My Little Runner escrita por Angie


Capítulo 31
Dr. Ward


Notas iniciais do capítulo

Yeeeeeey, tudo bm, trolhos? Dessa vez não demorei, estou feliz!
ALGUMAS OBSERVAÇÕES:
1- Baseei a conversa do início no capítulos 42 do segundo livro, mas realmente só usei as informações e modifiquei algumas falas, em geral foi uma escrita minha.
2- Assim como a Camille, Dr. Ward é um personagem que eu criei, ele não existe no mundo oficial de Maze Runner.
3- Algumas pessoas me disseram que o e-mail não notificou alguns capítulos que postei, então sempre antes de lerem confiram se leram o capítulo anterior (já aconteceu de pularem e não entenderem nada).
4- Comentem, só assim eu vou saber a opinião de vocês. É uma das coisas que mais me faz querer continuar, saber se estão gostando. Eu vejo que tem um bom número de visualizações, mas não to tendo tando feedback e isso desanima um pouco.
Mas enfim, não pretendo parar de postar. Amo todos vocês, leitores que sempre me acompanham ♥
Boa leitura e até lá embaixo!



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O Sol ardia no horizonte quando Thomas retornou. Caçarola foi o primeiro a avistar o enorme Berg se aproximando no céu, a mancha escura tomando forma de um veículo da mais última geração; logo todos os clareanos se juntaram num bolinho fora da cabana de madeira, ansiosos por o que quer que fosse acontecer.

Diferente da primeira ocasião, o Berg não pousou, parando a vários metros de distância do solo; porém o  zumbido continuava terrivelmente avassalador, machucando os ouvidos de todos. Ainda no ar, uma abertura surgiu da parte inferior do veículo e algo começou a sair dela, como um pacote enorme amarrado por uma corda grossa. O redemoinho de vento que a máquina voadora trouxe os impedia de enxergar qualquer coisa que pudesse estar acima dessa abertura, mas a medida que o pacote se aproximava do chão, perceberam que não se tratava de algum objeto, mas de alguém. Mais especificamente, seu amigo Thomas.

O garoto estava enrolado em uma padiola de lona com alças, as amarras o prendendo firmemente; vindo do Berg, um anel de metal azul o segurava a uma corda grossa, que o descia lentamente. Os clareanos deram espaço, mas assim que tocou o chão, todos se amontoaram em volta dele. A corda que o prendia se desprendeu e balançou no ar, ao mesmo tempo em que, mais rápido do que eles achavam ser possível, o transporte começou a se mover, tomando cada vez mais distância da situação miserável de todos.

Ninguém deu muita importância ao fato, não acreditavam que o CRUEL realmente desceria para bater um papo; ao contrário, toda a atenção dos presentes estava voltada para Thomas. O garoto estava acordado e, para alguém completamente imobilizado por cordas, parecia melhor do que nunca estivera.

Como esperado, a enxurrada de perguntas foi feita, mas Thomas não se prestou a responder nada até que estivesse devidamente livre. Minho e os outros clareanos logo trataram de livrá-lo das amarras e ele mais uma vez foi bombardeado com perguntas. Se levantou, ainda ignorando todos os questionamentos, e esticou os músculos, estalando levemente as costas. Camille se impressionou com a saúde do amigo: se antes estava à beira da morte, agora parecia mais saudável que qualquer um dos clareanos. Em seu rosto não se via nenhuma expressão de dor e, se não fosse por um volume extra no ombro esquerdo ― provavelmente um curativo elaborado ―, poderia jurar que ele nunca tinha sido baleado. Como se não bastasse, o garoto ganhara um conjunto de roupas limpas.

Ela se sentia em êxtase ao saber que Thomas estava bem, mas não poderia deixar de se perguntar internamente como pudera se recuperar tão rápido.

Antes que qualquer um pudesse falar mais alguma coisa, ela tratou de ir até ele, pegando-o de surpresa com um abraço apertado. Ele não soube como reagir a princípio, mas ela logo pôde sentir as mãos do garoto espalmadas em suas costas, retribuindo o ato de carinho. Assim que se separaram, ele abriu a boca para lhe dizer algo, mas ela o cortou com um soco em seu peito.

― Nunca mais nos assuste desse jeito, trolho!

Thomas fez uma careta e passou a mão pelo local atingido, tentando soar ofendido, mas não resistiu ao sorriso que surgiu depois em seus lábios.

