Nem Todo Mundo Odeia o Chris - 3ª Temporada escrita por LivyBennet


Capítulo 2
Todo Mundo Odeia o Caruzo


Notas iniciais do capítulo

E aí, seus bonitos... ^^
De boas?
Demorou, mas foi por uma boa causa...
Vocês vão endoidar nesse cap.
Aproveitem...



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POV. CHRIS (Brooklyn - 1985)

Depois de três anos na Corleone, aparentemente minha vida estava seguindo para um rumo certo. Tudo estava bem, eu gostava de todos os meus professores, estava me dando bem na matérias e, com a Lizzy e o Greg do meu lado, ninguém me segurava. O único problema que não ia embora era o Caruzo. Não me entenda mal. Ele até que não enchia tanto o meu saco - só de vez em quando. O ruim foi quando ele se tornou um problema ainda maior do que o normal: um problema de consciência. Complicado? Ok. Eu explico.

Tinha mais ou menos um mês que as aulas haviam começado e estranhamente estava tudo na paz. O Caruzo tinha vindo me xingar algumas vezes, mas isso era normal. A Lizzy só dava uns tapas nele quando ele me batia. Então, sem poder me bater, restava a ele me xingar. Não doía como uma surra doeria, mas obviamente me incomodava.

Em uma terça de manhã, eu e a Lizzy tínhamos acabado de chegar e estávamos conversando com o Greg na calçada da escola. A Lizzy vinha reclamando de preguiça desde que a gente tinha pego o ônibus e inventou de ir na lanchonete da esquina comprar bombons para não dormir na hora da aula. Concordamos e fomos, mas na volta uma surpresa nos esperava.

Ao lado da escada tinha um beco estreito onde o pessoal da limpeza colocava o lixo. Quando passamos perto de lá, ouvimos gritos e resolvemos olhar o que era. O que eu vi me surpreendeu bastante.

Eu nunca tinha visto a Lizzy brigar com o Caruzo. Eu sabia que eles já haviam brigado e, nos anos que estudamos juntos, ela tinha discutido, ameaçado e gritado com ele, mas não exatamente brigado. Então a visão do Caruzo apanhando me chocou um pouco. O cara que batia nele tinha movimentos de karatê que os da Lizzy e os meus. Quando ele ‘terminou’ com o Caruzo e foi saindo na moral, passou pela gente e nos encarou.

“Estão olhando o quê?” Dei de ombros e ele passou direto, entrando na escola. Asiático…

Olhei para trás e vi o Caruzo sendo ajudado pela gangue dele.

“É melhor a gente sair daqui antes que vejam a gente.” Lizzy e Greg assentiram e entramos na escola.

O Greg só faltou quando chegamos nos armários.

“O que foi aquilo?”

“Não faço a menor ideia. Quem é o asiático?” Ouvi um suspiro vindo da Lizzy.

“Bernard Yao.” Ela abraçou o livro de Gramática e encostou a cabeça na porta do armário, suspirando sonhadoramente.

Ergui uma sobrancelha, me sentindo incomodado.

“Para quê tudo isso?” Ela se recompôs e me encarou.

“Ele é fofo.” Encarei ela de volta e cruzei os braços.

“Desde quando se interessa por ele?”

“Algum problema com isso?”

O sinal do começo da aula não me deixou responder, o que de certa forma foi bom; se não a gente acabaria brigando às oito da manhã.

Fomos para a sala e eu fiquei observando para ver se o Caruzo ia aparecer. Depois de quase todos os alunos ele entrou, mas não foi para sua carteira. Ele passou direto para a frente da sala, indo falar com srta. Morello. Eles conversaram por alguns segundos e então ele virou e saiu da sala. Quando ele passou por mim, pude ver o olho direito levemente roxo. Troquei olhares com a Lizzy e o Greg, mas não disse nada. Eu só tinha uma certeza: aquilo era muito estranho.

No dia seguinte, esperei que o Caruzo viesse descontar em mim - como ele sempre fazia quando algo de errado acontecia - mas não o vi em lugar nenhum. O sinal do inicio da aula tocou e eu olhei para a Lizzy e o Greg.

“Será que o Caruzo vai faltar? Aquela surra não foi tão ruim.” Greg me olhou cético.

“Não foi tão ruim? Você está sendo otimista, né? Ele levou o maior passa-fora.” Lizzy fez uma careta.

