Nesperim - A Irmandade Fantasma escrita por L S Gabriel


Capítulo 13
Capítulo 11 - Pânico na Fábrica de Caixões




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Não muito longe do centro de Renascidos e quase entrando no subúrbio sul, há uma grande fábrica de caixões. Atualmente abandonada pelo dono e seus funcionários, que não se atrevem a nunca mais dar um passo além dos portões... Por quê?... Bom, tudo começou com o misterioso assassinato de um vigia noturno enquanto estava em serviço. Pobre homem – o cadáver estava gélido e pálido, estampando uma expressa sofrida como se tivesse assistido a morte levá-lo lentamente. Viaturas policiais logo interditaram a fábrica naquela manhã. E aqui jaz o resultado – que não foi divulgado à população. Nada incriminador foi encontrado! Nenhuma pista, um vestígio, rastro, ao menos uma digital no corpo vitimado ou dentre a fábrica. Nada. Na verdade, nem mesmo as câmeras de segurança dos corredores captaram algo que não fosse o vigia vagando pelos setores tranquilamente, antes de desaparecer de repente – por volta de umas quatro da manhã –, e só ser visto apenas como um cadáver embranquecido no dia seguinte.

Por falta de provas “sensatas”, o caso então foi arquivado, e a fábrica voltou aos negócios.

Dias depois, começaram a haver casos ainda mais estranhos: vozes faladas por ninguém, lâmpadas que apagavam e reacendiam sozinhas, vidraças que se rachavam até quebrar, e maus-pressentimentos dando calafrios quase que insuportáveis em todos ali dentro, do início ao fim do expediente. Após algumas demissões e licenças médicas e psiquiátricas, tudo então parecia estar relevante aos funcionários. Mas não esperavam o pior. Treze dias depois, e sete funcionários ficaram misteriosamente trancafiados no banheiro, no fim do expediente. As testemunhas que conseguiam superar o pavor e falar, afirmaram que a porta se fechou por espontânea vontade com o estrondo de um trovão. Tentaram arrombá-la repetidas vezes de ambos os lados, enquanto os sete funcionários gritavam desesperadamente por liberdade. Mas de repente mudaram para berros apavorados e altamente sofridos. A porta continuava resistindo vigorosamente e sem fraquejar à série de pancadas; e, no fim, só restou aos colegas acompanharem desesperados os gemidos chorosos que soavam alto além da porta. Quando o dono desceu apressado, e uma multidão assistia aflita ao redor, a porta se abriu, outra vez, por vontade própria. Mas já era tarde demais. O sangue pintava às paredes e no piso, os cadáveres mutilados estavam atirados no chão, e marcas de mãos avermelhadas carimbavam tudo por onde as vítimas corriam enquanto eram violentadas; principalmente diante os espelhos... Quase todos eles... Exceto um: o do meio – o que estava escrito a dedo fino e sangue: “Do inferno para vocês, basta apenas que seja feita a minha vontade. Amém...”.

Incógnitos, os três corpos sombreados – cujos vieram perfurando o mar repentino, extenso e fosco de nuvens cinzentas – pousam rapidamente diante o precipício do terraço de um condomínio, que dá vista a um largo e assombroso edifício. Parece ser uma fábrica. Os Servos voltam a ser de carne e osso, ressurgindo dentre as sombras esfumaçadas.

– Chegamos! – informa Nervan.

Nesse mesmo instante, um mau-pressentimento alfineta vossas calmas e impregna na pele, que sofre gélidos e fortes arrepios. A falta total de iluminação, porém, não esconde bem o letreiro ao ponto de impedir Bernardi de decifrá-lo.

– Descanse em Paz... – lê antes de claramente espantar-se. – Um momento, essa é a fábrica de caixões que estava em todos os noticiários há poucos dias? A qual teve oito mortes? Não acredito que ainda não encontraram o assassino.

– Não encontraram porque o assassino ainda continua na fábrica – revela Anna, os olhos estudando cada milímetro do edifício.