― Sim, senhora ― respondeu.

Minho deu uma risadinha antes de se pronunciar.

― Agora que está de volta, trolho, temos muito a conversar.

― Você parece novinho em folha, Tommy ― Newt comentou, feliz por ter o amigo de volta.

Thomas sorriu, compartilhando a sensação, mas logo mudou sua expressão para uma de total desgosto.

― O que estão fazendo aqui ao ar livre? Vão ficar com a pele torrada!

Minho fez um movimento de cabeça apontando para a cabana de madeira, grande o suficiente para abrigar a todos, resistindo firmemente à devastação do mundo.

― Melhor voltarmos para debaixo daquela coisa ― disse, dando tapinhas nas costas de Thomas para que ele seguisse adiante.

Depois de devidamente acomodados, Minho tomou a dianteira, sentado ao lado de Brenda e Aris.

― Muito bem: conte-nos as suas aventuras com os alienígenas naquela grande espaçonave.

― Certo, mas antes disso, quanto tempo fiquei naquela coisa? Temos um prazo para chegar ao tal refúgio seguro, estão contando os dias?

Newt bufou, impaciente.

― É claro que estamos contando, cabeção. Ainda faltam cinco dias para o recreio acabar e as montanhas estão a só um dia de viagem. Bem, de qualquer forma não podemos sair andando debaixo desse Sol escaldante sem nenhum lençol para proteção, vamos ter que esperar anoitecer.

Thomas assentiu, compreendendo, e preparou-se para contar sua história.

― Guardem as perguntas para o final, crianças.

Alguns clareanos riram, mas logo se calaram para que pudessem ouvir atentamente.

Os minutos seguintes se passaram com Thomas explicando sua divertida jornada de cura no Berg, passara a maior parte do tempo desacordado e não tinha muito a contar que pudesse ser aproveitado, o máximo que conseguiu absorver foram conversas paralelas dos médicos ao lado de sua cama: falavam sobre variáveis; os padrões da zona de conflito letal; os candidatos promissores e mais coisas que não faziam sentido nenhum.

Camille estava na outra extremidade de Thomas; diferente dos garotos que se acomodaram no chão poeirento, sentou-se em um pedaço de madeira que se desprendia de uma das paredes da tenda, seu formato lembrando um grande osso retorcido. Ela mantinha o cenho franzido enquanto desfiava um fio do jeans desgastado, permanecia em silêncio enquanto os outros já começavam a discutir a respeito. Eles definitivamente eram candidatos a algo, como o próprio Janson ― ou homem-rato, chame como quiser ―   explicara antes de serem mandados para o deserto; ao que tudo indicava, os criadores queriam selecionar os melhores dentre eles, os mais aptos a sobreviver aos experimentos, mas o tiro não fazia parte do plano. Se Thomas tivesse de morrer, não seria daquele jeito.

Camille não conseguia deixar de lado a sensação perturbadora de que eram constantemente observados pelos criadores, o pensamento de que assistiam muitos deles morrerem no deserto fazia seu estômago se revirar. Os outros clareanos chegaram à mesma conclusão e outra discussão foi iniciada sobre como era possível saberem de tudo que acontecia.

― O que há com Thomas que o torna tão especial? ― Jorge enfim questionou, pigarreando para chamar a atenção dos demais. ― Quer dizer, não estou criticando nem nada, muchacho, mas aquela coisa toda com as placas na cidade dizendo que você era o Líder e eles virem voando quando estava todo doentinho... O que o torna melhor que seus parceiros?

Todos os olhares se voltaram para o garoto; ele parecia incomodado com toda a atenção, até mesmo envergonhado, como se não fosse certo que tivessem o salvado e não a qualquer outro dos que morreram.

― Não sou especial ― respondeu rapidamente. ― A arma não fazia parte do experimento, foi um erro de planejamento ou qualquer coisa parecida. Teriam salvo qualquer um que fosse baleado no meu lugar, não teve a ver comigo…

Apesar das palavras, Camille sentiu que nem mesmo ele acreditava totalmente naquilo.

― Ainda assim ― Jorge continuou ― , daqui pra frente vou ficar mais perto de você.

