Juntos pelo acaso escrita por MsNise


Capítulo 27
Aproveitando


Notas iniciais do capítulo

Heeeeeeeey!
Eu peço MIL desculpas a vocês por duas semanas e um dia sem capítulo, mas eu tenho motivos. Na semana passada eu não postei porque estava cheia de trabalhos e provas, mas agora aliviou um pouquinho. E ontem eu não postei porque era pra eu ter terminado o capítulo na quinta, mas fiquei doente. Aí escrevi um pouco ontem e um pouco hoje. E, para compensar o meu atraso gigante, hoje eu trouxe quase 4.500 palavras pra vocês!
Espero que gostem e que não tenham me deixado por essas demoras ♥



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— Sério isso, Guto?! — Lipe reclamou em uma voz sonolenta.

Tínhamos parado na frente de uma casa qualquer para ligar para Lipe. Sali tinha deixado no viva voz para que ambos pudéssemos conversar com ele.

— Jura que você estava dormindo? Lipe, é sexta-feira! Desde quando você dorme na sexta-feira?!

— Desde que comecei a namorar — ele gemeu. — Cara, não acredito que você realmente está indo no cemitério com a Sá. E ainda me convidando para ir junto!

— Convidando você e Bia para irem junto — corrigi. — Ah, vamos lá, Lipe! Será divertido. Como nos velhos tempos.

— Nós tínhamos 13 anos — ele reclamou.

— E daí? Só se passaram cinco anos desde então. Felipe, vai querer ir ou não? De qualquer forma, você já está acordado.

Ele respirou fundo e ouvi um barulho quando ele se mexeu.

— Liguem para Bia. Vocês que vão ter que enfrentar a fera. Se ela topar, vocês me ligam pra confirmar.

— Tenho certeza que a Bia vai topar — Sali comentou toda cheia de si. — Você que é pessimista.

— Veremos, Sabrina, veremos…

.

Talvez o certo a se dizer não era que Lipe era pessimista, mas sim que Sali era demasiadamente positiva. Também era certo dizer que Lipe tinha razão ao dizer que enfrentaríamos uma “fera”. Quem poderia dizer que monstros a noite despertava em Bia?

— Quem é o filho da mãe que ousa me acordar plena meia-noite? Vou puxar seu pé essa noite — ela resmungou com a voz sonolenta.

Sali e eu trocamos um olhar um tanto… assustado.

— Bia? Sou eu, a Sá.

Houve uma pequena pausa de um segundo.

— Sá? SABRINA?! Você é a criatura demoníaca que interrompeu meu sono?! Eu jurava que você fosse minha amiga — ela vociferou violentamente ao telefone.

— Eu… Ahn…

— “Eu… Ahn…” nada! Não me venha com essa! Foi muita falta de respeito de sua parte. Se você não está dormindo deveria deixar os outros dormirem! Eu odeio quando interrompem meu sono. ODEIO, ouviu?

— Tá bom, Bia… Então eu já vou desligar. Não quero atrapalhar mais o seu sono — Sali falou baixinho. Ela parecia assustada com Bia.

— O quê? Pelo amor de Deus! Não! Agora que você me acordou quero saber o motivo. E se me disser que é um trote… vai se ver comigo.

— Não é um trote — me intrometi. — Quer ir no cemitério com a gente, Bia? Se você for o seu namorado também vai.

— Lipe? O que ele tem a ver com isso?

Revirei meus olhos.

— Nós o chamamos também. E aí, vai querer ou não?

Ela respirou fundo.

— Já que me fizeram perder o sono… — resmungou contrariada. — Se não valer a pena essa noite, vocês vão me pagar.

— Tá bom, tá bom, Senhorita Insuportável. Passamos na sua casa te buscar em quinze minutos.

— Do que me chamou?!

Mas, logo que ela terminou a frase, eu finalizei a ligação. Olhei para Sali com um sorriso satisfeito de quem consegue o que quer.

— A nossa aventura já começou agitada — ela suspirou e se apoiou no meu peito como se estivesse cansada.

— O que seria de uma aventura sem um pouco de agitação?

— Realmente — ela assentiu. — Não acha que Bia vai nos comer vivos quando nos ver?

— Provavelmente não — fiz uma careta. — Late e não morde, sabe como é.

Ela riu e se afastou um pouquinho.

