Povoando Suas Páginas escrita por Daniela Mota


Capítulo 14
Capítulo 13 - Atuando vidas


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!
Agradeço muito à Dancer pela bela recomendação, fiquei feliz.



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Melanie PDV

Eu senti que o Dobrev, por um momento, pularia em mim e começaria a me enforcar. E só largaria o meu pescoço 30 minutos depois, para certificar que eu não tinha chances de ter sobrevivido. Mas ele não poderia fazer isso estando vestido tão bem na sua camisa social azul clara que fazia um par perfeito com os seus olhos. Tampouco com seu cabelo arrumado de uma maneira um pouco bagunçada, que lhe dava um toque sedutor. Não na frente de todos aqueles atores e atrizes da vida real, que ostentavam milhões, que vestiam milhares, que comiam centenas, que falavam dezenas e que não valiam nem unidades. Pessoas que atuavam felicidade, popularidade. Mas que inspiravam um ar solitário compartilhado por todos, e expiravam arrogância. Um ar solitário que enchia todo o pulmão do homem à minha frente, que no momento tentava controlar a raiva piscando sem parar numa espécie de tic, diferente de como há pouco tempo atrás piscava para a mulher da outra mesa, para que tentassem inconscientemente dar um fim na solidão juntos num efeito que só duraria horas; em vão. As piscadas deram lugar a um exercício de respiração que terminou com um grande gole do vinho, deixando a taça vazia, como se ele pudesse ouvir meus pensamentos, e aquilo o perturbasse.

–À esta altura do campeonato, e você ainda não sabe com quem está falando. – ele disse, depois de um tempo, entredentes. Demorou tanto tempo para dizer algo que sempre dizia sem pensar. Balançou a cabeça, e mais uma vez parecia me analisar. – Inconsequente.

À esta altura do campeonato e ele não percebeu que não o endeuso mais. Que para mim ele é uma pessoa como qualquer outra, apesar de expirar arrogância na minha cara a todo instante.

–Eu sei bem com quem estou falando. Com uma pessoa que na busca da superioridade se tornou inferior, e ainda assim insiste em se sentir melhor. – dei de ombros – A definição de inconsequência pra mim é agir como quer, não se importando com os outros, ou com o que aquilo pode virar no futuro. É o que faz, todos os dias. E olha o que virou o futuro. Se sou uma inconsequência, sou uma inconsequência da sua inconsequência?

Também fiz aquela pergunta a mim mesma. Será que era por isso que eu insistia em continuar a vê-lo? Ele bufou em resposta. Eu sabia que ele odiava quando eu lhe suscitava dúvidas.

–Já estou farto de você, pirralha. Agir assim te faz se sentir menos lixo por aquele escândalo que fez por mim naquela noite? – ele ergueu a sobrancelha, e parecia focar sua atenção em outro lugar. Segundo a Cece, ele havia encontrado o seu estímulo relevante no ambiente, e eu bem sabia quem era. Uma atriz de cabelos negros em seu curto vestido brilhante, exibindo suas pernas de veludo, no qual os homens interpretavam como um convite. Fazia olhar de atriz pornô, e nos lábios carregava um vermelho da cor do vinho que o Dobrev havia acabado de dar a última golada. É exatamente o que ele queria fazer com ela. O Laurete adoraria essa metáfora mais do que ninguém. Mas voltando ao ataque terrorista dele à minha pessoa, ele tinha que parar de colocar bombas nos aviões. Isso é tão clichê, tão suicida. Não vou mentir que por um momento não tenha me lembrado daquela noite. Dizem que em algum momento da vida você sorri das burradas que faz. Eu só não sabia que seria tão rápido.

–Talvez... – sorri, de leve. Peguei mais um pãozinho na mesa, que não tinha nenhum gosto especial, só para vê-lo passar vergonha por mim enquanto eu falava de boca cheia – Mas, me conta... Paquerar a mulher dos outros te faz sentir menos lixo por não ter a sua própria?

–Invejar os outros te faz sentir menos solitária? – ele questionou, e quase vi um sorriso. Ele realmente acreditou que a maneira como retrucou foi incrível. Isso me divertiu. As experiências que passei me fizeram mudar o meu conceito de solidão. Solidão não era estar sozinha no meu quarto me afogando em romances ilusórios. Solidão era estar em meio a tantos, mas ser vazio. Ela pode ser imperceptível. E eu não invejava a sua incapacidade de perceber a solidão. Eu tinha a Cece, tinha o Laurete. E, droga, eu havia me dado conta de que eles valem por tantos.

