Cyborg: (Des)umanidade escrita por tonybrunov


Capítulo 3
Capítulo 2




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Capítulo 2

Dois dias antes do acidente.

A entrevista com Philip Pond estava agendada para o início da tarde daquele dia. Hector decidiu acordar cedo e ir até a sala de estar para organizar o seu roteiro e pesquisar sobre a relação entre o Projeto Sigma e o Doutor Smith, mas assim que colocou as palavras-chave no site de pesquisa, observou um aviso no rodapé que dizia “Alguns resultados foram ocultados mediante decisão judicial”. Ele coçou a cabeça, curioso. Alguém não queria que essa história fosse desenterrada. Decidiu perguntar a Verônica assim que ela acordasse, já que aparentemente ela o conhecia.

– Você já ouviu falar no Projeto Sigma? – Perguntou Hector assim que Verônica apareceu com uma bandeja de torradas e café.

– Bom dia para você também, Hector, e de nada pela comida. – Respondeu Verônica calmamente. – E não, não conheço esse tal Projeto. Deveria?

– Aparentemente ele foi idealizado pelo Doutor Smith, e agora não quer que ninguém saiba sobre ele.

Verônica o encarou com um olhar preocupado.

– Você realmente está pesquisando o passado dele?! Como isso é infantil, Hector!

– Não estava pesquisando o passado dele, e sim do Pond. Descobri que ambos idealizaram este projeto, mas se desentenderam e ele foi abortado. As buscas sobre ele estão ocultas, não consegui encontrar mais nada a respeito. De onde você o conhece, afinal?

– Ele é meu ídolo, só isso. Um neurocientista e cirurgião genial. Não sabia que ele tinha começado um projeto com o Philip.

– Exatamente. E ele não é só neurocientista, ele também é formado em mecatrônica. E o Pond, aparentemente, já foi muito interessado em tecnologia. Por que ele mudou de discurso tão radicalmente?

– Mamãe, Papai, estou com fome! – Bruce acordou e começou a caminhar vagarosamente para a sala de estar, bocejando em seu pijama de TARDIS.

– Sente na cozinha, eu já vou preparar seu café da manhã. – Disse Hector, enquanto Verônica colocava o jaleco para ir ao laboratório.

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Madtown era uma cidade pequena que ficava à duas horas da capital. Era completamente plana, e havia boatos de que suas fronteiras foram desenhadas no formato de uma engrenagem, simbolizando o progresso, por isso ela era tão redonda vista de cima. Os maiores e mais importantes prédios ficavam bem no centro da cidade, como se fossem o eixo da engrenagem, e era para lá que Hector estava indo.

Philip Pond morava no mesmo prédio onde era gravado o programa matinal em que participava eventualmente. Hector sempre o imaginava morando numa casa rústica em um local bem afastado da cidade, já que o filósofo fazia questão de dizer que era bastante conservador, então ele ficou ligeiramente surpreso com a arquitetura do local. Era uma construção moderna, com diversos itens de segurança e combate a incêndios e o exterior quase que completamente revestido de placas de vidro espelhado. Ele pôde ver o próprio reflexo nas portas de entrada do prédio, vestindo uma camisa social preta e jeans escuro, antes delas se abrirem.

– Boa tarde. Tenho uma hora marcada com o senhor Philip Pond. Meu nome é Hector Volt. - Ele disse ao recepcionista.

– Vigésimo andar, apartamento 204. O elevador fica no corredor à direita.

Toda a decoração do interior do edifício era branca. Quando ele saiu do elevador, observou que assim também eram as portas de entrada dos apartamentos. Encontrou o de Pond à sua direita. Não havia campainha, então Hector bateu nela com o nó dos dedos.

– Bem vindo, Volt. Fique à vontade.

Ele nunca havia observado o quanto Philip era alto até vê-lo pessoalmente. Usava uma calça jeans e uma camisa de botão cinza e bastante larga. Hector observou em seu bolso direito um relógio dourado de bolso, e pelo jeito que o filósofo falava, parecia apressado.

A decoração interna do recinto não decepcionou o jornalista. Havia móveis de madeira e esculturas de barro por toda a sala, e as paredes eram pintadas em verde pastel. As luminárias de teto também eram de madeira. Era exatamente o estilo que esperava.

– Gostou do apartamento? – Perguntou Pond, notando o olhar interessado de Hector.

– Sim, é bastante bonito e aconchegante. – Ele admitiu.

– Bem diferente do que você vê por aí em Madtown, suponho. Mas vamos começar logo a entrevista, tenho assuntos pendentes a tratar.

O jornalista se sentou no sofá de madeira e começou a preparar os papéis que continham as perguntas. Tirou o celular do bolso e se dirigiu ao entrevistado, que se mantinha confortável em sua poltrona reclinável.

