Everdeen cometeu essa ação sem se importar com qualquer um de vocês. Apenas você não consegue enxergar a natureza dela.

– Por favor. Não fale de Katniss – digo, o mais calmo que consigo.

– Como quiser – Snow diz, e sorri. – Você é o convidado do programa de Caesar hoje.

– O que? – pergunto surpreso.

– E é melhor tomar muito cuidado com o que fala – ele continua, como se não tivesse me ouvido.

– Isso é uma ameaça? – pergunto em tom de desafio.

– É claro que não. Mas eu vou lhe confidenciar algo. Os rebeldes estão atacando. Eles acham que podem vencer a capital. Mas, isso só gerará mais mortes. Consegue entender? Que eles estão se matando por uma causa perdida? Causa que sua falecida noiva começou?

Tenho vontade de correr daqui. Porque não me deixam morrer? Como ele ousa mencionar Katniss, assim?

– Eu vou dizer a Caesar, o que eu realmente acho. Não sei se isso irá agradar ao senhor – retruco.

– Ora, ora... eu gosto do sr. Peeta Mellark. Mas, pense bem. Eu não costumo tratar tão bem, quem se opõe a mim. O sr. deve saber disso, melhor do que ninguém. Não se esqueça, que muitas pessoas podem acabar prejudicadas, por suas palavras.

Engulo em seco. Me lembro de Cinna. Agora entendo o que aquele pacificador disse. O presidente quer me usar. Como uma arma.

Assim que saio da sala de Snow, sou conduzido a outra espécie de sala. Não sabia que o centro de treinamentos tinha tantos outros cômodos. Sou instruído para sentar em uma confortável cadeira, e há outra a minha frente. Para Caesar, imagino. Uma moça aparece e retoca minha “maquiagem”. Mas é inútil pois eu continuo suando. É um dilema devastador optar entre fingir algo para agradar Snow, ou dizer a verdade e colocar ainda mais lenha na fogueira da revolução. Para meu alivio, Moira aparece. Ela passa apressada entre as câmeras e as pessoas que estão agitadas andando para lá e para cá.

– Hey, um calmante para você – ela diz, enquanto eu tomo o remédio.

– Obrigado – digo. Instantaneamente o remédio parece surtir efeito e eu me sinto muito relaxado. Muito, mesmo.

Olho-a confuso.

– Isto é apenas calmante? – pergunto.

Ela dá de ombros.

– Talvez tenha algumas coisas a mais. Boa sorte na entrevista.

E no momento que ela se afasta, entra Caesar, todo reluzente, destonando os tons do local, que se limitam a branco e cinza. Ele parece genuinamente feliz em me ver. E... eu sempre gostei dele. Mesmo ele sendo da capital. Ele pisca para mim, e avisa que entraremos ao vivo.

É feita a contagem. E Caesar assume seu papel de apresentador com o sorriso mais brilhante que já vi. Ele dá boa noite aos espectadores, em seguida senta-se em frente a mim, e seu sorriso se desconstrói, assumindo uma expressão mais séria.

— Então... Peeta... bem-vindo – ele diz.

Para meu desespero, vejo o presidente Snow mais além, com os olhos cravados em mim como duas adagas.

Forço um sorriso.

— Aposto que você pensou que tinha feito a sua última entrevista comigo, Caesar – tento fazer soar engraçado, mas soa mais como um lamento.

— Confesso que eu pensei — ele concorda. — Na noite antes do Massacre Quaternário... bem, quem nunca pensou que não iria vê-lo novamente?

— Não fazia parte do meu plano, isso é certo — digo, e não consigo disfarçar a raiva dentro de mim.

Caesar chega mais perto de mim. Ele ainda cheira rosas.

— Acho que ficou claro para todos nós o que seu plano era. Sacrificar-se na arena, para que Katniss Everdeen e seu filho pudessem sobreviver.

— Era isso. Claro e simples. — evito olhar para Snow. Acompanho os contornos da cadeira com as mãos, para tentar me acalmar. — Mas outras pessoas tinham planos também.

Há um silencio. Snow me olha sugestivamente. Mas eu não vou fazer exatamente o que ele quer. Katniss não teve medo. Eu também não terei.

— Por que você não nos conta sobre a última noite na arena? — Caesar sugere. —Ajude-nos a entender algumas coisas.

