Felizes para sempre? Alternativo escrita por Zangada


Capítulo 6
Capitulo 6 - O nome dela é Scarlett.




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Denise abre o guia Londres de A a Z e vê o mapa de novo. Deixou Anitta com a Tia Isabela na casa de South Kensington, acompanhadas de uma garrafa de Soave já na metade e beliscando azeitonas recheadas. Está claro de qual parte da família vem o lado selvagem de Anitta. Apesar de ter o dobro da idade dela, Tia Isabella ainda tem cabelo e temperamento espirocado, como sua sobrinha. É a irmã do pai de Anitta, Alexandro, que abandonou a família quando ela tinha dez anos de idade, para fugir com uma mulher mais nova. Tia Isabella, uma editora de revistas, tomou para si a figura paterna da vida da sobrinha e nunca perdeu o contato com ela, mesmo morando em Londres. Tem a mesma exuberância sexual que Anitta — e a mesma assertividade brutal. Já interrogou Denise a respeito de suas fotografias eróticas, insistindo para ver seu trabalho na tela do computador. Aparentemente, ficou encantada com as fotos de nu de sua própria sobrinha e quis saber se considerava que esse trabalho tinha um lado que explorava as mulheres. Sua última pergunta a incomodou:

— E o que sua mãe acha das suas fotos?

Denise deixou bem claro que não mostrou seu trabalho para sua mãe e que não pretende fazê-lo. Tia Isabella não respondeu nada, mas arqueou as sobrancelhas, surpresa. Denise sabe que Tia Isabella e sua mãe foram boas amigas quando ambas moravam em Milão nos anos sessenta e setenta. O apreço entusiasta de Tia Isabella faz Denise se perguntar sobre o que sua mãe acharia de sua exposição em Londres. Não se deu ao trabalho de contar para ela.

A chuva parou e a luz começa a cair enquanto Denise percorre as ruas úmidas. Então, este é o Soho. Não é como ela imaginava. Estava esperando sex shops escancarados e casas de peep shows, mas tudo o que vê são cafés descolados, alfaiatarias, bistrozinhos e galerias. Ainda assim, sente um ar de criatividade e energia que a atrai. É como um pequeno labirinto. Fica andando em círculos até encontrar a Rua Lexington. A galeria fica no final da rua. Dá uma olhada em seu relógio: são seis da tarde. Perfeitamente em ponto. Toca a campainha e espera alguns minutos até o interfone responder.

— Denise Stoltz, para Kristen Shaw.

A porta é destravada e Denise entra. Passa por uma recepção deserta e vai até um grande espaço da galeria, um salão quadrado todo branco. Vê que a exposição está em processo de montagem. Há uma escada encostada em uma parede vazia, enquanto a parede ao lado já tem quadros pendurados. Dois refletores estão posicionados para iluminar as imagens. Anda pelo espaço, analisando os outros trabalhos. A mostra parece ter cerca de dez artistas, cada um expondo seis obras. Vê suas fotografias empilhadas ao lado de uma parede distante. Também há uma mesa comprida no outro lado da sala, coberta de fotos. Onde estão todos?

Abaixa-se e começa a verificar suas fotos. Denise acha que a galeria fez uma seleção bem aleatória de seu trabalho. Há dois retratos da nova amiga de Denise, a dançarina Sabrina, com a amiga dela, Rosa. Um mostra Sabrina na ponta dos pés, a perna esticada para trás, em posição de arabesco, sendo acariciada por Rosa, e a outra é das duas juntas, presas por uma echarpe antiga, enquanto uma masturba a outra. Há uma de suas primeiras composições fotográficas eróticas: um autorretrato nu, em tom de sépia, mostrando seu corpo refletido em um canal veneziano. E há três trabalhos mais recentes. Um foi inspirado em Leticia. É o close de uma bunda, a de Sabrina, sobre a qual pingam gotas de cera de vela, o sexo visível. As duas últimas fotos são de Anitta e Mike. Uma é um close preto e branco do rosto de Anitta com o pau de Mike na boca, e a outra é de Mike, que segura os seios e beija um dos mamilos da parceira. São simples, mas impressionam pela força da exibição explícita. Denise sabe que algumas pessoas vão classificar suas fotos de pornografia. Em sua opinião, não há negação da beleza: a exposição crua de seus objetos de desejo, da necessidade implícita neles retratada como pura estética. Não são apenas corpos nus e sexo. É poético, é indescritível.

