Eric e Malle, um certo tipo de amor... escrita por BlackLady


Capítulo 1
A Morte dos Fiéis


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo pode parecer confuso e um pouco chato, mas é a introdução a verdadeira história, então esperem até os próximos capítulo para criaram uma opinião sadia, OK?
A cada capítulo, pretendo deixar a imagem de um personagem. Hoje, eu lhe apresento Malle.



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Malle


Haviam aqueles que acreditavam na certeza de um futuro melhor. Aqueles que criam num amanhã prospero e saudável. Que tinham fé, esperança, mesmo quando o mundo por si só expressava que não havia garantias de vida e que não deveríamos esperar pelo dia seguinte, porque, talvez, ele não existisse.

Essas pessoas, para mim, eram apenas um punhado de idiotas.

A guerra entre os franceses e os espanhóis pelo Reino de Nápoles, na península Itálica, devastou terras e derrubou províncias. Vilarejos queimados, plantações destruídas, vidas ceifadas. A disputa pelo poder atingiu àqueles que em nada influenciariam. Filhos perderam seus pais, mulheres perderam seus maridos. Crianças, a sua inocência.

Eu morava na região central da península Itálica, num vilarejo rico e regido pela mão da Igreja, próximo aos Estados Pontifícios. Meu pai, produtor de lã, faturava ao revender seu produto às oficinas têxteis de Florença. O comercio nas cidades de República de Florença evoluíam em um ritmo espetacular e todos pareciam ganhar com isso.

Devido isso, novos administradores se faziam necessários no mercado. As universidades laicas batiam de frente com às controladas pela Igreja. Antropocentrismo e Teocentrismo, ambos tornando a atividade humana em suas diversas implicações o foco principal em seus ensinos. Meus irmãos mais velhos se orgulhavam em dizer que estudavam nas universidades teocentristas, aquelas que pregavam que Deus era a fonte de todo o conhecimento. Minha mãe nos fazia rezar por tudo o que fazíamos e meu pai me obrigava a obedecer a todo e qualquer mandamento imposto pela Igreja, de forma que eu me acostumei a viver sob o julgamento de Deus. Sob a vontade Dele.

Ironicamente estávamos rezando quando eles chegaram. O estrondo da porta da frente sendo explodida foi o único anúncio de que os espanhóis nos atacavam. Foi fácil para eles, estávamos de joelhos. Literalmente, de joelhos, entregando o nosso tempo a um Deus que não nos poupou no fim.

Alguns de nós conseguiram correr em meio as balas. Fui uma das que saíam pouco machucadas, salva pela empregada da minha família. Ela me guiou até os fundos da casa e me pôs dentro de um barril de água, dizendo para que eu ficasse quieta até tudo acabar.

E acabou. Tudo acabou. Minha casa, minha família, minha vida. Tudo foi morto e destruído pelo fogo. Pois eu os vi pôr fogo na morada da minha infância. Eu os vi matar as pessoas que me criaram, que estiveram comigo desde que posso me lembrar. Meus pais, meus irmãos. Até aquela empregada que salvou minha vida. E, enquanto eu assistia minha casa desmoronar de dentro daquele barril, notei que Deus nada fez para nos ajudar.

Ele não estava lá. Minha fé de nada serviu. Foi com essa certeza que, quando já era madrugada, sai de onde estava e me pus a caminha descalça no chão de terra batida, para longe da vida que procurei esquecer.

Devo ter desmaiado de exaustão, porque, quando acordei, estava em uma cama pequena e dura. Por um momento, pensei que tudo havia sido um pesadelo, mas logo notei que aquela não era a minha cama e aquele não era o teto do meu quarto e que não eram as mãos de minha mãe que acarinhavam meus longos cabelos castanhos.

Assim que abri os olhos para minha realidade, encarei um rosto enrugado sobre o meu.

– Você está bem, minha querida – disse a velha – Está tudo bem. Está seguro agora. Nada vai te machucar.