–Como se a sua vida fosse menos vazia só por ter sua cama sempre cheia. – falei, dando-lhe uma piscadela irônica, satirizando o seu comportamento com a mulher.

–Que merda você quer, pirralha? – ele perguntou, irritado. Era irritante quando me chamava assim, mas não queria lhe dar dicas de como me irritar.

–Paz de espírito. – dei um dos meus maiores sorrisos, e ele bufou instantaneamente.

–Por que não terminamos com isso logo? – questionou, de imediato. Era isso que ele fazia quando não tinha o que retrucar, uma típica esquiva.

–Para te dar o prazer de levar essa fácil, levar a mulher compromissada à frente pra cama, e ainda ficar sem meu jantar? Não, obrigada. – neguei com o indicador.

Ele nada disse, e eu parei de olhá-lo, observando o ambiente que nos cercava. Um império, arquitetado especialmente para estes atores e atrizes, na busca de um plano de fundo perfeito para a sua encenação, para que lhe seja tirado um pouco o foco, para que ninguém os enxergue em sua profundidade. Cada mínimo detalhe construído. Desde às paredes vermelhas com detalhes cor de ouro, até os lustres de cristal, que dosavam a iluminação perfeita para pessoas que malmente se olhavam. Como eu havia dito, vidros cercavam toda a frente do ambiente, e mostravam o quanto o mundo interno parecia fabuloso, e o externo desinteressante. E as lindas flores, que resistiam à arrogância que tornava o oxigênio tão limítrofe. Com estas metáforas não digo que o local não é bonito; pelo contrário. Mas esse é exatamente a chave da questão: ele é apenas, e tão somente isso. Exatamente como as pessoas. Por isso o Dobrev gosta de estar aqui.

Quase pulei da cadeira ao dar de cara com um homem junto a mim ao continuar a analisar criticamente o local. Absolutamente bem vestido em suas vestes engomadas. Por trás de duas lentes grossas de óculos, que ampliavam os seus redondos olhos azuis, que pareciam ter saído dos quadrinhos. Com o cabelo perfeitamente partido do lado direito, lambido por um suposto filhote de vaca. Só notei que era o garçom, quando li seu nome numa plaquinha dourada no seu paletó: “Enrico Prado”. Nas mãos, não tinha nenhum bloquinho ou coisa do tipo. Apenas um Ipad.

–Vejo que sua acompanhante chegou, senhor. – o garçom disse, me olhando. Controlava desde sua postura, até mesmo seu tom de voz. Me olhou de cima até embaixo, parecendo forçar para não fazer nenhuma cara feia que fosse contra a política de tratar bem os clientes. Acho que se perguntava internamente se haviam exceções de clientes que poderia tratar bem.

–Quero que complete minha taça com a coisa mais cara que tiverem. E traga para ela uma salada. – Dobrev disse, sem nem dar corda ao que o garçom disse ou sequer olhar pra ele. Minha teoria se comprovando mais uma vez. Ele não se dava o trabalho de olhar para as pessoas.

–Salada o caramba. – resmunguei, e o garçom me olhou com cara de “Isso é jeito de uma moça se comportar?”. Ah, como odeio esse mundinho! – Eu quero comida de verdade. Risque a salada. Traga-me, sei lá... Batata frita. Para ele, traga uma salada. Ele tem que manter a forma, sabe. Vive de aparências.

O garçom parecia bem confuso, e tentou achar alguma resposta na expressão de Dobrev. Só que Dobrev estava com cara de poucos amigos, então ele entendeu que seria mais fácil enfrentar a insana do jeans rasgado.

–Não servimos batata frita, senhora. – ele disse, consertando os óculos.

–Traga a salada. – Dobrev reforçou, e eu bufei.

–Hambúrguer? – perguntei, e ele negou com a cabeça.

–A senhora checou o cardápio? – ele perguntou, apontando seus grandes olhos para o canto da mesa.

