E então, a escuridão escrita por Jean Pereira Lourenço


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Por favor, deixe comentários! Isso me inspira a escrever outras histórias como esta :D



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E então, a escuridão

De olhos arregalados, ele despertou de seu sono. Sentado em uma cadeira almofadada, engravatado e de cabelo penteado para o lado, o homem de negócios imberbe, de olhos fundos e ombros largos estava apavorado. Olhou no relógio de pulso e viu que já passava das vinte e duas horas. Voltou os olhos imediatamente para a tela de chamadas de voos e acompanhou, linha por linha, de baixo para cima, até alcançar a primeira, no topo da tabela: 3356, portão 02, com destino a São Paulo, atrasado. Suspirou em alívio, levando a mão à testa, mas, dois segundos depois, desesperou-se novamente. Buscou a maleta no assento ao lado, mas havia apenas um rapaz de semblante suspeito. Moveu os pés para trás e, assim, encontrou a maleta debaixo da cadeira. Estava tudo bem, pelo visto.

“Tá tudo bem?” perguntou o rapaz ao lado, um jovem magro de traços orientais, cabelo arrepiado e o rosto cheio de espinhas, vestindo um moletom cinza de mangas mais compridas que os braços e capuz pendurado para trás. Ele tinha uma velha mochila preta entre as pernas.

O homem de negócios virou-se para ele, suspeitoso. “Ahan.” E desviou o olhar para frente, mas o jovem continuou olhando-o, com um sorriso bobo na face. “Acho que eu cochilei. Fiquei com medo de ter perdido o voo”, disse, voltando-se para o jovem, para quebrar o gelo.

“Ah, 3356? É, tá atrasado já em mais de meia hora”, afirmou o rapaz, sorridente, inclinando-se para frente e ainda encarando-o com sua expressão jovial. O homem não sabia se tratava-se de simpatia ou de deboche.

“Nossa, cheguei a sonhar que já tinha entrado no voo”, comentou o empresário, esboçando um curto sorriso labial e reclinando-se até o encosto, suspirando.

“Isso é normal, sabia?” explicou o rapaz, batendo uma palma abafada pelas mangas compridas da blusa. “Isso é uma coisa que empresários, como você, costumam ter.”

“Quê?” indagou o homem, estranhando o comentário do jovem. “O que empresários como eu costumam ter? Como assim, ‘ter’?” E desencostou-se da cadeira, inclinando-se para frente, da mesma forma como o rapaz.

“É a Síndrome de Fahrenheit, sonhar com o embarque enquanto espera pelo voo no saguão. Super comum”, disse o jovem, ainda risonho, agora reclinando-se com as mãos na nuca e desviando o olhar para a tela de voos.

“Síndrome? Meu Deus…” resmungou o homem, preocupado, olhando para o chão, com as mãos apoiadas nos joelhos.

“Brincadeira, ou! Tô só zoando”, revelou o rapaz, cutucando-o no ombro com o antebraço e rindo.

“Ah…” disse o homem, fingindo ter achado aquilo engraçado, e olhou para longe. “Que babaca!” pensou.

“Aí… por que eles não colocam ninguém pra trabalhar à noite? E se eu precisasse fazer check-in agora? Que sacanagem…” desabafou o rapaz, cutucando o homem mais uma vez e apontando para o balcão de check-in, mas ele sequer reagiu, estava concentrado analisando o ambiente.

No pequeno aeroporto da cidade mediana, eles estavam sentados em um agrupamento de cadeiras onde ninguém mais estava, próximo à extrema direita do saguão. Atrás, a entrada de portas automáticas, onde um segurança mal conseguia parar de pé, aos bocejos, entre uma sala fechada com a logo de uma companhia aérea e o banheiro masculino. À direita, uma porta de vidro manual que dá acesso a um espaço externo de onde se pode assistir à decolagem das aeronaves, debaixo de uma televisão desligada, e uma sala fechada ao lado. À frente, a tela de chamadas de voos e a sala de embarque e desembarque, onde apenas um funcionário estava, ao lado do detector de metal. À esquerda, um enorme espaço livre em frente ao balcão de check-in e despacho de bagagens, tomado por fitas que delimitavam o espaço de formação de filas, onde um enorme relógio estava pendurado, bem ao centro, e em frente ao balcão o banheiro feminino. E, mais adiante, no extremo oposto do saguão, dois outros agrupamentos de cadeiras, onde havia algumas pessoas, cercados à frente por uma sala da AVIS, atrás por outra sala de alguma companhia aérea e uma apertada loja de souvenires – todas fechadas e de luzes apagadas –, e à esquerda por um pequeno café, onde apenas uma senhora bebendo uma pequena xícara de cappuccino.

“Ouviu?” insistiu o jovem, repousando a mão sobre o ombro do homem. “Olha isso! Eles não colocam quase ninguém pra trabalhar à noite. Não posso alugar um carro, fazer uma reclamação, despachar bagagens, comprar uma lembrancinha, fazer check-in, não posso nada!” esbravejou, indignado, apontando para todos os guichês e portas fechados. “Não posso nem tomar um cafezinho! Olha que absurdo!” gritou, levando uma mão à cabeça e, com a outra, apontando para o café, onde não havia atendente algum à vista. Algumas pessoas, sentadas nas cadeiras distantes, olharam para ver o que estava acontecendo, assustadas com os gritos do rapaz.

