Telegramas para Summer escrita por Antonia Bianca


Capítulo 2
II - À tona


Notas iniciais do capítulo

"O passado é como um carro estacionado no tempo, com a bagagem cheia de lembranças, sentimentos e arrependimentos." - Antonia Bianca



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Os dois olharam exasperados para a doutora Campbell, a mesma sorriu de orelha a orelha quase não acreditando também.

— Ontem à tarde recebi uma ligação, já havia atendido alguns pacientes e meu turno tinha acabado então considerando que alguns pacientes ligam ás vezes, pensei ser um deles. A mulher se apresentou como Luana Carmenusca Cardoso, ela falava de um hospital que não me recordo muito bem, mas lhe mostrarei a ficha amanhã. O paciente se chama Diego Dias Lima, ele tem a mesma idade de Summer, realmente um caso raro, é brasileiro e tem um bom histórico de saúde. Bom, é apenas isso que eu sei, por enquanto. — Falou, um pouco rápido demais, pois queria dar a notícia logo, queria ver como eles reagiriam.

Sebastian pensou em algumas horas antes, quando estava em casa ainda, a perturbação de sua mente por conta do prazo de um ano que havia se passado, relembrou o estado de Summer quando a viu pelo o vidro do quarto antes de entrar, totalmente derrubada e sem esperança e neste exato momento estava pensando como ela estava se sentindo.

Summer quase quis chorar, mas pensou que seria triste demais para uma notícia tão alegre e, além do mais, nas últimas semanas foi o que mais fizera. Às vezes, ao ficar sozinha, — O que acontecia com muita frequência — Repassava toda a sua vida desde os seus cinco anos, da parte que se lembra até a situação atual, quando estava mais infeliz ia ainda mais longe: refletia sobre seu futuro, imaginava-se recebendo a doação e seguindo sua vida; estudando depois entrando na faculdade, fazendo amigos, tendo uma família mais tarde... Entristecia-se ao pensar nisso nesses dias e chorava, pois achava que tudo isso estava muito distante dela. Mas hoje, neste momento, esses sonhos que antes haviam perdido a cor, estavam mais vivos que nunca. Diego, um garoto que nem conhecia estava proporcionando isso, seu principal sonho: uma vida.

Entorpecidos pelo momento, não notaram a presença de Charlotte e de seu noivo Tadeo Hierra — Um mexicano alto de pele bronzeada e cabelos muito negros, assim como olhos e as sobrancelhas grossas — Os dois estavam lado a lado encostados à porta como se tivessem sido pegos fazendo algo errado.

— Oi — Falou a mulher, sem graça. Charlotte era alta, talvez até mais alta que Sebastian, os cabelos caiam como cascatas loiras e pesadas até a cintura, mas hoje estavam presos em um rabo de cavalo, as maçãs do rosto bem marcadas e redondas de cor própria; a boca murcha deixando-a mais velha do que aparentava; olhos azuis — Desculpe se chegamos de surpresa, mas como não tinha vindo domingo passado quis repor isso, né querida? — Direcionou-se a Summer.

— Oi mamãe. — Summer respondeu um pouco sem graça também, pois a presença da mãe sempre incomodara o pai. — Preciso lhe contar algo maravilhoso. — Anunciou sorridente.

Antes mesmo da loira se aproximar, Sebastian cortou seu ato.

— Eu digo a ela querida, em particular. — Deu um daqueles olhares que somente Charlotte reconheceria aquele olhar que não significava nem decepção, nem tristeza, apenas “Suma”. — Descanse agora, quero vê-la disposta mais tarde, com licença Doutora Campbell.

— Tudo bem, eu vou atender os meus outros pacientes. — Colocou a mão sobre a de Summer. — Fique bem. — E deu um sorriso.

— Eu estou bem.

***************

No estacionamento do hospital, Sebastian e Charlotte estavam em pé, sérios, olhando um para o outro como há muito tempo não faziam.

— Achei que tinha sido bem claro. — Relembrou a última conversa.

— Transparente, na verdade. Eu sei que fiz tudo errado até agora, mas estou tentando me redimir, eu preciso me aproximar da minha filha, ouviu? MINHA FILHA. — Falou quase gritando, Sebastian tinha que entender pelo menos uma única vez o seu lado.

Foi interrompida pela risada estridente que Sebastian deu.

— Agora é sua filha? Há cinco anos não era. Você quer repor um amor que não pode dar a si mesma. — Deu mais uma risada enquanto a reverenciava com a mão e de um instante para o outro sua expressão mudou, ficou sério novamente. — Pare de tentar se aproximar, a partir do momento que saiu por aquela porta esquecendo-se que tinha um marido e uma filha, não somos mais nada seu.

— Eu sei, eu sei... — Tentou revidar contra aquilo, mas sabia que não poderia, Sebastian estava certo, seus olhos marejaram e ela tentou segurar uma pequena lágrima vacilante, retirando uma força maior, continuou. — Eu errei. Admito. Reconheço meu erro, eu só quero que tente passar por cima disso e me dar uma nova chance, anos atrás...

Sebastian parou de ouvir quando Charlotte tentava explicar o que acontecera anos atrás e seus pensamentos transgrediram para aquela época.