– Naturalmente Espectros caçam vidas enquanto vagam pela noite – começa Nervan –, mas há momentos em que eles se confortam e possuem parcialmente corpos vivos ou ambientes. É isso que nós chamamos de Encosto. Independente de tempo, qualquer Encosto pode ser destruído; porém há uma diferença. Em corpos vivos são necessários um Ritual para expulsar o invasor. Nomeamo-nos como Exorcismo, por ter o mesmo objetivo ao feito pelos Mortais. Contudo, mesmo se não feito, após um tempo o Espectro acaba deixando o hospedeiro, pois duas almas não podem habitar o mesmo corpo por muito tempo. Há outros fatores também, mas eles não vêm ao caso agora. Enfim. Quanto aos Encostos em ambientes como essa fábrica, o Espectro pode assombrá-la e reinar por quanto tempo desejar ou até ser destruído.

– Que é o que nós viemos fazer – completa Anna.

– Portanto, deixemos de perder tempo. Vamos.

Ambos escondem o rosto atrás do capuz pontudo, e as mãos nas luvas escuras que tiraram do bolso.

– Bernardi coloque o capuz e as luvas – ordena Nervan. – Somos secretos, esqueceu?! Não podemos deixar digitais ou o rosto à mostra.

Ele também as trouxe no bolso – um hábito criado graças ao fato de sempre usá-las durante o dia. Todavia, dessa vez, apenas cobre à esquerda. Não vê necessidade quanto à direita, pois o cristal encobre as digitais.

Agora, estranhamente, os irmãos Edwart tateiam as orelhas sob o capuz. Nervan puxa algo do bolso e arremessa para Bernardi, que consegue apanhá-lo no ar. É um simples rádio comunicador, acompanhado por um único fone de ouvido embutido a uma caixinha preta, semelhante a um aparelho para deficientes auditivos.

– O que é isso, Nervan?

– Uma coisa que usamos em casos especiais como o de hoje. Provavelmente você precisará de ajuda; não é possível mandar mensagens telepáticas a longa distância, e nem é prudente mandar a curta distância, se não quiser se distrair e acabar com a cabeça decepada. Portanto, encaixe esse fone e prenda a aba atrás da orelha. O botão é o comunicador. Se precisar de ajuda, aperte-o e então receberemos o sinal.

Finalmente preparados, saltam flutuando verticalmente, ultrapassando o grande portão a céu aberto que dá acesso à garagem. Começam a rigorosa e atenta caçada pelo estacionamento, onde apenas encontram alguns caminhões empoeirados, porém novos, mas que ninguém teve coragem de buscar. Nada anormal no estacionamento, além da sensação de mau-olhado que os acompanha aonde quer que vão. Satisfeitos, decidem continuar a procura dentro do prédio, e a primeira porta que tomam, conduzem-nos a um vasto setor – o de descarregamento, segundo uma plaquinha ladeada à porta. Totalmente tomado pela escuridão, assim como o resto da fábrica. Bernardi já está prestes a terminar de criar um foco de luz entre suas mãos cintilantes – assim como Anna ensinou-o –, quando um estalar alto de dedos ecoa suavemente na escuridão. No segundo seguinte, as lâmpadas criam forças e acendem uma por uma.

– Bem melhor, não acha? – pergunta Nervan, dono do estalar.

O ragazzo acena que sim ao rosto sem graça.

A luz revela um velho galpão ainda bem organizado, contudo excessivamente imundo, como se estivesse abandonado há anos e não há dias. De uma extremidade à outra, correm enormes prateleiras de ferro oxidado, abarrotadas por fileiras e pilhas de diversos caixões de todas as cores. Deveriam estar prestes a ser despachados – os detalhes entregam isso. E os caminhões que os transportariam ainda jazem pouco além das pilhas, esperando com os baús abertos.

Vasculhando, os Servos destampam e estudam os caixões manchados de mofo, um por um. Encontram mares de poeiras ou criaturinhas nojentas entre eles – baratas cascudas, larvas brancas e as amarronzadas aranhas correndo por suas teias, tentando escapar da claridade. Mas nada é mais repugnante que o horrível e fortíssimo cheiro de carne podre impregnado em cada caixão. A nojeira a qual se encontra a fábrica é anormal, modestamente falando. Fora isso, nada... Nenhum sinal incomum ou um vestígio que aponte algo misterioso. Por outro lado, há a velha presença rondando-os e lembrando-os que não são bem-vindos.