–Deixa eu pensar... – pedi, pegando o cardápio pela primeira vez e começando a folheá-lo. Cada prato mais estranho, parecia comida para pinto julgando a quantidade, algumas pareciam ração de gato julgando o aspecto. Eu não entendia porque ricos tinham tanto dinheiro e gastavam com isso. Tinham nomes que eu não conseguiria pronunciar nem usando toda a minha dicção. Observar aquelas comidas faziam o meu estômago revirar. Ainda assim, tratei de folhear tudo. – Traga-me o que o chef recomendar, sua especialidade. – falei, por fim, desistindo.

–O prato recomendado de hoje é a carne Kobe, senhora. – ele disse.

–Carne o que? – perguntei, sem entender. Vai que aquilo era carne de salamandra e eu só descobriria quando estivesse no prato? Dobrev revirou os olhos e respirou fundo.

–Se não se incomoda, enquanto faz o seu pedido, vou ao toilet.AI QUE GAY, EU NÃO ACREDITO QUE ELE FALOU TOILET E BANCOU O EDUCADO COMIGO.

–A carne de Kobe é extraída da raça Wagyu, um gado que possui grande quantidade de gordura espalhada de modo homogêneo pelas fibras dando aos bifes suculência e maciez incomparáveis. Vieram do Japão, onde são tratados como atletas olímpicos, diariamente são feitas massagens para a gordura penetrar na carne e escovas que matam as bactérias e deixam os pelos sedosos. Quando o animal está relaxado ele produz uma carne de melhor qualidade, por isso as fazendas tocam música clássica para os animais. – segurei o riso – A alimentação é a base de mistura de grãos e cerveja, a última faz com que o animal tenha mais fome e engorde mais. É uma boa pedida, quem prova, nunca mais esquece. – depois que ele terminou seu discurso bem ensaiado, não pude esconder a surpresa. Eu comeria a carne de um boi que foi tratado como um rei para virar um bife mais caro? Nossa, isso é muito mórbido. Tentei ver o que haviam pedido na mesa seguinte para me espelhar, porém esqueci disso quando notei a ausência da mulher que era para estar sentada à frente. Na mesa, só via o seu acompanhante com sobrepeso, se deliciando com algo que parecia um Petit Gateau, só que um tanto diferente. Provavelmente uma versão cara do mesmo. Percebi que havia deixado o garçom no vácuo.

–Sim, quero Ko... Kobe. – eu disse, sem pensar, só para que me deixasse em paz. Só conseguia pensar na estratégia ruim que os dois tiveram para ir se agarrar no banheiro. Seria uma pena se... Eu estragasse isso.

Levantei da mesa, indo à procura do banheiro feminino. O lugar era muito grande, e eu me sentia num labirinto. Algumas pessoas me olhavam com cara de: “O que essa menina está fazendo aqui? Agora deixam mendigos entrar?”. Era incrível como, para eles, a imagem era mais importante que tudo. Encontrei um homem loiro, de nariz empinado, encostando na parede, de nome Gaspar que me guiou a direção meio contra a vontade. Ao entrar no banheiro feminino, notei que ele era imenso, e que as mulheres estavam tão concentradas no espelho retocando a maquiagem, que o Dobrev deveria ter entrado ali facilmente. Mas que sabotagem complicada... Onde estavam? Me abaixei, procurando os pés por debaixo das portas. Até que encontrei um salto agulha preto e um tênis. Tanto motel de luxo e vão se agarrar no banheiro. Podia ouvir um gemido feminino sendo abafado, provavelmente por sua mão. Que tosco. Eu não sabia o que fazer... Se batesse na porta, eles não abririam. Vamos, Melanie, pensa em algo...

–AHHHH! SOCORRO!!! TEM UMA TARADO NO BANHEIRO FEMININO! – levantei as mãos para cima e saí correndo. Uma das mulheres borrou o seu batom vermelho, assustada. Começaram a se entreolhar, e eu apenas apontei para a última porta. Acredito que julgavam que, “se eu que estava com aquela roupa estava dizendo que tinha um tarado no banheiro, ele deveria estar em condições piores que as minhas”. É claro que se soubessem quem realmente era o tarado jamais se assustariam. – EU NÃO ACREDITO QUE DEIXARAM UM MENDIGO ENTRAR AQUI. SABEM COMO É ESSE PESSOAL QUE MORA NA RUA, SEDENTOS! EU NÃO MEREÇO SER ESTUPRADA! – Foi então que começaram a sair do banheiro, tentando correr com classe. Saí do banheiro correndo, e me encontrei com o homem loiro novamente, que rondava a área – SENHOR, TEM UM TARADO NO BANHEIRO FEMININO NA ÚLTIMA PORTA! POR FAVOR, AS MULHERES ESTÃO APAVORADAS, ELE ESTÁ CAPTURANDO AS VÍTIMAS DE UMA A UMA.

