É meia noite
Silêncio. Lá fora um breu.
É meia noite
E aqui estou apenas eu.

Ouço uivos no quintal
Droga. Quero dormir!
Ouço uivos no quintal
Mas a porta não vou abrir.

Já é tarde, todos dormem
E eu não quero levantar
Já é tarde, todos dormem
E o cão não para de uivar.

Penso em abrir a janela
E atirar-lhe um sapato
Penso em abrir a janela
Mas isso não seria sensato.

Quem poderia dormir
Com esse barulho infernal?
Quem poderia dormir
Ouvindo uivos no quintal?

Mas da minha cama não saio
Mesmo que continue a uivar
Mas da minha cama não saio
Pois em algum momento vai parar.

O mais estranho disso tudo
Não há de ninguém reclamação
O mais estranho disso tudo
É que eu não tenho cão.

Ouço uivos no quintal.

Ela parou de escrever e deixou a caneta de lado.

Mas que besteira, pensou. Disse que escreveria uma história de terror, e tudo que consegue é um poeminha sem graça, que poderia ter escrito aos dez anos.

Ela fechou o caderno, desligou o abajur e se ajeitou na cama.

Som de uivos no quintal.

Ela abriu os olhos. Estava sonhando. Claro.

Mais um uivo no quintal.

Era brincadeira. Só podia. Para provar que não teria medo das próprias histórias, acendeu o abajur e abriu a janela.

Nada, é claro. Nem uivo, nem cão.

Fechou a janela. Foi até a cozinha pegar um copo d'água, provavelmente estava escrevendo demais e pensando demais em histórias de terror.

Voltou para o quarto e viu a janela: aberta.

E mais um uivo no quintal.

Congelou. Foi devagar até a janela, o copo d'água tremendo em sua mão. Embaixo da janela, a marca de uma pata gigantesca.

E mais um uivo. Dessa vez, não era no quintal. Tremendo ainda mais, ela se virou para trás.

Gritou. A luz se apagou. O copo caiu no chão e o vidro estourou com um estardalhaço.

A luz se acendeu. Não havia sinal dela. Apenas os cacos de vidro no chão e marcas de patas gigantescas até parar antes do copo.

Som de uivos no quintal.