A rainha pedinte escrita por Simão Souza


Capítulo 1
Capítulo único




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A rainha pedinte

O trepidar infinito da carroça já funcionava como um alento. Era possível dormir com tantos solavancos, e dormir era a parte mais agradável dos dias. Apesar dos pesadelos, ainda eram preferíveis à realidade. As memórias eram tudo o que Cersei queria deixar pra trás. Às vezes, chorava sem mesmo abrir os olhos. Na escuridão da traseira da carroça coberta por lona, seu mundo era um abismo gelado e tudo o que percebia do lado de fora eram pequenas réstias de luz e o som do atrito dos eixos e o trepidar das rodas contra o terreno. Vez ou outra, Qyburn e o menino conferiam-na para ver se estava bem, mas ao verem que ela não queria ser incomodada, logo tapavam a carroça de novo. Anestesiando-se da realidade até que fosse capaz de reagir novamente, assim tinha sido a última semana. Mas só era possível dormir durante o dia. À noite, não, eles não deixavam, vinham toda a noite transformar o mundo num terror insuportável.
Foi numa parada brusca que ela despertou. Estava mais frio a cada dia e aquele parecia ser o dia mais frio que já tinha vivido, mais ainda do que quando viajou a Winterfell. Tiraram a lona e uma tarde cinza e ventosa se revelou, mas ao menos a neve tinha dado uma pausa.
–Encontramos mais alguns pés de mirtilo, minha senhora. Qyburn parecia mais velho e lento cada vez que o via.
Mirtilos de novo? Não é possível que não se consiga mais nada pra comer. Cersei não suportava mais mirtilos. Somente fome desesperadora a fazia comê-los, mas já sentia até náuseas com o cheiro.
–O inverno torna tudo escasso, senhora. Se tivermos muita sorte, conseguiremos alguns peixes se acharmos um riacho. Por hora, coma o que puder, ou morrerá de inanição antes de chegarmos mesmo a Bosquedouro. Desatou um trapo com dezenas de frutinhas, a maioria congelada. O menino também tinha uma trouxa recheada, que devorava sentado debaixo de um carvalho gigantesco. Aproveitaram para catar algumas bolotas ali.
–Estamos onde agora? -Quantos dias mais de viagem? Queria estar longe o suficiente de Porto Real o mais rápido possível.
–Longe da metade ainda, senhora. Precisamos evitar a Estrada de ouro a todo custo, sabe que já é um risco nos dirigirmos a Rochedo Castelry. Temos que ser cuidadosos, e rezar para que pensem que morreremos de frio e fome antes de chegarmos a qualquer lugar.
–E deveríamos fugir pra onde? Um rompante de raiva correu pela espinha de Cersei. -O Rochedo é um dos poucos lugares que ainda não foi tomado! -A aliança do maldito dragão com Dorne tomou o Sul inteiro mais rápido que o Conquistador. Depois do que fizeram com Tommen e Myrcela, quem sabe o que fariam com ela, se recapturada?–Tentar fugir por mar seria entregar-se de bandeja. -E o Norte, iria ao inferno antes de dirigir-me para o Norte.–No Rochedo tenho chance de encontrar ajuda.
–Tem razão, senhora, não tínhamos opção. Contudo, o risco ainda é grande, daremos uma volta mais demorada, mas seguiremos mais seguros.
Cersei deu uma olhar pensativo ao menino ali comendo mirtilos. Tão pequeno e raquítico. Não fazia idéia de seu nome ou de que esgoto havia saído. No entando, era seu salvador. Mais uma das ironias em sua trajetória. Já havia perdido completamente as esperanças, dias passados na cela da prisão, fedendo a mijo e se alimentando de lixo, quando ele apareceu, abrindo as celas libertando a ela e a Qyburn, um milagre inimaginável. Um passarinho, antigamente a serviço de Varys. No fim, eles seviram muito melhor a Qyburn, tão logo a Aranha desapareceu de Porto Real. Ela estava tão irreconhecível, que não foi surpresa conseguir passar incógnita. Parecia uma mendiga, cabelos curtos e ensebados vinte anos mais velha. Duvidava que a reconhecessem, mesmo no Rochedo.