Outro burburinho se seguiu antes de Minho mandar que todos se calassem, argumentando que deveriam descansar se quisessem caminhar durante a noite. Os clareanos concordaram, ainda um pouco chateados pela falta de respostas, mas sabiam que o asiático estava certo. Quando todos já se preparavam para se recostar em algum lugar, Thomas ergueu a cabeça, parecendo se lembrar de algo novo.

― Mais uma coisa ― disse, fazendo uma pausa até que voltassem a atenção para ele. ― Em algum momento quando acordei ouvi parte de uma conversa. Não consegui entender o que significava, me colocaram para dormir novamente, mas... Diziam algo sobre um novo teste, que o que estava por vir poderia despertar mais emoções que o habitual e que precisariam analisar as novas variáveis.

― O que está por vir? Quer dizer que depois da cidade dos malucos ainda tem mais?

― Só estou dizendo o que ouvi, cara ― disse, respondendo a Minho. ― O que quer que seja, tem a ver com…

― O quê? Desembuche.

― Bom, eles falaram um nome... ― Thomas parecia desconcertado quando ergueu o olhar, mirando diretamente a pessoa referida. ― Camille. O nome era Camille.

***

Minho estava sentado num canto da cabana, os braços atrás da cabeça lhe servindo como escora. Mesmo debaixo da proteção, o ar quente do dia ainda fazia seus olhos arderem. Estava disposto a dormir, assim como os outros clareanos, sabia que teria uma longa caminhada durante a noite, mas até aquele momento seus pensamentos estavam voltados para outro lugar.

Não era do seu feitio refletir muito sobre um assunto; se concentrava em sobreviver, encarar uma coisa de cada vez e pensar no que fazer a seguir, mas também nunca foi estúpido. Tinha plena noção de que o CRUEL queria algo a mais com Camille. Era óbvio que Thomas era especial para os criadores, especialmente por já ter trabalhado com eles, mas pelas lembranças que a garota recuperou, Camille se recusava a cooperar com os experimentos do Labirinto e era capaz de dar mais dor de cabeça com suas ideias moralistas que soluções à organização. Então por que não descartá-la cedo? Por que era tão importante que ela passasse pelos dois grupos e que aos poucos tivesse as memórias de volta?

Observou-a deitada de lado na outra extremidade da cabana, num canto da parede. Estava de costas para ele, mas pela frequência com que se remexia, percebeu que não estava dormindo. Ainda demorou alguns minutos até se aquietar, o sono finalmente a vencendo. Minho se perguntou se ela estaria pensando no mesmo que ele, no que Thomas ouviu e no que diabos pensavam em fazer com ela.

Ele sabia o quão forte e obstinada Camille poderia ser, aprendeu a não se deixar enganar pelo seu pouco tamanho e olhos angelicais, mas vendo-a daquela maneira, só queria tirá-la daquela confusão. Ela não merecia toda essa merda, era boa demais para qualquer um ali.

― Posso?

Minho não se moveu ao ouvir a voz, limitando-se a erguer o olhar por dois segundos antes de voltar a atenção para Camille. Newt estava de pé ao seu lado, as mãos permaneciam nos bolsos do jeans como desculpa para se ocupar, parecia mais deslocado que o normal. Pensou se teria ou não paciência para aquilo, mas sabia que a garota o infernizaria até aquele momento chegar.

― Acho que o chão ainda é público.

― Bom, melhor pra mim, eu diria ―  Newt soltou uma risadinha antes de sentar-se próximo ao asiático.

Minho fechou os olhos, carrancudo.

― Essa é a hora que trocamos flores e abraços?

― Oh, aposto que Camille adoraria isso.

O garoto bufou.

― É claro que sim. Quem mais seria teimosa o suficiente para me convencer a ouvir sua voz divinal?

― Tenho certeza que as divindades cheiram melhor do que eu nesse deserto, mas obrigada ― Newt zombou, uma vã tentativa de aliviar o clima. O outro não mostrou sinais de graça. Suspirou, por fim.― Ela está sempre por perto para arrumar nossas bagunças.

Sua bagunça ― Minho o cortou, o tom azedo em sua voz atingindo o britânico com um golpe certeiro.

― Certo... Minha bagunça. É justo.

Como Minho parecia disposto a transformar a conversa em um monólogo, Newt insistiu.

― Então... Vocês estão numa boa?

Minho voltou o rosto para ele, encarando-o com olhos afiados.

― É, numa boa.

Newt assentiu devagar, aquilo seria mais difícil do que imaginou.