“É, mas a gente está falando do Caruzo. Ele sempre apanhou de mim e nunca fez a minima diferença. E mais: que diferença isso faz, Chris? Você ganha o bônus de ele não encher mais seu saco.” Considerei.

“Pode ser, mas acho que não é só isso.”

Fomos para a sala e, para a minha surpresa, Caruzo já estava sentado em sua carteira. Mais quieto não podia estar. Novamente troquei olhares com Lizzy e Greg; os dois me deram olhares tensos e nos sentamos. Pouco depois a srta. Morello entrou e começou a aula.

Posso dizer seguramente que passei boa parte da aula observando o Caruzo pelo canto do olho. A carteira dele ficava do meu lado esquerdo, então não foi difícil. Diferente do seu comportamento de sempre, ele prestou atenção na aula, copiando toda a matéria. Ergui a sobrancelha, surpreso.

É isso que acontece quando você leva uma surra de um asiático? Vira um nerd santo? Que minha mãe não saiba disso ou ela vai chamar o Yao para dar uma sura no Drew e na Tonya.

Quando o sinal tocou, saímos para o intervalo e, depois de deixarmos os livros nos armários, fomos para a lanchonete do outro lado da rua. Mal nos sentamos e o Yao veio falar com a gente. Ou melhor, com a Lizzy.

“Oi, Liz.” Não gostei nem um pouco de como ele chamou ela e menos ainda de como ela sorriu quando viu que era ele.

‘Liz’? Que intimidade é essa, seu miserável viciado em arroz? Nem eu chamo ela assim!

“Oi, Yao.” Ele cumprimentou a mim e ao Greg com um leve aceno de cabeça e logo voltou sua atenção para a Lizzy.

“Posso falar com você um instante?” O sorriso dela aumentou e eu trinquei os dentes.

“Claro.” E prontamente se levantou e o seguiu, sem nem olhar para trás.

Segui os dois com o olhar, segurando o impulso de ir lá bater nele; até porque eu não tinha a menor chance de ganhar. Eles pararam na calçada da escola e ficaram conversando. De repente senti o Greg cutucar meu braço.

“Cara, ele não vai derreter, mesmo se você continuar olhando para ele desse jeito.” Suspirei, levemente decepcionado.

“Pena.”

Depois de alguns instantes os dois entraram e eu desviei os olhos, me sentindo com raiva e incomodado. Acabei dividindo uma pizza com o Greg. O que mais eu podia fazer a não ser me afogar em calabresa?

Lizzy sumiu durante todo o intervalo e só fui vê-la de novo quando já estava na sala. Ela foi a última a entrar e continuava com o sorriso no rosto. Franzi as sobrancelhas, ainda incomodado, mas achei melhor não falar nada. Eu não tinha certeza do que era aquilo e não queria falar a respeito.

A aula passou normal enquanto eu tentava não morrer de tédio ouvindo a srta. Morello falar sobre os tipos de relevo. A imagem dos dois conversando e rindo ainda me incomodava. O que tem de errado comigo? Eles estavam só conversando! Mas a vontade homicida em relação ao Yao não desapareceu. Só fui conseguir tirar isso um pouco da cabeça quando estávamos indo para casa, e por causa de outra coisa que aconteceu.

Quando nós três descemos as escadas da frente da escola, senti o Greg puxar a manga da minha camisa.

“Chris, olha aquilo…” A voz dele transparecia susto e eu olhei para onde ele estava.

Meus olhos se arregalaram levemente com a cena e eu parei no último degrau da escada.

Caruzo estava cercado por três novos valentões. Eles falavam alguma coisa que eu não consegui ouvir - minha experiência me dizia que eram insultos - mas o Caruzo não reagiu. Eles continuaram falando e começaram a empurrá-lo contra o muro da escola, mas tudo o que eu consegui ler pela sua boca foi um ‘me deixem em paz, por favor’.

Esse não é o Caruzo que eu conheço. E que direito eles tem de perturbá-lo agora se até ontem eram covardes demais para brigarem com ele?

Continuei olhando e, de repente, ele olhou na minha direção. Vi seu rosto ficar levemente vermelho e ele desviou o olhar rapidamente.

