A Esperança - Peeta Mellark escrita por Nicoly Faustino


Capítulo 34
Capítulo 34




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Observo enquanto todos acordam. A exaustão é palpável. Ainda me pego pensando o que Cressida tem a ganhar com isso. Pollux posso até entender pois ele foi vítima da crueldade da Capital, mas ela? Até onde eu sei ela estava dentre as pessoas bem-sucedidas da capital antes de decidir se juntar a causa rebelde. Espero que ela não seja uma traidora. Katniss como sempre se estica um pouco, ainda sentada, e mesmo após levantar ela não dirige seu olhar a ninguém. Tigris nos chama para um café da manhã, e para assistirmos a programação da capital. Enquanto me forço a comer um pouco de biscoito de figo, os rebeldes tomam lugar na programação, mostrando uma esquadra com a engenhosa ideia de mandar para as ruas carros dos cidadãos da Capital, sem nenhum motorista para engatilhar as armadilhas. Podem não ativar todas, mas com certeza estão conseguindo fazer isso com a maioria delas visto que várias esquadras já avançaram bastante rumo ao centro, a cidade circular onde fica a mansão de Snow. Katniss tira de seu bolso o mapa de papel, já desgastado, e com a ajuda de Cressida consegue decifrar onde os exércitos rebeldes possivelmente estão, o que é bom para nós, pois podemos apenas avançar pelo caminho que já fizeram, evitando as armadilhas. Nós, não, eu me corrijo. Pois eu não posso fazer essa jornada com eles.

— Isso não pode durar — diz Gale. — De fato, estou surpreso que eles mantiveram isso funcionando por tanto tempo. A Capital irá ajustar desativando armadilhas específicas e então as engatilhando manualmente quando seus alvos estiverem no alcance.

Com um tremor, percebo que isto pode mesmo acontecer. Minutos depois, vemos isso se tornar realidade, então o controle é voltado para a Capital, que assume a programação novamente. É claro que os rebeldes não querem mostrar suas perdas.

— Eu aposto que está matando Plutarco não estar na sala de controle — comento, distraído e enjoado. Afinal, ele foi idealizador. Não é algo que se possa mudar do caráter, facilmente.

Ninguém diz nada em menção ao meu comentário. Katniss continua sem ao menos olhar na minha direção.

Então, barulhos chamam a nossa atenção. Katniss se move rapidamente até a janela, passando ao meu lado, seu ombro roça o meu, o que me causa uma sensação maravilhosa, e terrível ao mesmo tempo. Eu vou para perto da janela também, mas vejo apenas silhuetas, se movendo, carregando várias coisas, uns de mãos abanando, outros bem agasalhados. É uma confusão de pessoas. Me afasto, com medo de ser visto por alguém. Estou prestes a sugerir o mesmo para Katniss, quando ela se afasta por conta própria, pensativa. A pergunta paira. Para onde todas essas pessoas estão indo? E por que?

De volta ao úmido porão, Tigris nos avisa que irá para a cidade circular, ver o que consegue descobrir. Não sei se a capital tem culpa nisso, mas não consigo mais confiar nas pessoas. Passo a tarde, temendo que Tigris tenha nos denunciado. Passo a tarde, pensando em como me matar rapidamente caso eu seja pego pelos pacificadores. Passo a tarde observando Katniss andar de um lado para o outro, ainda sem dirigir seu olhar a mim. Será que ela finalmente se deu conta do quão ridículo eu sou? Algemado numa escada, sem ter controle total sobre mim, vivendo a mercê do veneno em meu sangue, e de um pouco do amor dela?

Passa-se bastante tempo até que escutamos algum barulho. Ficamos apreensivos, até que Tigris aparece e nos chama para cima. O cheiro de carne fritando faz minhas pernas amolecerem. Ao menos minha perna que não é de metal. Quando chegamos a pequena cozinha, Tigris nos serve, generosas porções de carne macia e batatas para cada um, e uma pequena porção de carne para ela também, porém crua. Nunca vou deixar de me encantar ao ver o brilho nos olhos de Katniss perante um bom prato de comida. Com um sorriso torto em meus lábios, consigo comer, dessa vez, sem ter que me forçar a isso, pois está realmente muito delicioso. Tigris conta como trocou suas roupas de pele falsa por comida, pois com o frio que faz, roupas quentes se tornaram muito valiosas. Ela também nos informa que várias áreas invadidas por rebeldes, foram evacuadas, o que explica a multidão que vimos na rua mais cedo. Chega a ser cômico, presenciar cidadãos da Capital desabrigados. Como é viver alguns dias, da maneira em que vivemos nos distritos a vida toda? É o que eu tenho vontade de perguntar a eles.