― Olha cara, eu... Sinto muito. Realmente.

A sobrancelha do asiático se ergueu num arco perfeito.

― Que original, Newt.

― Você não está tornando as coisas mais fáceis.

Minho riu com escárnio.

― É isso que eu deveria fazer? 

― Eu vacilei, ok? Feio. Mas somos amigos, passamos por toda essa porcaria juntos desde a Clareira. Eu, você, Alby... Ele não está mais aqui, então vamos ao menos consertar essa bagunça.

― Oh, por favor ― o encarou, não fazia nenhum esforço para esconder o mau humor ― Não vá meter Alby nisso. Você arranjou essa situação, lide com sua própria merda.

 ―Não estou tentando me justificar ― respondeu, passando a mão no rosto em frustração. ― Sinceramente, eu não consegui planejar nada para te dizer e acho que tentar me explicar agora só vai fazer com que você queira quebrar meu nariz. 

― Economize o esforço, eu já quero fazer isso.

― Vá em frente, se é o que vai te fazer sentir melhor ― Newt abriu os braços, como para mostrar que não se defenderia.

Minho o olhou com descrença.

― Que plong há na sua cabeça? Está seriamente me convidando a te bater?

― Eu realmente apreciaria não ter meu nariz torto, mas sei o que fiz e estou tentando arrumar as coisas com meu amigo.

― Grande amigo você é.

― Amigos também cometem erros. Eu cometi um, com ela e com você ― fez uma pausa, esperando que ele compreendesse. ― Isso pode soar piegas demais, mas ninguém aqui sabe o que será de nós. Talvez consigamos passar por esse deserto vivos, talvez encontremos esse tal refúgio seguro e só talvez saiamos todos felizes para uma nova vida. Muita gente morreu até aqui e eu não sei o que pode acontecer daqui pra frente, mas não quero ter que partir me arrependendo de nada. E eu definitivamente vou me arrepender se não corrigir as coisas com meu melhor amigo. 

Assim que as palavras deixaram sua boca, Newt o olhou duramente, desafiando-o a rebatê-lo. Os dois ficaram em silêncio por um tempo, segundos que pareceram durar até demais. Por fim, Minho soltou uma grande golfada de ar, passando a mão espalmada pelo rosto.

― Por que diabos eu me sinto num daqueles filmes de mulherzinha?

Newt não resistiu ao sorriso, relaxando o corpo que, até então, estava completamente tenso.

― Podemos nos beijar agora, eu sempre soube que era irresistível.

― É, ou eu posso quebrar essa sua cara feia ― a carranca em seu rosto era impagável.

― Eu não sinto nada por ela, cara, e você sabe bem disso. Somos amigos ― Newt ergueu a mão quando Minho abriu a boca para interrompê-lo. ― Eu sei, eu sei. Amigos não agem exatamente como eu agi, mas é a verdade. Pode me crucificar o quanto quiser, fui um babaca e fiz uma estupidez. Acredite, estou genuinamente feliz por vocês dois terem se acertado.

― Pula esse papo de bom moço, Newt ― Minho disse, revirando os olhos.

O outro ergueu as mãos em defesa.

― Estou sendo sincero. Afinal, quem mais colocaria juízo nessa sua cabeça se não ela? E de qualquer forma, a Cammie não faz exatamente o meu tipo.

― Ah é? ―  Foi a vez da zombaria de Minho. ― Você realmente teve muitas opções a considerar, desde Caçarola com seus dotes culinários até a cara suja do Gally.

― Ugh, menos ― pediu, franzindo o nariz em desgosto. ― Mas você sabe do que estou falando, ela é seu completo oposto ― deu de ombros. ― , mas vocês parecem feitos um para o outro. Lamento por ter feito o que fiz.

― É, eu também.

Newt o encarou pelo canto dos olhos. Sabia que Minho era um diabo de um cara rancoroso, mas também sabia que não era só Camille que o mantinha preso àquela conversa, mesmo que ele nunca viesse a admitir a importância de sua amizade.  

― Eu ainda deveria quebrar seu nariz ― comentou, a sinceridade explícita em sua voz. ― Talvez ainda quebre.

― Tudo bem, eu mereço essa.

― Não quer dizer que aceito suas desculpas.

― Mas também não quer dizer que me deseja ver enterrado na areia do deserto.