Só então foi que o homem de negócios começou a notar, com certa estranheza, algumas características incomuns do ambiente. De seu assento, inclinou-se em todas as direções e checou, com um olhar atento, o café, a loja, as salas de empresas aéreas, o guichê de aluguel de carros, a sala de embarque e desembarque, o balcão de check-in, e concluiu que o garoto tinha razão: era realmente bizarro como havia pouca gente no saguão. Até mesmo os passageiros à espera do voo atrasado eram poucos, e a tabela de voos nunca era atualizada, inclusive em seu relógio digital. Imediatamente, os olhos voltaram-se para o grande relógio de ponteiros pendurado no centro do saguão, e ele logo notou que também não se moviam. Algo não estava certo.

“Mas que merda…” indagou-se, de testa franzida, olhando para os lados e, então, para o rapaz.

“Nada a ver, né?” comentou o jovem, ainda indignado, olhando com fúria ao redor.

“Vou perguntar pro guarda”, avisou o homem, levantando-se.

“Eu vou com você”, disse o rapaz, indo atrás.

Os dois deixaram seus assentos, deixando a maleta e a mochila ali, e dirigiram-se até o vigia, um homem alto e gordo de barba feita e nariz de batata, com o pescoço quase todo coberto por sua enorme papada, que estava parado com as mãos juntas à frente do corpo. Trajava seu uniforme de calça preta, camisa branca, colete, crachá e boné preto. Ao vê-los aproximando-se, seus olhos, que estavam quase fechando-se, arregalaram-se imediatamente.

“Olá, tudo bem?” cumprimentou-o o homem de negócios, estendendo a mão, com um suave sorriso labial. O rapaz estava parado ao lado, aflito, levando as mangas da blusa à boca e mordendo-as, enquanto encarava as pessoas sentadas no outro lado do saguão.

“Diga”, disse o guarda, com seu ar grosseiro e uma sobrancelha erguida, levando as mãos à cintura e ignorando a mão estendida do homem, que logo a baixou.

“Por que tem poucas pessoas trabalhando aqui, hoje?” perguntou, pondo as mãos nos bolsos da calça social preta.

“Poucas pessoas?” indagou o vigia, olhando em volta suspeitoso por um breve instante. “Queria o quê? Isso aqui lotado?”

O empresário desviou o olhar e suspirou. Então, tirou as mãos dos bolsos e voltou a expor sua indignação ao guarda, gesticulando e apontando em volta. “Olha só: a loja fechada, as salas das companhias aéreas, ninguém no balcão de check-in, só uma pessoa na sala de embarque, ninguém trabalhando no restaurante… quê é isso?”

“Senhor, você precisa se acalmar!” esbravejou o guarda, segurando seu braço. O homem olhou-o espantado, revoltoso, e soltou o braço agressivamente no mesmo instante. “Se acalma!”

“Olha aqui…” disse o homem de negócios, furioso, apontando o indicador no rosto do guarda.

“Olha aqui você!” respondeu o outro, abaixando a mão do homem de forma agressiva. Os dois pareciam prontos para entrar em algum tipo de combate.

“Por que os relógios estão parados?” perguntou o jovem, de repente, interrompendo a discussão. O guarda olhou com estranheza para o relógio de ponteiros, e então para seu relógio de pulso, e de volta para o rapaz, com um espanto aterrorizante no rosto.

“Mas que merda…” indagou-se, exatamente da mesma forma como o empresário havia indagado-se. Pegou da cinta um rádio de mão e começou a distanciar-se, a passos apressados, em direção à sala fechada, à direita do saguão, enquanto chamava alguém pelo aparelho, sem obter respostas.

“Que sala é aquela?” perguntou o empresário ao rapaz, que ainda mordia as mangas da blusa e olhava apreensivo para a esquerda do saguão, de onde vinham algumas pessoas, com olhares aflitos e ar de confusão.

“Ah… é a sala técnica”, respondeu o jovem, tirando a manga da boca por apenas dois segundos, sem desviar o olhar das pessoas.

Vinham, dos assentos distantes, duas jovens, uma mulher mais velha e um garoto, este de mãos dadas com a mulher. No lado esquerdo do saguão restaram apenas a senhora, lentamente assoprando seu cappuccino, sentada em um banco em frente ao balcão do café, e um senhor, em uma das cadeiras almofadadas, calmamente lendo seu jornal. Provavelmente estariam alheios de toda a agitação, talvez por não terem escutado os tons exaltados ou os gritos indignados do rapaz.