Denise acredita que todos aqueles que criticam o que ela e seus colegas fotógrafos estão fazendo têm medo.

Todos têm um lado sombrio. Todos têm desejos obscuros. Ela tem certeza disso. Folheia as fotos novamente. Tem a sensação de que falta algo na seleção, mas não consegue indicar o quê. Escuta a risada de uma mulher e passos se aproximando. Nota outra porta de frente para a recepção, que revela outro espaço da galeria. Uma luz pisca e há duas mulheres nessa sala. A primeira a falar é alta, esbelta, com cabelos pretos muito compridos. Está usando um vestido de seda reto e sem mangas de cor marrom e Denise não consegue deixar de notar seus braços magérrimos e os ombros ossudos.

— Denise? — a mulher diz, vindo em sua direção. — Sou Kristen Shaw. Muito prazer em conhecê-la — ela tem um leve sotaque americano. Kristen estende a mão, mas Denise só olha para ela de relance enquanto se cumprimentam. Está completamente distraída pela outra mulher presente na sala, pois a companheira de Kristen parece ter acabado de sair de uma performance de uma casa de fetiche. A mulher tem os cabelos loiros, com grandes ondas, estilo Marily Monroe, só que mais volumosos. A pele é perfeita, mais clara que a de Denise, com olhos de um azul profundo, emoldurados por um traço de delineador grosso e cílios postiços. Seus lábios perfeitamente pink combinam com a roupa. Está vestindo um bustiê de cor fúcsia com fitas pretas traçadas em toda a parte da frente e uma saia combinando, justa nos quadris e nas coxas. Tem um corpo de violão: seios fartos, cinturinha fina e bumbum redondo. Para completar o look, está usando luvas pink até o cotovelo, meia-calça arrastão e um par de sapatos de salto stiletto, no mesmo tom das luvas. Carrega uma bolsinha também pink com alça de corrente. O visual está chamativo, tipo femme fatale. Denise faz de tudo para não a encarar, mas não consegue.

— Denise — Kristen diz — Gostaria de apresentá-la a uma de nossas expositoras, Scarlett Chappell. Scarlett, essa é Denise Stoltz.

Scarlett se vira e estende a mão.

— É um grande prazer conhecê-la — diz com sotaque inglês perfeito. Sua voz não corresponde à aparência de anos cinquenta de Hollywood. — Ouvi muito a seu respeito — pisca os cílios postiços. — Adoro suas fotos.

— Obrigada — Denise balbucia, tentando imaginar que tipo de fotos Scarlett faz.

— Scarlett é uma das dançarinas burlescas mais famosas de Londres — Kristen explica para Denise.

— Não sou bem uma fotógrafa como você — Scarlett diz para Denise. — Nem acredito que o meu trabalho foi escolhido.

— Bom, você é a estrela do seu próprio show, não é? Claro que haverá interesse pelo seu trabalho artístico, especialmente se levarmos em consideração a sua herança — Kristen a lisonjeia.

Denise se pergunta o que Kristen Shaw queria dizer com isso. O que pode ser a herança de uma artista burlesca?

— Eu achava que não teria chance, mas minha namorada me convenceu a enviar as fotos e, sobretudo, o vídeo — continua Scarlett.

— Ainda bem, é um registro memorável — Kristen diz. — Não só fascinante do ponto de vista histórico, mas também do erótico.

Scarlett vira-se para Denise:

— Acho que devo explicar. Meu avô era colecionador de arte, especializado em erotismo. Ele possuía alguns filmes eróticos rodados em Paris no final dos anos quarenta e incorporei essas filmagens ao meu trabalho artístico.

— É muito interessante — Kristen diz para Denise. — Não temos a projeção do filme ainda, mas você gostaria de dar uma olhada nas fotos de Scarlett?

— Seria maravilhoso saber sua opinião — Scarlett complementa. — Sou grande fã do seu trabalho.