— Eu ainda não acredito que vou fazer isso de novo, Gustavo — segurou meu rosto entre minhas mãos e aproximou nossos rostos. — Você é um… idiota por ter feito eu me apaixonar por você. É arriscado. E me assusta.

— O que te assusta? — entortei minha cabeça para o lado, envolvendo sua cintura.

Ela suspirou e acariciou meu rosto.

— Acho que o fato de você ter me conquistado tanto. Como fugir disso agora?

— Não precisa fugir — colei nossos corpos. — Desse tipo de coisa não se foge.

Ela sorriu.

— Eu não quero mais fugir. Não é uma opção. A única opção agora é ir até onde for possível.

— Eu gostei mais dessa.

— Eu também — ela confessou aos sussurros antes de se aproximar e me beijar apaixonadamente.

Não foi como nossos outros beijos. Aquele estava cheio de uma intensidade que eu desconhecia; fez o meu coração acelerar, minhas mãos suarem, minhas pernas tremerem. Abalou as minhas estruturas como nunca tinha acontecido até então. Foi um beijo especial, cheio de segredos e vontades contidas. Foi um encontro de lábios que me garantiu que ficaríamos juntos; talvez não para sempre, mas pelo maior espaço de tempo que conseguíssemos.

Apertei sua cintura e puxei seu corpo para mais perto do meu, enquanto ela acariciava a minha nuca. Não queria sair de seus braços nunca mais. Nunca tinha me sentido tão completo ou tão vivo antes na minha vida. Quase fui capaz de sentir seu coração batendo acelerado de encontro ao meu. Quase fui capaz de sentir ela se conflagrando por dentro e depois explodindo, exatamente como eu.

Se alguém olhasse de fora, pareceríamos apenas um casal de adolescentes se agarrando durante a noite. Mal saberiam todos os sentimentos que explodiam dentro de nós. A mais autêntica felicidade. A maior dose de adrenalina. A maior descarga emocional carregada de amor.

Porque foi aquilo que senti naquele momento. Que amava Sali e que nunca a deixaria escapar.

— Você não vai escapar de mim — murmurei entre o nosso beijo.

Senti seu sorriso em meus lábios.

— Não faço questão nenhuma disso — ela sussurrou. — Aqui está bem mais confortável…

E realmente estava.

.

— Até que enfim, hein — Bia reclamou, encarando-nos de braços cruzados e cenho franzido. Lipe estava com um dos braços em seus ombros e parecia exausto. Perguntei-me se seria a hora ou o fato de ter ouvido uma ladainha de Bia antes de chegarmos. — Pensei que nunca chegariam. Ficaram se pegando e se atrasaram, é?

Imaginei Sali corando ao meu lado. Apenas segurei um riso para não levantar suspeitas.

— Nós nem demoramos tanto. Não seja exagerada, Bia.

— Não ouse me chamar de Bia — ela apontou o dedo em riste na minha cara, afastando-se de Lipe. Ele me olhou como se pedisse piedade. Questionei-me se teria sido uma boa ideia convidar os dois. — Não depois de ter me acordado e me feito esperar mais que o combinado.

— Tudo bem, Beatriz — revirei meus olhos. — Mas agora nós estamos aqui. Podemos ir?

Ela ainda me encarou por um bom tempo antes de ir até a bicicleta de Lipe. Ao contrário de Sali, que sentava em minha frente, ela se sentou na garupa.

— Espero que tenham em mente o que faremos lá. Eu já disse, se não valer a pena…

— Vocês vão me pagar — Lipe, Sali e eu completamos em um coro muito bem ensaiado, rindo em seguida.

Nem Bia não pôde segurar daquela vez. Talvez ao ver que tínhamos decorado a sua fala ela tenha percebido que estava com um nível de irritação um pouco acima do normal e, finalmente, tenha decidido aproveitar a noite. Porque ela não foi especialmente desagradável ao longo do caminho. Apesar de alguns deslizes típicos de temperamento, ela estava até bem calma. E aquilo fez todos relaxarem.

Talvez a noite não fosse tão ruim quanto eu pensei que pudesse ser.

.

Lipe e Bia fizeram um estardalhaço ao pularem o muro, com gargalhadas altas e desequilíbrios desnecessários. Temi que José nos flagrasse; naquela noite, queria fazer tudo certo. Escondido. Secreto. Como tinha que ser.

— Ai, Guto, deixa de ser ranzinza — Sali reclamou sorrindo para mim ao ver minha carranca. Lipe e Bia já estavam dentro do cemitério. — Hoje é um dia que temos que nos divertir.