Tentei fixar essas promessas na minha mente, porém nada parecia se encaixar com o que fui obrigada a ver. A viver. Pus-me desperta e reparei ataduras nos meus pés. A senhora me viu observando e explicou.

– Estavam em carne viva. Você deve ter andado muito, criança. Achei você na estrada que leva a Amatrice, dormindo sobre pedras e lama. Na chuva, criança! Trouxe você para minha casa. Há muitas outras como você escondidas aqui – ela se levantou e notei que, apesar de ser idosa, era bem forte – Vou buscar comida e água. Você parece estar com sede.

E saiu, deixando-me na companhia de muitas outras meninas que aparentavam estar tão assustadas quanto eu, mas já acostumadas a situação. Algumas delas se aproximaram de mim, sentando na beira da cama.

– Como se chama? – perguntou ema jovem negra de olhos cor-de-mel. Não respondi – Você tem um nome? – fiquei quieta, sem saber o que fazer. Alguns segundos depois, assenti – Então, qual é?

– Malle – tentei e minha voz saiu rouca, áspera. Depositei a mão na garganta dolorida.

– Não se preocupe, Malle. Sua voz vai ficar boa. Quando Jehanne chegou aqui, estava com a voz igual a sua. Mas ela já está bem.

– Jehanne?

– Sou eu – respondeu uma menina magra e bronzeada – Como estão os seus pés?

– Não sinto nada.

– Vai sentir quando tiver que tirar as ataduras.

– Cateline! Não a assuste – a moça negra ralhou com uma garota escondida atrás das outras, com cabelos tão lisos quanto os meus, porém, pretos. A moça negra voltou os olhos para mim – Eu sou Mira. Não ligue para Cateline. A Velha passou óleo nos seus pés para que o pano não grude nas feridas.

– E ajudamos ela a trocar você. Seu vestido estava todo sujo de lama – continuou Jehanne, se aproximando mais de mim – Kaci emprestou uma roupa para você.

– Quem é Kaci?

– Eu sou Kaci – declarou alguém de pele tão pigmentada quanto a de Mira- Temos tamanhos parecidos. Meu vestido ficou perfeito em você.

– Obrigada.

– Hora de comer – disse a Velha ao entrar no quarto segurando uma bandeja escassa, com uma criança atrás de si. A menina me lembrou a praia com seus cabelos cor-de-areia e seus olhos como o mar.

– Lyubov, porque não ajuda a nossa mais nova hóspede a se sentar para comer?

A garotinha loira me ergueu pelas costas com mais força do que eu esperava. Bateu nos travesseis até que ficassem afofados e me encostou neles. Pegou a bandeja das mãos da Velha e depositou-a nas minhas coxas.

– Espero que goste dos ovos – falou ela com a voz mais que infantil – Eu mesma fil.

Antes que ela terminasse, eu ataquei o copo de água. A ardência na minha garganta aumentou antes de amenizar quase por completo e eu logo comecei a comer o pão bem crescido na bandeja.

– Espere – pediu Lyubov – Você precisa rezar primeiro. Agradecer a Deus.

– Agradecer? – questionei, olhando pasma para a menina à minha frente. Ergui os olhos para a Velha, que me fitava preocupada – Eu não tenho nada que agradecer a um Deus que permitiu que matassem minha família.

– Você deve ser grata por estar viva, criança – falou a Velha.

– Eu devo, sim, agradecer por estar viva – concordei – mas não a Deus. Foi a empregada da minha casa que me salvou, não Deus. Ele não fez nada por mim. Ele não ajudou meus pais, meus irmãos. Deixou que queimassem minha casa. Deus não merece que eu lhe dê graças – declarei, expulsando Deus e qualquer fé dentro de mim e abraçando minha nova vida desgraçada.


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Notas finais do capítulo

Deus, eu estou tensa...Comentários? Críticas, sugestões, elogios... Qualquer coisa está valendo. Se expressem, assim eu saberei se estou no caminho certo.
Beijos.
BL.



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