Franzi o cenho, confuso e ainda mais incomodado. Só voltei à realidade quando os três valentões olharam na nossa direção, empalideceram e foram saindo de perto do Caruzo de fininho. Obviamente sabendo que aquilo não era por minha causa, olhei ao redor e vi o Yao parado na metade da escada, falando com a Lizzy. A vontade homicida voltou, mas eu consegui me controlar atravessando a rua e indo esperá-la do outro lado com o Greg. Cerrei os dentes quando vi ela escrever alguma coisa em um pedaço de papel e dar para ele. Provavelmente o telefone. Desviei os olhos e passei a encarar alguns pombos na outra calçada. Percebi o Greg me observando, mas não disse nada até que ele mesmo falou.

“Ficar aqui se roendo não vai resolver nada.” Olhei para ele e, por um segundo, senti raiva do meu melhor amigo.

“E você quer que eu faça o quê?” Ele revirou levemente os olhos e me deu um tapinha nas costas.

“Não sei, cara. Você vai ter que descobrir.” E, com um gesto de despedida, ele foi na direção de casa, resmungando algo como ‘e depois o tapado sou eu...’.

Franzi as sobrancelhas, mas deixei para lá. Já tinha coisa demais para pensar entre Yao, Lizzy e Caruzo.

Logo a Lizzy veio para onde eu estava e seguimos para a parada de ônibus. Ela se manteve em silêncio e eu não puxei conversa. Em pouco tempo o ônibus veio e subimos, sentando lado a lado como sempre, mas ainda em silêncio. Observei ela me olhar com curiosidade quando mantive o silêncio por quase meia hora. Eu sabia que era estranho; normalmente eu não parava de falar.

“Chris?”

“Hm.” Vi seus olhos se estreitarem. Eu só falava com grunhidos quando estava chateado e ela sabia disso.

“Incomodado com alguma coisa?”

“Não é nada.”

“Chris…” Meu nome saiu em tom de aviso e eu rolei os olhos, desistindo.

“Tá. Eu estou chateado.”

“Posso saber com o quê?” Engoli em seco.

Eu não queria contar toda a verdade para ela, mas também não iria mentir. Então, optei pelo meio termo.

“Caruzo.” Suas sobrancelhas se uniram em uma expressão confusa.

“Mas ele está quieto.”

“Esse é o problema. ‘Caruzo’ e ‘quieto’ não funcionam na mesma frase a menos que haja um ‘não’ no meio.”

“Ok, é estranho. Mas porque está preocupado com isso?”

“Não sei. Só não acho justo pisarem nele agora, simplesmente porque ele perdeu uma briga, já que antes era todos covardes que morriam de medo dele.” Ela riu com sarcasmo.

“Convenhamos, Chris, ele merece. Ele sempre tratou todos como lixo e agora está recebendo o troco. Mais do que justo.”

“Não se trata de justiça, Lizzy. O que você está falando é vingança. E ele mudou um pouco.”

“Que mudança? Ele só está com vergonha por ter levado uma surra do Yao, o que foi muito bem feito.” Senti a raiva começar a fluir em mim.

“Ah, claro, o asiático…” Ela ergueu uma sobrancelha, surpresa.

“Porque o sarcasmo? Tem alguma coisa contra o Yao?” Fiz uma careta.

“Exibido demais… e oferecido.” Sua expressão chocada foi cômica, mas eu não ri.

“Isso é inveja?” Olhei para ela, ultrajado; minha voz subindo uma oitava.

“Claro que não! Até parece que eu ia ter inveja daquele idiota!” Ela ergueu as mãos em rendição.

“Ok. Se você está dizendo…” Não respondi à provocação na voz dela e fez-se silêncio por mais alguns instantes. “Mas… e a respeito do Caruzo?” Olhei pela janela quando o assunto delicado voltou.

“Não sei, mas não gosto de que está acontecendo.” Ouvi ela suspirar.

“Porque você tem que se meter? Deixa quieto.”

“Claro, por que você nunca se mete em nada.”

