De volta a Stonehearst escrita por Valmont


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Primeiro dia experimentando do sinistro.



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Quarta feira, 13 de novembro.

Onde estou? Já vou falar. Porem conheça minha atual e miserável situação, fiz 17 anos em setembro e o que eu ganho de presente dos excêntricos dos meus pais? Uma viagem sem volta pro buraco no mundo. Incrível, eu sei que lendo essas singulares palavras vocês vão me achar uma menininha mimada e fútil, mas deixa-me contar um segredinho... eu não costumo ser dark e pessimista assim, entretanto parece agora que essa é minha realidade.

Meus pais são escritores, ou eram, amavam o trabalho deles bem mais que me amavam e sempre foi assim, por mim tudo bem porque eu tinha os pais mais apaixonados e legais do mundo, só que um belo dia meu pai resolveu se tornar um maldito traidor, exatamente isso que vocês acabaram de pensar. Como é uma historia quase formulada vou dar somente os detalhes sórdidos, meu papai querido estava dando uma palestra sobre um dos livros deles, na universidade de Oxford, ele, como sempre, recebeu a atenção de alunas desesperadas por um ídolo gostosão e blá blá blá, contudo entre elas havia uma ruiva e entediado de sua vidinha ele começou a se relacionar amistosamente com ela, isso ai que você tá pensando. Para piorar minha mãe descobriu o caso dele com essa ruiva no dia do lançamento do novo livro deles, que falava sobre um casal perfeitinho que se perde no deserto com seus dois filhos perfeitinhos e mesmo com toda essa desgraça eles sobrevivem, eu ainda não sei como alguém le isso, continuando onde eu estava mesmo? Ah pai cretino e mãe magoada, você não ouviu a melhor parte, para dar uma agitada nas ideias deles e na vida sexual dos meus queridos pais, eles se mudam para o fim do mundo e me levam junto, era isso, ou o colégio interno.

Depois dessa minha triste historia e clichê me responda, se eu devia ou não estar com muita raiva.

Agora vou responder onde estou, bem neste exato momento pelo vidro do carro eu posso ver pinheiros e alguns outros detalhes, de uma das lindas e melancólicas florestas londrinas, mas em poucos minutos estaremos na mansão Stone alguma coisa, foi o que meu pai disse há uma hora atrás. Felizmente parece que agora é pra valer, pois há uns cincos minutos eu vi uma placa indicando o caminho até a casa.

...

Chegamos enfim a essa casa que parece mais um mausoléu, é meio gótico e acho que uma faxina cairia bem. Se não fosse muito brega diria que é uma sósia de uma versão horrível da casa do Drácula no primeiro filme decente de vampiro. A Mrs. Hoffman e seu filho Noah já estavam a nossa espera, o garoto tinha olheiras e cabelos carvões caindo em seus olhos, era deprimente vestido com um suéter azul. Sua mãe bem diferente usava um coque alinhado e um vestido preto fúnebre, contudo os dois tinham uma coisa em comum, pareciam terrivelmente tristes e desamparados. A mulher foi muito polida e nos apresentou aos serviçais Mr. Baudelaire, o jardineiro, Mrs. Brown uma faxineira cega e a Mrs. Wolf, que era a governanta. Para o tamanho do lugar eu esperava mais empregados, porém a Mrs. Hoffman explicou que não era necessário pois eles não utilizavam todos os cômodos.

A nossa anfitriã nós conduziu a uma pequena sala onde estava o que parecia ser um chá da tarde. Sentou-se em uma poltrona florida e nos mostrou o sofá, ingenuamente nós nos sentamos, como três alunos bagunceiros que agora ouviram um bom sermão. O filho dela não se sentou na poltrona ao lado da de sua mãe, permaneceu em pé como se fosse algum fantasma, eu comecei a encara-lo até que ele me notou, então virei à cabeça tentando disfarçar uma expressão envergonhada. A Mrs. começou a se servir de chá, sorriu para nós com um olhar de misericórdia e pena. Ela parecia saber dos nossos problemas, quer dizer os problemas deles. O casal perfeitinho. Com o Mr. perfeitinho envolvendo a Mrs. perfeitinha com um braço, mesmo percebendo o olhar de desgosto dela.

– Então Eduard em que você trabalha mesmo? – Meu pai pareceu meio incomodado, nem a minha mãe o chamava de Eduard, ela o chamava de Ed ou talvez Archer, mas aquela mulher pronunciava seu nome como se conhecesse ele há séculos. – Não se importa de chama-lo assim, se importa?

– Não, não me importo. – ele respondeu contragosto – E eu e minha esposa somos escritores

– Escritores? Isso é incrível. E você Alice pretende seguir carreira? – ela perguntou , oferecendo-me uma xícara de chá.

– Na verdade eu ainda não sei o que eu possa vir a ser. Mas eu gosto muito de ler, principalmente mitologia grega. – E aquilo tudo começou a parecer com a minha entrevista, mal sucedida, de Oxford.