–Já podemos ir. Precisamos de um lugar mais escondido para passar a noite - disse o pequeno maltrapilho.
Cersei pôs-se no vagão da carroça, mas dessa vez sem cobrir a frente, no que via os dois em seus cavalos. Qyburn guiava a carroça, enquanto o menino montava seu cavalo separado, acompanhando-os sempre bem de perto.
–A uma semana de viagem há uma estalagem, se ainda resistem ao inverno. É a única oportunidade de comer e dormir bem durante a viagem toda. Usem bem os veados de prata que lhes arrumei, mas não gastem tudo. Os tempos são difíceis e nem eles devem ter abundância de comida.
Quando a noite já caía quase por completo, abrigaram-se em um pomar ao redor do que um dia havia sido um rio, hoje um discreto sulco na neve. O vagão era grande o suficiente para os três, mas como ela não dormia à noite, sobrava ainda mais espaço. Conversaram um tempo sobre Aegon, sobre Daenerys Targaryen, sobre o levante do Norte e do Vale, a carnificina nas Gêmeas e sobre o terror dos homens de ferro. Estranhamente, a ameaça mais terrível não era nenhum deles. O que assombrava o futuro ali e em todo o canto era o inverno. Era como se a morte por frio e fome fosse apenas uma questão de tempo. Mas não para Cersei. Ela sobreviveria a tudo. Se os dragões voltaram, se os lobos foram capazes de se reerguer depois de tudo, os leões também conseguiriam. Depois que os dois adormeceram, Cersei apagou a vela e viu-se novamente em meio à amargura de suas lembranças. Sempre esteve sozinha, é verdade. Mas agora parecia que era só ela no mundo. Sentia tanta falta de Jaime. A lembrança dele a fez reviver o momento em que recebeu sua cabeça, dentro de uma caixa. Todo o horror daquela visão a fez estremecer. Mas nada podia ser pior do que ver a cabeça de Tommen nas muralhas de Porto Real. Tão jovem, tão inocente... Ela teria sua vingança, a seu tempo. Joffrey, Myrcela, todos seriam vingados, mas antes, ela precisava viver. Foi então que começou. Um único e solitário uivo trouxe um calafrio que chacoalhou seu corpo inteiro. Outros dois juntaram-se a ele, depois outros, e mais outros, até que Cersei tinha a sensação de que os lobos estavam uivando todos ao redor da carroça. Como acontecia toda as noites.
Depois de dois dias, o menino anunciou que os deixaria, para retornar a Porto Real.
–Diga ao menos seu nome. Libertou-me daquela prisão imunda e da morte certa, quero saber a quem deveria ser grata. - disse Cersei, ainda desconfiada com tamanha lealdade do passarinho a Qyburn.
–Acaso as aves livres na natureza têm nome, senhora? Os passarinhos que ganham um nome são apenas os que vivem engaiolados. Para o bem de todos, é melhor que eu não tenha nome.
–E por que se arriscou por nós? Não estamos em posição de compensá-lo e só um tolo apostaria que algum dia estaremos. - Pressionou Cersei.
– As pessoas que detém o poder nesse momento não precisam de favores. É isso que fazemos. Não pense que é a única que nos deve gratidão. - disse o franzino menino, com um sorriso de quem não dizia nem uma pequena parte do que sabia.
Cersei lembrou-se da fuga de Tyrion e pareceu que as coisas ficaram mais claras. O menino se foi então com seu cavalo, e Cersei e Qyburn seguiram viagem.
No dia seguinte passaram por uma vila abandonada, as portas dos casebres soterradas pela neve, que voltava a cair. Uma árvore-coração resistia ao manto de morte que cobria a Campina e provavelmente Westeros inteira. Os olhos vermelhos os acompanhavam devagar e pareciam sussurrar através das espirais de neve.
–Ao avistarmos o Mande, seguiremos para norte -disse Qyburn. -Não sobreviveríamos a uma travessia pelas montanhas, então teremos que arriscar um trecho da Estrada de ouro.
