Déjà vu escrita por Els


Capítulo 3
Partida surpresa




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A partida de vôlei se desenrolava sem complicações para o lado composto pelos titulares, que, a bem dizer, “massacrava” o time reserva.

Étienne executou o levantamento em timing perfeito para um dos jogadores próximo à rede, que saltou, fazendo uma finta e abrindo espaço para que outro atacante, disposto atrás da linha central, subisse, espalmasse a bola com toda força e a encaixasse numa brecha da quadra oposta, marcando mais um ponto para a equipe principal. À medida que o sexteto comemorava o lance bem sucedido, os reservas, em contrapartida, praguejavam por perder mais uma jogada.

— O que é isso, bichinhas? — O educador físico e treinador das equipes masculinas e femininas de vôlei, Sr. Dawson, puxou seus ralos fios de cabelo. Se continuasse agindo desse modo, em breve, estaria mais careca do que o esperado para a sua meia-idade. — É assim que pretendem ingressar no time principal?

O treino seguiu nesse ritmo tenso, como sempre acontecia perto dos campeonatos. Além do mais, os nervos achavam-se à flor da pele, porque, pela primeira vez, a Escola de Kansas City participaria da competição interestadual. O primeiro jogo seria disputado contra a East Boston High School, incluída entre as favoritas à vitória, uma previsão que não colaborava para deixar os rivais de Kansas City em estado confortável.

No entorno da quadra, as líderes de torcida faziam ajustes finais na coreografia de apresentação, e as garotas do time feminino se aqueciam, visto que dali a pouco começaria seu treinamento e, com certeza, o Sr. Dawson iria exigir o máximo de seus esforços.

Os alunos que não compunham as equipes esportivas ou o grupo de torcida foram liberados para circular pela parte externa do colégio. Alguns preferiram assistir ao jogo das arquibancadas, pois o dia amanhecera demasiadamente frio e não era uma boa ideia perambular pelo pátio com uma possível nevasca a caminho. Maggie se encontrava entre estes. Não que ela tivesse interesse em babar pelos garotos com suas camisas brancas do uniforme coladas no corpo devido ao suor, assim como as colegas de turma. Mas, todos os dias acompanhava os lances das partidas, desejosa de também participar.

Em virtude desse pensamento, ela se encolheu, abraçando o próprio corpo. A mera premissa de usar o uniforme do time causava-lhe arrepios de pânico. A garota não fazia o tipo puritana ou qualquer coisa coligada a isso; sua aversão ao shortinho azul marinho colado e à camiseta branca devia-se estritamente ao acidente de carro que ela sofrera há um par de semanas, o qual não só a deixou órfã, como também marcou sua pele excessivamente branca com muitas cicatrizes horríveis. Eram marcas notáveis tanto na superfície quanto em seu íntimo em frangalhos, e lhe serviam de lembrança do acontecimento que ela desejava esquecer, ainda que fosse impossível.

A antiga Maggie que amava o desafio de uma boa competição não existia mais, ou então fora envolvida por um sono profundo. Ela mal podia — ou queria — pensar na possibilidade de retornar a campo. Apesar disso, lembrava-se de como era prazeroso estar em jogo, sentindo a adrenalina correr em seu sangue, a emoção de marcar um ace¹, e mesmo a apreensão dos últimos minutos das partidas.

A seu lado, contava com a companhia inseparável de Leiann, a melhor atacante de vôlei de que ela já tivera conhecimento, além de ser sua amiga e maior incentivadora. No entanto, as memórias desses dias felizes pareciam meio enuviadas, semelhantemente a sonhos que nunca se realizaram no plano real.

O apito soou, decretando o final do treino masculino.

O Sr. Dawson ainda esbravejava e puxava os cabelos ao passo que o suor se acumulava e escorria por sua testa oleosa, de modo a aparentar que o próprio tivesse acabado de competir com os outros rapazes. Acostumados com o temperamento comumente hostil do professor, nenhum dos garotos atribuiu muita importância aos seus ataques histéricos. O grupo se dispersou. Uns dirigiram-se ao banco em busca de descanso, outros foram caçar alguma garrafa d´água ou isotônico dentro do reservatório de isopor.