Estava cansado, fisicamente e emocionalmente. As noites não eram as mesmas e as manhãs muito menos, desde que descobrira a doença de Summer os dois andavam mais afastados do que perto. Charlotte não era mais a mesma e os dois discutiam quase sempre por qualquer coisa, a casa tornou-se cinza e parecia que a morte havia chegado e se sentado à poltrona marrom desgastada. Estava sendo difícil. Primeiro porque não foi uma gravidez desejada. Segundo os dois eram jovens demais e ainda tinha essa doença. Sebastian amava as duas, tanto que não deixou que a esposa abortasse o bebê, pois amara a criaturinha antes mesmo dela nascer, decidiram por Summer, pois foi no verão de 1998 que se casaram, mas a alegria dos primeiros anos se esvaiu. Eram jovens demais, cheios de sonhos e expectativas e agora? Era uma vida por outra. Como viu Charlotte não estava disposta a trocar sua vida pela a de sua filha, mas Sebastian estava. E foi assim, que naquela manhã fria de 2010 que a loira partiu, sem ao menos dizer adeus, apenas um bilhete de que não suportava mais.

Quando acordou daquela lembrança Charlotte havia terminado de falar, os olhos azuis estavam segurando uma força que sabia que ela não tinha, o encarava como se soubesse o que ele estava pensando. Logo, assim como a lembrança o devastara o resto dos sentimentos que tinha por ela veio à tona.

— O que você quer? De verdade, me destruir, não achou suficiente o que fez? Pare! Será que não percebe o que está fazendo? Está trazendo tudo a tona. Você não escolheu estar comigo nesta batalha há cinco anos, então, por favor, vai embora. — Fez referência ao carro vermelho que estava estacionado.

Os olhos da loira se espreitaram.

— Só me deixe vê-la antes de ir, por favor. — Suplicou.

Sebastian suspirou.

Foi tudo que fez, Charlotte interpretou como um sim e andou até a porta, logo sumindo. Sebastian ficou um pouco de tempo mais parado, pensando sobre tudo, quando avistou Aanya com seus sapatos pretos de salto baixo correndo um pouquinho depressa demais.

— Você está bem? — Perguntou antes de se aproximar, os cabelos já estavam mais soltos do que preso e os olhos castanhos assustados.

— Não diria bem. — Deu um meio sorriso, colocou as mãos nos bolsos do jeans gasto e fitou o céu com os primeiros raios do sol — Nunca é bom conversar com Charlotte.

— Foi por isso que vim ver se você estava bem. — Sorriu. Sebastian tinha um afeto imenso por Aanya, mas a via apenas como uma irmã que às vezes tinha a chance de importunar.

Por outro lado, Aanya Smith se viu apaixonada por aquele pai solteiro desde que o vira pela primeira vez na ala de emergência do hospital com a filha nos braços pedindo por Deus que alguém o ajudasse, esta se aproximou e pegou a garota no colo a encaminhando para a Doutora Campbell que a examinou rapidamente, enquanto ela o acalmava e afagava seus cabelos cacheados.

— Tenho que ir. — Disse ela, dando mais um sorrisinho a ele.

— Pode ir.

— Vai ficar bem?

— Sim, sim.

***************

Havia se passado algumas semanas, Sebastian tinha tirado semanas de licença da escola para ficar com Summer o tempo que fosse necessário, exames foram feitos. A família de Diego tinha desembarcado em uma quarta-feira e desde então, ele estabeleceu uma boa amizade entre ele e sua família. Nesta manhã, o sol se escondia atrás de algumas nuvens e, apesar disso, fazia um calor bom. Summer estava deitada em uma cama bem mais animada, a pele continuava amarelada, mas o sorriso e a felicidade que exalava deixava toda sua doença embaçada lhe dando um aspecto saudável. Diego estava a uma cama ao lado, o menino tinha os cabelos negros e bem lisos, olhos castanhos escuros curiosos e pele de um branco amarelado, conversava algo com Summer, alguma coisa a ver com seu país.

Sebastian estava sentado em uma poltrona branca de bom estado, esperava um cappuccino que Aanya fora buscar para ele, na semana que se passou, ela ficou mais ao lado dele do que nunca, sempre tirava um momento de folga no atendimento e ia conversar com ele. Era bom, as horas passavam mais rápido e o alegrava um pouco saber que tinha uma grande amiga. Logo, avistou-a, o cabelo estava solto e a boca pintada de um vermelho vivo destacando mais sua pele branca.

— Desculpe a demora. — Falou ao se aproximar — Tive um pequeno imprevisto, e pelo que vejo terei que voltar rapidamente.

Ela entregou o café quentinho na mão dele, que tomou um gole e sentiu um calor instantâneo, sorriu a ela como agradecimento e depois fez menção para que se sentasse ao seu lado novamente, esta fez um gesto de que não poderia, mas pensando um pouco se sentou.

— Olha como ela está feliz, acho que não a vejo assim desde os quatro anos quando ganhou sua primeira bicicleta de natal. — Comentou.