Ela não insistiu no assunto e eu preferi não falar mais nada. Ambos sabíamos que era uma daquelas discussões que nenhum dos dois ia ceder e acabaríamos brigando. Fiquei triste por ela não ficar do meu lado, principalmente porque eu tinha certeza que estava certo. Senti como se ela estivesse indo contra mim… e era muito ruim…

O clima tenso não desapareceu no decorrer do dia nem da semana, mas a rotina se repetia diariamente. Pegávamos o ônibus juntos e íamos em silêncio; ao chegar na escola ela cumprimentava o Greg e logo sumia, só aparecendo na sala. No intervalo, ela não demorava muito com a gente e logo sumia de novo. Eu não precisava ser gênio para saber com quem ela estava. O asiático… Naquela curta semana eu me peguei detestando o miserável comedor de arroz mais do que eu já havia detestado o Caruzo algum dia. E falando em Caruzo…

A coisa não estava nada boa para o lado dele. Sempre que eu o via, ele estava isolado de todos ou sendo humilhado pelos valentões. Aquilo me deixava com raiva, muita raiva. Acabei deixando isso transparecer na sexta quando tínhamos acabado de chegar. A Lizzy tinha ido falar com o asiático e só eu e o Greg estávamos nos armários.

O Caruzo passou pela gente e falou um ‘oi, Chris, Greg’ que me deixou boquiaberto. Troquei olhares com o Greg, os dois surpresos, mas logo um barulho chamou nossa atenção. Nos viramos e vimos o Caruzo caído no chão, os três valentões do começo da semana o cercando. Eles riam e ficaram dando chutes “leves” em suas pernas para que ele não pudesse levantar. Caruzo pedia que eles parassem, mas isso só os fazia rir.

Trinquei os dentes, a raiva fazendo minha cabeça pesar. Devo ter dado um passo a frente pois o Greg barrou meu caminho.

“Ei! Peraí, cara. Você não quer se meter naquilo. Sério.”

“Mas é injusto, Greg.” Ele me olhou, pasmo.

“Injusto? Você, de todas as pessoas, está dizendo que aquilo é injusto? Você bebeu, cara?” Rolei os olhos e suspirei, frustrado.

“Não, não bebi. Você está falando igual a Lizzy. Valeu pelo apoio.” Ele sorriu e balançou a cabeça, negando.

“Não, cara. Você entendeu errado; não estou te criticando. Só achei estranho você defender o Caruzo depois de tudo o que ele te fez.”

“Eu não estou louco, só acredito que ele tenha mudado um pouco.”

“Porque?” Dei de ombros.

“Sei lá. Ele não me xinga mais e, mesmo que ele tenha perdido para o asiático, não tinha razão para parar de me encher.”

Greg me avaliou bem e ficou em silêncio por alguns minutos. Quando pensei que ele não diria mais nada, ele falou.

“Eu não concordo com você se meter nisso, mas acredito em você.”

“Acredita?” Ele deu de ombros como se fosse óbvio.

“Claro. Você é a última pessoa que poderia ser enganada pelo Caruzo, então, se você está dizendo, eu acredito.” Sorri aliviado para ele.

“Valeu, cara.”

“Vou te dizer a mesma coisa que te disse no problema do seu irmão: você deve fazer o que acha que é certo, mas toma cuidado, cara. Já te vi se ferrar várias vezes para achar isso engraçado.”

“Não se preocupa, cara. Eu sei me cuidar.” Eu acho…

“Mas você já tem alguma coisa em mente?” Sorri sem um pingo de surpresa. É claro que ele sabe que eu vou me meter…

“Já.” Fiz uma careta, pensando nas consequências se meu plano desse errado. Eu ia me ferrar bonito. “Mas eu preciso de um favor seu. Nada de arriscado.”

“Beleza. Pode falar.”

Me apressei em contar o plano para ele.

POV. LIZZY

Eu me sentia bem com o Yao. Ele não era tão engraçado como o Chris, mas me fazia rir e conversávamos sobre várias coisas. Não deveria ter muita conversa quando a gente ficava junto, já que o objetivo era ele aprender matemática, mas ele sempre dava um jeito de conversar.

“Yao, você entendeu?”

“Acho que sim, mas vou estudar mais em casa.” Assenti e olhei o relógio da sala dele.

“Ok. Agora eu tenho que ir; o sinal do fim do intervalo já vai tocar.” Levantei e comecei a juntar minhas coisas, mas ele pôs a mãe sobre a minha.

“Fica mais um pouco. Espera tocar.” Corei levemente, mas tentei disfarçar zoando com ele.

