Noites de Luar escrita por MrMartins


Capítulo 1
Parte I




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/59421/chapter/1


Era uma noite quente. Quente demais para uma noite de outono.

Grilos cricrilavam e corujas piavam.

Era uma noite barulhenta. Barulhenta demais para uma noite de outono.

Não dormia direito fazia um bom tempo. Acho que ninguém estava dormindo bem, não com a eminência de uma guerra civil sobre suas cabeças.

Perguntava-me por que as pessoas insistiam em fazer guerras?

Perguntava-me por que as pessoas insistiam em querer machucar umas as outras?

Perguntava-me por que as pessoas insistiam em querer impor suas crenças sobre as outras?

Por quê?

Por quê?

Por quê?

Tantas perguntas vinham à minha mente.

Sentia-me cansado.

Meus braços pareciam querer cair. Meu corpo estava em cacos. Queria desmaiar, mas não conseguia. Por mais que tentasse meu cérebro não parava de trabalhar.

PAM, PAM, PAM

Ouvi passos. Passos vindos do telhado da minha casa. Seria um ladrão? A cidade andava violenta.

Levantei-me e fui para minha cômoda onde guardava uma faca. Armas de fogo eram, e ainda são, caras demais e, não bastasse isso, se o governo me pegasse com uma eu seria preso e executado.

Abri a gaveta e peguei a faca. Não era muito grande, mas era muito bem feita. Meu avô tinha me dado ela quando era garoto dizendo que um dia iria precisar dela.

Fui para a varanda. De lá conseguia ver o teto do meu quarto.

Subi pela escada e cheguei ao lugar de onde os sons vinham.

Havia uma garota lá. Uma bela garota. Cabelos pretos tão longos que mesmo de pé as pontas tocavam o chão. Usava um vestido preto bem simples.

Ela estava lá, parada, olhando para algum lugar. Não se mexia.

Talvez não tivesse me visto.

Não sei. Também não me importava. Achei melhor tomar a iniciativa.

“O que está fazendo em cima da minha casa?”

Foi o que eu perguntei. Agora acho que não foi a pergunta certa.

Ela virou o rosto para mim. Seus olhos eram bonitos, cor-de-rosa como flores. Embora soubesse que não havia olhos cor-de-rosa naturais não deixei de achá-los bonitos.

A garota ficou me encarando.

“Eu perguntei o que você está fazendo em cima da minha casa.”

Ela continuou olhando para mim, imóvel.

Era uma garota estranha.

De repente ela se virou para a direção em que estava olhando antes da minha primeira pergunta, levantou a mão e apontou para a lua.

“A lua.”

A voz dela era suave, tão suave que nem parecia a de um humano.

“Que tem a lua?”

“Estou olhando para ela.”

Aquela foi a coisa mais sincera que ouvi em toda minha vida.

“Mas por que de cima da minha casa?”

“E por que não?”

Era uma boa pergunta.

O que tinha de mais em olhar a lua de cima da minha casa? A vista era boa e a lua era sempre tão bonita.

Resolvi tentar me aproximar.

Sentei-me ao lado da garota que permaneceu de pé, parada, olhando para a lua.

Não conseguia parar de pensar em quem era aquela garota. Resolvi perguntar. Não tinha nada a perder mesmo:

“Quem é você?”

Ela se sentou.

Será que disse algo que não devia? Ela se virou para mim e disse então algo que mudaria tudo dali para frente.

“Um demônio.”

Foi o que ela disse.

Aquilo foi uma resposta inesperada. Por um segundo eu quis rir. Rir como jamais ri antes. Rir, rir, rir e rir mais.

Mas não podia. Ela estava séria, séria demais para quem tinha acabado de contar uma mentira.

Não sentia que aquilo era mentira.

O que aquilo queria dizer? Que o que ela dissera era verdade? “Mas demônios não existem!”, pensei.

“Ou será que existem?”

Aquilo me deixou nervoso. Tão nervoso que me se senti sufocado. Senti como se minha garganta estivesse sendo apertada por mãos invisíveis.

Continuei a conversar com ela para tentar espantar o nervosismo:

“E o que um demônio faz em cima da minha casa?”

Perguntei aquilo sem pensar. Foi uma pergunta idiota, mas pelo menos espantou um pouco do nervosismo.

Ela ficou lá, sentada, parada, olhando para a lua:

“Eu estou olhando para a lua.”

Foi engraçado ela ter dito aquilo. Era óbvio que ela estava olhando para a lua.

Resolvi continuar perguntando. Por alguma razão conversar com ela me deixava alegre.

“E o que um demônio está fazendo no mundo dos humanos?”

“Procurando uma coisa.”

Nesse instante, nesse curto instante senti como se ela estivesse triste.

Pela primeira vez ela havia demonstrado um sentimento. Virei-me para ela como uma criança curiosa.

“E o que procura?”

Ela se levantou e eu fiquei olhando para seu rosto. Olhando para o céu ela começou a falar.

“Era uma vez uma garota que nasceu num mundo do qual ela não gostava. Um mundo cujos habitantes eram seres cruéis e que só pensavam em si mesmos. Essa garota cresceu criada por pais que batiam nela e a castigavam por ela questionar o que as pessoas faziam. Um dia essa garota ouviu falar de um mundo no qual as pessoas se importavam umas com as outras. E desde então a garota busca esse mundo.”

Pensamentos começaram a correr minha mente.

A garota da história, a garota que fugiu do mal em busca de um mundo perfeito.

Era triste.

Numa busca como essa ela teve que vir parar logo nesse país.

Nesse país onde o povo insiste em querer guerrear em nome daqueles que eles chamam de Deuses.

Senti-me triste por ela. Gostaria que ela não tivesse que ver isso. Não queria que ela perdesse as esperanças.

Mas por quê? Por que sentia essa empatia por uma garota que mal conhecia?

Era estranho. Era muito estranho.

De repente ela se virou para mim.

“Tenho que ir.”

Por que ela me disse aquilo?

Antes que pudesse perguntá-la isso outra pergunta saiu da minha boca por puro reflexo. Uma pergunta que não pensei que pudesse fazer.

“Você vai voltar amanhã?”

Por que perguntei aquilo? Sentia-me confuso.

“Sim.”

Uma palavra. Uma única palavra, mas que me fez sorrir:

“Até amanhã então.”

“Até.”

Após essa curta despedida ela pulou do telhado da minha casa para o telhado do meu vizinho, e do telhado do meu vizinho para o telhado do vizinho dele. E assim continuou até sair do meu campo de visão. Um humano não poderia fazer aquilo. Mas não me surpreendi, afinal, ela era um demônio.

Fiquei lá, parado, olhando para a lua por mais alguns minutos e então fui dormir.




Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Noites de Luar" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.