– Nada aqui – confirma Anna não aparentando o quanto está enojada.

Entrementes Nervan se retira dos banheiros no fim do setor. A escuridão do capuz não esconde todo o tom esverdeado que seu rosto ganhara enquanto vasculhava sob o forte e estonteante odor de morte – que, de longe, Anna e Bernardi sentem-no.

– Nem no banheiro – esclarece o rapaz permitindo a si soltar a respiração.

Bernardi está mais alerta que um alarme de Banco. Temendo uma aparição inusitada, já sobressaltara duas vezes de espanto quando umas duas ratazanas passaram correndo entre suas pernas. Agora salta mais uma vez com as pragas saindo de um buraco na parede. É então que vagamente os olhos cinza do ragazzo percebem algo intrigante: os pelos dos roedores estão tão arrepiados quanto uma vassoura.

Nervan tateia o ar e, posteriormente, um sombrio nevoeiro brota parcialmente do piso. Surgem corpos esfumaçados, dezenas deles, correndo desordenado e desesperadamente para a saída, deixando para trás apenas soluços chorosos e lágrimas temerosas. Lembranças. Porém incompletas. Os corpos desabam assim que seus pés encontram a garagem, e logo tudo volta como há menos de dois minutos.

– A maioria das lembranças já está morta – comenta Anna.

– Assim como esse lugar em decomposição – completa o rapaz.

Os três Servos, cansados de testemunhar tanta imundice, partem por um corredor pouco estreito que deve levá-los aos outros setores. O caminho está tão úmido e gélido que as suaves respirações logo se vaporizam diante os olhos. Sempre atravessam chuveiros de goteiras não muito longe do último, denunciando como o encanamento está altamente danificado. As paredes descascadas e podres se tornaram a casa de uma fachada de fungos nojentos. Chegam então ao fim e param diante ao início de três direções novas. Um cruzamento de corredores. A placa pregada na parede indica os destinos com setas: à frente, há uma escada para o segundo andar; à direita, a oficina; e à esquerda... Bom, não dá para ver, pois uma mancha cascuda cobre toda a informação.

– Hora de nos separarmos! – propõe Nervan com normalidade.

Normalidade que carece em Bernardi, de longe o mais covarde e nervoso. Empalidecido como um lençol só por assustar-se com sua ouriçada imaginação.

– Separarmos? Como assim?... Por quê? – gagueja, finalmente sucumbindo ao desespero. Sabia que essa hora chegaria, do contrário Nervan não lhe daria o fone. Só não imaginava que chegaria brevemente e que ficaria assim: extremamente nervoso. – Ficaremos mais seguros juntos, e, e...

– Hei – vocifera Anna entrando à frente dele, apertando seus ombros rochosos e acalmando visualmente os olhos perdidos –, respira, isso respira... Tente manter a calma ou você só vai acabar morrendo rápido, capito?!

Ele chacoalha que sim com a cabeça abobalhada, contudo a feição agonizada melhora quase nada.

– Cuidem-se bem. Eu vou por aqui.

Ela desaparece além da porta à esquerda, que só Deus sabe aonde irá levá-la.

– Se te serve de consolo, nós estamos tão apavorados quanto você – revela Nervan, o tom de voz reconfortante. – Mas após tantos e tantos anos presenciando inúmeros momentos assustadores e perigosos, aprendemos a manter a calma. Bom, eu vou vasculhar o segundo andar – confessa o rapaz, correndo os olhos na escuridão adiante, que cobre toda a escada. Ele solta outro estalar alto de dedos, entretanto o breu continua reinando por todo o caminho. Nervan resmunga mudo ao encontrar a trilha de lâmpadas estraçalhada.

– Não vai ser fácil. Nunca é. Estamos no território dele, portanto não é nada prudente ficar à deriva na escuridão que ele conhece bem. Pois, se for pego de surpresa...

Nervan faz a mão cintilar em um globo de luz, cujo acompanha-o sobrevoando seu ombro enquanto repudia o breu à medida que o Servo desaparece pelos degraus.

– Tome cuidado, Bernardi – são as últimas palavras.