O levantador² do time, Étienne Broux, se deleitava com um generoso gole de Gatorade quando foi surpreendido por alguém pulando em suas costas e enganchando as pernas ao redor do seu tronco. Ele cambaleou, pego desprevenido, porém retomou o equilíbrio e sorriu em resposta ao risinho excitado próximo à sua orelha.

— Ótimo jogo, garotão! — disse Meredith animadamente; logo em seguida, a líder de torcida pressionou os lábios na bochecha suada do rapaz.

— Sabe, você não deveria ter feito isso. Eu podia derrubá-la no chão agora mesmo.

— Olha que grande cavalheiro! — ela caçoou, entretanto escorregou por suas costas até alcançar o chão outra vez.

Ao se ver livre, o levantador virou-se de frente para a menina e, sem demonstrar as reais intenções, a abraçou de forma a prendê-la contra seu corpo e começou a esfregar o suor de sua face e a sacolejar o cabelo comprido na garota, que, em vão, tentava se esquivar das investidas ao mesmo tempo que gargalhava.

Todos, perto deles ou não, observavam a cena. Os meninos, intimamente invejosos de Étienne, pois apesar de que este não fosse o capitão, título conferido a Kyle Bronster, era o jovem de pele morena e corpo repleto de tatuagens quem se destacava como estrela, dentro e fora de quadra. As garotas, em contrapartida, cientes de que não tinham a menor chance com o levantador, sentiam ciúmes de Meredith. Afinal, pairava no ar a suspeita de que havia alguma coisa entre eles, embora os dois não assumissem outro tipo de relacionamento que não uma sincera amizade.

Maggie também assistia à interação bem-humorada da dupla de amigos, tão cúmplices, tão próximos, parecendo parte um do outro. De acordo com a adolescente, essa relação era estranha, principalmente levando-se em conta a maneira taciturna como o rapaz se comportava com os colegas, incluindo ela. E sem nenhum motivo evidente. Esta impressão só se intensificava com o passar dos dias, posto que eles se encontravam pelo menos em dois momentos: durante a aula de educação física do primeiro tempo e na última aula, a de biologia laboratorial, na qual o dito cujo recebera a incumbência da monitoria.

Exceto pelo primeiro dia de Maggie na nova escola, em nenhum outro momento o rapaz tomou a iniciativa de mais um contato. Mesmo quando atuava como monitor, Étienne parecia não notá-la. Olhava para todos na classe, atento a qualquer um que, possivelmente, solicitasse sua ajuda, no entanto nunca dirigia a atenção à recém-chegada. Embora Margott tentasse manter-se o mais distante possível dos holofotes, considerava-o uma pessoa frustrante, sobretudo porque sua dupla de laboratório, ao contrário dos outros, era um garoto imprestável, que nem sequer permanecia acordado a maior parte do tempo.

No fundo, ela presumia que, assim como os demais colegas, Étienne se deixara influenciar pelas notícias tendenciosas que a imprensa local insistia em propagar a seu respeito. Margott não tinha paz, já que a âncora do jornal das sete, Silvia Sparks, vivia levantando hipóteses relacionadas ao acidente que deu cabo à vida dos seus pais. Não só era obrigada a reviver a história, que ainda permanecia vívida em suas memórias, como também tinha que lidar com olhares perscrutadores e críticas de quem não sabia de nada do que acontecera naquele dia, uma vez que nem ao menos Maggie era capaz de se lembrar dos eventos que desencadearam o desastre.

Os seus pensamentos foram dispersados por causa dos comentários oriundos da dupla de amigas sentadas poucos bancos mais atrás; ambas falavam sobre os jogadores.

— O Kyle foi incrível hoje no jogo, não acha, Harriet? — disse uma das garotas em tom de confidência.