— E se o Seu José nos ver?

Ela revirou seus olhos.

— Ele vai falar: “Olá, menino Gustavo. Não esperava te ver aqui essa noite. Fico feliz que tenha vindo” — ela puxou uma de minhas mãos e apertou meus dedos. — Não tem com o que se preocupar. Não me convidou para vir para que aproveitássemos a noite?

Respirei fundo.

— E nós vamos aproveitar…

— Não se você continuar assim — ela cruzou os braços e fechou a cara. — Deixe de birra, Gustavo. Eles não fizeram nada de errado em se divertir. E nós deveríamos fazer o mesmo. Estava tudo tão bem até agora…

As suas palavras reacenderam a chama do beijo que tinha ficado contida dentro de mim. Sim, estava tudo indo muito bem. E então eu comecei a ficar preocupado com uma coisa que não fazia sentido. Por que aquilo tinha que ser escondido? Por que não podia ser anunciado? Era o amor, não era? O amor entre dois casais de adolescentes.

Com um último suspiro de lamento, eu sorri.

— Tá. Você me convenceu — fechei meus olhos e pendi minha cabeça para trás. — Vamos fazer dessa noite algo incrível.

— Vamos fazer dessa noite o melhor dia — ela exclamou, puxando minha cabeça para baixo e me fazendo abrir os olhos. Um sorriso brilhante dominava seu rosto. — Quer me ajudar a subir, menino Gustavo?

— Eu adoraria, senhorita Sabrina.

Ela me usou como apoio para subir no muro, assim como tinha feito da última vez. E eu fui logo após ela. Escalei o muro com facilidade e logo estava do outro lado. Para a minha surpresa, Lipe e Bia estavam entretidos em uma conversa com José, o zelador do cemitério.

Parei ao lado de Sali e passei um de meus braços por seus ombros, puxando-o adiante para que também participássemos da conversa.

— Menino Gustavo — José exclamou com um genuíno sorriso. — Você por aqui de novo?

— Realmente, Seu José, acho que gosto desse cemitério.

Ele assentiu.

— O que querem fazer aqui hoje, crianças?

— Passar algum tempo — Sali disse com um sorriso delicado. — Aproveitar a noite de sexta.

— Brincar de esconde-esconde, talvez — Bia deu de ombros, sentando-se em um túmulo.

Seu José assentiu.

— É muito divertido voltar a ser criança. Aproveitem essa noite — ele sorriu. — Eu vou continuar cuidando do cemitério. Se divirtam.

Ele se retirou em passos lentos e, assim que vi que tinha desaparecido por entre os túmulos, me voltei para Bia.

— Esconde-esconde?! — reclamei. — Sério isso?

— Ué! Não viemos aqui para ficarmos de braços cruzados olhando um para a cara do outro, não é? Vocês não me tiraram da minha cama quentinha para ficarmos sentados. Nós vamos brincar de esconde-esconde sim!

Pensei em retrucá-la, mas engoli minhas palavras. Daquela vez, foi Sali quem se manifestou.

— Esconde-esconde? De noite? Em um cemitério? Você tá brincando! — ela parecia nervosa. — De jeito nenhum!

— Você tem medo? — Lipe perguntou, incluindo-se na conversa.

Sali desviou o rosto e não o respondeu. Com um simples aceno de cabeça confirmei suas suspeitas.

— Escute… e se a brincadeira for em casais? Eu e Bia procuramos e vocês dois se escondem e depois inverte a situação. Assim ninguém fica sozinho.

— Ah, mas aí não tem gr… — Bia tentou falar, mas Lipe foi rápido em tapar sua boca com a mão.

— Se for em casais, eu topo — Sali disse com um suspiro demorado. — Mas só se for assim!

Bia revirou os olhos e mordeu a mão de Lipe para que ele a soltasse. Um sorriso relaxado surgiu em sua face.

— Tudo bem. Se essa é a única forma… Regra número um: nada de aproveitar a situação para dar uns amassos. Quando éramos crianças não existia esse tipo de atitude.

Assim que ela terminou de falar, Lipe se afogou. Ela afagou suas costas com um sorriso zombeteiro.

— Tudo bem, amor?

— Tudo ótimo.

— Que bom — ela se afastou e continuou com as ordens, mesmo que houvesse um sorriso zombeteiro pairando em seus lábios. — Regra número dois: nada de barulhos assustadores.