Por um instante, Cersei considerou ir a Mesalonga, à procura de Taena Meryweather, mas não valia o risco. A Campina toda estava sob o domínio do jovem Dragão.
–Nós conseguiremos - respondeu Cersei, mais para si mesma.
–Se me permite questionar, Vossa Graça, o que será feito de mim quando alcançarmos Rochedo Castelry? - perguntou o ex-meistre, e Cersei não deixou de notar a curiosa mudança no tratamento a ela.
–Não sei, não estou pensando nisso - respondeu Cersei, irritada. -Escapou da morte, certo? O que espera de mim? Na situação em que estou, tenho de preocupar-me em sobreviver, não posso carregar ninguém comigo. Cersei não sentia gratidão pelo homem. Não depois de Robert Strong. No fim das contas, apesar de ter esquartejado sor Osney Kettleback no julgamento por combate, todos ficaram horrorizados com a identidade do monstro revelada. Cersei e Qyburn passaram a ser julgados então pela aberração que haviam criado. Obviamente, ela nunca obteria justiça naquela corte, especialmente depois de terem inocentado Maergery Tyrell.
–Naturalmente, senhora - disse Qybrun, com uma expressão vazia em seus olhos azuis.
A fome, o frio e a amargura matavam-na a cada hora e já não pensava em outra coisa que não fosse a estalagem. Se não estiver funcionando, morremos. Dormiu a maior parte daquele dia, interrompida apenas ao despertar dos pesadelos. Sonhou novamente com Gregor Clegane, em seu julgamento por combate. Em sua fúria cega, acabou com Osney sem sentir nenhum dos golpes que tomava. Mas quando ergueu a cabeça decapitada, era a de Jaime. Ao lado dela, percebeu o anão rindo histericamente, apoiando as mãos nos joelhos atrofiados. - A alegria irá se transformar em cinzas em sua boca! - bradou Tyrion.
Dois dias depois, chegaram ao Mande e, antes de mudar a trajetória para norte, Qyburn conseguiu alguns peixes, com muito custo. No entanto, já não dispunham de fogo, e tiveram que devorar pedaços crus, o que não lhe caiu bem mesmo quase morrendo de fome. O rio era belo mesmo sem o verde dos campos ao redor e era possível avistar as montanhas a noroeste. Estavam mais perto agora, a sensação era de que o pior tinha passado. Qyburn parou a carroça de repente e ficou em silêncio por alguns minutos, até que Cersei saiu pra ver o que havia.
–Porque parou?
–Parece que estamos sendo seguidos, senhora. - respondeu Qyburn. Há dois dias, algo se move por entre as árvores atrás de nós.
Será que nos acharam? - pensou ela, subitamente apavorada. Não... deve ser mais um maldito lobo. Nunca os avistou, mas sabia que estavam por perto, pelos uivos noturnos. -Devem ser lobos. Vamos seguir viagem, Qyburn.
Alguns dias depois, chegaram à Estrada de Ouro, ao que logo avistaram uma discreta fumaça no horizonte, indicando que a estalagem estava próxima e ativa. Por meio segundo, Cersei sentiu as esperanças renovarem-se. Mas, ao longe na estrada, meio borrados pela neve, vinham três cavaleiros na direção deles.
–É tarde para nos escondermos, senhora, já nos viram. - disse Qyburn.
–Estão apenas passando, pelos sete, não são ladrões. - Disse Cersei. Viemos até aqui a salvo, não vamos falhar agora. Mas, ao que parecia, os deuses não estavam do lado dela. Cersei escondeu-se por baixo da lona.
Os cavaleiros se puseram no caminho, de modo que foram forçados a parar a carroça. Eram uma mulher e dois homens.
–Olhem só, companheiros. Parece que a sorte mudou hoje? - gritou uma voz grave, porem feminina. Velho, poupe-nos tempo e entregue tudo de valor que tem.
–Pela Mãe, tenham misericórdia. - implorou Qyburn. Não levo nada de valor, sou apenas um pobre doente!