Uma das jovens, a mais baixa e magra, tinha cabelo curto e vermelho, pele bem clara, e vestia jaqueta de couro preta aberta com uma blusa branca por baixo, calça de couro preta grudada na pele, coturnos, várias correntes penduradas pela vestimenta e alguns piercings no rosto – mais especificamente dois nos lábios inferiores, um no septo, um na sobrancelha direita e três na orelha esquerda. Tinha sobrancelhas grossas e nariz grande, olhos pequenos, fones nos ouvidos e chiclete na boca, levando uma constante expressão mista de tédio e revolta no rosto. A outra, aparentemente mais velha, era alta e encorpada, de cabelos longos e cacheados, olhos grandes e castanho-claros, pele morena, sobrancelhas finas e ar de maturidade e serenidade. Ela vestia um vestidinho curto azul e branco, melissas brancas e um fino colar dourado. A mulher mais velha, com seus quarenta ou cinquenta anos, vestia uma blusa vinho de alças finas, minissaia e bota de couro bege, deixando à mostra seus braços, ombros, costas, coxas e panturrilhas malhados e bronzeados. Tinha cabelo Chanel castanho e extremamente liso, com algumas mechas mais claras, e portava vários anéis e pulseiras dourados, caminhando em sua pose de matriarca dominante, em salto alto, com o queixo erguido. Vinha de mãos dadas com o garoto, que tinha seis ou sete anos de idade, um moleque bem magro e de cabelo curtinho, com um pequeno topete de gel. Podia tanto ser filho da mulher quanto da jovem mais velha, não se podia saber ao certo.

A mulher, com seus passos rápidos, veio à frente das duas jovens, arrastando a pobre criança pelo braço, enquanto esta admirava o ambiente com seus olhos maravilhados de infância. Ela se aproximou do empresário e do rapaz, com o toc-toc de seus saltos, e, em um instante, encenou toda uma expressão amigável e sutilmente sedutora, obviamente distinta daquela com a qual caminhava. Olhou bem nos olhos do empresário e arrumou o cabelo.

“Você também tá esperando o 3356?” perguntou, com uma mão na cintura. A criança já havia soltado sua mão, e ela sequer percebeu. Logo que se viu livre, o garoto correu até o banheiro masculino, enquanto a jovem mais velha encarava o relógio de ponteiros parados, pendurado no centro do saguão.

“Ahan”, respondeu o homem engravatado, olhando-a com certo desprezo por tê-la analisado como uma pessoa falsa.

“Eu também tô!” apontou o rapaz, ensaiando seu sorriso bobo, em uma tentativa de entrar na conversa e conseguir um pouco de atenção, mas foi ignorado pela mulher, que mantinha os olhos fixos no empresário.

“Será que ele atrasa? O guarda disse alguma coisa?” indagou ela, novamente arrumando o cabelo.

As duas filhas aproximaram-se, e o rapaz imediatamente tirou a manga da blusa de sua boca, e começou a encarar a mais nova com admiração, boquiaberto, enquanto esta vagava ao redor, mascando seu chiclete e alheia às interações tediosas entre as pessoas, em seu universo adolescente próprio. O empresário, por sua vez, não tirava os olhos daquela porta fechada, por onde o guarda havia acabado de entrar.

“O que é uma sala técnica… é… qual seu nome mesmo?” perguntou ele ao rapaz, tocando-lhe o braço, esquecendo-se de responder à pergunta da mulher.

“Ah… é…” balbuciou o jovem, secando a garota com os olhos. “É uma sala cheia de coisas técnicas, cara”, respondeu, virando-se o mais brevemente possível para o homem.

“Mãe, cadê o Rafa?” perguntou a moça de cabelos cacheados à mulher, com ar de preocupação, olhando em volta.

A mãe, ofendida com o desprezo do empresário, voltou à postura esnobe de antes, erguendo o rosto e virando-se para a filha, mas ainda com a atenção voltada ao homem, que a atraía com seu relógio de pulso caro e seu ar elegante, de traje social e gravata.

“Oi, filha?” perguntou ela, finalmente voltando-se completamente para a filha.

“Cadê o Rafa?” insistiu a jovem.

“Uai…” resmungou a mulher, olhando em volta e girando em torno de si mesma, “ele estava aqui do meu lado agora há pouco…”

Enquanto isso, o rapaz, escondendo suas mangas molhadas, aproximou-se da garota de fones e perguntou-lhe o que ela ouvia, recebendo em troca um mero olhar de desprezo, e ela logo se distanciou, virando os olhos e indo em direção à porta de entrada. Enquanto ele, parado ali, tentava superar o fora que havia acabado de receber, o empresário já caminhava em direção à sala pela qual parecia obcecado, nunca deixando de analisar cada detalhe do ambiente: a tevê desligada no canto, o banheiro feminino com a placa invertida, representando uma mulher de ponta-cabeça, o funcionário silencioso parado ao lado do detector de metais, apenas observando tudo, e aquela porta fechada, sem sinalização alguma. “‘Sala técnica’… que merda é uma ‘sala técnica’?” pensava ele, inconformado em não saber do que se tratava essa tal sala.

“Nossa, mãe! Perdeu o Rafa de novo?” protestou a filha mais velha, revoltada, e saiu a passos duros chamando o garoto e procurando pelo saguão.

