Povoando Suas Páginas escrita por Daniela Mota


Capítulo 18
Capítulo 17 - Sobre o medo e o morrer


Notas iniciais do capítulo

Saiu!
Bem, eu lamento dizer isso, mas tenho pensado sobre o fato de continuar (não a história, mas postar aqui no Nyah). Estou postando para apenas uma leitora ativa. (À ela: peço que não se preocupe com o que vem a seguir, pois posso lhe mandar por e-mail). Isso não tem sido um obstáculo para a minha escrita mais, mas não vejo mais sentido em postar, sabe. O meu escrever não é mais para as pessoas, e sim pra mim, mas o meu postar é, obviamente, para um público.
Enfim, é isso... Desculpem o desabafo antes da leitura. Ainda espero que tenha uma boa leitura, afinal o escrevi no feriado, então lhe dediquei um tempo valoroso.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/594041/chapter/18

Arthur PDV

Em reflexo ao meu próprio vômito, vomitei mais uma vez, com os olhos fechados, ignorando a mulher armada que provavelmente já deveria estar a minha frente. Minha garganta queimava de ânsia e medo, mas no fundo eu queria que a morte se fodesse, porque só pelo fato de ser um gato eu tinha dinheiro para suborná-la sete vezes. Quem eu estava querendo enganar? Pela primeira vez, juro que o que parecia arder a minha garganta era o limite do meu orgulho, e foi ele a quem expulsei metaforicamente pela boca. Eu me sentia despido em frente ao inesperado. Queria ter peito para dizer um “faça o que quiser”, mas apenas o fato de me lembrar da mulher que o cabelo parecia ter sido cortado pela faca brilhante que trazia em mãos me deixou sem ação. Ela era um estímulo, mas tudo aquilo se tratava da morte em si. Eu nunca havia pensado propriamente em morrer. Vivia como se fosse imortal, e obviamente não havia pensado em como morreria. Mas morrer assim era a forma mais idiota de partir. Talvez morrer num orgasmo seria a maneira certa de partir. Mas mesmo assim a morte não me parecia atrativa, principalmente quando me perguntava o que ela significava para mim. Não é que eu tenha medo de morrer. É que eu não quero estar lá na hora que isso acontecer. Na verdade eu tinha sim. Mas por que diabos eu tinha medo de morrer se eu vivia todos os meus dias de maneira intensa? O que era o morrer diante de tantas conquistas adquiridas, bocas beijadas e noites inesquecíveis? Por que merda esse vazio insistia em me comer por dentro como se nada disso houvesse de fato valido a pena? Como se eu tivesse algo oculto pelo qual lamentar? É normal a ressaca diante de pressões assumir um caráter melancólico?

Tentei respirar fundo, mas isso fazia aquele odor nauseante entrar com força nas minhas narinas e tive que me concentrar para não reiniciar aquele espetáculo grotesco. Me perguntei quantos filmes de terror existiam em que o protagonista usa o vômito para adiar seu eventual fim. Conclui que todos concordavam que morrer nadando no próprio sangue, apesar de mórbido, era melhor que no próprio vômito. Deixei que meu corpo caísse por aquela superfície desconfortável, porque aquele desconforto me parecia mais agradável que o anterior. Virei-me para o lado direito, fazendo com os meus olhos uma trilha do chão de concreto.

–Mas que nojo! – a voz feminina disse, atrás de mim, numa mistura de riso com repulsa. A voz estava nasalada, então conclui que tampava o nariz – Molhou as calças também?

Ignorei aquilo assim como ignoro as pessoas todos os dias. Mas me incomodava o fato de, apesar de não a conhecer, ela me tratar assim. Ainda não entendia nada de como tinha parado naquele lugar, e como me meti nessa situação. Mas entendia que ela só queria me assustar com toda essa ceninha. Por um momento me questionei se aquilo não se tratava de uma vingança por abandoná-la em alguma das camas da vida. Ou até mesmo poderia ser uma fã que posso ter conhecido noite passada e resolveu imitar um filme adolescente americano. Mas aquele cabelo não me era familiar, ela não era meu tipo.