– Se importa se eu gravar a entrevista?

– Sim, me importo. Por favor, se atenha às suas anotações.

Hector guardou rapidamente o aparelho.

– Muito bem, senhor Pond. De onde surgiu a ideia do seu livro Tecnologia: Solução ou Problema?

– Eu sou bastante observador, meu caro. E você sabe, estou chegando aos meus 60 anos. Eu vivi toda essa revolução tecnológica bem de perto. Vi ela nascer, crescer e ganhar essa importância que possui hoje. Simplesmente constatei seus efeitos e resolvi expô-los do meu ponto de vista, o de um velho que viveu duas Eras completamente distintas.

– Entendo. O senhor se considera um militante anti-tecnologia?

– Eu não usaria essas palavras. Estou apenas tentando ver o outro lado da moeda. O mundo inteiro se debruça sobre as maravilhas do mundo moderno, mas ninguém tem interesse em fazer as contas do quanto isso nos custou. Estamos nos tornando seres burros e dependentes. Ensinamos para as máquinas o que nós sabemos fazer, e depois esquecemos como se faz. O apocalipse não vai chegar com meteoros, demônios ou desastres naturais, vai chegar quando todos os nossos aparelhos eletrônicos pararem de funcionar.

– O senhor não acha que existam outros fatores que desencadeiem essa dependência tecnológica além do próprio avanço científico?

– Talvez. É algo a se pensar.

Hector fez uma rápida anotação em seus papéis. Não estava surpreso; não esperava uma resposta muito longa a esta pergunta.

– Certo. Nunca teve nenhum interesse em estudar tecnologia? Como ela funciona?

– Talvez quando essa revolução começou. Esse assunto ganhou muito espaço na mídia. É impossível não ter um pouco de curiosidade. Mas nunca me aprofundei nesse aspecto. Filosofia e psicologia me chamaram mais a atenção.

Hector sabia que ele estava mentindo. As pesquisas que ele fizera indicavam o contrário do que o Pond havia respondido. O jornalista manteve seu rosto inexpressivo quando realizou a próxima pergunta; ele queria guardar bem a reação do homem à sua frente:

– Qual foi o motivo que o levou a abandonar o Projeto Sigma?

O rosto do filósofo adquiriu um tom pálido.

– Essa pergunta também é para o Jornal? – Perguntou.

– Não. – Admitiu Hector, sem dizer mais nada.

– Bem, então você fez uma excelente pesquisa sobre mim. – Sorriu Pond. – Espero que sua curiosidade não seja sua ruína.

Permanecerem calados por alguns segundos, se encarando. Hector não sairia dali sem mais informações. Pond pareceu perceber isso em seu semblante sério, porque suspirou antes de continuar:

– O projeto Sigma foi um sonho que começou a ser desenhado em minha mente desde que minha mãe foi diagnosticada com Alzheimer, aos 35 anos. Um caso raríssimo da doença que evoluiu rapidamente. Carreguei esse peso nas costas durante toda a minha adolescência. Os lapsos de memória dela me perturbavam. Às vezes me tratava como um completo desconhecido. Meu pai nos abandonou um ano depois do diagnóstico. Foi quando comecei a estudar medicina por conta própria, e então eu descobri o quanto os transtornos mentais eram difíceis de serem curados. Minha mãe nunca voltaria a ser o que era.

Hector ouvia cada palavra sem piscar, atônito. Descobrira um lado obscuro do homem que há muito desprezava. Sentia pena dele. Abandonara suas anotações no seu colo, mas o relato ainda não havia acabado.

– Então eu entrei para Harvard, e lá conheci um rapaz que não só entendia de medicina como estava quase se formando em mecatrônica. E ele pareceu entender minha dor. Tornamo-nos grandes amigos. Compartilhei com ele os meus sonhos. Para a minha surpresa, ele ficou bastante interessado. Meses depois, nosso projeto estava no papel. Viramos notícia na cidade, sub-celebridades no mundo acadêmico. Eu tinha fé de que poderia curar a minha mãe e todos aqueles que sofriam de algum distúrbio psíquico. Minha dor, assim como a de muitas outras pessoas, finalmente teria fim. Mas o Projeto Sigma nunca poderia ter dado certo.

– O que aconteceu? – Perguntou o jornalista, aflito.

Philip Pond levantou de sua poltrona e olhou o relógio de bolso.

– Você deve ter notado, meu caro, que algumas das suas buscas sobre o Projeto Sigma foram ocultadas. Há uma boa razão para isso. Espero que meu relato seja suficiente para saciar seu interesse, pois esta entrevista se encerra aqui. Tenha uma boa tarde.


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