Quando dá por si, nota estar sozinho na escuridão, perturbado pelo agonizante ruído das goteiras estragando o silêncio. Precisa tomar uns três suspiros profundos e reencontrar a coragem. Pronto – ou menos petrificado – ele escancara lentamente a porta que restou, pairando diante a oficina. Dessa vez, antes mesmo de preocupar-se com iluminação, todas as lâmpadas voltam à vida imediatamente. Teria sido Nervan? Ou talvez não?... A quem seja, pode apostar que Bernardi é grato por tê-lo livrado de parte da aflição.

Visualmente é fácil concluir que a oficina é mais extensa que o galpão de descarregamento. Está dividida por um maquinário diversificado, formando duas linhas retas de uma extremidade à outra. Bernardi está confuso sobre o que fazer. Verifica cautelosamente cada máquina empoeirada, os quadros de ferramentas enferrujadas – que passaram a confortar uma civilização de baratinhas asquerosas – e, por fim, os grandes armários de madeira mofada. Nada até agora. Realmente a umidade parece pesar e penetrar no corpo. Ou será que é outra coisa? A cada passo está forçado a se ver mais afundando sob a mira de um olhar faminto, que o acompanhara fielmente desde a separação do grupo – como se Bernardi fosse o escolhido como a primeira vítima. Todavia seus pensamentos negam com todas as forças essa lógica paranóica. Mas no fundo sabe que essa é a única forma que achara para não tropeçar no desespero.

Vendo que é inútil rondar a oficina e conferir tudo pela quarta vez, Bernardi decide prosseguir. Está prestes a deixar a oficina e investigar o refeitório, no entanto, nota vagamente um par de portas no fim da oficina. Portas que não havia percebido. A da direita é quem mais chama a atenção: lacrada da cabeça aos pés por fitas amareladas com “Atenção. Não entre!” destacado de preto.

Deveria ignorá-la? Reflete ele. O que está por trás da porta? Ele tenta reviver as memórias, porém nada acontece – e dessa vez não é porque não fizera corretamente. Estão mortas. Visualmente, ele procura detalhes pela parede ao redor da porta, e não encontra nada alarmante... A não ser um pequeno espaço sobre as portas presenteado com quatro pontinhos simetricamente perfurados, e entre eles a cor da área ligeiramente mais clara que o resto da parede. Sim, havia uma plaquinha ali, antes de ser arrancada. Por quê? Boa pergunta...

Bernardi cogita umas sete vezes, e antes de pensar na oitava – pois sabe que ela o convenceria de desistir – rasga todas as fitas e escancara cautelosamente a porta gemente. Assim que cruza o batente, é alfinetado por uma série de arrepios que faz ele se contorcer durante uns cinco segundos. Encontra o interruptor e acende as lâmpadas. Tremeluzidas e lutando para continuarem ativas, elas clareiam um banheiro asqueroso, manchado por fachadas de sangue seco abarrotado ou pouco úmido ainda, borrando muitos centímetros das paredes e o chão – acusando bem o quão impiedosa foi a matança que ali houve. Mas nem por tudo onde os olhos de Bernardi correm está manchado; há um espelho – o que centra a fileira destes – cujo ainda está cuidadosamente limpo, e é quem reflete bem o rosto intrigado do ragazzo. Com a atenção presa, estranhamente, ele já não se importa mais com o cenário grotesco. Uma força involuntária travara misteriosamente sua preocupação no espelho e, agora, força-o a avançar passos arrastado para ele. Parece estar obcecado por seu próprio reflexo. Não sente mais controle sobre as pernas ou os olhos seduzidos. Meio caminho andado. As lâmpadas fraquejadas, subitamente, apagam-se. Reacendem-se. Ouve-se o berro alto de Bernardi quando um rosto diabólico, carmesim e de nariz pontudo toma o lugar do seu reflexo. De repente as luzes morrem novamente. Mas o ragazzo volta tão rápido quanto pode ao interruptor, e as reacende. Redireciona os olhos arregalados, entretanto o rosto já tem deixado o espelho e em cacos.

Antes que Bernardi possa se recuperar do horror, repentinamente, sobressalta com os ruídos altos do maquinário revivido e funcionando a todo o vapor. Ele volta correndo à oficina, no mesmo instante que discos de serras saltam das máquinas e disparam contra ele. Em milésimos, os reflexos domam o Servo e fazem-no curvar o corpo ao chão para então proteger-se sob uma arqueada parede de sombras em cristais enegrecidos, que brotara do chão, magicamente. Os discos chocam-na e a estremecem, no entanto, não perfuram a proteção grossa e firme. Totalmente o contrário de Bernardi, trêmulo e relutante quanto em acertar o botão do fone.

