10 anos se passaram desde o dia em que recebi a pior e a melhor notícia da minha vida.

10 anos se passaram desde que busquei minha princesa e comecei a viver novamente.

Desde então, quando o peito aperta, os olhos ardem e aquela vontade de me enterrar em mim mesmo me assombra, eu olho para aquele par de olhos verde brilhantes que sempre estão ali, como se ela soubesse quando eu mais preciso de seu conforto.

Fiz o que Sakura pediu, ao invés de me trancar, lutei para que nossa filha fosse feliz. Fui forte por ela. Fui tudo o que eu pensei que jamais poderia ser.

Minha casa antes silenciosa, agora era tomada pelo barulho de gritos infantis, pés desastrados correndo por todos os lados, vasos sendo quebrados quando ela esbarra em algum enquanto dança na sala e suas gargalhadas contagiantes quando a pego pra fazer cócegas.

O sorriso dela é idêntico ao de Sakura e herdou também o jeitinho em que coloca o cabelo atrás da orelha com o mindinho levantado, o jeito que me olha por baixo rindo em seguida e a mania de simplificar a vida.

Ela modificou toda a minha vida, me tirou do eixo e me mostrou um mundo de realização que somente sendo pai eu pude conhecer.

As sombras da depressão ainda me perseguiam. Perseguiam.

A falta dos meus pais, do meu irmão e daquele amor de 5 dias que virou eterno, me machucam ainda demais. Mas é só a minha pequena luz aparecer com a sua tiara de princesa e um sorriso brilhante que todo o resto desaparece.

Todas as manhãs, quando acordo, eu sorrio para o retrato de Sakura que fica em minha cabeceira. É inevitável. Automático. O rosto mais redondo, os braços mais finos, a cabeleira rosa voando junto com o longo vestido azul florido, o sorriso maroto e a barriga redonda sendo acariciada. É a visão de um anjo.

Minha pequena vem me acordar e toda vez tenho que dizer o quanto ela é parecida com Sakura. Ela sente orgulho disso.

Sempre me pergunta as mesmas coisas, e mesmo eu não conhecendo a mãe dela, as minhas memórias são suficientes para fazê-la amar Sakura cada dia mais, assim como eu.

Nós vistamos o túmulo de Sakura com grande frequência e me emociono quando nossa princesa conversa com a lápide como se ali estivesse a mãe dela. É uma cena linda e eu consigo imaginar o rosto sonhador de Sakura prestando atenção em cada palavra com um sorriso sapeca dela.

Nunca deixei de amá-la. Nunca a esqueci. Tentei namorar outra vez, dar uma mãe pra minha pequena, mas a maldita comparação que sempre faço as desqualifica. Somente Sakura foi perfeita.

– Pai?

Olha para trás e vejo minha pequena sorrindo sapeca com somente o rosto aparecendo pela porta do meu quarto.

– Hn?

– Responde certo, pai! - ela diz emburrada me fazendo sorrir.

– Diga.

– Eu tô bonita? - ela pergunta com as bochechas coradas mostrando o vestido verde que Hinata deu para ela.

Se ela está bonita? Está perfeita. Meu anjo de cabelos negros e olhos verdes, uma mistura de seriedade e traquinagem. Um olhar frio e um sorriso contagiante.

Ela gira mostrando sorrindo quando vê a minha cara de bobo. Todos dizem que ela é a minha cara, mas com esse sorriso eu só consigo ver a minha Sakura ali.

– Tá linda. - respondo tirando um sorriso ainda maior dela e ganhando um de seus abraços apertados.

– Você também tá um gato, pai. - diz ela dando uma piscada e pulando pra que eu a pegue no colo.

– Você não tá muito grande pra vir no colo? - pergunto saindo do quarto.

– Não! Vou fazer isso até o senhor ficar velhinho e não aguentar mais as costas.

Chegamos na sala toda decorada para o aniversário dela. O tema era primavera, foi escolhido por ela, e por todo o lugar via-se os origamis de rosas e outras flores que ela, Hinata e umas amiguinhas fizeram. Tudo era muito cor de rosa ou verde. As nossas cores.

Coloquei-a no chão quando a campainha tocou, ela correu toda empolgada e se animou ainda mais quando as amigas chegaram.

Logo o lugar todo se encheu de gente. Muitas crianças correndo. Música alta e gente conversando em todos os lugares.