— Você também parece mais animado, acho que não o vejo assim desde... — Pausou buscando algum momento na mente que o vira sorrir de maneira tão descontraída e vendo que não tinha nenhum, continuou — Nunca.

— É... Esses dias me trouxeram algo que não conheço desde os meus primeiros anos de casado. — Pensou em Charlotte sem motivo, na segunda-feira da semana passada ela tinha visitado Summer sorrateiramente, Aanya percebendo seu acesso de angustia ao lembrar-se da ex-mulher perguntou:

— Sente algo por ela ainda?

Sebastian riu. Era uma pergunta sem resposta, realmente não sabia vê-la fazia com que seu peito doesse sempre, levava ele a um passado que queria esquecer, ela continuava bonita a sua maneira e ao falar como se tivesse razão arqueava a sobrancelha e ele gostava quando ela fazia isso, o desafiava com a verdade, se fosse há outros tempos talvez a tomasse nos braços, mas nesses preferia esquecê-la, Charlotte era uma ferida aberta. Percebeu que a morena ainda o olhava esperando uma resposta.

— Não sei. — Foi tudo que disse.

Não foi bem a resposta que a garota esperava, sua expressão mudou rapidamente, era degradante como ele a torturava, como não conseguia esquecer uma mulher cruel que abandonou ele e sua filha sem ao menos olhar para trás, mais degradante que isso era o estado que Aanya Smith se encontrava: esperando por alguém com o coração preso no passado.

Ela se levantou e abandou a cabeça dizendo um “Tchau” sussurrante, dirigiu-se a porta tentando deixar sua mente em seu trabalho.

O homem ficou um pouco confuso com o ato, mas continuou a beber seu cappuccino e a observar Summer e Diego, agora falavam de desenhos animados, olhou para a porta e avistou duas figuras: uma mulher de cabelos castanhos até a altura dos ombros, a boca grande e fina estava com tom próprio, o queixo grande e os olhos pequenos e negros, pele clara e sobrancelhas arqueadas, segurava o braço de um homem mais alto que ela. Este tinha os cabelos e barba grisalha, pele bronzeada pelo sol, óculos vermelho de armação fina e antiga, nariz e olhos azuis grandes. As bochechas chupadas estavam espalhadas em um sorriso familiar. Sebastian reconheceu: Madaline Hopper e Paul Hooper, seus pais.

O casal andou até ele, mas antes que pudessem chegar foram chamados pela voz estridente de Summer.

— Vovó! Vovô! — Exclamou com o sorriso de orelha a orelha.

Rapidamente os dois, aproximaram-se dela e deram-lhe um beijo em cada lado da bochecha, ao verem o novo amiguinho e, já informados de quem se tratava, fizeram o mesmo com Diego, dando-lhe um beijo em cada lado da bochecha rechonchuda. Depois, encaminharam-se para Sebastian, este deixou sua bebida na mesa simples ao lado da poltrona, levantando-se abriu os braços para mãe. Abraçou-a. Afagou os cabelos castanhos e embrulhou o corpo pequeno em seus braços fortes e grandes, sentiu o cheiro do perfume de canela, cheirava a infância. Depois abraçou o pai, os dois eram da mesma altura, igualmente fortes, o abraço foi longo.

— Ah, querido. Pegamos o primeiro voo logo que soubemos. — Disse a mãe, com a voz doce. — Estamos instalados na antiga casa em Toronto e assim que terminamos de arrumar tudo por lá, corremos para cá. — Riu, acariciando o rosto do filho, passando as costas da mão pela barba por fazer. — Faz quanto tempo? Um mês e meio? Parecem dois anos para você, essa barba o deixa velho e esse cabelo por cortar? Sempre lhe disse que se cortassem todos esses cachos e deixasse o cabelo em uma altura razoável o deixaria mais jovem e com um aspecto menos triste, mas é teimoso como uma porta e desleixado tanto quanto o pai.

Sebastian deu um sorriso de canto, a mãe adorava dar palpites em sua aparecia.

— E o meu velho, com vai? — Era assim que se referia ao pai, colocou a mão nos seus ombros. — Ainda bebendo muito uísque?

Antes que ele pudesse responder Madaline interferiu.

— Com a mesma intensidade.

Fizeram um minuto em silêncio fitando Summer.

— Ela está ótima! — Disse Paul, cruzando os braços e observando a neta se entreter na conversa com Diego — Nem parece a menininha derrubada de meses atrás.

— Tem razão — Completou Madaline — Não vejo a hora de abraçá-la e fazer aqueles bolinhos para ela, empurrá-la no escorregador e balançá-la no seu antigo balanço de pneu.

— Eu mesmo farei isso.

Pensou em como seria colocar Summer em um balanço e empurrá-la até que sorrisse depois a imaginou comendo o bolinho que a mãe sempre fizera para ele quando criança; imaginou-se a colocando para dormir e depois a levando para escola, imaginou dias bons, dias que teria daqui para frente.

Amanhã seria a cirurgia, e estava ansioso. Depois que tudo corresse bem e ela descansassem iriam para casa, mas um pensamento lhe veio à mente: E se não ocorresse? O que faria? Como seguiria sua vida?


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem. ^^



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