Então, não era uma situação de histeria.

Quero dizer, se você não conhece seu pai em 22, quase vinte e três anos, ir a uma palestra que você sabe que ele estará lá não é uma situação de histeria. E, teoricamente, só porque Peeta decidiu abrir o envelope branco, não é uma situação de histeria.

Tudo isso começou porque Finnick fizera um discurso daquele que seus amigos fazem, e você sabe quais são. Aqueles de “não quero te forçar a nada, só minha opinião, mas no final, você vai baixar sua bola e ver que estou certo”. E caro leitor, quem tem amigos assim de não precisam de inimigos. Muito menos novos amigos.

Afinal, não era para superar os traumas? Peeta não tinha uma vontade anormal de ver o cara que colaborou com sua existência? Qual era o problema em bater um papo, dar um oi, tomar umas brejas? Que seja então!

E foi por este motivo, que depois do discurso sem pressão de Finnick Odair, Peeta voltou para sua casa. Seguiu para seu quarto, abriu a quarta gaveta do canto esquerdo de sua cômoda, tirou um maldito envelope branco de lá e ficou aproximadamente meia hora sentado em sua cama com aquele papel queimando em suas mãos. Engraçado, tudo o que ele conseguia pensar era:“Então é assim que termina?” Quero dizer, é como o quão broxante poderia ser encontrar Houdini.

Houdini, aliás, que se chamava Haymitch. E o nome não era a única informação que Peeta agora tinha sobre seu pai. No envelope branco, continha a ficha da clinica com todas as informações reais de seu pai, informações essas vistas por Effie ao menos uma vez na vida para realizar a fecundação. Tal lista era esta:

Pseudônimo – Skywalker

Nome (Real)– Haymitch

Tipo Sanguíneo – AB

Peso – 62 Kg.

Cor dos Cabelos – Loiros

Cor Dos olhos – Azuis

Cor da Pele – Branca

Ocupação/Trabalho – Universitário (História e Sociologia)

Religião – Nula

Hobbies – Nulo

Origem dos Ancestrais – Desconhecida

Agosto de 1992

Baseando-se nesta informação, você diria que Houdini (ou Haymitch) era agora, quem sabe, um Historiador ou Sociólogo. E como toda pessoa comum, Peeta fez a primeira coisa que pensou em fazer em um mundo moderno e digital: Procurar no Google. Afinal, se você não existe na internet, então você não existe.

Bom, detalhes não nos interessam agora. O que nos interessa dizer é que Peeta encontrou um senhor chamado Haymitch Abernathy, com idade (na época) 35 anos ao lado de seus alunos da Escola Preparatória Capitol em uma matéria sobre o Projeto Cuba.

O projeto Cuba, pelo que Peeta leu, foi um desafio proposto por Haymitch para seus alunos em sala de aula, durante uma aula de sociologia. Essa classe em particular havia insistido que o socialismo realmente funcionava: com um governo assistencialista intermediando a riqueza ninguém seria pobre e ninguém seria rico, tudo seria igualitário e justo.

Haymitch então disse, “Ok, vamos fazer um experimento socialista nesta classe. Ao invés de dinheiro, usaremos suas notas nas provas”. Todas as notas seriam concedidas com base na média da classe, e portanto seriam ‘justas’. Todos receberão as mesmas notas, o que significa que em teoria, ninguém será reprovado, assim como também ninguém receberá um “A”.

Após calculada a média da primeira prova todos receberam “B”. Quem estudou com dedicação ficou indignado, mas os alunos que não se esforçaram ficaram muito felizes com o resultado. Quando a segunda prova foi aplicada, os preguiçosos estudaram ainda menos – eles esperavam tirar notas boas de qualquer forma. Já aqueles que tinham estudado bastante no início resolveram que eles também se aproveitariam do trem da alegria das notas. Como resultado, a segunda média das provas foi “D”. Ninguém gostou.

