De manhã, tudo parecia mais tranquilo. Marie Anne gostava das manhãs. Era sua parte preferida no dia. Com o passar das horas, o peso em seus ombros a afundava na depressão. De noite era quase insuportável. Fazia algum tempo que já estava longe de Gerard. Tinham se separado a quase um ano, e, apesar de aquela noite em que viu ele com outra ter sido a um bom tempo, permanecia na memória de Marie como se tivesse sido ontem.
Neste dia em particular, Marie Anne acordou com o coração apertado. Não sabia o que estava deixando ela assim. Estava se sentindo estranha. Tomou o café da manhã tranquilamente, porque tinha acordado um pouco mais cedo. Pegou suas coisas e se encaminhou para o trabalho, mas, sem saber porque, tomou um caminho diferente. Geralmente ía andando para lá, pois morava a poucas quadras. Entrou em uma rua que não conhecia, e enquanto caminhava se entretia com as vitrines. Quando ía atravessar para o outro lado da rua, paralizou. Gerard estava lá, com ela. Mais uma vez ela foi incapaz de se mexer. Não foi até ele, e nem se escondeu para que não a visse. Simplesmente ficou parada, olhando para ele. Reparou que havia um brilho dourado na mão direita de Gerard, e na dela também. Estavam noivos. Aquilo foi como se uma bomba tivesse explodido no coração de Marie Anne. E neste momento ela perdeu seu coração. Nunca mais sentiria amor, compaixão ou ódio. Era incapaz de tais sentimentos. O sofrimento que ele a fez passar acabara com qualquer sensibilidade que houvesse em sua alma. Naquele momento, Marie Anne Lindenberg estava morta. E não voltaria a viver. Havia um corpo ali, que se movia e pensava, mas não tinha ninguém dentro. Ainda permanecia ali, parada, mas não mais pelo choque do que vira. Estava reformulando sua vida inteira. Precisava pensar. Não ía mais deixar que ninguém a ferisse. Se não se apaixonasse, não correria o risco de sofrer. Então tomou uma resolução que mudaria seu estilo de vida radicalmente. Só se envolveria com alguém se isso lhe trouxesse algum tipo de vantagem. Usaria quem quer que fosse, até ficar satisfeita, e depois jogaria fora. Todos os homens eram Gerard, e todos mereciam ser tratados como tal.
Um sorriso cruel tomou conta do rosto de Marie, e ela caminhou até Gerard. Passou por ele como se não o tivesse visto, como se fosse invisível. E era. Gerard era apenas mais um rosto na multidão. Era apenas mais um. Foi até seu trabalho e cumpriu seu horário como se nada tivesse acontecido. No final da tarde, foi até uma cafeteria para relaxar. Estava tão tensa que estava começando a ficar trêmula. Sentou a uma mesa isolada e pediu um café bem forte. Pegou uma revista que havia em cima da mesa para ler, então sentiu que havia alguém se aproximando. Fingiu não notar, até que a pessoa em questão se sentou na cadeira de frente para ela. Seja lá quem fosse, não importava. Marie Anne não estava nem ligando.
- Se importa que eu sente aqui ?
Marie: Sinceramente, eu não estou nem aí.
- Será que eu poderia ...
Marie: Não.
- Mas você nem sabe o que eu ía falar.
Marie: Não.
- Eh...
Marie: Olha só, se você quiser ficar sentado aí, tudo bem. Mas não fale comigo.
- Tá bem ...
Marie não ouviu mais nenhuma palavra do rapaz que estava sentado junto a ela. Mas tinha a incômoda sensação de que ele estava a olhando. Fechou a revista e olhou para ele.
Marie: O que é que você está olhando tanto ?
- Você. É bonita, parece ser muito inteligente e bem sucedida. E mesmo assim parece ser a pessoa mais triste do mundo.
Marie: Não estou triste. Também não estou pulando de alegria, mas não estou triste ...
- Quem foi que fez isso a você ?
Marie: Me fez o que ???
- Te deixou assim, com o coração partido.
Marie: Meu coração não está partido. Não está mais. Pra falar a verdade, nem sei se ainda tenho um coração para ser partido.
- Então é pior do que eu imaginava.
Marie: Eu estou bem. Será que você pode me deixar sozinha agora ?
- Não.
Marie: O que ??? Como assim "Não" ?
- Não posso, agora já me envolvi. Seria cruel da minha parte te deixar sozinha nesse estado.
Marie: Mas do que é que você está falando ??? Eu já disse que estou bem.
- Tá, se você me disser que está bem mais uma vez, aí sim é que eu não vou acreditar.
Marie: Tá bom então. FICA AÍ SE QUISER.
- Eu vou ficar, pode deixar !!!
Marie: Ótimo, só fica quieto.
- Eu vou ficar.
Marie: Acho bom !
Marie Anne tentou voltar a ler a revista, mas tinha perdido totalmente a concentração. Aquele cara estava tirando ela do sério. Não por estar ali, mas por saber tanto sobre ela apenas em olhar. Como ela podia ser tão transparente assim ? Como ele podia saber o que estava acontecendo com ela ? Desistiu de ler e encarou o rapaz.
Marie: Não pense que você me conhece. Você não sabe quem eu sou e não sabe o que eu passei.
- Eu não preciso saber. Só que eu sei o que ocasionou. Eu já passei por isso também. E fiz a mesma coisa que você. E sabe o que isso me trouxe ? Mais dor do que eu tinha sentido quando me apaixonei.
Marie: Obrigada pelo aviso, mas eu sei o que estou fazendo.
- No final, você só vai chegar a mesma conclusão que eu cheguei. Que essa "caçada" para destruir quem te fez sofrer, só vai acabar com você. É um sofrimento desnecessário.
Marie: Se eu ficar parada, sem fazer nada, eu vou sofrer muito mais. Estou tentando me livrar dele faz mais de um ano, e não consigo esquecer.
- Então mude, mas não para uma jornada alto destrutiva. Procure uma saída. Se liberte das memórias ruins que te fazem sofrer.
Marie: Não é tão fácil. Ele está sempre por aí, vai sempre voltar a minha cabeça.
- Não se você não quiser. Só você é capaz de superar. Mas se você não tentar, vai acabar só,no sofrimento.
Marie: Quem é você afinal ?
- Ah claro, desculpe, esqueci de me apresentar. Meu nome é...