– EU O ACHEI. SOCORRO...

Mas nenhum dos irmãos Edwart respondem-no.

Mais nenhum zunido de serra ressoa pelo ar ou estremece as sombras do Servo. Os ataques foram cessados? O ragazzo decide espiar o silêncio duvidoso, esgueirando um olho além da proteção. Gargalhadas maléficas ecoam além da porta na extremidade contrária. Bernardi se põe de pé, atravessa galopante a oficina e, de supetão, escancara uma das metades da porta. Agora, ele se vê em outro galpão carente de luz e com pouco menos da metade perdida no breu. Povoado por fileiras e pilhas de caixões destampados, formando trilhas incontáveis que correm avante. Conforme Bernardi avança, as gargalhadas voltam a murmurar, agora, por todos os lados. Mas ele ainda não enxerga quem as solta. A quantidade de caixões parece não ter fim – Passa por mais um, mais um, mais um, mais um... E dois brilhos amarelados... Espera! Quando dá por si, vê que são os olhos do rosto carmesim, pertencente a um longo corpo em tralhas negras, derrubando o Servo no chão, com as mãos enganchadas no seu pescoço.

– AHHH, AIII... –. Bernardi não distingue os gritos de horror aos de dor pelas unhas pontudas estarem perfurando seu pescoço. As gargalhadas do Espectro estão vigorosamente mais diabólicas – mas não mais horrorosas que o a feição assassina dele e os olhos vidrados sedentos por sangue.

Contudo, o ragazzo está longe de desistir por sua vida. Ele agarra bruscamente um dos pulsos que lhe aperta, e então apenas aguarda o breve segundo até uma misteriosa sombra terminar de encobrir e cristalizar todo braço agressor, alastrando-se como se fosse um vírus. Petrificação. Finalmente o Servo dá-lhe um puxão forte e, imediatamente, braço do Espectro estraçalha-se fragilmente igual a uma vidraça abatida. Bernardi ofega constantemente para recuperar o ar roubado, e também empurra rapidamente com uns dois pontapés o tronco do Espectro, forte o suficiente para fazê-lo afastar-se alguns metros cambaleando. O Servo se põe de pé rapidamente, enquanto começa a limpar o excesso de sangue escorrendo pelo pescoço. Quanto ao Espectro tem parado firme, e logo volta a apontar para Bernardi o rosto gargalhando malignamente – como se a perda do braço não representasse nada preocupante. Os lábios negros dele finalmente desmancham brevemente o sorriso para poder sussurrar algumas palavras. Consequentemente, labaredas de chamas enegrecidas nascem ardentemente ao redor do Espectro, protegendo-o igual a um mural. Os brilhosos olhos amarelos parecem ter planos quanto a elas; e o braço que lhe resta mete-se na fogueira e arranca um imenso e alongado punhado de chamas – o qual ele mira contra Bernardi. Este entende rápido o que isso significa, portanto dispara como um vulto, atirando-se e deslizando para trás de uma pilha de caixões, antes de...

BOOOOOOOOOM!

Atingidos, os caixões que protegiam-no decolam alto, incendiados e cintilantes. Bernardi é obrigado a fugir derrapando para não ser esmagado pelos estilhaços chamuscados dos caixões que chovem ao seu redor, ou que mais nada além das barras do Sobretudo seja queimado.

– Mas que filho da...