Depois da terceira prova, a média geral foi um “F”. As notas não voltaram a patamares mais altos, mas as desavenças entre os alunos, a busca por culpados e palavrões passaram a fazer parte da atmosfera das aulas daquela classe. A busca por ‘justiça’ dos alunos tinha sido a principal causa das reclamações, inimizades e senso de injustiça que passaram a fazer parte daquela turma. No final das contas, ninguém queria mais estudar para beneficiar o resto da sala. Portanto, todos os alunos repetiram aquela disciplina… Para sua total surpresa.

Peeta sentiu algo dentro de si após ler o ultimo parágrafo, que dizia algo como:

“O professor Haymitch Abernathy explicou: “O experimento socialista falhou porque quando a recompensa é grande o esforço pelo sucesso individual é grande”. Mas quando o governo elimina todas as recompensas ao tirar coisas dos outros para dar aos que não batalharam por elas, então ninguém mais vai tentar ou querer fazer seu melhor. Tão simples quanto o exemplo de Cuba, Coréia do Norte, Venezuela.[...] " E o Brasil e a Argentina, que estão chegando lá...”

Esperava ele, que este algo não fosse orgulho. Não poderia ser orgulho. Quer dizer, ele mal conhecia o cara. Não é porque seu pai parecia ser legal, e inventor de um projeto que serviu como base para explicação de socialismo implantada em toda escola dos Estados Unidos que ele sentiria orgulho. Ou ficaria histérico ao ler, em uma outra página da internet, que Haymitch Abernathy estaria numa palestra da sua faculdade, Columbia, na próxima semana. Quero dizer que Peeta não poderia criar expectativas por aparentar ter um pai legal.

Ah, e só pra constar que não era engano algum, Peeta viu a foto de Haymitch na matéria: Alto, loiro, olhos azuis. Como descrito em seu maldito envelope branco.

Além do mais, existe mais algum ser nesse planeta que se chamaria Haymitch?

— Qual é Peeta!! Vamos, me deixe ir com você. É sério, depois de tudo o que passamos você deveria me levar junto.

Peeta estava no apartamento de Finnick por no mínimo, uma hora. Naquele momento ele estava fazendo três coisas: guardando o envelope branco na casa do amigo, tentando convencer Finnick que ele realmente queria ir sozinho e por ultimo, e não menos importante: estava traçando um plano.

— Eu vou sozinho, Finnick. Eu tenho que conhecer ele primeiro, e se tudo der certo, um dia você vai conhecê-lo também.

Peeta finalmente parou de ter ataques de histeria e abraçou Finnick antes de entrar no táxi que chamara há meia hora e seguir em direção a sua própria faculdade. Ele sabia que a presença nessa palestra lhe daria algumas notas a mais no próprio curso, mas aquele não era o objetivo do dia.

Finnick, como vocês já sabem, ficou para trás e decidiu tentar reencontrar a garota com quem esbarrara na sua última visita a clinica.

Já Peeta, por outro lado, caminhava por outros corredores. Os corredores arejados e cheios de janelas da faculdade de Columbia estavam ainda sim, o sufocando. Ele definitivamente não parava de secar as mãos suadas na calça jeans, e deu graças a deus quando viu umas garotas distribuindo os folhetos dos palestrantes e viu o nome de Haymitch Abernathy entre eles. Agora só teria que ver seu próprio pai debatendo sobre política com mais 12 professores por quase duas horas e chegar nele e dizer: “Oi pai, arrebentou hein!”.

Talvez, se tivesse trago Finnick consigo, ele arrumaria uma maneira de iniciar uma conversa com o professor. Mas agora que as luzes do auditório se ajustaram a uma iluminação mais escura e calma, agora que ele já se acomodara em uma das cadeiras e viu o senhor loiro com mais doze professores e estivesse a duas horas de um contato real e de prováveis 1 km de distancia do seu pai, já era tarde demais para recuar.

Tudo bem, talvez isso fosse uma situação de histeria.