Foi só então que os dois idosos dirigiram seus olhares para as demais pessoas, curiosos sobre o que estava acontecendo, enquanto a moça, percorrendo cada canto do saguão, chamava: “Rafa! Rafa! Rafa!” A mulher pegou seu celular e começou a tentar acessar a internet, enquanto a garota de fones aproximou-se da porta e pôs as mãos no vidro, olhando para fora. A senhora, por sua vez, tendo acabado de esfriar seu cappuccino, sequer chegou a bebê-lo, levantou-se imediatamente e começou a aproximar-se da jovem, com seus passos lentos, corcundas e arrastados. Quando a moça viu que a velha vinha em sua direção, foi em sua direção.

“A senhora viu um garotinho?” perguntou, esboçando um sorriso gentil.

“Hein?” indagou a idosa, levando uma mão à orelha.

“A senhora… viu… um garotinho… passar… por aqui?” perguntou novamente, de forma pausada, um pouco mais alto.

“Hã? Cachorrinho?”

“Ela disse garotinho!” exclamou o senhor, olhando para trás, com o jornal ainda aberto em mãos.

“Pinho? Que pinho?”

A jovem levou uma mão à testa e continuou olhando em volta à procura do menino, com ar de preocupação, mas, ainda assim, mantendo sua calma e serenidade visíveis.

“Mas olha… vim te falar que, se aquela mulher lá estiver procurando o filho dela, ele entrou no banheiro!” disse a velha, segurando a moça pelo braço e apontando em direção à mulher.

O senhor balançou a cabeça em decepção, voltando a ler seu jornal. E a jovem, por sua vez, foi a passos apressados até o banheiro masculino, chamando o nome do menino: “Rafa! Rafa!” Enquanto isso, o empresário alcançava a porta da sala misteriosa e tentava abri-la, mas não conseguia, parecia trancada. Ele bateu várias vezes, chamando o guarda, mas não obteve resposta. O rapaz foi até ele, ainda cabisbaixo pelo fora que havia levado, e olhando com preocupação para o assento onde estavam.

“Aí… não é por nada não, mas nossas coisas sumiram”, disse, tímido, cutucando o homem, enquanto este tentava forçar a maçaneta.

O empresário parou e olhou para trás, notando que, de fato, tanto sua maleta quanto a mochila do rapaz haviam desaparecido. Analisou rapidamente o ambiente e notou, por um acaso, que a televisão tampouco continuava em seu lugar, no canto da parede. Voltou os olhos aflitos para a sala de embarque e desembarque, procurando pelo funcionário que lá estava, e este também havia sumido. Lá fora, através da porta que levava à pista de pouso e decolagem, não se podia enxergar qualquer coisa, a escuridão era absoluta. O homem de negócios voltou-se com olhos decididos e respiração pesada para o rapaz, que novamente mordia a manga da blusa, amedrontado.

“Vai procurar nossas coisas! Só pode ter sido aquele funcionário que pegou!” ordenou, aumentando a força com a qual tentava abrir a porta, balançando-a e tentando arrombá-la com investidas de ombro.

“Tá…” disse o jovem, dando dois passos rápidos para longe, mas logo parando e olhando para trás, “mas você vai continuar nessa?”

O homem olhou para ele com uma expressão furiosa. “Eu tenho que abrir isso aqui! Nós precisamos falar com o guarda!” E continuou tentando abrir a porta, afobado, dando chutes e empurrões na estrutura de madeira que, por mais que balançasse, parecia não sofrer qualquer dano.

De repente, enquanto o rapaz passava pelo detector de metal, o empresário tentava um último golpe contra a porta, a mulher xingava por não conseguir acesso à rede, a garota tirava seus fones e o senhor virava a página do caderno de esportes, ouviu-se um grito de pavor vindo do banheiro masculino. Todos correram até lá, exceto o senhor, que apenas virou-se para ver o que estava acontecendo, e a senhora, que se sentou em uma cadeira no bloco de assentos ao lado. A mulher e sua filha mais nova foram as primeiras a chegar, e ouviu-se mais um grito vindo de dentro. Quando, finalmente, o empresário e o rapaz entraram no banheiro, lá estavam as três, procurando incansavelmente pelo menino. A mãe chorava, histérica, xingando, violentamente abrindo as portas das divisórias e culpando a filha mais velha, que apenas se encostou na parede, próxima à entrada, e levou as mãos ao rosto, pensativa. A mais nova, boquiaberta e amedrontada, tentava ajudar a mãe, mas parecia tão confusa que se movimentava devagar, tentando absorver o que havia acontecido.

As luzes do banheiro piscavam, aparentemente prestes a queimar. O empresário aproximou-se da moça de cabelos cacheados e segurou-a pelos ombros com ambas as mãos, olhando-a nos olhos.

“O que aconteceu? Cadê ele?” perguntou, apreensivo.

“Ele sumiu”, respondeu ela, olhando-o com uma expressão triste, porém estranhamente piedosa e, ainda, serena.

O homem engravatado deu dois passos para trás e levou a mão à testa, com os olhos no chão, enquanto o rapaz juntava-se à mãe, desesperadamente procurando nos mesmos lugares incessantemente.