— Lógico — Denise balança a cabeça, estupefata com as duas mulheres.Scarlett a leva para o outro lado da galeria, onde há aquela mesa comprida com fotografias emolduradas.

— Estávamos falando sobre elas — Kristen diz — Tentando decidir onde as pendurar.

Denise observa as fotos de Scarlett. Todas são autorretratos. Tem que admitir que são incríveis. A primeira imagem é de Scarlett deitada de lado, usando um vestido de cor violeta, botas de cadarço de cano longo pretas — até as coxas — e meias sete oitavos rendadas. Seus cabelos loiros estão soltos e os lábios cor de ameixa combinam com o vestido. Apenas um pedaço do bumbum está à mostra na foto. Na segunda imagem, Scarlett está toda de preto. É um close dela se olhando no espelho, segurando a câmera, com um guarda-chuva oriental cobrindo parte de seu rosto. Só a parte de cima dos seios pode ser vista e os mamilos passam através das fendas da roupa S&M de látex. A terceira foto traz o corpo inteiro de Scarlett refletido contra um espelho. Está deitada sobre uma pilha de almofadas de seda branca e calça um par de mules de saltinho adornados com pérolas. Os pés estão juntos e a base dos sapatos toca o espelho. Suas pernas fazem um arco nos joelhos, que estão virados para fora, refletindo o restante do corpo no espelho: os seios nus, os lábios contraídos e o olho esquerdo fechado para tirar a foto. Apesar de suas pernas estarem abertas, ela não está completamente exposta porque um lenço de chiffon lilás recai sobre elas, ocultando seu sexo.

— É a minha favorita — diz Scarlett quando Denise pega a foto para examinar.

— Acho que é um pouco mais sutil do que as outras. As outras três fotos são ainda mais gráficas. Uma mostra Scarlett iluminada por três arcos de luz, posicionados de forma triangular ao redor dela. Está de joelhos, girando a câmera para tirar a foto. Seu cabelo está solto, caindo sobre o rosto como um véu loiro, mas deixando à mostra seus lábios entreabertos e seus olhos fechados.

Em outra composição preto e branco, ela está deitada de costas sobre faixas de seda preta,olhando para um espelho, pernas com meias sete oitavos arrastão cruzadas, mostrando apenas seus lábios vaginais abertos.

— Ah, essa é a minha favorita — diz Kristen, pegando a última foto, para surpresa de Denise.

Obviamente, a americana não é tão recatada quanto parece. Dizer que a foto é confrontadora seria um equívoco. Scarlett está deitada de costas, as pernas estão para cima, envoltas em meias cor de pérola — quase o mesmo tom de sua pele —, e seu bumbum está voltado para o espelho.

A não ser pelas meias, Scarlett está completamente nua. Sua cabeça está inclinada para a direita e olhando para o espelho, vigiando o observador, e a câmera está equilibrada em seu braço estendido, de modo que ela pode colocar tudo na foto. Está totalmente exposta.

— São ótimas — Denise diz.

Scarlett parece verdadeiramente agradecida.

— Mesmo? Significa muito para mim — ela diz.

— Bom, mas não sou experiente em arte erótica…

— Sim, mas você vem de uma família tão famosa… Sua mãe é um ícone!

Denise endurece com a menção ao nome de Tina Stoltz.

— Senhoritas, devíamos estourar uma garrafa de espumante — diz Kristen, corada. — Se me ajudarem, poderia decidir onde pendurar tudo. Você tem tempo, Scarlett?

— Eu me apresento hoje à noite — Scarlett diz — Mas será bem mais tarde. E é no final dessa rua. Posso ligar pra minha namorada vir me buscar.

— Ótimo. E você, Denise? Tem um pouco de tempo livre? — Kristen ainda segura a foto de

Scarlett enquanto fala. As pernas nuas da dançarina brilham sob a luz da lâmpada atrás delas.

— Claro — Denise se vê dizendo. — Não tenho planos.

Tem certeza de que, nesse momento, Anitta e Tia Isabella já deram a largada em uma noite de bebedeira e lembranças de velhas histórias. Denise fica feliz em se ver livre disso. Não quer ter que escutar Tia Isabella entretendo-as com histórias de como ela e a mãe de Denise se divertiam nos anos sessenta e setenta.


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