–É, parece que não será fácil mesmo, Jonelle. - resmungou um dos homens. -Desmonta! - Logo em seguida tiraram a lona, revelando Cersei. -Mas vejam só! O velho levava sua puta escondida!
–Puta? Descarnada desse jeito e com essas tetas murchas não serve nem pra isso. - disse o outro homem, mais alto, magro e com grandes olhos negros. Ambos estouraram em risos.
–Calem a boca, vocês não estão em condições de escolher nem suas putas! - Disse a mulher. Cersei levou alguns segundos admirando-a. Jonelle era uma das mulheres mais belas que já tinha visto. Voluptuosa, longos cabelos negros cacheados - presos por uma espécie de tiara parecida com uma coroa, ela não pôde deixar de notar - lábios corados, lembrava muito a senhora Taena Meryweather, embora rusticamente vestida. Parecia ser a líder dos três e quase teve uma empatia por ela, não fosse o perigo iminente.
– Não temos mais nada, acredite. Leve a carroça e o cavalo. - Suplicou Cersei, sentindo o peso dos veados de prata escondidos em sua bota. É tudo o que possuo na vida agora. - pensou.
–Parece que precisamos de um pouco de verdade aqui, Nestore. - resmungou a Mulher. O homem mais baixo de barba ruiva, que estava por trás de Qyburn, sacou uma foice curta e, com um golpe no pescoço, quase decepou sua cabeça. Antes que ele caísse, mais um golpe terminou o trabalho e a cabeça separou-se do corpo e rolou para o lado, o que imediatamente fez Cersei lembrar de Jaime.
–Está claro agora, ou quer perder mais alguma coisa? - Disse Jonelle. O outro homem, mais magro , olhos grandes e nariz adunco, aproximou-se um pouco, sorrindo entre dentes marrons e falhas.
–Espere! - gritou desesperadamente Cersei - tome, é tudo o que tenho - descalçando a bota e entregando os veados de prata. -É tudo, pelos Sete!
–Não está mal. Ned, pegue o cavalo e a carroça, podemos conseguir alguma coisa por eles, e prata será bem útil em Solardeprata - ordenou Jonelle.
Cersei ficou um tempo de joelhos ali na neve, apenas ouvindo os som dos três se distanciando. Ao erguer a cabeça, ela avistou novamente a coluna de fumaça, calçou a bota e pôs-se a andar, juntando as forças que ainda lhe restavam.–Estou quase lá!
Era uma estalagem de pedra pequena, porém bem conservada, telhado de palha, um estábulo ao lado e uma pequena torre no piso superior. Alguns homens preparavam cavalos próximo ao estábulo, quando notaram sua presença. Cambaleando, Cersei andou mais um pouco antes de cair, exausta.
–Mãe misericordiosa, vejam! - um deles gritou. -O que faz por aqui nesse tempo sozinha?
–Fui roubada. Por favor, acudam - balbuciou ela entre lábios roxos e trêmulos.
Levaram-na para dentro e deitaram-na sobre um tapete de couro no chão. Era um cômodo amplo, com mesas e uma tipo de bar, com uma lareira acesa num dos cantos. O calor ambiente era tão agradável que Cersei quase chorou.
Foram aquela mulher com os dois vagabundos, não? - perguntou um homem grisalho, hálito de vinho. Via-se que não eram boa coisa.
Sim, foram eles - respondeu. Mataram cruelmente meu marido, por pouco consegui escapar.
–Tia Hilde! - gritou um outro homem. -Aquela Jonelle e os outros atacaram esta mulher e mataram seu marido na estrada!
Surgiu dos fundos da estalagem um velha bem pequena e enrugada, longos cabelos grisalhos, apesar de muito ralos, a ponto de se enxergar toda a extensão de seu couro cabeludo. Exibia dentes espaçados numa boca tenebrosa, manchada de vermelho por folhamarga.
–Pelos Sete! - esbravejou a velha. -Deixem-na respirar, afastem-se que eu cuido dela! Está ferida, filha? - antes que Cersei pudesse responder, emendou outra pergunta - Pobre mulher, está tão magra e pálida que não sei como chegou aqui.