— Você também tem medo? — Sali perguntou com inocência.

— Não foi isso que eu disse — Bia cortou-a cautelosamente, não querendo magoá-la. — Pergunta: contar sessenta segundos rápido ou trinta devagar?

— Sessenta rápido — Sali disse.

— Trinta devagar — eu disse.

— Sessenta rápido dá bem mais tempo — ela insistiu, se virando para mim. — São bem mais palavras para falar.

— Depende do quão rápido eles conseguem contar. Podem trapacear e nem falar as palavras completas, com a desculpa de que tinha que ser “rápido”.

— Claro que não, Gustavo! É óbvio que…

— Chega! — Lipe exclamou. — Sério gente, vocês estão insuportáveis essa noite. Trinta segundos e acabou — Sali soltou um muxoxo de reprovação ao meu lado e eu sorri vitorioso. — Repassando: sem pegação, sem barulhos. O cemitério todo é muito grande, então só vale se esconder a partir dessa fileira de túmulos para aquele lado — ele apontou para o lado permitido. — A princípio é só isso. Alguma dúvida?

Sali ergueu sua mão timidamente.

— Por que mesmo que não são sessenta segundos rápido?

Ele respirou fundo e estava prestes a mandá-la calar a boca quando ela agarrou a minha mão e sorriu largo.

— O que acha de começarmos a brincadeira logo?

Ri de seu jeito inocente e assenti, voltando minha atenção para o casal que estava em minha frente. Começaríamos a brincadeira com eles contando e Sali e eu nos escondendo.

Assim que eles fecharam os olhos e começaram a contagem, puxei a Sali por entre os túmulos. Tentei correr silenciosamente para que nossos passos não denunciassem nossa direção. Ela ria atrás de mim, até que puxei-a para meus braços e tapei sua boca.

— Eles vão nos descobrir se você continuar rindo — cochichei aos risos também, sentando atrás de um túmulo.

— Desculpa — ela pediu, tirando minha mão de sua boca e tentando rir baixo. — É que é tão bobo e infantil.

Sorri.

— Às vezes é preciso um pouco de diversão. E, já que a noite é uma criança, podemos ser criança durante a noite.

Ela assentiu e respirou fundo.

— Isso foi bem profundo — ela sorriu e se enroscou em mim, ficando algum tempo em silêncio. Logo ouvimos os passos de Lipe e Bia e seus questionamentos sobre o lugar onde podíamos estar. — Se a minha mãe sonhasse que eu saí de casa essa noite…

— Shh. Não se preocupe com isso agora — sussurrei e acariciei seu rosto. — Ela não vai descobrir. Apenas… aproveite o momento — beijei sua testa e apoiei minha cabeça na sua, tentando ouvir mais os barulhos de Lipe e Bia.

Sali não me respondeu. Ficou abraçada a mim em silêncio, simplesmente esperando que nossos amigos nos encontrassem. Mas eu tinha entrado naquela brincadeira e não estava disposto a deixá-los ganhar.

— Esquece isso, Sali — pedi baixinho, segurando seu rosto entre minhas mãos. Ela suspirou e assentiu desanimada. Dei a ela o meu melhor sorriso. — E agora o que acha de irmos bater o pique?

— Tudo bem — ela suspirou e voltou ao seu estado de criança, agachando-se e tentando espiar por entre os túmulos para descobrir a posição de nossos amigos. — A barra está limpa por aqui — ela murmurou, estendendo sua mão. Segurei-a sem hesitar. — Vamos… com calma!

Agachados, andamos em silêncio por entre os túmulos. Aparentemente cuidávamos de todos os lados… menos do lado em que Bia e Lipe estavam escondidos nos espreitando. Eles passaram correndo por nós, querendo bater o pique e ganhar a rodada. Sem esperar nem mais um segundo, disparei atrás dos dois carregando Sali junto comigo. Apesar de nossos esforços, foram eles que ganharam.

— Ganhamos! — Bia comemorou com um sorriso gigante, sentando-se em um túmulo para descansar. — E agora vocês é que terão que nos procurar.

Sali e eu assentimos, mas Lipe franziu o cenho e contestou.

— Ganhamos o quê? Sério, isso não foi nem um pouco divertido. Em casais não tem graça mesmo.

— Foi você que sugeriu, Felipe — Bia reclamou, franzindo o cenho.