Minho fez silêncio por alguns segundos.

― Pode ser ― respondeu, olhando para frente.

Newt sorriu, considerando o temperamento do amigo, aquilo era definitivamente um ponto a se contar.

― Contamos para o Tommie?

― Inferno, não ― fez uma careta. ― Ele já tem problemas demais pra resolver.

― A Teresa dando uma de surtada quando ele a encontrou ou o novo interesse pela crank?

Minho revirou os olhos.

― Como eu disse, problemas demais. Agora dá o fora daqui antes que eu me arrependa de não ter te enterrado eu mesmo. Preciso dormir.

Os outros clareanos roncavam, o pedido de descanso havia sido levado a sério. Ainda assim, Newt queria ouvir uma confirmação.

― Ainda somos parceiros, certo? Você sabe que nada daquilo vai acontecer de novo.

Minho o encarou, exibindo seu melhor sorriso de ironia.

É claro que não vai ― o tom que usou deixou bem claro para Newt que não estava brincando. O britânico claramente entendeu o significado, se realmente quisesse preservar sua amizade ― ou no caso, sua sanidade ― era melhor pensar duas vezes antes de olhar para Camille de outra forma.

Não se sentiu ameaçado, sabia que era a forma do amigo de dizer que estavam bem, caso contrário, nem mesmo estariam tendo aquela conversa.

― Bons sonhos, trolho.

Dito isso, se arrastou para um canto, onde finalmente pôde deitar-se, sentindo-se satisfeito.

***

  Como bem observado por Minho, Camille demorou mais que o habitual para dormir. Desde que Thomas anunciou os planos do CRUEL de fazer novos experimentos e que aquilo possivelmente se relacionava com ela, tinha estado inquieta; o pensamento a enojava de um jeito terrível e, mais do que queria admitir, também a assustava. 

Quando finalmente foi capaz de adormecer, sabia que teria mais uma lembrança.

 

Abriu os olhos em seu sonho, estava em uma sala escura, sentada de frente a uma mesa; um pequeno objeto foi posicionado no centro do seu tampo de madeira, de dentro dele saía uma luz azulada que provinha a única iluminação do cômodo. Desse mesmo pequeno objeto, surgiram projeções no ar, imagens que vibravam diante de seus olhos. 

A garota estava mais nova que em sua última lembrança, aparentava ter seus 10 anos de idade, se não menos. Ela deixava as mãos apertadas entre as coxas enquanto analisava com cuidado as figuras à sua frente. 

― Desculpe, mas para que isso serve mesmo? ― perguntou, olhando através da projeção. Uma mulher adulta, trajando roupas sociais e com um rabo de cavalo impecável, a observava sentada do outro lado da mesa.

Ava Paige”, uma parte consciente de si pensou, dessa vez a Camille que estava sonhando.  

― É apenas um pequeno teste psicológico. A organização quer conhecer você melhor.

Camille parecia desconfortável em sua própria pele.

― Sinto falta de casa ― ela murmurou. ― Aqui é estranho.

Ava Paige nem mesmo piscou antes de responder.

― Essa é sua casa agora. Vai se acostumar.

― É por isso que não me procurou antes?  Por que estava ocupada com a organização? 

― Já conversamos sobre isso. É preciso muito esforço e sacrifício se realmente queremos achar a cura. Existem jovens privilegiados que podem nos ajudar nisso, os imunes. E agora, Camille, você está tendo a grande oportunidade de participar dessa nobre causa. Não está feliz em ajudar?

― É claro que estou…

―Então o que tanto a incomoda aqui?

Camille apertou as coxas nas mãos, murchou os ombros.

―Eu… Não é nada, apenas sinto falta do papai.

Um relance de bondade se passou nos olhos da mais velha. Ela suspirou, abrandando a voz.

― Sei que é difícil, mas é exatamente por ele que deve fazer isso. Você compreende, querida?

Camille ficou em silêncio por alguns segundos, acostumando-se à ideia de ter a mulher diante dela a chamando daquela maneira. Por fim, balançou a cabeça em concordância.

― Agora, por que não continua o que estava fazendo? Escolha as imagens, não precisa dizer o motivo.

Os olhos da garota voltaram-se para a projeção. Várias fotografias com diferentes objetos surgiram, Camille analisou cada um deles antes de escolher, o pequeno corpo de criança fazendo-a ter de se esticar para tocar em uma delas. Logo que o fez, a imagem ampliou-se rapidamente antes de todas desaparecerem, sendo substituídas por outra fileira. 

