DENISE ROLA NA cama. Não consegue dormir. Senta-se e acende o abajur. Olha para o outro lado do quarto e vê Anitta. Ela dormiu rápido. Cogita acordá-la e contar sobre Marilia. Mas ela pode ainda estar bêbada.

Quando Denise voltou para a casa de South Kensington na noite anterior, tia e sobrinha estavam no meio de uma discussão dramática sobre o pai de Anitta ser ou não ser o grande cafajeste que Anitta diz que ele é. A bebida tinha potencializado as emoções. Elas gritavam e xingavam em italiano, até que um vizinho bateu na parede e se calaram. Denise sugeriu que fossem para a cama e dormissem. A noite terminou com ambas se abraçando entre lágrimas e jurando lealdade e amor eternos uma pela outra. Denise tem certeza de que Anitta não apreciaria ser acordada no meio de um sono profundo, ainda mais quando soubesse que o motivo seria Marilia. Se contar que ela está com uma nova namorada, provavelmente a aconselhará a esquecê-la de vez.

E ela sabe que é o que deveria fazer. Mas não consegue.

No momento em que a viu, depois de tantos meses e apesar das circunstâncias — foi como um soco no peito —, não conseguia falar: ficou sem palavras. Não acreditou em seus olhos quando viu Scarlett, de salto alto, se debruçar sobre Marilia e abraçá-la, estalando um beijo nos lábios dela. O tempo todo, Marilia ficou muda como ela, sem sorrir, fixando seus olhos nos dela.

— Marilia — Scarlett disse — Quero que você conheça Denise, minha nova amiga.

Marilia não escondeu a verdade:

— Já nos conhecemos — disse, em tom sério, ante o olhar surpresa de Scarlett. — Conheci Denise quando morava no Brasil —, explicou-se, franzindo a testa para a ex, com um ponto de interrogação estampado na cara.

— Nossa, que coincidência! — Scarlett comenta, beijando o rosto de Marilia mais uma vez, com uma impulsividade tão doce que cortou o coração de Denise.

— Talvez não seja coincidência, porque ambos viveram em Milão e trabalham no mundo da arte — Kristen sugeriu.

Denise detectou uma certa ironia no tom da dona da galeria e se perguntou por quê.

— Então você sabe tudo a respeito de Denise, querida? — Scarlett se volta para Marilia novamente.

— Não diria que tudo — Marilia disse, visivelmente desconfortável.

Pairou um silêncio estranho, como se Kristen e Scarlett tivessem percebido a inferência velada.

— Tudo bem, Denise? — ela disse com uma voz tão suave que foi quase um sussurro.

Denise estava paralisada, olhando seu amor perdido, com o coração apertado e a garganta travada. Queria tanto tocá-la.

— Tudo. — Não conseguiu dizer mais que isso.

— Bom te encontrar novamente — Marilia disse, com o rosto subitamente iluminado por um dos sorrisos enigmáticos dela.

Agora, Denise não consegue tirar as palavras de Marilia de sua cabeça. “Bom te encontrar novamente”. Estava sendo sincero? Ela se sentia da mesma forma, apesar de que Marilia estava obviamente indisponível. Na verdade, era tão bom ve-la novamente depois de todos aqueles meses e saber que ela estava bem. Se ao menos não estivesse saindo com Scarlett.

Pelo fato de ter ficado emudecida, Danny suspeita que ela ainda tenha sentimentos por ela. Mas, e se essa confusão e choque da parte dela forem pura imaginação? Ainda assim, mesmo que ela ainda sinta alguma coisa, deve deixá-la sozinha agora. Ela tem uma nova namorada, Scarlett. Ela é obviamente apaixonada por ela. Uma das suas novas regras é nunca interferir em um casal, essa vida tinha ficado pra tras no Brasil e desde que jurou amor a Marilia, tentava manter seu lado ‘Bond’ fora do caminho. Não querer roubar Marilia de Scarlett, isso seria errado, mas… e se ela a quiser tanto quanto ela a quer? E se os sentimentos de Scarlett não forem recíprocos? Há apenas uma pessoa que pode ajudá-la a descobrir o que fazer e essa pessoa está em Milão. Olha para o rádio-relógio. É uma da manhã, o que significa duas da manhã em Milão. Melhor ligar para Leticia agora em vez de pela manhã, quando ela está dormindo. Tira o cobertor, sai da cama devagar, coloca o seu quimono de seda, enfia o telefone no bolso e sai do quarto na ponta dos pés para não acordar Anitta. Desce até a sala de estar de Tia Isabella.

Da janela vê-se o parque de portões fechados. Está ventando muito esta noite e, enquanto busca o número nos contatos, olha para as árvores e vê seus galhos acenando para ela do outro lado da rua, como se a estivessem encorajando.

— Denise? Tudo bem?

— Leticia, graças a Deus que você atendeu — queria tanto que Leticia estivesse enrolada com ela no sofá. Percebe que, de alguma forma, o relacionamento deles se aprofundou.

— O que aconteceu? — ele parece verdadeiramente preocupado.

— Marilia.

Leticia não diz nada por alguns segundos.

— Você ligou pra ela? — Ela parece cansada, está diferente.

— Desculpe, te acordei?

Passa pela cabeça de Denise que, talvez, o relacionamento deles seja de mão única. Ela está sempre ligando para pedir ajuda para ela. Pensando melhor, ela nunca ligou para pedir um conselho.

— Não, tudo bem… — diz, hesitante. — Tem algumas coisas acontecendo por aqui… conto quando nos encontrarmos. Mas, agora, me conte! O que tem a Marilia?