— E eu não brinco sozinha! — Sali acrescentou.

Ele revirou os olhos e jogou a cabeça para trás.

— Eu sei, eu sei… mas acho que podemos fazer alguma coisa mais divertida. Bem mais divertida.

— O que você quer dizer, Lipe?

Ele apenas sorriu maleficamente ao me olhar. Tive medo de ter entendido o que seu olhar significava.

.

— Eu ainda acho isso um pouco cruel… — comentei.

— Quieto, Gustavo! — Bia reclamou. — Deixe de ser ranzinza. Foi a melhor ideia que tivemos essa noite…

— Que eu tive essa noite — Lipe a corrigiu.

— E nós vamos sim fazer isso — ela continuou. — Vai ser muito engraçado!

Sali resolveu intervir.

— Olha, dessa vez eu concordo com o Guto. Gente, o Seu José já está velho. E se acontecer alguma coisa com ele? A culpa vai ser nossa!

Lipe e Bia reviraram os olhos.

— Ai, que drama! — Bia exclamou.

— Olha, o Seu José tá muito mais firme que vários adolescentes por aí. E, além disso, eu duvido que ele vá realmente se assustar. Já imaginaram quantos barulhos ele deve ter ouvido ao longo dos anos? É só pra noite ficar mais divertida mesmo — Lipe respondeu calmamente e nos olhou suplicante. — Vocês aceitam, por um pouco de diversão?

Mesmo que ainda um pouco relutante, não pude desconsiderar os argumentos de Lipe. Ele tinha razão em diversos aspectos e até poderia ser bem engraçado… Com um suspiro contrariado, murmurei:

— Ok, eu topo. Mas vamos pegar leve com ele. Já tem bem mais idade que nós e…

— A gente sabe, Guto — Bia falou gentilmente, não parecendo mais tão irritada. — Nós não vamos matar o velho do coração. Ele até vai gostar. Você vai ver.

Eu veria.

Tive medo do que poderia ver.

Com passos silenciosos, começamos a procurar José pelo cemitério. O encontramos sentado perto do túmulo de sua mulher, quase na entrada do lugar. Imaginei que ele ficasse lá com frequência. Ao ver aquela cena, repensei na situação e percebi que não era uma boa ideia. Atrapalharíamos seu momento de reflexão ao lado do túmulo de sua falecida mulher… E até teria dito isso aos meus amigos, se eles não tivessem se adiantado no plano.

— José — Bia sussurrou. — José. Seu Joséééééé — ela estendeu a última sílaba para deixar um ar mais fantasmagórico.

Ao observar José, percebi que ele procurava a origem do barulho. Pegou a sua lanterna e iluminou ao redor.

— Quem tá aí?

— Sou eu, José — Lipe falou engrossando a voz. — Sou eu. Quanto tempo, meu amigo…

— Quem é? — ele perguntou com a voz firme, olhando ao redor.

— Como não sabe? — Bia perguntou com uma voz suave. — Pensei que teria mais consideração conosco…

Nessa deixa, ambos assentiram para que Sali e eu executássemos a nossa parte do plano. Colocamos coroas de flores sobre nossos rostos e nos levantamos, andando bem juntos e em silêncio. Paramos alguns metros atrás de José.

— De uma vez por todas, quem é?! — ele vociferou, se virando e nos iluminando com a lanterna.

Imediatamente seus olhos se arregalaram e ele colocou sua mão livre sobre seu coração, cambaleando um passo para trás. Ele largou sua lanterna em um túmulo qualquer e caiu no chão, sufocando.

— Seu José — exclamei, jogando as flores e me ajoelhando ao seu lado. Ele fechou seus olhos e começou a ter espasmos. — Seu José! Por favor. O que está acontecendo? Meu Deus!

— Seu José — Sali chamou com uma voz chorosa. — Desculpa. Nós não sabíamos que isso poderia acontecer…

— Ai. Meu. Deus. O que aconteceu? — Bia exclamou, se ajoelhando também. — Seu José! O que nós fizemos? — choramingou.

— Ele não está morto, está? — Lipe murmurou com a voz trêmula. Parecia apenas uma criança assustada.

— Nós precisamos levar ele pro hospital e… — Sali começou a falar, mas foi interrompida pela risada rouca do senhor que estava deitado à nossa frente.