BOOOOOOOOOOOOOOM! Outra pilha de caixões também explode ardentemente. E se Bernardi não tivesse fugido a tempo, estaria queimando como uma tocha também. O Espectro corre os olhos por todas as direções possíveis à procura do Servo, porém este está muito bem oculto na escuridão. Então, pronto para revidar da mesma forma, o ragazzo ressurgi das sombras de onde estava escondido, prestes a atacar o... Onde está o Espectro?... Desapareceu!... Encontra-o brotando rapidamente do breu bem diante de Bernardi, agarrando-o firme pelo pescoço novamente. O Espectro suspende-o facilmente no ar, enquanto leva-o para uma gigantesca fogueira infernal, que emergira ali, de repente, centímetros distantes costas do Servo. O calor agressivo já está quase que devorando suas vestes. Mas então, um vulto rasga o ar, enganchando-se no Espectro e arrastando-o para longe. Bernardi cai de joelhos a uma distância mínima, mas segura quanto às brasas negras da fogueira. Quando corre os olhos em busca ao que o salvou, então, começa assistir dois vultos batalhando ferozmente, engalfinhados ou voando baixo pela escuridão. Surpreende o raro milésimo que os corpos se mostram mais que sombras, e encontra o esvoaçado cabelo dourado de um deles. Anna. Os fantasmas estão embolados arduamente outra vez. Mas no próximo piscar de olhos, eles estão de costas um ao outro, porém Anna tem os braços enganchados no pescoço sufocado do Espectro. Um, dois, e então a garota arremessa-o alto e direto para uma fogueira produzida por uma pilha de caixões incendiados.

Por um momento, os olhares dos Servos encontram-se. Mas antes que Anna possa dar um passo a Bernardi, o corpo parcialmente carbonizado do fantasma surge entre as chamas negras, revigoradas pelo resmungo agressivo.

... Ao amaldiçoado brilho que sombreia o abismo infernal, corroa o corpo desse corpo sagrado.

Posteriormente, arrebitam-se as chamas enegrecidas, como uma besta provocada. Uma enxurrada giratória persegue Anna até conseguir afogá-la sob o obscuro incêndio. O Espectro não contém as gargalhadas vitoriosas. Mas, para sua frustração, um clarão forte emerge do incêndio. Um mural de auroras dançantes repudia robustamente qualquer tentativa falha das chamas em queimar um fio de Anna sequer. Conforme as chamas infernais morrem extintas, as luzes que orbitavam o Servo concentram-se num arsenal de lampejos fulminantes que, agora, a todo custo disparam-se contra Espectro – cujo se vê obrigado a fugir, viajando pelas poucas e longínquas sombras que ainda não foram afugentada pela claridade das lanças cintilantes.

Nesse instante outro vulto rasga o ar em direção à fantástica batalha. Deve ser Nervan. Com isso, não demora nada até os irmãos Edwart dominarem dificultosamente o confronto. E o Espectro – aquele que, até pouco, tentava a todo custo incinerar os Servos com armadilhas –, agora, luta decididamente em conseguir escapar. É o fim. E isso é confirmado quando, por fim, os irmãos imobilizam o Espectro em seus braços. Anna envolta firmemente o braço ao torso do fantasma, enquanto a outra mão – agressivamente fosforescente – posiciona-se à altura do umbigo dele, lembrando-o que qualquer leve movimento será o último. Entrementes Nervan enforca-o com o antebraço, fazendo o rosto carmesim resmungar ruídos altos e desafinados.

– Que tal ser cordial e nos dizer o que sabes sobre o Ladrão de Tumbas? – interroga Nervan.

– A vocês, nada, Vermes da Morte – guincha o Espectro orgulhosamente decidido a partir com o segredo.

Va bene. Desejo que sua alma alcança a paz.

Subitamente... Um brilho! Faíscas! E, estranhamente, Espectro incendeia como uma tocha viva, cambaleando uns dois passos até despencar.

A esta altura, Bernardi está tão boquiaberto de fascínio por assistir fielmente a assombrosa, porém espetacular batalha, discutido consigo o como poderoso são os irmãos Edwart, que ainda não notara Anna parada diante seus olhos. Ela observa-o, esperando até quando o rosto inexpressível voltará à vida. Farta de esperar, ela pousa as mãos macias e aquecidas sobre os ferimentos no pescoço avermelhado de Bernardi. E, consequentemente, assiste o momento em que ele espanta-se ao notar a presença dela; mas também a expressão prazerosa do ragazzo ao confortar-se na ardência das feridas que passara a ser uma quentura agradável.

– É apenas isso que te fere? Você está bem, não está? – indaga Anna.

O rosto pasmo acena que sim, mas está esculpido na feição frustrado dele que o Espectro não só feriu sua pele, como também seu orgulho.