– Isso é maravilhoso. É um bom começo.

Ela estava olhando para mim, analisando-me, com um sorriso nos lábios indistinguíveis. Eu concentrei o meu olhar em meus sapatos, e permaneci nessa posição até ouvir a cadentica voz da Mrs. Wolf.

– Senhora uma tempestade está a caminho de Stonehearst. – disse, esperando uma resposta atrás da porta.

– Mande Henry ver se está tudo certo nos estábulos e me espere no meu escritório. – respondeu asperamente, virou se e nos encarou – Bem ... Eu gostaria de ficar mais, entretanto tenho deveres a cumprir. Mandarei Melissa, ela irá acompanha-los até suas acomodações...

– acho que podemos encontrar os nossos quartos, adoramos uma caça ao tesouro – minha mãe a interrompeu, a senhora estava em pé se dirigindo à porta, nos olhou por cima do ombro e continuou a andar.

– Certamente não – disse antes de fechar a porta, com o seu filho a seguindo.

O momento em que eu e meus pais ficávamos sozinhos era terrível, minha mãe se limitava a olhar para as janelas procurando algo, já meu pai sorria pra mim. Não sabia o que ele queria dizer com aquele gesto. Lembro-me desse sorriso na primeira vez em que quebrei o braço, no primeiro dia de aula, quando perdi meu gato e nunca entendi. Antes eu tinha um conceito pré-concebido que isso tinha a finalidade de me passar segurança, entretanto só agora eu realmente entendo, ele está se desculpando por não poder me poupar desta determinada situação.

A jovenzinha entrou rapidamente, tirando-me dos meus pensamentos, ela, diferente de antes, estava vestida com seu uniforme de faxineira. Andou até a nossa frente sem dizer nada, ergueu apenas a mão onde se encontrava um par de chaves, meu pai se levantou e recebeu o par. Ela sorriu para nós e apontou em direção a porta. A seguimos passando de um corredor a outro simplesmente iguais, todos com varias fotos de crianças, aquela casa parecia um labirinto de dois andares, penso que talvez aquela mansão tivesse servido como orfanato na primeira guerra mundial e a nova dona não quis se desfazer daquela sinistra decoração de colégio interno.

O quarto dos meus pais era próximo ao meu, ficava no mesmo andar, só há poucos quartos de distancia. Minha mãe antes me deixar naquele comodo, meio muito cinza, disse que aqueles eram os melhores quartos.

Era grande, carpete vinho, papel de parede de anjinhos, uma cama grande estilo princesa, que a Mrs. Archer sempre quis me comprar e enfim aquele era um quarto perfeitinho. Parabéns Mr. e Mrs. Archer, vocês conseguiram outra vez. Além dessas futilidades, o que me chamou atenção foi uma plaquinha feita de papel posta encima da cama, dizia “bentornato Sam”, ao lado dela havia um bombom como o do hotel Lime Wood, que se não fosse pela sujeira e a sinistridade da casa, se pareceria um pouco com o paraíso Lime Wood. De qualquer jeito não me surpreendi com o fato deles terem colocado isso, porém eles lembraram, eu suponho, que adorei o lugar, foram as melhores ferias da minha vida, isso foi há nove anos e não iria exercer nenhuma mudança na minha atual situação. Não agora

Depois de tomar um banho quente, me joguei na cama, onde escrevi boa parte disso e realmente não me importo muito com as horas ou se está frio devido à falta do aquecedor, só quero depois de guardar isso, dormir um sono profundo e se alguém lá em cima gostar de verdade de mim, só irei acordar daqui a 10 anos, no mínimo.

...