“Que droga! Que droga! Manuela, cadê teu irmão? Desgraça! Cadê esse menino?” exclamava a mulher, exaltada, com as veias do pescoço saltadas e o rosto vermelho, aparentando estar prestes a explodir.

“Mãe, ele sumiu!” disse a mais nova, tentando acalmá-la, de longe.

“Sumiu?” indagou a mulher, aproximando-se da jovem e segurando-a violentamente pelos braços, com olhos insanos. “Ninguém some! Ninguém some do nada!”

“Ei! Calma!” exclamou o empresário, contendo-a.

Então, ela desabou a chorar, com as mãos no rosto, deixando o banheiro. E, finalmente, as lâmpadas apagaram-se de vez. Logo, um por um, todos foram deixando o banheiro, a passos lentos e desanimados, um tanto sem rumo. Mas o homem, decidido, disse que algo precisava ser feito, que o funcionário que estava na sala de embarque havia sumido e que, certamente, seria responsável pelo desaparecimento do garoto. Pegou o celular e começou a vagar pelo saguão, em busca de sinal, quando foi abordado por Manuela, a filha mais velha.

“Ei… que funcionário?” indagou ela, olhando intercaladamente para o homem e para a sala de embarque.

“Quê?” perguntou ele, virando-se para a jovem. “O funcionário que estava parado ali, ao lado do detector de metal! Você não viu?” Seu tom era agressivo, demonstrando uma indignação imensurável por toda a corrente de eventos que sucedia.

“Não… não vi”, respondeu ela, com sua voz calma.

“Não vai funcionar!” exclamou a mãe, de repente, sentada em uma cadeira próxima ao banheiro feminino, ainda aos prantos, ao lado da filha mais nova.

O empresário olhou-a com surpresa. “O que não vai funcionar?” Ele ainda segurava o celular, olhando a cada segundo para a tela.

“Não tem sinal, não tem internet, não tem nada!” berrou a mulher, em desespero, sendo confortada pela garota de cabelo vermelho.

“Droga!” exclamou o homem, jogando o celular no chão e levando as mãos à cintura.

“Ai, meu Deus!” disse Manuela, então, com olhos espantados direcionados para os dois blocos de assentos mais próximos e cutucando o empresário.

“O quê?” indagou ele, virando-se para ela, que estava apontando em direção às cadeiras mais próximas do café, onde os idosos estavam sentados.

O homem voltou-se para a direção apontada e, com a testa franzida e os olhos quase lacrimosos, constatou que ambos haviam também desaparecido.

“Meu Deus! O que tá acontecendo?” indagou-se, esfregando os olhos e analisando o ambiente minuciosamente, já quase desesperançoso.

“Calma! Vai ficar tudo bem”, disse a moça, segurando sua mão.

Ele a olhou nos olhos, por um breve instante, e sentiu que aquilo era certo. Não foi uma sensação que ele soubesse descrever, tampouco que já tivesse sentido algum dia em toda sua vida. Apenas sentiu que o toque de sua mão transcendia a realidade, parecia querer levá-lo para outro lugar, como um estranho déjà-vu. Sentiu-se, pela mísera duração daquele toque, transportado a outro plano, um lugar calmo, pacífico, distante de tudo, como um sonho que já havia sonhado em algum ponto da vida.

Mas, assim que reconheceu o quão esmagadora e transcendente era aquela sensação, tirou a mão imediatamente. Parecia, para ele, que o toque havia durado minutos, mas foi apenas um toque. Ela o olhava com seus olhos castanho-claros de piedade e serenidade, e aquilo, por transmitir algo tão incompreensível, deixava-o assustado. Então, ele retornou à postura de revolta e indignação, franzindo a testa e correndo depressa até a porta da frente. Antes de alcançar a porta automática, no entanto, ouviu o rapaz chamá-lo, de longe.

“Aí! Ou! Cara de gravata!” gritava o jovem, da sala de embarque e desembarque, próximo às enormes portas de vidro, com olhos perdidos.

O empresário virou-se para trás, freando os passos rápidos, e indagou-o com um movimento do queixo.

“Não abre aqui não!” gritou o rapaz, forçando as portas mais uma vez.

“Aí também não abre”, disse a filha mais nova, acariciando os cabelos da mãe, que estava deitada em seu colo, soluçando.

“Como assim, não abre?” perguntou o empresário, aproximando-se da porta automática e tentando forçá-la.

Aproximou o rosto do vidro e notou que, lá fora, a escuridão era absoluta, não se podia enxergar o exterior do saguão. Procurou por qualquer luz, qualquer movimento, e nada, havia apenas um abismo de vazio. Então, tomado por desespero e fúria, decidiu que, tratando-se de uma porta de vidro, dessa vez conseguiria abrir a qualquer custo. Logo, desferiu um forte chute de sola do pé contra o vidro, apenas fazendo a porta balançar violentamente, mas sem sequer trincá-la.

“É à prova de balas, não vai quebrar”, disse a garota, com seu ar de desprezo e tédio.