Eu assinto. Mesmo que tudo que eu menos queira, é me lembrar daquela noite. Da última vez que vi Katniss. Engulo seco.

— A última noite... para falar sobre essa última noite... bem, antes de tudo, você tem que imaginar como se sentiria na arena. Era como ser um inseto preso debaixo de uma vasilha cheia de vapor de ar. E tudo ao seu redor, selva... verde e viva e tiquetaqueando. Esse relógio gigante tiquetaqueando a sua vida. A cada hora, prometendo algum novo horror. Você tem que imaginar que nos últimos dois dias, dezesseis pessoas morreram, algumas delas defendendo você. No ritmo em que as coisas estavam indo, os oito últimos seriam mortos pela manhã. Salvo um. O vitorioso. E seu plano é que ele não vai ser você.

Olho para Caesar, que me olha sem pestanejar. Olho para snow, mas não há um pingo de humanismo em sua expressão. Me forço a continuar.

— Uma vez que você está na arena, o resto do mundo torna-se muito distante — continuo, e me permito pensar apenas um segundo na família de Katniss, e em como elas devem estar superando isso. — Todas as pessoas e coisas que você amou ou se preocupava quase deixaram de existir. O céu cor de rosa, os monstros da selva e os tributos que querem seu sangue se tornam sua realidade final, a única que sempre importou. Tão mal quanto isso te faz sentir, você vai ter que matar alguns, porque na arena, você tem apenas um desejo. E é muito caro.

— Custa a sua vida — Caesar diz, solenemente.

Eu vejo Snow, cerrando os punhos. Mas eu não vou parar. Não agora.

— Oh, não. Custa muito mais do que a sua vida. Matar pessoas inocentes? — digo, e minha voz falha um pouco. — Custa tudo o que você é.

Tudo o que você é — Caesar repete baixinho.

— Então, você se agarra ao seu desejo. E na última noite, sim, o meu desejo era salvar Katniss – sinto as emoções daquele diz me inundando. O desespero. O medo. Tento a todo custo me controlar. - Mas, mesmo sem saber sobre os rebeldes, tudo era muito complicado. Eu me encontrei lamentando por não ter fugido com ela no começo do dia, como ela tinha sugerido. Mas não saí com ela naquele momento.

— Você estava muito preso no plano de Beetee para eletrificar o lago de sal — Caesar constata.

O remédio parece enuviar minha mente. E eu começo a me perguntar se Johanna e Finnick estavam realmente do nosso lado.

— Muito ocupado com os outros jogadores aliados. Eu nunca deveria tê-los deixado nos separar! — explodo. — Foi quando eu a perdi.

— Quando você ficou na árvore do relâmpago, e ela e Johanna Mason levaram a bobina de fio para a água — Caesar esclarece.

— Eu não queria! — o desespero me toma por completo. — mas eu não podia discutir com Beetee sem indicar que estávamos prestes a romper com a aliança. Quando o fio foi cortado, tudo foi apenas loucura. Só me lembro de partes. Tentando encontrá-la. Assistindo Brutus matar Chaff. Matando Brutus sozinho. Eu sei que ela estava chamando meu nome. Então, o raio atingiu a árvore, e o campo de força em torno da arena... explodiu.

— Katniss o explodiu, Peeta — aponta Caesar. — Você já viu a filmagem.

— Ela não sabia o que estava fazendo. Nenhum de nós poderia seguir o plano de Beetee. Você pode vê-la tentando descobrir o que fazer com o fio — respondo, e me sinto á beira das lágrimas. Mas não posso deixar isso transparecer. Tenho que ser forte.

— Tudo bem. Só parece suspeito — Caesar rebate. — Como se ela fizesse parte do plano dos rebeldes o tempo todo.

A raiva dentro de mim, ganha ainda mais força. Então é isso. Katniss está morta, e todos pensam que ela fez isso por que era uma líder rebelde? Eles não conseguem entender... que ela está morta?

Fico em pé. Chego bem perto de Caesar. Seguro com força a beirada de sua cadeira. Resistindo ao impulso de não segurar com essa mesma força, os braços dele, e jogá-lo para longe.