— Não é à toa que ele é o líder — respondeu a outra. — Mas o Étienne... Ele arrasa!

As duas suspiraram audivelmente.

— A Meredith que tem sorte. Aliás, um gato como ele só iria olhar para uma líder de torcida mesmo. Com aquelas saias minúsculas que quase mostram seus úteros, elas têm a atenção de qualquer idiota.

A amiga concordou com um resmungo.

Maggie deu um discreto sorriso torto, balançando a cabeça negativamente. Neste mesmo instante, o time feminino entrou em quadra e deu início aos alongamentos enquanto os ajudantes terminavam de limpar as poças de suor deixadas pelos garotos. Em seguida, a capitã, Kelly Foster, reuniu o grupo, e após dizer suas palavras de incentivo, as garotas proferiram, em uníssono, o lema do time: “Lutar até o fim e foco no jogo. Aves de Rapina!”

O professor passou os olhos pelas onze jogadoras devidamente organizadas em seus postos. Mas espera... Onze? O homem inspecionou à volta, atinando para a ausência da líbero³ titular. Seus olhos fuzilantes encontraram o rosto da capitã.

— Onde a Srta. Davidson se meteu? — ele trovejou.

— Treinador... — Kelly deu um passo à frente na medida em que o restante da equipe recuava de medo, pressentindo a tempestade que viria a seguir. — A Emily teve uns contratempos... femininos.

— Contratempos femininos? Mas que porra...?! — Uma veia saltou no pescoço do homem enfurecido. E lá se foi mais um tufo do próprio cabelo... O Sr. Dawson fechou os olhos por um momento e, ao reabri-los, parecia um pouco mais sob controle, entretanto suas íris flamejavam. — Diana, você será a substituta da Emily por hoje. Anda, mova-se! — ele gritou para a líbero reserva, que instantaneamente se apressou em direção ao lado oposto do campo. — E espero que a Srta. Davidson tenha uma desculpa muito boa!

Depois de resmungar por mais alguns segundos consigo mesmo, desviou os olhos para a arquibancada à procura de alguma aluna que tivesse o perfil correspondente ao de uma líbero, ou seja, uma menina pequena e magra, mas não tanto, e que pudesse se movimentar com agilidade no fundo de quadra. De repente, percebeu uma ruiva encolhida nas fileiras mais altas. Reconheceu-a como sendo a tal adolescente que ganhara uma má fama por estar envolvida num caso de acidente automobilístico intricado com vários mistérios. Bem, ele não se importava com nada daquela história, considerava tudo aquilo uma baboseira sem precedentes.

Quanto à ideia de uma esportista em potencial, a garota parecia frágil demais, porém sustentava um olhar firme e focado, assim como dizia o bordão do time. Em vista das alternativas sobressalentes, cuja falta de inclinação para o esporte era notória, não lhe restava qualquer opção senão aquela.

— Ei, novata! — Ele apontou para Maggie. A garota olhou à volta e, ao reparar que não havia ninguém próximo, indicou o próprio peito e balbuciou um “eu?”. — Sim, você mesma. Venha até aqui.

“Oh, não!”

Maggie pensou em negar, preocupada com a previsão do que estava prestes a acontecer. Mas quando se deu conta do ataque de nervos — agora endereçado a ela — emergindo do treinador, preferiu levantar-se e caminhou, obedientemente, até onde o Sr. Dawson se encontrava.

— Vista o uniforme de educação física, porque você vai substituir a líbero reserva — ele anunciou sem rodeios, e já fazia menção de voltar-se às jogadoras que aguardavam seu comando para iniciar os passes, mas estancou no lugar devido à hesitação de Margott.

— E-eu...

— Alguma objeção? — O professor estreitou as pálpebras, desafiando-a a contestar. — Você será apenas uma tapa-buracos, não precisa se preocupar.

Ela engoliu em seco.

— Então, já que é assim, eu posso jogar com essas roupas mesmo, não é? Não preciso colocar... hm... aquele short. — Os olhos arregalados da moça fitaram as pernas nuas de uma jogadora mais próxima.