–Cece, mas o que que... – abri meus olhos na hora, quando ouvi algo parecido com a voz da pirralha. Virei-me e a observei em choque, no topo da escada, e não conseguia saber quais olhos estavam mais arregalados, os meus ou os dela. Dessa vez não era uma desconhecida com uma arma branca que me assustava. Era aquele seu olhar que transacionava entre a cor da bosta e a cor de... mel?; inocente, curioso e repreensor. Me assustavam as flores do seu vestido que tinham a cor da sua boca, agora travada com a cena. Ver ela não como um todo me assustava. Eu não conseguia perceber se aquilo era uma abstinência, ou se me jogaram dessa escada a ponto de eu bater a cabeça umas cinco vezes, mas olhando para aquela pirralha eu vi a mensagem que, surpreendentemente, ela não queria me ver preso aqui.

“Não queria uma porra, Dobrev, para de ser bicha” – pensei. É notório que estar na beira da morte me deixou abalado, mas é mais notório ainda que ela fez uma merda de... sequestro? Eu não tinha o que temer... A pirralha era maior de idade, porém com o cérebro do tamanho de uma ervilha, e coloca-la atrás das grades seria mais divertido do que qualquer coisa que ouse fazer comigo.

Melanie PDV

Juro que ao abrir a porta de madeira vi uma cena que quase expulsou todo o meu café da manhã, e eu prefiro nem descrever para não ter eventuais lembranças. Tudo que saiu da minha boca foi a confusão que outrora estava instalada na minha mente sobre a conduta psicopata da Cece, porém não consegui terminar a frase, porque o Dobrev, ao reconhecer a minha voz, voltou o seu rosto pálido para mim, e a expressão dos seus olhos me assustaram mais do que o acontecimento em si; ele não parecia com raiva de mim. Eu sei que isso parecia ilusão, mas o ordinário além de vulnerável, parecia aliviado ao me ver. Isso me colocava numa posição melhor do que a da morte. Que lisonjeio!

Decidi conversar com a Cece no andar de cima, e apenas com uma troca de olhares subimos a escada em sincronia.

–O que estava fazendo? – perguntei à Cece quando ela fechou a porta de madeira do porão. Ela parecia conter o riso, levando em conta a firmeza da minha pergunta, mas devo dizer que numa tentativa falha. Então caminhou até a cozinha Americana, e eu a segui, até o balcão onde colocou a faca e acertou-a. Esperava por alguma resposta que não se resumisse à “ele é um filho da mãe e resolvi dar um susto nele”. Isso era um bom argumento, afinal concordei de colocá-lo no porão com o objetivo de assustá-lo quando acordasse, mas será que ela não via que pegou pesado? Ela estava se divertindo ameaçando um homem de ressaca com uma faca até ele vomitar? As linhas inteiras de psicopatia da Cece assustaram não só o Dobrev, como a mim também.

–Aquecendo. – ela suspirou teatralmente.

–Será que seria válido dizer que não estamos em “Todo mundo em pânico”? – ironizei, e ela apenas sorriu, balançando a cabeça.

–Sabe, Mel... Certa vez me contou sobre esse homem, assim que o descobriu. Não precisou me dizer que o admirava desde a primeira vez que leu algo sobre ele. Certa vez me contou sobre outro homem, diferente do que viajou quilômetros para ver. E não precisou dizer que, apesar da maneira como agiu, que ele te machucou desde a primeira vez que o viu. Foi uma brincadeira idiota, eu sei. Mas eu só queria saber se, ter trazido ele aqui vai mudar alguma coisa. Só queria saber se ele era capaz de sentir algo. – ela disse, conseguia ver sinceridade dentre as suas linhas – Foi um método não-ortodoxo, eu sei. Mas deve admitir que eficaz. Porque eu não vi atuação. Vi apenas um homem com um medo alarmante da morte.

–Todos têm medo da morte, Cece... – eu disse.

–Todos que têm algo a perder, Mel. – ela me corrigiu. E estava certa. Mas o que o Dobrev tinha medo de perder? Ou melhor... Será que só agora havia se dado conta de que nada tem? – Eu apoio se quiser continuar tudo isso. Mesmo que não seja por você... Mas que seja por todas as outras.

–Eu só quero que isso acabe, sabe? – suspirei.

–E por que o prendeu? – ela me questionou.

–Medo. Medo que voltasse a ser o mesmo no dia seguinte. Medo de acabar mais um capítulo da minha vida sem sentido. É como se eu quisesse, mesmo que indiretamente, escrever esse fim de uma maneira diferente, Cece, como se eu o quisesse preso nas páginas seguintes. Mas eu não sei como projetar essas linhas tortas no papel. – confessei, tropeçando nas minhas próprias palavras. Cece me lançou um olhar terno.