— Sério? E foi parte de seus planos que Johanna a machucasse? Que o choque elétrico a matasse? Que a arena explodisse? — percebo que estou gritando, mas não consigo admitir isso. Não consigo suportar que construam uma imagem falsa de Katniss. — Ela não sabia, Caesar! Nenhum de nós sabia nada, exceto que estávamos tentando manter-nos mutuamente vivos.

Caesar me olha assustado. E coloca a mão em meu peito. Estou ofegando.

— Ok, Peeta, eu acredito em você – ele diz, parecendo ser sincero.

— Ok – respondo.

Tiro a mão dele de mim, e afasto meu cabelo do rosto. Sinto que estou totalmente descomposto. Mas, quem se importa?

— E quanto ao seu mentor, Haymitch Abernathy?

Eu não parei para pensar sobre Haymitch. Eu sinto sua falta. E sei que ele é culpado de tudo ter dado tão errado. Só não sei, quanto de culpa ele carrega.

— Eu não sei o que Haymitch sabia.

— Poderia ter feito parte da conspiração? — Caesar interroga.

— Ele nunca mencionou isso.

— O que seu coração lhe diz?

— Que eu não deveria ter confiado nele — digo, mais para mim mesmo, que para Caesar. — Isso é tudo.

Vejo que Snow não está mais aqui. Sei que as consequências para mim, não serão boas.

Caesar dá um tapinha em meu ombro.

— Nós podemos parar agora, se quiser.

— Havia mais para discutir? — rebato, numa ironia amarga.

— Eu ia perguntar a sua opinião sobre a guerra, mas se você estiver muito chateado...

— Oh, eu não estou muito chateado para responder a isso. — eu o interrompo. Sinto que é agora o momento em que eu posso abrir as portas para minha morte, incentivando a rebelião. Mas aí, vejo Snow me observando novamente. Ele tem um pequeno gato nas mãos. E as cores do gato, me lembram imediatamente de outra coisa. De Buttercup, o gato de Prim. Instantaneamente eu capto a mensagem que snow quer me passar. Mais pessoas podem pagar por minhas ações. Katniss fez de tudo para proteger sua família. Não sou eu que vou coloca-las em risco. Pigarreio. Olho diretamente para câmera e começo o meu discurso. — Eu quero todo mundo observando, quer esteja na Capital ou no lado dos rebeldes, para parar por um momento e pensar no que poderia significar essa guerra. Para os seres humanos. Nós quase fomos extintos lutando entre si antes. Agora os nossos números são ainda menores. As nossas condições mais atenuantes. É realmente o que queremos fazer? Matar-nos completamente? Na esperança de que... o quê? Alguma espécie decente herde os resíduos fumegantes da Terra?

— Eu realmente não... Eu não tenho certeza que estou seguindo... — começa Caesar.

— Não podemos lutar entre si, Caesar — explico. — Não haverá número suficiente de nós restante para continuar. Se todos não depuserem as armas, eu quero dizer, brevemente tudo estará acabado, de qualquer maneira.

— Então... você está pedindo um cessar-fogo? — Caesar pergunta.

Pondero sobre essa pergunta. Por mais que eu saiba que uma guerra não é o caminho certo, sei também que é o único caminho para todos se livrarem da soberania da capital. Mas... O que Katniss gostaria? Suspiro, pois eu nunca obterei a resposta. Ela está morta. Tenho apenas que tentar mesmo de tão longe, proteger sua família.

— Sim. Eu estou pedindo por um cessar-fogo — digo, por fim. — Agora, por que não pedimos ao guarda para me levar de volta ao meu quarto para que eu possa construir mais cem castelos de cartas? – falo ironicamente, e me levanto da cadeira. Snow sumiu novamente.

Minha cabeça está rodando, um pacificador me leva onde eu presumo que será meu quarto. Falar abertamente sobre a arena... Katniss... Me esgotou por inteiro. Quando sou deixado em um quarto, a imagem que eu vejo, me paralisa. Delicadamente, pendurado na parede, como se fosse um quadro, está um gato, idêntico ao que Snow estava segurando, idêntico ao Buttercup. Uma corda está amarrada ao seu pescoço, e seu corpo foi aberto ao meio, seus órgãos estão pendurados, e sangue pinga numa poça no chão. Corro para o banheiro, e vomito. E as ânsias que eu continuo a sentir, são puramente de medo. Eu entendi o recado.


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