O treinador franziu as sobrancelhas, duvidoso quanto à sanidade da menina.

— Com esse moletom e calça jeans? — A garota afirmou veementemente com um aceno, não deixando dúvidas da sua decisão. O professor rolou os olhos. — Tá, que seja! Apenas dê umas voltas em torno do ginásio para se aquecer. Se você desmaiar por estar dentro desse casaco, o problema é seu.

“Que simpatia!”

Logo que o Sr. Dawson lhe deu as costas, ela respirou fundo, preparando-se para enfrentar aquela situação inusitada. Margott não treinava há mais de duas semanas — pareciam ser anos, na verdade —, desde que houve o feriado prolongado do Dia de Ações de Graças e depois a tragédia que... A garota abanou a cabeça e expulsou o mau pensamento. Precisava se concentrar, ainda mais porque iria assumir uma posição na qual nunca estivera antes. Mesmo tendo a estatura mediana, sempre jogou na função de levantadora.

Arregaçou as mangas do agasalho até o nível dos cotovelos, prendeu o cabelo num coque e começou a correr; primeiramente, em ritmo lento e, gradativamente, ia aumentando a velocidade. A jovem sentia os olhares curiosos em cima dela, porém decidiu ignorar a todos. Se parasse para pensar no que estava fazendo, certamente teria fugido do ginásio num pestanejar. Por isso, buscou esvaziar a mente de tudo o que não condizia à competição.

“Somos só nós, as jogadoras, e a bola”, ela repetiu em seus devaneios o mantra que Leiann costumava usar quando a pressão do jogo atingia o ponto de oprimi-las. “Além disso, é apenas um treino. Só mais um, Maggie...”

— Venha logo para cá, novata! — o Sr. Dawson berrou alguns minutos depois. — Já está suficientemente aquecida. Se aquecer mais, provavelmente entrará em colapso! — A garota se aproximou das meninas que já haviam se posicionado. — Você ficará no lado das reservas e, por favor, tente não quebrar nenhum osso... das minhas atletas, eu quero dizer.

Margott assentiu, de certa forma, achando graça na recomendação ríspida e, concomitantemente, sincera do instrutor. As jogadoras a observavam com minúcia e a julgavam de modos variados, bem como os espectadores. Porém, mais uma vez, a moça resolveu manter a concentração no que era realmente imprescindível. Sem a necessidade de ser indicada à sua colocação em quadra, ela se encaminhou ao fundo e agachou-se levemente a fim de receber o primeiro saque das titulares.

O ruído do apito tilintou nos ouvidos aguçados das garotas.

A levantadora, Pamela Kert, preparava-se para a jogada enquanto mirava Margott com olhos de águia, uma autêntica ave de rapina. Lançou a bola para o alto, subiu e a espalmou, projetando-a para cima da líbero substituta. A menina estava posicionada corretamente, tinha os olhos fixos na bola, mas se atrasou no passe e recebeu em cheio uma pancada na lateral do rosto. O impacto a derrubou no chão. As respirações foram suspensas e o silêncio preencheu o ambiente.

— Pamela! Você fez de propósito! — Meredith acusou em meio a um gritinho exasperado.

— Não se meta no jogo, patricinha! — zombou a levantadora. — Vá agitar seus pompons no seu devido lugar.

Afora a discussão das duas alunas, ninguém se pronunciou, tampouco o treinador, que escolheu uma hora extremamente inapropriada para demonstrar em sua fisionomia o mais profundo tédio. Meredith analisou o perímetro ao redor, percebendo que nenhuma das garotas se prontificaria a ajudar a companheira, nem sequer as do seu próprio time. Revoltada, a líder de torcida largou as fitas que até então usava na coreografia e se abaixou ao lado da menina, que estando meio zonza, não conseguia se levantar sozinha e cobria o lugar que fora atingido com a mão.