— Leticia, eu a vi hoje. Uma coincidência total: ela estava na galeria da exposição — ela hesita, ainda não quer contar sobre Scarlett. — Fiquei passada… como em um daqueles filmes idiotas de Hollywood… como se eu tivesse sido atingida por um raio, literalmente. Fui pega de surpresa, fiquei sem reação. Ai, Lê, fui tão besta.

— Mas isso é bom, não? Agora sabe como se sente. Agora, você pode dizer para ela, volta com ela, é o que você quer.

— Só que não é tão simples quanto eu pensava — pausa, lambendo os lábios. — Ela tem uma namorada.

— Não, a Marilia, não — Leticia parece surpresa — Talvez seja apenas um caso, mas não uma namorada de fato. Ela sempre quis você, Denise, eu sei disso.

— Você está errada. Ela é mesmo a namorada dele. Eu a conheci — Denise se lamenta pelo telefone. — E ela é tão doce. Sei que está apaixonada por ela, pude ver.

— O que você vai fazer, então, Denise?

Denise morde a boca. Seu coração está acelerado, a cabeça cheia de emoções. Sabe que, sem dúvida, ama Marilia, mas é tarde demais. Ela está com Scarlett.

— Não sei — sussurra. — Esperava que você me dissesse o que fazer.

Leticia suspira:

— Não posso fazer isso.

— Por favor, Leticia, você é tão sábia. E Marilia confia em você. Por favor, me diga o que fazer.

— Bem… — Leticia fala vagarosamente — Você disse que essa garota está apaixonada pela Marilia, mas ela está apaixonado também?

— Como assim?

— Ela pode estar saindo com ela para te deixar com ciúmes.

— Não parece o estilo dela. Ela nunca foi de fazer ciúmes — Denise pondera.

— Ela pode ter um plano — Leticia diz. — É da Marilia que estamos falando.

— Mas ela é louca por ela…

— Como você pode ter tanta certeza? Digo, você só viu os dois juntos uma vez. Ela pode muito bem ser como Anitta: muita demonstração e pouco coração.

— Isso não é legal — Denise defende. — Do jeito que você fala, parece que ela é superficial.

— Denise — Leticia continua —, você tem que descobrir o que Marilia sente por você.

Acima de tudo, você precisa dizer para ela o que sente. De uma vez por todas, diga para ela que você a ama.

— Mesmo que ela esteja saindo com outra pessoa? Não é sacanagem fazer isso com outra mulher?

— Depende.

— Do quê?

— De você poder ou não viver sem ela. Se não puder, você tem que lutar por ela, baby, reconquiste-a.

— Ai, Leticia... — Denise suspira. — Não tenho certeza. Talvez eu devesse simplesmente voltar pra casa, deixar tudo do jeito que está.

— Você estava infeliz, Denise. Mesmo os meus mimos sexuais não eram mais suficientes para te animar.

Denise fecha os olhos, revivendo o momento em que viu Marilia e a tensão que sentiu. Abre os olhos, novamente olhando para fora da janela, vendo as árvores do parque balançando.

— Sinto sua falta, Leticia. Queria que estivesse aqui.

— Acredite, eu também.

Nota desalento em sua voz e se pergunta sobre o tipo de “coisas” que estariam acontecendo na vida dela. Sabe que ela não irá contar pelo telefone.

— Queria que estivéssemos na cama agora e que você estivesse me consolando — ela diz suavemente.

— Poderia te consolar pelo telefone.

— Você está com conversa de sacanagem comigo, senhorita?

Passado um curto silêncio, Leticia volta a falar, mas dessa vez com outra voz. Agora é Leticia, a dominadora, quem está falando com ela. A pele dela lateja de excitação quando fecha os olhos e imagina os olhos negros dela a encarando.

— O que você está usando?

— Meu roupão.

— O azul?

— Sim.

— O que mais?

— Nada.

— Você está completamente nua por baixo?

— Sim.

— Quero que abra o roupão. Quero que acaricie seus seios com as mãos e estimule os mamilos. Sinta como eles estão ficando duros. Agora, abra as pernas.

— Sim — ela sussurra —, estou abrindo.

— Feche os olhos e coloque a mão no meio das pernas. Se acaricie, Denise.

Ela desce a mão entre as pernas e passeia com os dedos por toda a região. Pode sentir o seu calor, o desejo dela sendo possuído pela ponta dos seus dedos.

— Sou eu te tocando, Danny… consegue sentir?

— Hum, sim.

E ela está lá com ela, sua amiga, no sofá de Tia Isabella, tocando-a com seus dedos perfeitamente compridos, aliviando a tensão dela, a dor de ver o amor de sua vida com outra mulher.

— Enfie o dedo, D! Sou eu dentro de você, te comendo, fazendo com que você me sinta.

Na sala da tia de Anitta, com as luzes apagadas, Denise abre as pernas para o parque urbano em frente a ela. Não se importa que a vejam, nem que vejam o desejo dela ardendo, o seu tesão. Gira o dedo dentro de si, aumentando a velocidade, mais e mais, ficando cada vez mais excitada. Em um minuto, é Leticia que está ao seu lado, no outro, vê o rosto de Marilia, seu sorriso encantador, olhando dentro de seus olhos. Sim, ela acredita que ainda a ame, mas não entende por que ela está com Scarlett. Quando goza, se contorce, exausta e trêmula. Scarlett se diz a namorada de Marilia: ela achou uma garota que não tem medo de se comprometer. O destino estaria punindo Denise? Isso é o que ela merece pela forma como a tratou no passado? Marilia é boa demais para ela: tenta se convencer de que deveria deixá-la em paz, com alguém doce e do bem, como Scarlett. Ainda assim, sente um fogo queimar dentro de seu ventre e sabe que esse fogo vai queimar toda a racionalidade que existe dentro de si. Quer Marilia de volta.