Assim se seguiu por vários minutos, com cores, animais, paisagens, diferentes pessoas em diferentes situações… Ela não reclamava do teste simples, mas também não entendia o objetivo de tudo aquilo. Se o CRUEL quisesse conhecê-la melhor, poderiam apenas perguntar. 

Vez ou outra as escolhas se tornavam mais complicadas, passando de uma simples fileira de cores para perturbadoras imagens com monstros grotescos. Um deles era enorme, com um corpo gosmento e bulboso e objetos metálicos assustadores que saiam de sua pele.

“Verdugos”, a Camille que sonhava pensou. Sua versão criança parecia terrivelmente perturbada com aquilo.

― O que é isso? ― perguntou, os olhos azuis arregalados.

― Nada que precise saber agora ― Ava Paige respondeu calmamente. ― Concentre-se.

Ela obedeceu o comando e olhou para as outras imagens, todas pareciam tão horríveis quanto a primeira. Respirou fundo antes de selecionar um deles na tela.

A próxima fileira fez com que se encolhesse em repugnância. Cada uma continha pessoas, todas elas claramente no mais alto estágio do fulgor. 

― Não quero ver isso ― disse, os olhos mirando qualquer lugar que não fossem as imagens. 

A mais velha continuou em silêncio e depois de algum tempo Camille soube que não sairia dali enquanto não terminasse. Ainda hesitante, voltou a olhar as imagens: Uma delas tinha dois cranks em uma briga, pareciam querer devorar um ao outro, uma espuma amarelada saía de suas bocas; em outra, uma mulher crank arrancava com os dentes a carne de um animal morto, o estômago da garota embrulhou ao notar que se tratava de um cachorro; a terceira imagem mostrava uma criança, o corpo era raquítico e tão magro que não saberia identificar sua idade, em toda a sua pele havia feridas horrendas, mas o pior foram seus olhos, eram fundos como se não dormisse há meses, a esclera vermelha dando a impressão de que sangrariam a qualquer instante. Haviam mais duas imagens, mas eram tão horríveis que não conseguiu encará-las por mais que três segundos.

Desviou o olhar no momento em que ergueu-se, sua pequena mão estava trêmula quando escolheu uma das imagens; lembranças de seu próprio pai enlouquecendo aos poucos passavam por sua cabeça.

A paisagem mudou e ela mais uma vez afundou nas lembranças.

Estava com seus 14 anos, a mesma idade do último sonho que tivera. Dessa vez, demorou para entender o que estava acontecendo. Seus olhos estavam semi-abertos e, mesmo fazendo esforço, não conseguia permanecer totalmente desperta. Apesar do estado de torpor, era capaz de ter noção das coisas ao seu redor e, aos poucos, acostumou-se ao ambiente.

A primeira coisa que notou foi que não conseguia se mexer. Além de já estar dormente, seu corpo estava firmemente preso em uma espécie de máquina. Em sua cabeça havia um dispositivo metálico que circulava sua testa e de seus braços saíam fios e tubos ligados diretamente ao aparelho. Sua pele clara parecia ainda mais pálida, deixando-a com uma aparência mais frágil que o normal.

Camille tentou abrir mais os olhos ao ouvir vozes e passos se aproximando, um deles parecia tilintar no piso como um salto fino. Sua visão parecia borrada, mas ela conseguiu identificar uma mulher loira acompanhada de um médico, os dois pareciam estar no meio de uma discussão.

― Por que ela não está sedada? ― a voz feminina perguntou ao aproximar-se dela. Camille imediatamente a reconheceu como sendo Ava Paige.

― Oh, ela está. Não vê seu estado?

“Não, ele não”, Camille pensou, sua consciência dando sinais de vida. Sabia que era apenas uma lembrança, mas a sensação ruim parecia sufocá-la, recordando-se exatamente de como se sentiu quando mais nova. A voz era a mesma do médico que viu em sua última memória.

Ava Paige tentou manter a voz o mais monótona possível.

― Dr. Ward, eu não sou cega. Posso ver claramente que ela tem os olhos abertos.

― Chanceler, não deve se preocupar com essas coisas. Faz parte dos meus testes.