— Você está bem, Margott? — A líder de torcida ofereceu auxílio para a líbero, que aceitou de bom grado, pondo-se de pé rapidamente.

— Estou... Tudo bem. Obrigada.

— Tenha cuidado com essas idiotas — ela segredou séria, mas havia certo humor implícito em sua colocação.

A novata concordou brevemente. Por conseguinte, voltou à sua posição de defesa, atitude esta que deixou as pessoas pasmas. Qualquer outra em seu lugar arranjaria uma desculpa no incidente para se livrar dessa enrascada. Entretanto, de modo que eles ignoravam, Maggie já tinha passado por circunstâncias muito piores em jogo. Elas queriam testá-la? Então, seriam apresentadas a seu genuíno lado competitivo.

Novamente, o apito soou. Era a hora da verdade.

Margott flexionou os joelhos, apoiando as mãos nas coxas. Pamela, na área oposta, lhe enviou um sorriso cheio de maldade, internamente planejando o ataque seguinte. Ela quicava a bola atrás da linha de saque, mantendo o olhar insistente sobre a líbero adversária, então, num movimento repentino, lançou a bola no ar, correu e impulsou o corpo para cima, executando a mesma jogada anterior, só que empregando muito mais intensidade.

Dessa vez, Maggie estava pronta para o ataque efusivo. Mesmo a bola vindo num sentido pouco propício para a defesa, ela lançou o corpo para o lado e, de manchete, fez uma ótima recepção, dessa forma, amortecendo o saque. A força e a velocidade da colisão provocou sua queda para trás, no entanto a bola foi direcionada à levantadora, que distribuiu o passe para uma das atacantes. E ponto!

A partida foi dura, haja vista que ambos os sextetos, ao contrário da categoria masculina, possuíam praticamente o mesmo nível técnico. Infelizmente para a estreia de Maggie, as oponentes venceram, mas não sem demandarem grande esforço. A competição ficou acirrada até o match point4.

Enquanto Margott andava em direção ao prédio da escola, abraçada ao corpo, sorria satisfeita com seu rendimento em quadra e saboreava as memórias recentes relativas às caretas ultrajadas das titulares em resposta a cada uma das suas defesas bem sucedidas.

O corpo quente da garota era assaltado por calafrios em razão da contrastante temperatura ocasionada pelos primeiros flocos de neve, cujo frio transpassava o tecido do moletom, majoritariamente embebido em suor. O seu desejo preponderante era tomar um banho quente e revigorante, da mesma maneira que as outras atletas, mas isso não poderia acontecer. Não ali, na escola, onde decerto seria alvo de fofocas dos alunos. Por outro lado, não desejava assistir à aula de cálculos do Sr. Perkins daquele jeito, exalando um forte odor de cachorro molhado.

Quando chegou à parte coberta da instituição, chacoalhou o corpo e a mochila a fim de se livrar da neve acumulada na superfície. Não demorou a aperceber-se dos corredores vazios, fazendo com que o eco dos seus passos se tornassem cada vez mais audíveis ao encontrar as paredes e os armários. Era estranha a sensação de se ver só. De fato, não fizera amizades na nova escola, ainda assim estava constantemente rodeada de pessoas a maior parte do tempo. Talvez, estranha não fosse a designação mais adequada. Na realidade, o silêncio inerente à solidão lhe promovia uma paz de espírito da qual há muito tempo a jovem não desfrutava.

Dirigiu-se ao bebedouro localizado entre um banheiro masculino e a sala dos professores. Ela se curvou e bebeu um gole de água, contudo, de súbito, aprumou-se ao ouvir a porta da sala de professores ser aberta, receosa quanto a uma possível bronca por estar circulando no interior do prédio em horário de aula. Étienne teve a mesma reação assustada ao ver a colega parada ali, com cara de quem viu um fantasma. Mas, em sequência, ela relaxou e liberou de uma vez o ar que permanecera preso até aquele momento.