Ele observou as mulheres saírem do banheiro, e constatou que eu não estava apenas fazendo baderna. Observei-o adentrar o banheiro, tentando segurar o riso. Voltei para a minha mesa civilizadamente rindo da minha encenação. Antes de sentar, resolvi ter uma conversa com o homem corno à frente. Ele usava um terno que parecia mais caro que o meu carro, mas não me intimidei. Sentei na cadeira que anteriormente sua acompanhante sentava, com as pernas cruzadas. Seus olhos negros me perguntavam porque diabos eu estava sentada ali.

–Senhor, desculpe-me incomodá-lo. Sua acompanhante foi ao toilet, não é? O meu também. E olha que coincidência, foram ao mesmo. Não sei se a notou meio distraída hoje, mas ela estava flertando com o homem da mesa ao lado todo o tempo. Só para avisar mesmo. – sorri. O homem levantou da mesa tão rápido que por um momento pensei que derrubaria tudo. Eu, obviamente, o acompanhei. Ao entrar no banheiro, fiquei no início, enquanto o homem adentrou, se juntando ao loiro que batia incansavelmente na porta.

–Ou abrem agora, ou chamarei o segurança! – ele disse, por fim. Ouvi o som da porta se destrancar, e Dobrev saiu. O maxilar travado. A mulher saiu logo depois, com o batom borrado que deve ter tentando consertar em poucos segundos na esperança que acreditassem nela. Quando o homem a viu, ela ficou pálida.

Dobrev nem se deu o trabalho de me olhar. Nem com aquela raiva que eu acredito que sentia, e que sabia que eu era a autora. Estava mais preocupado em, arrogante como sempre, recorrer à sua identidade, como se todos no mundo gostassem de romance e conhecessem sua fama. O loiro insistia que isso era contra as normas. A mulher, estava com a cara mais sínica do mundo.

–Sebastian, não é nada disso que...

–Como ousa? Sempre te dei tudo! – até o drama de gente rica era feito com classe, tudo bem que ele estava passando na cara que tudo que ela tinha foi dado por ele, mas ele conseguiu dizer isso num tom de conversa ocasional. – Esqueça o Camaro, o anel de diamante, e a casa de praia. Você jogou tudo fora!

–Sebastian, nós só estávamos... Ele só estava... Me ajudando. Eu não estava passando muito bem, e pedi ajuda para não sujar todo o banheiro de vômito. – ela insistiu.

–E então resolveu beijar a boca dele para não sujar o banheiro? Que nojo! – o homem disse, descrente. Ela tinha a cara de uma pessoa que havia algum dia ganhado na lotérica, e acabara de perder tudo.

–Não! Ele... Ele se aproveitou de mim! Ele trancou a porta... Eu tentava gemer por ajuda, ele... Ele tapou a minha boca. Ainda bem que você veio me salvar, amor. Eu não sei o que seria de mim, se... – a safada disse, e eu escancarei a boca, descrente da sua rápida e desesperada atuação. Ela abaixava a cabeça, fingindo o princípio de um choro falso. Observei a expressão do homem mudar, ele parecia extremamente maleável. Acreditou nela. Dobrev olhava tudo com cara de deboche.

–Você é asno, colega... – Dobrev deu um sorriso irônico – Passei o rodo na sua noiva. Faria novamente. Mas fique tranquilo... acho que nenhuma mulher pensaria duas vezes em te trair comigo. Olha pra você... Vaza daqui, vai! Tenta passar por essa porta, e além de não bater a barriga, tenta não bater a cabeça. – Dobrev disse, cheio de si. Foi então que o gordo não se conteve e desconstruiu sua imagem, partindo pra cima dele. O loiro e a mulher o seguraram, e ele tentando se soltar, e Dobrev nem ligava, só faltava assobiar. Até que, num descuido da mulher fraca que tentava o segurar, o homem conseguiu acertar no Dobrev um belo de um tapa na cara.

Continua...


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Notas finais do capítulo

Dividi o capítulo do jantar em duas partes, como podem perceber. A segunda ainda estou escrevendo.
Bem, agradeço se houverem opiniões.
Beijo.



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