–Eu sei que temos letras diferentes, mas isso nunca impediu que pessoas escrevessem juntas.

(...)

Peguei café que havia preparado durante a madrugada enquanto lia. Uma xicara bem grande. Peguei também alguns jornais, e fui para o porão. Ainda nas escadas, ele me encarou ao descer. Parecia ter lavado o rosto na pia do banheiro, e tampava o nariz com a mão enquanto se afastava o máximo que podia – e que a corrente permitia – da sua mais nova obra de arte. Não soube que expressão ter enquanto o olhava, agora que tivera tempo para associar as coisas, ele deveria estar preenchido de raiva de mim, mas ainda o sentia vulnerável. Segurei a respiração e coloquei os jornais onde havia vomitado até cobrir tudo, e agachei, lhe dando a xícara, esperando que não aceitasse. Mas ele a pegou. Cheirou o conteúdo, provavelmente acreditando que eu poderia envenená-lo. Revirei os olhos e peguei-a de volta.

–Sempre age assim com quem tenta te ajudar? – perguntei, e ele revirou os olhos.

–Ah, mil perdões! Com certeza me prender nesse chiqueiro é uma ajuda e tanto. – ironizou, e podia ver nos seus olhos que precisava daquele café para melhorar o que sentia, mas seu orgulho era maior.

–Certo, deveria adivinhar que achava a rua um lugar mais acolhedor. – ironizei em resposta, ele bufou.

–É a sua casa? – perguntou, em tom de deboche, e apenas fiz que não com a cabeça. Os seus olhos ainda tateavam a caneca. O cheiro do café era tão forte que disfarçava a nojeira do ambiente.

–Não quer mesmo o café? – perguntei, erguendo a sobrancelha. Ele, automaticamente, fingiu não se importar – Acreditei que o faria melhorar, mas já que acredita estar envenenado, levo lá para cima de novo.

–Não. – ele disse, baixinho.

–Não o que? – me fiz de lerda, o que o deixou contrariado.

–Porra... – foi tudo o que disse, e eu ignorei o seu comportamento, brincando com o café dentro da xícara assim como ele brincava com a bebida na taça.

–Não é tão difícil assim. – eu disse, e ele ignorou. Sentia que estava tentando educar uma criança birrenta de 25 anos à pedir as coisas com educação. Então me levantei. – Tá...

–Me dá o café. – ele disse, e com um sorriso no rosto lhe passei a xicara, mesmo observando o seu olhar de quem queria retalhar toda a minha boca até que eu não conseguisse sorrir mais. Mesmo sua frase soando como uma ordem, aquilo já era um avanço, e dessa vez só virou a xicara. – Mas que bosta de café, pirralha... – ele disse, e ao invés de me ofender com aquilo, eu ri, porque aquilo de fato foi engraçado, porém eu era a única que achava isso – Colocou um quilo inteiro de açúcar nessa merda? Que porra deu na sua cabeça para me dar uma xícara de diabetes? – ri de novo.

–A vida já é amarga o suficiente. – me apropriei da frase no momento que a disse.

–Se tornará ainda mais quando tiver diabetes. – ele disse, sem humor. Não o respondi. Notei que mesmo tendo criticado o café, continuava o bebendo, mesmo de cara feia. Acho que minutos se passaram sem que disséssemos nada. Mas tinha algo que gostaria de pergunta-lo, e que me fez quebrar o gelo no qual ele se sentia tão confortável.

–Sabe... Eu li o seu livro ontem. – eu disse. Passara uma parte da madrugada lendo, e o outro resto questionando o seu final.

–Hm... – mostrou desinteresse completo. Era o único autor que eu conhecia que tinha desinteresse pelas próprias coisas que escrevia. Resolvi continuar assim mesmo.

–O final não me surpreendeu, sabe. Quero dizer... A Lucy era independente demais para voltar. Ela já era completa por si só. Só precisava de alguém que a transbordasse, e não de vários homens nos quais se apegou a apenas uma característica do seu homem ideal. Quero dizer... Temos que passar obrigatoriamente por tantos homens para notarmos quem é o amor das nossas vidas, e no final temos que ficar com todos eles porque notamos que esse homem ideal não existe? – perguntei, e tudo o que escutei foi silêncio. Mas ele parecia pensar.