O rapaz, em compensação, tinha as bochechas excessivamente coradas e parecia agitado, como se tivesse competido uma maratona e a adrenalina ainda fizesse efeito em seu organismo. Contudo, logo após essa primeira reação, ele se recuperou um pouco do choque e, apesar de ainda parecer meio desorientado, foi distraído de suas ideias ao inspecionar a menina da cabeça — com cabelos rubros emaranhados e presos num penteado decadente — aos pés. Simultaneamente, enrugou o nariz, explicitando tanto o seu desagrado com a figura diante dele quanto o incômodo devido ao odor que ela disseminava pelo ambiente.

— Nossa, você não está cheirando nada bem — ele disse sem cerimônia. — Não pretende entrar na sala de aula dessa forma, né?

“Bem... sim.”

Ela teve o ímpeto de expor seu verdadeiro plano, todavia, no último segundo, mordeu a língua traiçoeira e optou por uma resposta evasiva.

— Ninguém sai perfumado de um treino.

— Claro que não. Por isso, o colégio disponibiliza dois recursos tecnológicos avançadíssimos chamados água e sabão. Você deveria usá-los, é de graça.

Maggie analisou o rapaz de cima a baixo do mesmo jeito como ele fizera. Os cabelos compridos na altura dos ombros estavam úmidos, ele trajava roupas comuns do dia-a-dia e cheirava a desodorante masculino.

Em lugar de se afetar com o comentário engraçadinho do monitor ou demonstrar-se envergonhada, ela se sentiu frustrada por ter de concordar com Étienne, mesmo que nunca viesse a declarar isso em voz alta. Em decorrência da disparidade entre eles, a moça se sentiu muito desconfortável e, com isso, mudou o peso do corpo para a outra perna, definitivamente, evitando dar prosseguimento a tal assunto. Portanto, guiou o tópico da conversa para um rumo mais seguro.

— Por que finalmente está dirigindo a palavra a mim?

O rapaz franziu o cenho, contemplativo.

— E por que não o faria? — devolveu a pergunta.

— Eu não sei. Você é o monitor da minha turma de biologia, e parece não notar a minha existência.

Imediatamente ao exprimir a ideia, julgou-se estúpida, já que não devia dar tanta importância a isso.

— Você, por acaso, já solicitou ajuda?

— Não, mas...

— Então, eis a minha resposta: eu sou monitor e me prontifico a atender quem tem dúvidas.

— E às garotas que se assanham para o seu lado — ela disse com sarcasmo, cruzando os braços e desviando os olhos para o corredor vazio.

O garoto elevou as sobrancelhas, interessado na afirmação da colega, e imitou o gesto dela ao cruzar os braços em frente ao peito.

— Isso te incomoda?

Maggie fez um muxoxo, considerando-o presunçoso demais.

— Certamente que não por sua causa, e sim pela ideia geral à que sua atitude remete — fez questão de esclarecer. — A clássica história do garoto atraente, que chama a atenção das meninas e joga um charme descarado, embora não dê acesso real a nenhuma delas. Não que você seja... hm... atraente ou algo assim. O que eu quero dizer...

Étienne riu da confusão da garota. Neste meio tempo, o sinal tocou.

— Eu já entendi, novata. — O barulho de vozes animadas começou a invadir o local até então silencioso. Étienne olhou por cima dos ombros dos outros alunos saindo das salas, e parecia apreensivo novamente. Entretanto, ao perceber que ainda tinha companhia, deu um sorriso a Maggie enquanto se afastava. — Bom, nos vemos no último horário. Tente resolver esse seu probleminha — complementou de maneira divertida, passando a impressão de clara implicância.


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¹ Ponto de saque.

² O(a) jogador(a) que distribui os passes para o(a)s atacantes, o(a)s quais são responsáveis, na maior parte das vezes, por marcar os pontos da partida.

³ Uma posição relativamente recente no vôlei e que tem como funções a recepção e a defesa. O(a)s líberos são posicionados sempre no fundo de quadra e, em geral, são o(a)s jogadores mais baixos e ágeis.

4 Ponto final do jogo.


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