Ele foi, com passos duros e rápidos, até a jovem e sua mãe, notando que Manuela e o rapaz de traços asiáticos tentavam, juntos, abrir a porta lateral, que ficava logo abaixo de onde o televisor costumava estar, mas tampouco obtinham resultados.

“Vocês vão ficar aí, lamentando o sumiço do menino, ou vão logo procurar no banheiro feminino e neste aeroporto inteiro?” perguntou o homem, exasperado.

“Ai, tá bom!” resmungou a garota, irritada, apoiando a cabeça da mãe no assento almofadado e levantando-se para ir.

O empresário encarou a mãe lamentosa por alguns segundos, com reprovação, sem que ela o notasse, presa na esmagadora culpa de ter perdido seu filhinho sem poder se despedir e sabendo que, na verdade, a culpa foi sua, pois sequer havia notado quando o menino soltou sua mão para ir ao banheiro. Ela se lembrava, só agora, de que o garoto havia insistido inúmeras vezes que queria ir ao banheiro, e ela, firme, negava consistentemente, alegando que o embarque poderia começar a qualquer momento e que não o esperaria. E suas lágrimas escorriam pelo rosto com todo esse peso, drenando-a por dentro. Então, o homem foi até os dois que tentavam abrir a porta lateral, desesperançoso, e disse que já podiam parar de tentar, que essa não seria a solução. Lá fora, pela porta de vidro, nada além de escuridão.

“Então vamos fazer o quê?” indagou o rapaz, em pânico absoluto, com lágrimas nos olhos. Manuela também virou-se para ele, esperando uma solução.

“Nós precisamos conversar sobre o que tá acontecendo, analisar os fatos, chegar a algum consenso. Nada disso parece real, as coisas e as pessoas estão sumindo. O que pode estar causando isso?” disse o homem, ofegante, gesticulando e olhando intercaladamente para os dois jovens.

“O que tá desaparecendo?” perguntou o rapaz, espantado, levando a manga da blusa à boca.

“O qu… como assim, o que tá desaparecendo?” indagou o empresário, exaltado, apontando para o canto da parede onde estava o televisor. Os jovens olharam-no com expressão de confusão, e então olharam-se entre si. “Vocês também não viram a TV que estava aqui? Sério? Que ótimo!” esbravejou ele, com as mãos na cintura, balançando a cabeça e virando-se para trás, sem saber o que fazer.

Foi então que, para sua absoluta surpresa, deparou-se com uma cena incompreensível que o deixou definitivamente perplexo. O relógio não estava mais lá, a tela de chamadas de voos tampouco, e, no lugar dos banheiros, havia apenas uma parede comum, tão sólida e uniforme quanto as demais. A mulher estava sentada em posição ereta na mesma cadeira onde, havia poucos segundos, estava deitada. O empresário correu até a suposta entrada do banheiro feminino, em desespero, gritando: “Não! Não!” Os dois jovens foram até ele, preocupados, e a mulher virou-se e olhou-o com o desprezo de um olhar que dirigiria a um louco, logo voltando a folhear as páginas de uma versão de bolso da obra “O corvo”, de Edgar Allan Poe.

O homem batia revoltosamente contra a parede, gritando e suplicando por explicações, com os nervos à flor da pele e os olhos lacrimosos. “Por quê? O que é isso? Deus do céu! Por que isso tá acontecendo? Cadê a porta? Cadê?”

“Ei, calma! Vai ficar tudo bem!” disse Manuela, repousando a mão sobre seu ombro, ainda com a mesma calma e serenidade de antes. Ele se virou para trás e constatou que seus olhos ainda emitiam a mesma piedade.

“Por que você fala que vai ficar tudo bem? Hã? Cadê a porta do banheiro onde a SUA irmã entrou? Cadê? Me fala!” berrou o homem, completamente descontrolado.

“Aí… fica calmo, velho!” disse o rapaz, aproximando-se, ao que a moça apenas o afastou e sinalizou que resolveria a situação por conta própria.

“Olha… eu não sei de onde você pensa que me conhece, mas não tenho uma irmã”, explicou ela, calma e pausadamente, tentando confortá-lo.

“O quê? Você… você vai falar, agora, que não tem irmã?” indagou ele, furioso, de punhos fechados, mas tentando conter-se, andando de um lado pro outro. “Você jura pra mim que não conhece uma garota de cabelo vermelho bem curto, cheia de piercings, vestindo jaqueta de couro… a garota que ESTAVA AQUI, COM SUA MÃE, AGORA HÁ POUCO?” perguntou, agressivamente, apontando para a mulher.

“Você tá louco, é? Isso é jeito de falar com a minha filha?” disse a mãe, indignada, levantando-se e vindo em direção ao homem, com o livro fechado, mas marcando a página com o indicador. Enquanto isso, ele apenas respirava fundo, fechando os olhos, encostando-se naquela mesma parede e rezando para que, quando os abrisse novamente, aquele pesadelo tivesse fim.

“Calma, mãe! Deixa que eu cuido disso!”