No noticiário, um pacificador explica que os demais cidadãos devem dar abrigo á seus irmãos que estão na rua, que perderam suas casas, por enquanto, graças aos rebeldes. Lojistas também poderão ter que ceder espaço caso os pacificadores avaliem a loja apta para isso. Até mesmo a mansão do presidente Snow, está aberta para abrigar os moradores.

— Tigris, poderia ser você — digo. Todos concordam, balançando a cabeça. A loja em si pode ser pequena, mas com certeza tem espaço para abrigar alguns moradores. O tempo está contra nós agora.

Na televisão ainda há outra notícia mostrando um jovem que foi espancado até a morte, por ser parecido comigo. E ele apenas tinha cabelos loiros, fora isso não tínhamos nada em comum. Sinto o suor começando a brotar. Meu braço começa a tremer com espasmos.

— As pessoas ficaram selvagens — Cressida murmura.

– Há um caminho que parece seguro, há poucas quadras daqui – Katniss diz, quando os rebeldes invadem a programação, mostrando seu avanço.

– Vou lavar os pratos – ela continua, e olha significativamente para Gale.

– Deixe que eu te ajudo – ele diz, e ambos se retiram da mesa, e vão para a pia. Nos deixando longe do alcance de suas vozes. Me sinto inquieto. Eles têm um plano. E com certeza não estou envolvido nele. Eu não poderia estar, de qualquer forma. Quando eles voltam, ambos estão corados por terem mexido com água, ou por outro motivo, que eu não quero nem cogitar.

– Peeta – Katniss começa, ainda incapaz de me fitar. – Nós partiremos logo, amanhã provavelmente. E talvez você não devesse....

– Ir com vocês – eu digo, terminando a frase.

– Mas, Katniss – Cressida começa...

– Não, ela está certa – digo, fingindo estar calmo. Será que eles conseguem ver minhas veias pulsando? Pois eu sinto a pressão. Mas consigo manter a compostura. – Aliás, eu já estava pensando em ir sozinho.

— Para fazer o quê? — Cressida pergunta.

— Eu não tenho certeza exatamente. A única coisa que eu posso mesmo ser útil é causando uma diversão. Você viu o que aconteceu com aquele homem parecido comigo.

— E se você... perder o controle? – Katniss pergunta, e seus olhos estão cravados em mim. Cheios de culpa, e algo parecido com preocupação.

— Você quis dizer... agir como uma mutação? Bem, se eu sentir que está vindo, eu tentarei chegar aqui de volta — eu a asseguro.

— E se Snow pegar você novamente? — pergunta Gale. — Você nem mesmo tem uma arma.

— Eu justamente terei que apostar nas minhas chances — respondo, e dou de ombros. — Como o resto de vocês.

Gale me olha nos olhos e eu sustento seu olhar. Quero que ele leia, meu pedido para que ele proteja Katniss acima de qualquer coisa. Ele faz um aceno quase imperceptível com a cabeça, e em seguida pega algo em seu bolso, e coloca em minha mão. Abro a mão, e um pequeno comprimido está pousado ali.

— O que há com você? – pergunto, atônito por ele me dar sua pílula da morte.

— Não se preocupe. Beetee me mostrou como detonar minhas flechas explosivas manualmente. Se isso falhar, eu alcanço minha faca. E terei Katniss — ele diz, com um sorriso provocador. — Ela não daria a eles a satisfação de me pegar vivo.

Engulo em seco. Certo. Não precisa esfregar na minha cara o fato de que ele irá com Katniss.

— Pegue isso, Peeta — ela diz, e coloca sua mão em torno da minha, fazendo ela se fechar ao redor do comprimido. — Ninguém estará lá para ajudar você.

Sim.Katniss não estará lá para me ajudar, como sempre esteve. Não dessa vez.

No porão, não consigo dormir. Katniss acorda cerca de três vezes com seus pesadelos. Eu me coço de vontade de tocá-la, abraça-la e dizer que tudo vai sim ficar bem um dia. Mas é claro que não faço isso. Quando a hora é chegada, sinto um frio no estomago. É claro que eu não quero sair daqui. Encarar a morte. E quero menos ainda, que Katniss vá adiante com sua fixação em matar Snow. Mas tenho que ser corajoso, e estar pronto para ajudar Katniss, se ela precisar. O plano é Cressida e Pollux irem na frente, Katniss e Gale os seguirem, e eu ir atrás deles, numa distância segura, pronto para causar alguma distração, caso seja necessário. Ou seja, se sacrificar. Toco a pílula em meu bolso. Porque tenho a sensação de que irei precisar dela?

Engolimos um café da manhã de nossos suplementos restantes, e Katniss dá a Tigris uma lata de salmão. Isso parece a deixar quase emocionada. Em seguida, seu semblante se transforma e ela começa um trabalho excepcional nos disfarçando. Desde roupas, perucas e maquiagens. O resultado é mil vezes melhor, do que quando nos disfarçamos no apartamento daquela mulher que Katniss teve que matar.