– Então por que seu rosto me diz o contrário?

– Eu te devo a minha vida. Se não fosse você, certamente agora eu estaria morto – confessa ele tristonho. – Perdoe-me. Eu sou um covarde e um fraco.

– Sim, você é – responde Anna inusitadamente, no entanto, sem um pingo de maldade ou desprezo nas palavras. – Mas é assim que começamos. Use essa frustração como motivação. Aproveite o tempo e fortifique-se para deixar de ser um fraco, e para que o medo se torne um aliado. Pois noites piores virão e, como você acabou de assistir, batalhar com Espectros está longe de ser algo fácil.

Quieto e afogado em pensamentos, Nervan ainda continua lá, parado ladeado ao corpo incendiado, que aos poucos esfarela-se em cinzas brilhantes.

Carregando a sensação de dever cumprido – o que não inclui limpar o imenso caos que a batalha deixou –, o trio de Servos se retira em silêncio, rondados pela paz que caiu sobre toda a fábrica. Enquanto caminham, sentem a normalidade não só à leveza do ar, como também na aparência do ambiente – os sinais de decomposição estão desmanchando-se, não drasticamente, mas estão. Sem arrepios inesperados, sensações ruins, maus-presságios, perigo de morte... Nada os incomodam. Contudo, Bernardi surpreende os irmãos vasculhando involuntariamente cada milímetro por onde passam. Força do hábito.

Saem finalmente da fábrica, e ainda Bernardi espia-os constantemente aos olhos insatisfeitos, cujos refletem algo além do desaponto pelo péssimo desempenho. Uma dúvida. Entretanto ele não cogita em deixá-la soar em palavras. Até o momento que Anna instiga-o.

– Ainda martirizando-se, Bernardi?

– Não... Eu... Apenas tenho uma pergunta. A quem ou o que vocês se referiram como “O Ladrão de Tumbas”? Outro Espectro? Havia outro na fábrica?...

A jovem então espia o rosto do irmão, esperando o momento até ele aprovar uma resposta com o olhar firme.

– Bernardi... – começa ela selecionando bem as palavras prestes a serem ditas –, às vezes os Espectros deixam o orgulho e egoísmo de lado e submetem-se aos comandos de um ou mais Espectros mais poderosos. Formam uma Aliança. Um pacto. Então, juntos buscam conseguir mais vidas, mais poder, mais controle... Não é comum Alianças assim serem formadas, porém quando são... Sempre se pode esperar algo inusitadamente maligno sendo planejado.

– Suspeitamos que haja uma Aliança de Espectros aqui em Moreau – continua Nervan –, e aquele que suspeitamos ser o líder, vem há tempos roubando cadáveres recentemente velados dos cemitérios. Este é quem nós chamamos de “Ladrão de Tumbas”. Suspeitamos que o Espectro daqui era um dos subordinados dele, pois encontramos símbolos espalhados por toda a fábrica, e um ciclo que estava prestes a ser base de um Ritual. Igualmente ao outro subordinado que destruímos há pouco. Não temos certeza se essa Aliança existe mesmo. E, por mais que tenhamos esses vestígios, ainda não confirmamos o que o Ladrão de Tumbas tem em mente. Cogitamos às vezes que talvez ele queira refazer o horrível Ritual do Mestre das Marionetes, porém poucas coisas nos dá a mínima certeza disso. Francamente estamos perdidos. É frustrante, mas infelizmente a verdade. E a única coisa com certeza é que temos que descobrir e evitar uma grande tragédia impactante que está preste a acontecer. Mas não esta noite. Não. Por hora, outras coisas são pendentes!

Bernardi sente o peso de cada palavra de Nervan enfatizada por seu disfarçado pavor. Pavor que, por um momento, amargou miseravelmente o rosto do rapaz, deixando-o igual ao de uma criança temendo ficar sozinha no escuro.

Finalmente o trio pondera a noite, mirando – segundo as estrelas – a direção de onde vieram; e que, após desmancharem-se em sombras, disparam acima, mergulhando no céu, voltando apressadamente à sede, pois, como Nervan mesmo disse, ainda há outros assuntos pendentes. Outros problemas. Outros Espectros. Pois, infelizmente, a madrugada ainda está longe de acabar.


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