“Isso não é hora de querer ser pacifista, Manuela! Esse homem tá pensando o quê?”

Nesse instante, o empresário abriu os olhos e viu, por cima do ombro de Manuela, que a porta da misteriosa sala técnica havia, também, dado lugar a uma sólida parede, como se nunca houvesse existido. Ele socou a parede com grande força e saiu dali, furioso com tudo que acontecia, mas, agora, também consigo mesmo, por acreditar que estava ficando louco. Levou as mãos à cabeça passou os dedos pelo cabelo, evitando analisar o ambiente para não notar novas mudanças e piorar seu pânico. Então, foi alcançado pela jovem, que parou a um metro de distância.

“Olha… eu só quero ajudar”, explicou ela, mostrando as mãos. “Me conta o que tá acontecendo, o que você tá sentindo.”

O empresário virou-se para ela, com um sorriso louco, negando com a cabeça e olhando para o chão, enquanto levava as mãos aos bolsos. “É estranho ter que te contar o que tá acontecendo, sabe? Porque, agora mesmo, você estava tão desesperada quanto eu, após notar que seu irmãozinho, o Rafa, desapareceu, do nada, no banheiro masculino”, disse, e então encarou-a direto nos olhos.

Manuela levou a mão até a boca, reflexiva, olhando-o de volta. “Eu também não tenho um irmão, senhor”, revelou, com um tom ainda mais piedoso.

“Ok. Tudo bem. Mas vamos à parte racional da coisa. Você vê que não existem banheiros aqui, não vê? Por que não existem banheiros no saguão de um aeroporto?” indagou ele, em tom irônico, de braços abertos. “Ou vocês estão todos sofrendo lapsos de memória, ou eu tô louco. Completamente louco!” afirmou, ainda encarando a jovem.

Ela olhou em volta e constatou que, de fato, era estranho não haver banheiros no saguão do aeroporto. Então, voltou-se para ele. “Isso é realmente estranho… não sei como não tinha pensado nisso antes…” refletiu em voz alta, com a testa franzida, olhando para o chão.

De repente, as luzes do saguão todo começaram a piscar, em intervalos variados, e então o homem sentiu uma estranha náusea, logo tendo que se sentar em uma cadeira próxima, em um dos blocos de assentos da parte esquerda do saguão, de frente para o café. Mas Manuela quis continuar a discussão, pretendendo chegar a uma explicação do que ocorria ou a uma possível solução.

“Você disse que algumas coisas sumiram… o que mais sumiu?” quis saber ela, sentando-se no assento ao lado, com um ar simultaneamente preocupado e acolhedor.

“Muitas coisas: o relógio enorme que marcava as horas no centro do saguão, a televisão no canto da parede, o funcionário da sala de embarque, a tela de chamadas de voos… onde já se viu um aeroporto sem tabela de voos? Isso não faz nenhum sentido!” explicou ele, já um tanto mais calmo, porém desanimado, desiludido. “E, pra começar, não tem nenhum funcionário aqui, não tem ninguém chegando, não tem som de aviões pousando e decolando… você vê algum sentido nisso, Manuela? Olha pra mim e me diz”, suplicou ele, com olhos tristes e derrotados.

“Não…” respondeu ela, compreensiva, afagando seu ombro, “nada disso faz sentido. Eu também não sei o que tá acontecendo. Mas nós podemos descobrir isso juntos, que tal?” Seus olhos propositores brilhavam e emitiam uma energia tão positiva e pacífica para o pobre empresário, que, em questão de segundos, ele já se sentia mais esperançoso e disposto a enfrentar aquilo, o que quer que fosse. Mas as náuseas só pioravam.

Levantou-se devagar, sentindo uma ânsia progressivamente maior, e, quando olhou para trás, deparou-se com o rapaz acanhado em um canto de paredes sólidas e uniformes, onde, uma vez, houve uma porta de vidro que dava acesso à lateral externa do saguão. Todos os lados da direita do saguão haviam transformado-se em paredes planas, incluindo a entrada, o balcão de check-in e a entrada para a sala de embarque, que simplesmente não estavam mais lá, bem como todos os assentos daquele lado do saguão e as fitas que delimitavam o espaço para filas. Próximo ao rapaz havia uma grande estrutura incógnita flamejante, como uma bola de fogo imóvel, e as luzes do ambiente pareciam cada vez mais próximas de apagarem-se.

“Vem!” chamou Manuela, puxando o empresário pela mão e indo depressa em direção ao rapaz, que chorava e mordia as mangas da blusa, encurralado pelas chamas.

Os dois pararam do outro lado das chamas. Ele, o homem de negócios, olhava em volta, completamente chocado com a forma como tudo havia se transformado ao seu redor: as paredes homogêneas, a ausência de detalhes, as luzes piscando, as pessoas que desapareceram. Tudo estava tão irreconhecível para ele que, por alguns momentos de frações de segundos, ele parecia nem lembrar de onde estava, seu propósito ali ou o que havia acontecido. E ficou girando em torno de si, lentamente, pasmado e, de certa forma, maravilhado, ao som do pranto descontrolado do rapaz, que temia as chamas.