–Tenho um pouco de tontura. - respondeu Cersei quando a velha abriu uma deixa. Por favor, estou faminta e não sei pra onde ir, levaram tudo o que eu tinha. Eu pago quando puder, ou com serviço. Tem minha palavra. Piedade, senhora!
–Mas é claro... claro que você está desesperada, não é? - Hilde fez uma expressão de desdém -Veremos o que posso fazer por você. Os dias estão difíceis, não temos muito a oferecer aqui, quanto menos de graça. E vocês três, já mandei irem, não vou mandar outra vez! E é bom voltarem com um bom estoque de carne ou nem pensem em retornar!
–Já estávamos de saída quando ela apareceu, tia - argumentou outro homem. -Estarão bem até voltarmos? Essa mulher acabou de ser atacada...
–Eles já passaram por aqui, não vão voltar com certeza - resmungou Hilde. Ainda teremos Bartel para alguma necessidade... Cersei percebeu um homem sentado em uma cadeira no canto do grande cômodo, cabeça baixa e um copo de alguma bebida sobre a mesa. -Além do mais, estaremos mortos em algumas semanas se não arrumarem comida. Que o Pai os acompanhe, andem!
Depois que saíram, a velha Hilde levou alguns minutos conferindo possíveis ferimentos, deixando-a mais confortável e dando-lhe algumas infusões. -Temos pouco, mas servirá para mantê-la em pé. Sopa de cebola engrossada com alguma aveia, pão seco de centeio e algum mel. Rezemos para que os rapazes encontrem algum veado. - Apenas mencionar isso fez a boca de Cersei salivar e o estômago roncar.
Após umas duas horas, a senhora Hilde anunciou que sairia em busca ervas para algum remédio. Tome conta dela, Bartel! Não demorarei muito. Com sorte conseguirei cogumelos e sementes - avisou.
Bartel devia ter não mais que 30 anos, era até bonito, com um maxilar bem desenhado e longos cabelos castanhos.
–É filho ou sobrinho da senhora Hilde? - iniciou Cersei.
–Nem uma coisa, nem outra - respondeu o homem. - Sou apenas um empregado, estou aqui há um mês. - Cersei percebeu uma certa luxúria em seu olhar. -Tive que me afastar por um tempo do vilarejo onde vivo, até que a poeira baixe, e como já conhecia a estalagem... - Cersei o interrompeu:
–A julgar por sua aparência, deve estar fugindo de algum marido traído... estou certa?
–É, mas a culpa também foi dela - retrucou Bartel. Jamais olharia uma segunda vez para uma mulher se ela não correspondesse meu olhar. Temos pouco, mas temos cerveja, beba comigo senhora. Ainda não mencionou seu nome...
–Maergery, senhor - respondeu, servindo-se um grande caneco de cerveja. -Gostei de você, Bartel. Preciso agir rápido.–Pelo que percebi, os rapazes podem demorar alguns dias a voltar, certo? Estou a caminho de Rochedo Castelry - tomou um bom gole de cerveja. - Quero recomeçar a vida lá, tenho amigos com quem contar para resistir ao inverno. Venha comigo. Acabei de perder meu marido, sozinha não conseguiria, preciso de um homem forte ao meu lado.
O homem espantou-se, mas parecia estar se divertindo.
–É o luto mais rápido que já vi, senhora. - o homem deu um sorrisinho malicioso. -Apesar de sua imensa tristeza, ainda posso ver alguma beleza aí. Sabe, Maergery, a vida por aqui não tem muita emoção... ou mulheres. Como poderia recusar tal aventura? - curvou-se sobre a mesa para acariciar seu pescoço. Quero você toda, agora.
–Também o quero, muito, mas calma - Cersei afastou a mão do homem. - Primeiro precisamos cuidar da senhora Hilde. Vamos precisar de cavalos e de todo o dinheiro que ela tiver.
–Certo - disse Bartel. -Esperamos ela dormir, então acabamos com ela e pegamos o que pudermos levar.