“Fácil para você falar, senhor eu-já-estou-na-minha-sala. Eu tenho que ir, Yao. Os meninos devem estar me esperando.” Ele franziu um pouco as sobrancelhas.

“Por que anda com eles?”

Senti seus dedos se entrelaçarem nos meus quando ele se levantou da cadeira e ficou de frente para mim.

“Eles são meus amigos. Gosto deles e a gente se ajuda.” Ele se aproximou mais e seu perfume leve fez cócegas no meu nariz. É bom…

“E… você gosta… de mim?”

Ofeguei com a pergunta direta e tive certeza que todo o sangue do meu corpo foi para o meu rosto. Ele tomou aquilo como um sim e sorriu. Sua mão acariciou meu rosto e sua boca se aproximou da minha, fazendo com que respirar se tornasse uma tarefa difícil.

Meu primeiro beijo… Será que…?

TRRRRIIIIIIIIMMMMMM!!!!!!!!!

Ele parou com os lábios a centímetros dos meus e me olhou nos olhos. Sorrimos pelo nervosismo e eu me afastei um pouco dele.

“Eu… acho melhor… Te vejo depois.” E antes que ele me segurasse outra vez, eu saí da sala.

Senti minhas pernas tremendo levemente enquanto seguia pelos corredores. Quase… Ele quase me beijou… E se tivesse realmente acontecido? Como eu estava me sentindo agora? Feliz? Ou culpada? … Culpada. Meu coração pertence ao Chris e eu gostaria que meu primeiro beijo fosse com ele, por mais impossível que essa possibilidade possa parecer.

Com esses pensamentos em mente, logo avistei nossos armários. Decidindo que não seria bom contar sobre o quase beijo para os meninos - pelo menos não agora– assumi uma expressão casual e fui falar com o Greg que estava sozinho nos armários.

“Oi, Greg. Cadê o Chris?” Ele fechou a porta do armário com força e me olhou com raiva.

“Está interessada agora? Vai procurar na enfermaria!” Fiquei surpresa com a agressividade dele, mas absorvi a informação.

“Enfermaria? Por que?” Ele deu de ombros, respondendo com sarcasmo.

“Talvez você soubesse o porquê se estivesse com a gente e não com o Yao.” Comecei a ficar com raiva - do que ele acha que está me acusando?!– mas antes que eu falasse ele continuou. “Olha, Lizzy, o Chris é o irmão que eu nunca tive e eu não acho legal ver ele se ferrando.” Ri, deixando minha ironia livre.

“Falou o ‘melhor amigo’ que sempre corre quando ele precisa de ajuda. E quem é que fica para ajudar? Ah, desculpa, eu acho que sou EU!”

“Sim, eu sou covarde. Todo mundo sabe disso. É uma coisa que eu ainda não consegui superar para ser um amigo melhor. Mas você? Eu te vi com o Yao agora pouco.” Minha raiva cedeu instantaneamente e minha respiração ficou presa em meu peito. Ele viu… “É assim que você se diz apaixonada por ele? Eu esperava mais.” E me deu as costas, indo na direção da sala de aula.

Fiquei lá, parada e sem saber o que pensar. Todo já tinham voltado para as salas, mas eu não podia simplesmente ir também. A culpa que eu tinha cogitado sentir por causa do quase beijo agora queimava em meu peito. O que foi que eu fiz?

Com um nó na garganta, tranquei meus livros no armário e corri até a enfermaria. Que valor eu dei ao sentimento que tenho por ele? Que tipo de melhor amiga eu sou?

‘Mas ele gosta de outra… Você tem que seguir com a sua vida… Encontrar outra pessoa… É justo com você...’ disse a voz em minha cabeça.

Eu sei que isso é justo. O que não é justo é eu usar outra pessoa para esquecê-lo. E se não funcionar? Eu terei criado um novo amor platônico e estarei mais infeliz que nunca.

Meus pensamentos foram interrompidos ao chegar no corredor da enfermaria e ver um Caruzo remendado saindo de lá. Ele me olhou surpreso, mas me cumprimentou com um aceno de cabeça e passou por mim. Deixei os detalhes para depois e entrei na enfermaria… dando de cara com o Chris saindo.

Ele estava com um curativo no lado esquerdo do rosto e o supercílio direito estava cortado. Vi a surpresa em seus olhos quando me viu, mas logo sua expressão ficou neutra. Ele passou por mim na porta da sala e não falou comigo. Virei-me e o segurei pelo braço com cuidado. O corredor estava vazio, então não tinha problema em conversarmos ali.