— Nunca subestime o poder de um estilista brilhante — digo, olhando para Katniss que está quase irreconhecível. Mas eu a reconheceria, em qualquer lugar, sob qualquer disfarce. É como se eu tivesse uma ligação com ela. Talvez esse seja o poder do amor.

A rua está ainda mais cheia que no dia anterior. Tigris vigia pela veneziana, e faz um aceno indicando para Cressida e Pollux saírem.

— Tomem cuidado — Cressida diz, e alcança o ar frio da manhã.

Katniss se aproxima de mim, e destranca minhas algemas. É um alivio e assustador estar de fato livre novamente. Esfrego as ataduras sob meus pulsos, massageio-os levemente, e suspiro. Está mesmo na hora.

— Escute — ela diz, tão perto de mim. — Não faça qualquer coisa idiota.

— Não. Essa é a coisa de último recurso. Completamente – eu a asseguro mais uma vez.

Ficamos mais um segundo, olhando um para o outro, antes de Katniss se lançar para mim, envolvendo meu pescoço com seus braços, colando seu corpo no meu num abraço. Choque, é o primeiro sentimento que me acomete. Mas em seguida, uma comoção enorme toma conta de mim, e contra todos os meus instintos, eu abraço Katniss também. Afundo meu rosto em seus cabelos, e uma lágrima, sem qualquer explicação rola por meu rosto. Isso não pode ser um adeus. Quando ela se afasta do abraço, eu consigo enxugar a lágrima antes que ela veja.

— Tudo certo, então – ela diz, e se afasta de mim, mordendo seu lábio inferior.

Ela então se despede de Tigris, e sai com Gale para rua. Fico apenas com Tigris, minha respiração pesada, fazendo uma prece silenciosa para que Katniss fique viva. Tigris toca meu braço.

– Hora de ir – ela ronrona.

– Adeus – eu digo, e consigo lhe lançar um sorriso, apesar de toda a desolação infiltrada em mim. Ela sorri, revelando mais uma vez suas presas, e eu saio para a rua, ouvindo a porta bater atrás de mim. Neve cai. Não avisto Cressida ou Pollux, mas vejo Katniss e Gale um pouco a frente. Ninguém parece me notar, então eu apenas ando, como todos fazem. Escuto as pessoas amaldiçoando os rebeldes, outras reclamando que deixaram sua peruca favorita em casa. A maior parte das reclamações tem a ver com coisas fúteis assim. Tenho pena de todos eles. De repente, escuto tiros, não muito longe. Katniss sumiu do meu campo de visão, quando virou numa esquina, saindo da viela, rumando para a rua principal, para a mansão de Snow. Há um tumulto, uma nova onda de tiros, pessoas gritam, correm, deixando seus bens para trás. Eu começo a sentir algo ruim crescendo dentro de mim. Mais tiros. Corro, na esperança de localizar Katniss, mas então eu escorrego e caio, por cima de alguém. Estou prestes a me desculpar, quando percebo que escorreguei nos miolos da pessoa que está em baixo de mim. Me levanto, tremendo, e vomito todo meu café da manhã, e meu jantar. Um instinto, maior que a escuridão que tenta tomar conta de mim, faz com que eu continue andando, continue correndo até encontrar Katniss. Mas minhas pernas estão bambas, minha visão oscila, e eu escorrego e caio mais uma vez. Sangue mancha o chão embaixo de mim. Meu peito dói. Eu preciso achar Katniss. A multidão está bem adiante, correndo enlouquecida, em busca de abrigo. Me levanto o mais rápido que consigo, afim de me enturmar novamente, e não ser descoberto. Mas no movimento, minha peruca acaba caindo no chão. Estou me abaixando para pegá-la, quando algo encosta em minha cabeça, e eu escuto o familiar som de uma arma sendo engatilhada. Me levanto, lentamente. As mãos para cima, em sinal de rendição.

– Ora ora, veja quem eu encontrei... – diz uma voz feminina, o sotaque gritante da capital. – Não seria, o próprio Peeta Mellark?

Apavorado, levo uma de minhas mãos rapidamente ao meu bolso, e chego a tocar o comprimido, quando a pressão da arma em minha cabeça, se torna mais forte.

– Não, não! – a mulher diz, calmamente. – Não faça isso.

– Só há um modo de me impedir, que é disparando essa arma. Então morrerei de qualquer forma – digo.

Começo a me virar, afim de ver o rosto de minha captora, o que provavelmente será a última coisa que verei antes de morrer.

– É aí que você se engana. Sempre há outra alternativa – ela diz, em seguida eu sinto uma pancada em minha cabeça, e tudo se apaga, enquanto meu corpo cai no chão, repousando em uma mistura de neve e sangue de inocentes.


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