― Seus testes ― ela repetiu, seu tom de voz saindo mais irônico do que pretendia. ― Mesmo não sendo mais diretamente responsável por ela, lembre-se que eu ainda comando essas operações. O único motivo de eu mantê-lo aqui é porque já contribuiu muito com a organização.

― E porque não encontraria ninguém tão bom quanto eu, é claro ― ele respondeu, nem um pouco afetado pela possível ameaça de despejo. ― Tenho total controle de meus… pacientes. Agora, se me der licença, ainda tenho trabalho a fazer.

A Chanceler olhou para a garota em seu estado decadente.

― Você adora isso, não é? ― perguntou ao médico, agora sem se importar em esconder a emoção da voz. ― Não está aqui pela cura, está para ver o quanto esses pobres garotos podem aguentar. Não me admira que todo o grupo de transferência tenha falhado. Você é um sádico.

O médico sorriu. Se havia se ofendido pela sentença, não demonstrou.

― Não se esqueça que é você quem coloca esses garotos sob minha supervisão. Suas mãos também estão sujas.

― Eu sou sua superior, deveria aprender a ter mais respeito.

― Eu tenho, não me entenda mal. Mas também sei que sou essencial para seus propósitos, e você deixará qualquer um nas minhas “sádicas mãos” se for preciso para alcançá-los. Até mesmo sua preciosa Camille.

Ava não respondeu, sabia de seu compromisso com a causa.

― Chanceler ― uma outra voz surgiu atrás dos dois que se viraram para ver quem era. Janson, o homem-rato.

― Janson, o que faz aqui?

― Estava de passagem ― respondeu, os olhos analisando Camille de cima a baixo antes de voltar-se para sua superior. ― Não pude deixar de ouvir a conversa entre vocês. 

― É claro que não pôde ― Ava respondeu, crítica. 

Janson não mudou sua expressão calma.

― É primordial que todos os testes sejam feitos, sabe disso mais que ninguém. Por enquanto, acho melhor deixar que o Dr. Ward trabalhe em paz.

Ela ainda deu mais uma olhada em Camille. A garota tentou falar, mas de sua boca só saiam grunhidos indecifráveis. Suspirou, rendendo-se.

― Que seja, estarei em minha sala caso precisem de mim. 

Dito isso, deu meia volta e saiu, os saltos fazendo barulho enquanto sumia do campo de visão limitado de Camille. Ela sentiu Janson se aproximar de si, ficando mais visível. Não desviou os olhos dela enquanto voltava a falar com o médico.

― Ela sempre foi complicada, mas desde que descobriu o que realmente vamos fazer durante as fases dos experimentos, tem se recusado a cooperar. Eu sei de suas capacidades, então faça-a se comportar.

O médico se aproximou do rosto da garota, permitindo-lhe enxergar os cantos de seus lábios erguidos. Camille não se movia, mas ele sabia muito bem o quanto a intimidava.

― Não se preocupe, ela vai.

 

Camille acordou num sobressalto; seu coração parecia querer rasgar seu peito enquanto lutava para recuperar o fôlego. Mesmo sendo um sonho, a lembranças sempre a afetavam terrivelmente. Fechou os olhos por alguns segundos e acalmou a respiração, libertando-se da sensação horrível de não conseguir se mover.

Repassou rapidamente as cenas que presenciou, vários novos questionamentos surgindo em sua mente. A forma como Ava Paige a tratava, a história sobre os testes para a cura, o médico ― agora sabia seu nome, Dr. Ward ― sendo mais que perturbador.

Camille virou o rosto de lado, vendo o Sol queimar o solo do deserto fora da tenda; ainda tinha algumas horas antes de ele se por, talvez duas ou três. Os outros clareanos dormiam pesadamente, talvez não tivessem o azar dos pesadelos. Deveria falar com alguém sobre aquilo, mas não agora, precisavam descansar.

Voltou a pensar nas pessoas com o fulgor que viu quando criança e logo após no sorriso do doutor. Não sabia quem era aquele homem, mas de uma coisa tinha certeza, ele a assustava como o inferno.


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Notas finais do capítulo

Eu já tenho raiva desse doutor antes mesmo de ele aparecer de verdade. E vocês, como acham que as coisas vão ser quando ele surgir?
Estou louca por mais momentos Cammie x Minho, mas não deu pra esse... Sorry!
Enfim, obrigada por lerem!

XOXO



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