“Chris… o que aconteceu?” Ele permaneceu em silêncio, mas eu não pude ver seu rosto pois estava de costas.

Após alguns segundos, sua voz veio fria.

“Não aconteceu nada.” Por favor… Não se fecha para mim…

“Como assim ‘nada’? Você está todo machucado me diz que não foi nada?” Ele virou lentamente para me encarar.

“O que você quer saber?” Seu olhar me pareceu cansado e triste.

“Como você ficou assim? Foi brigar pelo Caruzo, não foi?” Ele revirou os olhos e suspirou.

“Sim, eu fui fazer o que achava certo. Era para o Greg chegar com a vice-diretora antes que a gente apanhasse, mas ela estava ocupada e demorou um pouco para chegar. E eu apanhei. Junto com o Caruzo. E você? Veio me dizer que tinha razão? Que foi isso que eu ganhei por me meter no que não era da minha conta?” Tentei interrompê-lo e explicar que tinha ficado preocupada, mas ele continuou. “Tudo bem, pode defender o namoradinho. Agora, é interessante ver como você, que uma vez me criticou por trocar os amigos por coisas idiotas, está fazendo a mesma coisa.”

O choque da acusação me fez soluçar e eu acabei soltando seu braço, no entanto ele não se mexeu. Continuou lá, me encarando. A mágoa era evidente em sua voz e eu me senti mais culpada que nunca. Abaixei os olhos e senti um nó na garganta.

“Tem razão. Eu sinto muito, Chris. Me desculpa, por favor.”

Olhei para ele, mas sua expressão não tinha mudado. Fria e indiferente. O nó na minha garganta apertou e meus olhos marejaram. Por favor… Não me afasta de você…

“Tudo bem, Lizzy. Esquece. É melhor a gente ir para a sala antes que os inspetores nos encontrem.”

Assenti e o segui, mesmo sentindo que nada estava bem e que tão cedo eu não esqueceria.

A volta para casa foi em silêncio e pela primeira vez em meses eu me arrependi de estar sem meu walkman. Ele não olhou para mim nenhuma vez e eu não tive coragem de interromper o silêncio. Na calçada de casa eu entrei rápido, dizendo um breve ‘tchau’, antes que ele dissesse mais alguma coisa que me magoasse. Me fechei em meu quarto e não atendi nem quando minha mãe veio me perguntar se tinha algo errado.

Só senti vontade de dar sinal de vida novamente quando meu telefone tocou. Pensando ser a Cibele - a mãe podia ter ligado para ela - levantei da cama e me sentei no sofazinho que ficava mais perto do telefone. Atendi, mas não era a Cibele.

“Oi, Liz.” Ah, não… Ele não!

“Yao?”

“Sim. Você está bem?” Eu vou bem contar… Ah tá.

“Estou sim. Por que?”

“Você me pareceu triste na saída da aula. Fiquei preocupado.” Ah… A gente vai ter que conversar. Sei que não é conversa que se tenha por telefone, mas eu preciso resolver isso agora…

“Yao… a gente precisa conversar.”

“Sobre o quê?”

“Olha… eu gosto de você. Você é engraçado, fofo, mas… meu coração é de outra pessoa.”

Fez-se silêncio por alguns instantes do outro lado da linha.

“Outra pessoa… É o Chris, não é?” Gelei pela precisão do palpite dele.

“C-como v-oc-cê…?”

“O jeito como você fala dele. Seus olhos brilham. Eu só queria que fosse por mim…” Senti um peso no coração por decepcionar alguém tão legal, mas não tinha jeito. “E não peça desculpas.” Ele riu levemente e eu tive que rir também.

“Tudo bem. Você vai ficar legal?”

“Vou sim. Ainda vou poder te ver todo dia.” Revirei os olhos, sorrindo. Bobo. “Espero que ele deixe de ser idiota e te enxergue logo.” Considerei.

“Acho que vai demorar.” Rimos mais uma vez. “Até mais, Yao.”

“Até.”


***


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Notas finais do capítulo

Por favor, não queiram me matar...
Tem um pequeno detalhe no final que melhora a situação Chris/Lizzy...
Descubram e me digam nos reviews ^^