Alguma coisa me acordou, isso estava batendo na minha porta demasiadamente forte, pensei em gritar, ou chamar alguém , mas eu estava mais interessada em voltar a dormir, meu antigo plano parecia bom. Só bem depois, quando percebi que aquilo não iria embora, levantei-me e liguei a luz, notando o vulto se movendo, embaixo da minha porta, caminhando para longe naqueles caminhos inebriados. Sempre tive medo do escuro, mesmo amando a noite, lendo isso você pode achar isso um pensamento contraditório, no entanto eu amo a noite por causa das estrelas e da lua, lembro-me de um livro chamado festa no céu, que a minha mãe lia pra mim quando era pequena, falava sobre as estrelas antes da lua, naquela época todas as estrelas brilhavam tanto quanto a lua, que nós conhecemos atualmente, no entanto havia uma delas chamada UY Scuti, essa era a mais bonita das estrelas e a mais gananciosa, queria o poder só para ela, então maquiou um plano maligno, para roubar o brilho de todas as outras estrelas, no final ela acabou sendo enganada e presa em uma bolha gigante e leitosa, onde foi condenada a passar a eternidade sem ver a noite e brilhar. Bom eu não me lembro do final direito, mas acho que a safada consegue o que ela queria, explode e brilha mais do que as outras, essa não é o melhor conto sobre o céu no estagio noturno, nem a minha historia favorita, no entanto eu gosto muito e como podem ver isso sempre me fascinou. Você quer saber sobre a escuridão? Não, breu sempre me assustou. Voltando... Felizmente, ou infelizmente, eu ainda não descobri, a minha curiosidade foi mais forte que o temor que corre nas minhas veias. Calcei minhas pantufas de porquinho e encarei a porta, pensando em não abrir, entretanto ouvi novamente as batidas, então abri e sai do quarto tateando a procura de algum vestígio de luz que me ajudasse a enxergar o cretino, até que cheguei à porta de vidro que separava o corredor dos garotos asiáticos do meu, das garotas de franjinha. Eu prendi a respiração, sentindo me flutuando, a lua estava brilhante, linda, basicamente estonteante. Aproximei-me da porta e a abri, caminhei na varanda de mármore coberta de musgos, com a cabeça em outro mundo, seguindo a luz da lua, ela iluminava tudo e era totalmente maravilhoso, como se a floresta brilhasse,o vento brincasse entre as arvores, dava pra ouvir o cair da água talvez de uma cachoeira próxima dali, eu podia ter passado o resto da noite naquela posição, mas ouvi uma voz doce sussurrando o meu nome. Virei me dando de cara com o que parecia ser um vulto, estava escuro demais para ver exatamente quem ou que era, fitei aquele ponto desconhecido, ele também fazia o mesmo. Podem ter sido horas, ou minutos, ou segundos, pra mim pareceu ser a eternidade, eu sabia que tinha ficado totalmente exposta, por um lado amei, no entanto o medo que habitava no meu interior começava a sucumbir-me. Aquilo começou a bater os pés no chão, como em uma loja, quando você vê aquelas crianças malcriadas que não ganharam o que queriam. Ele parou, então começou a rir alto, gritou meu nome, correu, não pude ficar parada lá, simplesmente não pude, me joguei naquele breu, que parecia me consumir e coagir de medo. Concentrei-me apenas nos passos, por um momento ou dois não soube diferenciar se eram meus ou dele. Aquela coisa ria e gritava o meu nome, isso me impulsionava correr ainda mais e mais, meus olhos fechados e abertos não faziam diferença nenhuma, assim preferi fecha-los, tudo parecia um sonho.

– Meu Deus!!! – Mrs. Wolf gritou isso e alguma coisa a mais, no momento em que nos colidimos, sua xícara de chá parou longe e eu e ela estávamos no chão. – Você está ficando louca menina?

– Perdoe me – disse, atordoada, tentando ajuda-la levantar – O que a senhora estava fazendo essa hora aqui?

– Eu pergunto o mesmo garota. – retrucou, já de pé, tornando o seu ar aristocrata classe media – eu tenho enxaqueca após uma tempestade, agora você pode responder?

Senti-me desconcertada, mostrei um sorriso tímido, disfarcei a minha cara de “onde está o, ou, a louca que eu estava perseguindo?”, respondi gaguejando:

– Estava... Eu perdi o sono ...

– Então resolveu correr pela casa? – ela me interrompeu, olhou-me zombeteiramente, eu me concentrei em fitar os meus pés e não respondi. Parecendo ter pena, misericórdia, ou cansaço de entender a situação, Mrs. Wolf sorriu e me envolveu com um braço - Está tudo bem criança. Vá para o quarto, eu levarei uma xícara de chocolate quente, tente esquecer os problemas.

Eu concordei, voltei para o quarto incerta do que veria, comecei a devanear, se tudo tivesse sido um sonho tudo bem, contudo a colisão com a Mrs. Wolf foi como um choque de realidade. Por mais insano que possa parecer, eu preferia não ter acordado do sono, ou, ter encontrado o que me assombrava.

O que me assombrava?

Poderia ter sido o garoto de cabelos negros? Noah?

O nome não me soa estranho, é como se eu já o tivesse visto em algum dos meus sonhos, entende quando você tem um, contudo não se lembra do rosto da pessoa, ou, simplesmente a face está distorcida. Não. Alice. Pensar nesse cara, garoto desconhecido, só vai preencher o seu dia de esquisito com uma paixão platônica, totalmente unilateral, pelo menino de olheiras. Outras alternativas para o meu fantasma fujão ...

Algum dos serviçais? Um fugitivo? Por que tinha me levado àquela varanda?

Eu não vou e nem posso responder isso, só me resta é tomar uma pílula bem grande pra dormir. Então é esse o meu destino, sair, ou, voltar da terra dos sonhos. Eu já não sei distinguir. Queria só que alguém me chamasse de vadia esquisitona, ou, pisasse em uma ponta de cigarro, olhando-me cética e dissesse: “Certo querida, vamos chamar os caça fantasmas e eles dão um jeito. Não se estresse, eles nunca perderam nenhum caso, só espero que aceitem dinheiro do monopoly. Sem grana sabe.” Eu riria e ela me poria pra dormir, com a versão I will survive do Cake. Como eu sinto sua falta, Sam.


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Notas finais do capítulo

Continuo?