Algum tempo depois, Hilde retornou trazendo algumas ervas, cascas de árvores e cogumelos. Serviu um chá escuro e amargo a Cersei, segundo ela, para curar a anemia.
–Ficaria surpresa com o que podemos encontrar na floresta - disse a velha, com seu sorriso medonho. No entanto, alguma comida decente seria bem-vinda, medicamentos não sustentam ninguém. - Bartel limpava alguns copos no balcão. - Há meses não avistamos veados, e quase não há peixes nos rios. Trabalho dos malditos lobos, certamente. Não acreditaria no que vi dia desses, no bosque.
Cersei estava sem paciência para as conversas da velha, queria que fosse logo dormir. -Não posso arriscar que os outros voltem antes da hora– pensou.
–Certamente algum lobo faminto! - Cersei sentia os olhos começarem a pesar. - A senhora não deveria andar sozinha, quem sabe do que essas feras podem querer se alimentar. Bem que podiam tê-la devorado dessa vez– deixou por dizer.
–O que vi foi muito mais aterrorizante, senhora - o tom sombrio na voz da velha fez Cersei lembrar-se de Maggy, a rã. -Um grande dragão negro sobrevoou as árvores, acredite. Não pensei que veria algum nessa vida, mas vi. Acha que a velhice me levou a sanidade, não é? Não a culpo. Me pergunto quantos de nós a manterão.
Cersei sorriu o mais docemente que conseguiu. - Pois acredito, senhora. Dragões têm tirado meu sono ultimamente... - Sentiu como se o pescoço não suportasse mais o peso da cabeça e a voz da velha começou a ficar distante, como se ecoando no fundo de uma caverna distante.

Quando acordou, estava deitada em uma cama, num quarto pequeno, recostada sobre um travesseiro de modo que pudesse ver todo o recinto. Sua própria respiração exalava um cheiro forte, sentia-se levemente embriagada. Na frente da cama, encarando-a, estava a senhora Hilde, ostentando um enigmático sorriso, sem mostrar os dentes. Cersei quis falar, mas não conseguiu abrir a boca. Então percebeu que não podia mexer nenhuma parte do corpo, nem mesmo o pescoço. O ar enchia e esvaziava seus pulmões com dificuldade, mas não havia força para fazer saírem palavras. Pelo sete, o que ela fez comigo? A sensação era de estar presa dentro de um cadáver.
–Uma pena que não consiga falar, senhora - começou Hilde. - Gostaria muito que tivéssemos um diálogo. Ficaria surpresa com as coisas que se pode encontrar na floresta. Alguns cogumelos, misturados a certos venenos, certas ervas. Logo, se juntará a Bartel nos sete infernos.
–Como ela descobriu? Será que ele contou a ela? Será que estava fingindo o tempo todo? Não... ela o envenenou, e vai me matar também. Como é possível?
–Aposto que está se perguntando: como essa velha decrépita conseguiu? Saiba que faz tempo que desejo esse encontro.
–Ela me conhece? Será enviada por Varys? Sentia lágrimas quentes correndo por seu rosto.
–Sabe, Vossa Graça, as aves que vivem livres na natureza não têm nome. Mas os lobos selvagens têm, e você sabe o meu. Hilde passou então a mão pelo rosto, e pareceu que ele derreteu como cera quente. Debaixo daquela máscara, surgiu um rosto familiar. - Meu nome é Arya, da casa Stark.
Cersei teria sorrido, se conseguisse. Nem mil previsões de Maggy a preveniriam disso. Sete infernos, preciso me mover...
–Como é saber que vai morrer em alguns instantes? Acho que é hora de fazer suas orações. Eu também sabia uma, mas não precisarei mais dela agora. Ninguém saberá que estive aqui e ninguém saberá quem era a mendiga que morreu na estalagem no meio da neve. - A menina subiu na cama.
Cersei não tinha forças nem pra se desesperar e apenas pensou: -que seja rápido. Arya pôs as mãos em volta de seu pescoço começou a sufocá-la. Antes que a escuridão caísse totalmente sobre ela, pensou em uma palavra: valonqar.


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