Ele se virou de lado e se encolheu de tanto rir. Sua risada era rouca por causa dos anos como fumante e ele logo começou a se afogar. Com a ajuda de Lipe, fiz ele sentar encostado em um túmulo. Mas as risadas… Ah, essas não paravam nunca!

— Eu não tô entendendo mais nada — Lipe suspirou derrotado e jogou sua cabeça para trás.

José abriu seus olhos e começou uma nova onda de risadas ao ver o desespero de Lipe.

— Ai, crianças, não sabem nem mais brincar — ele falou muito tempo depois, quando finalmente se acalmou. — Não acredito que caíram nessa!

— Não acredita que caímos no quê? — Sali perguntou.

— Não acredito que caíram na minha farsa! Eu nunca me assustaria com vocês. Já sei o que adolescentes são capazes de fazer faz muitos e muitos anos. Acharam mesmo que eu poderia ter tido um treco assim? — ele riu. — Não, não.

— Então o senhor já sabia? — Bia perguntou indignada. — Já sabia que o assustaríamos?

— Óbvio!

— Tanto esforço pra nada! — ela exclamou. — Não acredito! Argh!

— Não foi para nada. Pense pelo lado bom: foram vocês que se assustaram! Então o esforço não foi em vão.

— A diversão foi só sua — Lipe reclamou, cruzando os braços e franzindo o cenho. — Isso não se faz, sabia? Onde já se viu… fingir que está passando mal…

Não pude evitar um riso. Lipe, o mais “inconsequente”, era o mais irritado com a brincadeira de José. Tive que admitir que o velho era esperto. Estendi minha mão para ele e sorri.

— Você é bom nisso — cumprimentei-o.

— Anos de prática, menino, anos de prática…

— Se tivessem sido crianças achariam que poderiam morrer com o senhor.

— Não, meu rapaz — ele discordou. — Crianças sairiam correndo atrás dos pais. Já vocês… vocês sim morreriam ao meu lado. Mas foi uma brincadeira divertida…

— De divertido não teve nada! — Lipe reclamou e pegou na mão de Bia. — Vamos embora. Acho que por hoje já chega.

Bia riu e acenou antes de ser puxada por Lipe. Ela não parecia mais irritada. Desconfiei que sua noite tivesse valido a pena somente pela parte final da nossa aventura. Ela parecia animada com a astúcia do senhor que tinha sido assustado.

— Até qualquer dia, Sali — ela gritou. — Até segunda, Guto. Tchau, Seu José.

— Tchau — Sali, José e eu falamos em uníssono.

Suspirei e me voltei para o senhor que sorria suavemente.

— Nós também já estamos de partida. Acho que não demoraremos em nos rever.

— Eu espero que não, menino Gustavo e menina Sabrina. Eu realmente espero que não.

E então nós fomos, carregando toda a alegria da juventude e a suavidade da noite. Sali entrelaçou seu braço no meu e ficou em silêncio todo o percurso até a bicicleta. Quis adivinhar o que se passava em sua cabeça; ela parecia envolta por uma nuvem carregada de pensamentos positivos e negativos. Mas o sorriso que pairava em seus lábios foi o suficiente para me tranquilizar. E eu também pude sorrir.

.

Clica.

— Guto, você pode parar ali um pouquinho? — Sali pediu, se referindo a uma casa qualquer.

— Por quê?

— Apenas pare.

Assim que descemos da bicicleta, ela segurou em minha mão e me conduziu lentamente até o meio da rua. Um sorriso delicado exaltava sua expressão.

— Sali… é um pouco perigoso ficar no meio da rua, não acha?

— Não tem movimento — ela murmurou, finalmente se virando para mim. Suspirou. — Eu quero dançar. Com você. A dança que a Cinderella e o Kit dançaram na cena do baile.

Aquilo realmente estava acontecendo? Em uma madrugada fria, Sali me levou até o meio da rua e pediu para que eu dançasse com ela exatamente como havia acontecido na cena do baile em Cinderella? Ela realmente não existia.

Sorri.

— Eu não danço bem — sussurrei.

— E eu não me importo — em seus olhos havia lágrimas de emoção. Quis entender o que se passava em sua mente e em seu coração. — Sendo você, está tudo bem.

Assenti e me aproximei um passo.

— E você pode me ensinar essa dança?

— Com todo prazer — ela fez uma reverência e pegou em minha mão novamente, colocando-a em sua cintura. — A outra mão você deixa atrás das costas — explicou. — Agora… apenas me conduza.