–Estaria interpretando da mesma forma há um tempo atrás? – ergueu uma sobrancelha.

–Não. – ergui também, notando o fato que me dissera.

–Acha que existe um homem ideal? – era para ser uma pergunta, mas parecia mais um deboche.

–Não sei... Todos os seus livros terminam de um jeito diferente, por que justamente nesse resolveu se apegar ao que acredita ser a realidade? – insisti. Esse era, sem dúvida, o único livro que se aproximava do seu perfil.

–Porque cansei de escrever romances. Todos mostram o “felizes para sempre” como uma coisa interminável. Mas ele acabou assim que se fechou a última página. Nas linhas não escritas, o cara que pediu a mocinha em casamento, tem que trabalhar o dia todo para sustentar uma vida mais ou menos e acaba transando com a secretária que a todo o tempo fica lhe dando mole. Faz isso sem culpa, porque quando chega a noite em casa, a mulher não faz tudo o que ele quer, porque na verdade a mesma já se satisfez com o vizinho enquanto ele estava ausente. Eles dormem juntos todos os dias, mas não suportam mais a presença do outro. Para os outros, são o casal mais lindo do mundo, mas secretamente vivem em mundos tão distantes que até um simples selinho carrega falsidade. Se suportam em troca de uma imagem mesquinha, e têm filhos para ajuda-los a carregar essa mesma imagem. Obrigam esses mesmos filhos a crescerem num ambiente de desafeto e indiferença, criando atores para a vida, interpretando seus valores e sua inexistente felicidade. E vivem como se não fossem morrer. E morrem como se nunca houvessem vivido. Eu só podia estar mesmo bêbado para escrever tantos finais diferentes.

Senti uma dor no peito, uma angústia diferente, e comecei a encarar o chão. Eu conseguia ver meus pais por entre essas linhas, presos em mundos particulares. Meu pai no seu rotineiro jornal e minha mãe na sua rotineira cozinha. Tudo que trocavam era o ar e palavras que me referiam como a maior decepção da vida deles. E agora eu entendia porque; decepcionei eles porque não interpretei os papeis que eles queriam, porque não ajudei a carrega-los a imagem que tanto prezam. O erro não era eu, o erro eram eles. E como era estranha a sensação de me dar conta disso.

–Tem razão.

–Tenho? – ele perguntou, parecia surpreso.

–Sim... Mas o que tem feito para que sua vida, mesmo sendo de solteiro, seja diferente dessas? – perguntei-lhe, e todo aquele realismo deu lugar ao silêncio por longos segundos.

–Isso não te interessa, pirralha. – esquivou-se.

–Na vida você é apenas o vizinho da sua história? – observei o seu maxilar travar.

–E você? É apenas a filha do feliz casal? – me encarou a fundo, apenas bufei, notando novamente o quanto era decifrável – Não concordaria comigo se não fosse.

–Acontece que não vou ficar presa à ramos da minha família para sempre. Porém você parece que nunca tomará uma atitude para mudar. Você carrega correntes fabricadas por si mesmo. – apontei, e ele balançou a cabeça na horizontal, como se não quisesse acreditar no que tinha ouvido.

–Se acredita mesmo nisso, por que diabos me prendeu aqui? Me responda... Porque o único motivo por eu não ter começado a te estrangular até tirar a droga dessa corrente como se eu fosse o seu animal de estimação, com certeza é porque não estou em condições para tal. – praticamente berrou.

Me afastei dele, mas infelizmente não do seu campo de visão.

–Eu ia te soltar, mas talvez mereça ficar mais um tempo aí, seu babaca. – falei. E ia mesmo. Havia decidido com Cece que prolongar isso seria em vão. E que a melhor decisão seria deixa-lo ir.

–Vai ver só... Sua vadia. – ele disse, e se passou por minha mente ele jogando aquela xícara em mim com toda força. Então lhe dei as costas, subindo as escadas. – E só mais uma coisa, pirralha: F-o-d-a-s-e.

–Não vou retrucar porque, adivinha, você já está fodido. – juro que sua expressão se pareceu com um sorriso, mas fechei a porta antes de provar sua autenticidade – Adivinha quem voltou! – comuniquei, em alto tom à Cece.

Continua...?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Povoando Suas Páginas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.