“Aí…” chamou este, aos soluços, “onde a gente tá?” Seus olhos estavam fixos na bola de fogo, refletindo as labaredas dançantes à sua frente.

“Eu não sei”, respondeu o empresário, somente agora notando que, de fato, algumas informações escapavam de sua mente, aos poucos.

Então, Manuela olhou-o mais uma vez com seu olhar de piedade e calma, segurando sua mão apenas pelos dedos. O homem devolveu-lhe um curto sorriso labial e tentou aproximar seus dedos da mão da jovem, mas, por algum motivo, não conseguia. Ele tentava buscar, através dos olhos da moça, as informações que sentia fluindo para fora. Tentou lembrar-se: “Aonde eu ia? De onde eu vinha? Onde eu estava? Onde eu estou? Qual meu propósito?” Mas falhou. Todas as perguntas pareciam enigmas insolucionáveis, um quebra-cabeças cujas peças iam desfazendo-se como areia, esvaindo-se na imensidão. E, finalmente, parecia que estava tudo bem, que aquelas respostas não eram necessárias, que a verdadeira paz encontrava-se no eco das perguntas não respondidas.

Ele escutou o crocitar de um corvo atrás de si e, quando virou-se, vislumbrou a ave negra descendo em seu voo majestoso e pousando bem no centro do saguão. O lado esquerdo também já estava completamente homogêneo, sem portas, relevos, detalhes, apenas paredes idênticas umas às outras. As luzes, ainda piscando, revelavam a ave em uma posição fixa, encarando-o com olhos soberanos, e a cena manteve-se estática, assim, por cerca de cinco segundos, com os dedos de Manuela ainda tocando os dedos do empresário, que estava pronto para aceitar o que viesse.

De repente, o ambiente todo começou a tremer, a balançar, e as paredes começaram a trincar-se. Manuela olhou para trás, e viu o rapaz, que estava agachado no canto, começar a ser arrastado em direção a eles, a cerca de dez centímetros do chão, como se lhe faltasse gravidade. O corvo levantou seu voo em direção à parede onde havia o café, que começou a gradativamente desfazer-se, transformando-se em centenas de fragmentos que eram sugados para a escuridão. Os três sobreviventes começaram a ser, também, puxados para fora, enquanto a estrutura toda cedia inversamente, caindo para cima, em direção ao céu noturno cheio de estrelas. O piso era arrancado do chão, e a imensa bola de fogo passou por eles como um cometa, ao lado do empresário, também escapando do ambiente que se desintegrava. Eles começaram a voar e a distanciarem-se uns dos outros, sendo magnetizados pelo céu, e, finalmente, o empresário conseguia enxergar as luzes da cidade, enquanto viajava livre pelo ar. Aos poucos, ele não mais conseguia distinguir a queda da ascensão, apenas flutuava entre fragmentos e chamas, em meio à escuridão, e seus olhos fecharam-se, sentindo o vento acariciar seu corpo e o coração batendo em ritmos alternados.

Quando abriu os olhos, viu o próprio braço estendido na grama, e os dedos em contato com os dedos de uma bela jovem de cachos longos e grandes olhos castanho-claros, presa debaixo de uma enorme placa metálica, que esmagava seu corpo da cintura para baixo. Ele não podia sentir grande parte do corpo, nem mesmo virar-se para analisar o ambiente, apenas enxergava, em sua visão periférica, o que parecia ser uma chuva de estrelas-cadentes ao seu redor, e era graças às chamas que os cercavam que ele podia enxergar qualquer coisa, na escuridão noturna. Ela tinha uma fina corrente de sangue escapando pelo canto da boca, mas um sutil sorriso labial, além de um olhar piedoso, pacífico e sereno. Com muita dificuldade, esforçou-se para abrir a boca e falar.

“Prazer… meu nome… é Manuela…” balbuciou, acariciando os dedos do homem com movimentos curtos e leves, enquanto abria um pouco mais seu sorriso. “Vai… ficar… tudo… bem…” disse, apertando sutilmente seus dedos. Mas ele não pôde retribuir o sorriso, nem mesmo as palavras.

Tudo ficou claro, então, enquanto sua memória fazia uma última retrospectiva do que ainda guardava, antes de escoar completamente pelo crânio aberto: a chegada no aeroporto, cumprimentando o guarda grosseiro que não respondeu; a espera no saguão, vendo uma mãe deixar sua filha adolescente cuidando das bagagens de mão para levar o filhinho no banheiro; o senhor que folheava as páginas do caderno de esportes do jornal; a senhora que jamais terminava de esfriar seu cappuccino; a misteriosa sala de onde funcionários entravam e saíam o tempo todo; o avião que surpreendentemente não atrasou; o funcionário do detector de metal e seu olhar estático; o embarque; o rapaz de traços orientais com medo de voar, mordendo as mangas da blusa por ansiedade; a turbulência; as máscaras de oxigênio; o avião partindo-se em pleno ar; o olhar de Manuela.

E então, a escuridão.


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Notas finais do capítulo

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