Sorri e conduzi-a, balançando-nos para os lados e girando alguns passos.

— Assim?

— É — ela estava tendo dificuldades para falar, visto que havia choro misturado ao seu sorriso.

— Por que está chorando, Sali?

— Porque estou em um conto de fadas — ela sussurrou como se aquilo explicasse tudo. — E eu sempre soube que, no momento em que estivesse em um, a minha alegria seria tão imensa que até me faria chorar.

Quis abraçá-la naquele momento. Quis abraçá-la porque tinha conseguido me tornar o seu príncipe e fazê-la feliz, mesmo que de um jeito um pouco torto e falho. Eu até tentei me aproximar mais, mas ela me impediu com um leve empurro e com o sorriso expandido.

— Vamos terminar a minha dança dos contos de fada primeiro? — pediu delicadamente, pegando a minha mão livre e deixando-a embaixo da sua. — Empurre quatro vezes, cada vez mais alto, até que eu gire completamente.

Sem entender direito suas ordens, fiz o passo de forma errada. Ela riu.

— Não. Assim, olha — e então me mostrou exatamente como era para ser feito, conseguindo concluir o passo com êxito. — Agora segure em minha cintura levemente e com o seu outro braço empurre a minha mão estendida para que eu gire — fiz como ela mandou e ela sorriu deliciada. — Mesma coisa, dessa vez do outro lado. Estique seu braço… isso — sussurrou, apoiando suas duas mãos em meus braços e sendo conduzida por mim ao girar. — Outro lado…

Continuamos dançando noite adentro, ela me conduzindo com um pouco de dificuldade, mas conseguindo realizar seu sonho: dançar verdadeiramente como uma princesa. Faltou somente o vestido para que tudo ficasse perfeito. Um sorriso gigante se espalhava em seu rosto.

Quando acabou a dança, ela colocou suas duas mãos nos meus ombros e olhou no fundo de meus olhos.

— Agora você pode me abraçar — sussurrou.

Obedeci-a imediatamente, me curvando para abraçar sua cintura e enterrar minha cabeça em seus cabelos ainda soltos. Ergui-a no ar e girei com ela em meus braços, ouvindo seu riso bem ao lado de meu ouvido. Soltei-a com um suspiro e acariciei sua bochecha, limpando algumas lágrimas que finalmente tinham resolvido se libertar.

— Estou com medo — ela murmurou.

— Medo? Me do quê? Não tem motivo para temer, meu amor — abracei seus ombros e acariciei seus cabelos. Senti seus braços apertando a minha cintura firmemente. — Não tem motivo. Eu estou aqui. Para dançarmos todas as noites, se assim desejar. Eu aceito entrar nessa dança com você.

Ela fungou e se afastou um pouco para me olhar.

— Aceita terminar essa dança comigo?

Sorri.

— Eu aceitei desde o instante em que te conheci. Não percebeu que eu nunca vou desistir de você, Sabrina Connor? Não percebeu que por você eu vou até o fim, até as últimas consequências? Não precisa de tanta insegurança.

Ela respirou fundo e limpou suas lágrimas. Continuei:

— Me prometa que, a partir de hoje, você nunca mais vai pensar que eu vou me afastar de você tão facilmente. Porque eu te amo. E quem ama não deixa o outro escapar.

Ela assentiu e segurou meu rosto entre suas mãos.

— Eu também te amo. E te prometo isso sim. Nunca mais vou questionar ou duvidar da força de seu amor. Também prometo que não vou mais fugir nunca mais de algo tão incrível. Eu vou até as últimas consequências por você, Gustavo. Por nós.

E então ela me beijou com a mesma intensidade de antes. Com o mesmo fervor. Com o mesmo amor. E eu tive certeza de que aquele assunto jamais voltaria à tona e que, se fosse preciso, lutaríamos juntos sem questionamentos ou dúvidas. Apenas lutaríamos lado a lado. E com a intenção de vencer.


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Notas finais do capítulo

E entããããããão? Compensou as duas semanas de espera? Espero que sim ♥ Enfim, pra quem não sabe qual é a cena do baile, here it is https://www.youtube.com/watch?v=2QGGbT5HGxY Agora imaginem o Guto e a Sali dançando isso. É muito choroso e lindinho pra se pensar ;-;
Anyway, espero que sexta-feira que vem eu consiga postar certinho. Até lá, meus amores ♥



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