Depois de cumprimentar todos, fui salvo por Hinata e Naruto. Os que mais me ajudaram nessa nova vida.

– Como vão as coisas, paizão? - pergunta Naruto dando umas palmadas desnecessárias em minhas costas.

– Ótimas. Como vocês estão? - pergunto olhando para a barriga de Hinata que já aponta sob o vestido.

– Estamos muito bem. - responde a mulher afagando a barriga.

Eu invejo eles. Uma família completa.

– Pai! Vamos cantar parabéns! - grita minha pequena me puxando pela mão até a mesa do bolo.

Eu me posto a seu lado e todos começam a bater palmas e cantar.

– Faz um pedido. - sussurro pra ela.

Ela hesita um momento. Um sorriso diferente se faz em seu rosto e no mesmo instante em que ela assopra sinto um vento passar por nós. Não um vento frio, mas quente e terno. Meu coração para por um segundo quando o cheiro de flores de cerejeira passam quase despercebidas por mim. Meus pelos da nuca arrepiam e inconscientemente eu fecho os olhos para desfrutar daquele momento.

Minha Sakura está ali.

Abro os olhos esperando vê-la, mas vejo os olhos marejados de minha filha e um sorriso triste em seu lábios. A pego o colo ignorando os murmúrios do lugar.

A aperto forte contra mim e um instante de nosso próprio silêncio é o suficiente para esquecermos completamente o mundo ao nosso redor.

– Eu desejei que ela estivesse aqui. - sussurra em meu ouvido.

– Você a viu? - pergunto no mesmo tom sentindo meu coração disparar.

Ela nega com a cabeça e se separa de mim olhando em meus olhos.

– Senti. - ela responde aumentando o sorriso e deixando as lágrimas escorrerem. Me seguro ao máximo para não soltar o nó em minha garganta e a levo para outro cômodo.

Antes de sairmos eu olho pra trás e em meio a muitos rostos confusos eu vejo Hinata emocionada se abraçando.

A coloco sentada em cima da mesa do escritório fechando a porta. Ela não soluça, só deixa as lágrimas caírem contornando seu sorriso.

– Pai - ela começa e eu a olho com atenção - esse é o dia mais feliz da minha vida.

Eu a abraço de novo quando os soluços voltam e afago seu cabelo.

– Obrigada, querida. Eu também senti ela. - digo quase sem voz e ela me olha como somente Sakura me olharia. Com extremo amor.

– Ela vai sempre estar aqui, não é? - ela pergunta mais calma com a mão no próprio coração.

– Sempre. - respondo depositando um beijo em sua testa.

Neste momento vejo algumas flores de cerejeiras voando em frente a janela e desaparecendo com a brisa.

Ela sempre estará conosco.

– Ela não ia gostar de ver a gente assim né? - pergunta olhando pra mim enquanto enxuga os olhos forçando um sorriso maior.

Eu assinto com um suspiro e a coloco no chão.

– Sabe, pai. - ela começa mais segura - É difícil sentir saudades, mas é bom pensar que toda essa espera vai ser recompensada. Um dia vamos estar juntos em um lugar melhor. Até lá é melhor vivermos...

Eu a olho atônito. Minha filha nunca falou esse tipo de coisa, pareceu tão maduro e tão... Sakura.

– Hikari* - a chamo e ela sorri genuinamente - você é o melhor presente que sua mãe me deixou.

Ela cora um pouco apertando os lábios e os olhos brilhando novamente.

Minha menina, minha felicidade, minha luz.

– Eu amo você. - ela diz me dando um abraço reservado só a mim.

– Também amo você.

De olhos fechados posso vê-la sorrindo para nós e dando adeus. Talvez seja um sinal de que ela já está impaciente com minha devoção a ela, mas o amor faz essas coisas.

Jamais me esquecerei dos sorriso, da felicidade e das lágrimas que se tornaram meus. Do momentos em que tudo que era importante perdeu a importância quando ela estava do meu lado ou em meus pensamentos.

Nunca vou me esquecer da escuridão em que eu vivia e da luz que ela acendeu em mim. Uma luz que jamais se apagará.

"De tudo ao meu amor serei atento
Antes e com tal zelo e sempre e tanto
Que mesmo em face de maior engano
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar o meu canto
E rir o meu riso derramar o meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama.

Que eu possa lhe dizer do amor (que tive)
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure."

(Soneto de Fidelidade)