O Dia Mais frio do ano escrita por scarecrow


Capítulo 1
Capítulo Único.


Notas iniciais do capítulo

Ei, ei, ei! Sim, eu voltei com outra fanfic, não me canso de encher isso daqui de one-shots HEUHUHDE Mas, diferente das vezes anteriores, infelizmente (ou não) a história não é SamanthaxJohn. >:
MÃÃÃS, deixo aqui essa fic que fiz correndo e com todo amor possível e super espero que vocês gostem ♥
Fanfic dedicada ao James, melhor leitor ever ♥



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O Dia Mais Frio do Ano

Você possivelmente sabe quando uma história vai começar bem ou mal pela narrativa do autor. Eu, como um leitor assíduo, sei desse sentimento estranho que nós temos ao se encontrar com o primeiro parágrafo.

É o parágrafo mais importante de toda narrativa; é o parágrafo capaz de cativar o leitor para o fim da trama.

O primeiro parágrafo de um texto é como a primeira semana do ano – um prólogo do que viria pela frente. Normalmente, os meus primeiros dias sempre se arrastam como o início do meu conto: cheio de palavras de muitos sentidos, dessas que a gente nunca leva pra vida e esquece rápido com o passar do tempo.

Não sei, infelizmente, explicar-te o porquê de tudo ter mudado naquela quarta-feira, dia trinta e um de dezembro. Eu havia acordado com muito frio e dor de cabeça, os pés para fora do cobertor; o som do meu celular tocando escandalosamente preencheu o quarto mais rápido do que o esperado. Fiquei mais tempo que o normal me espreguiçando e levantei ainda com o quarto escuro.

Demorei a abrir as cortinas pesadas e não atendi a ligação. O dia soberbamente claro lá fora incomodou minha visão, e logo eu voltei o quarto para o escuro. Estava frio como nunca, e eu sorri estupidamente ao notar esse fato, por lembrar que somente Julien seria capaz mesmo de gostar do tempo assim.

Diferente de todos os dias, fui descalço à cozinha e fiz um café com muito açúcar, como ela sempre fazia para tentar me manter acordado. A pessoa que me fez a ligação já deveria estar preocupada com a falta de minha resposta a essa hora da manhã – já era muito tarde para eu não estar de pé e muito cedo para estar ocupado. No entanto, eu já sabia quem era e o que queria; James, meu melhor amigo, estava organizando uma grande festa para o fim do ano, com direito a fogos de artifício, bebidas e frios como aperitivos. Com toda certeza, ele estava me ligando para descobrir se eu iria comparecer ou não, como era o esperado todos os anos.

Eu nunca participava de nenhuma festa do James, por mais antiga e resistente fosse nossa amizade. Ele, mais do que ninguém, compreendia minha falta de vontade de participar de qualquer tipo de convivência social que exigisse muito de minha boa vontade, entretanto, aquela festa em especial sempre merecia uma pequena insistência vinda da parte dele.

Era muito tarde para o café da manhã e muito cedo para o almoço. Depois de terminar a xícara grande da bebida doce, voltei ao quarto escuro para retornar minha ligação, deitado na cama ainda bagunçada.

“O que aconteceu para você não ter me atendido?” ele logo perguntou, estranhando também minha demora em retornar. “você sabe porque eu liguei, então me responda logo: você vem ou não vem?”

Demorei um pouco para responder. Pensei, comigo mesmo, em como aquele dia havia começado irregular, em como eu gostaria que meu ano seguinte começasse diferente dos outros. “Vou, vou sim.”

O silêncio montou-se firme na linha telefônica. Ele ficou um par de minutos sem falar uma única palavra. “Você vem? Mesmo? Eu, eu-“ silêncio de novo. Sua respiração ficou pesada e abafada do outro lado. “Está tudo bem?”

“Está sim, tudo muito bem.” Respondi calmo.

“Então te espero na festa. Você pode vir antes se quiser, me ajudar a arrumar algumas coisas” ele deu a ideia, já muito animado com minha surpreendente decisão de ir a sua festa. Concordei, um pouco receoso.

“Eu só vou jogar algumas coisas fora e vou logo”

“Tem certeza de que está tudo bem? Você, jogando coisas fora? Mesmo?” me perguntou, agora, caindo na gargalhada. Desliguei sem confirmar se estava mesmo tudo bem; não tinha muita certeza da resposta, parando para pensar.

Acendi a luz no lugar de abrir a cortina. Logo em frente minha cama, havia meu largo e pomposo armário, lotado de objetos e parafernálias que eu tinha certeza não precisar. Eu não precisava porque havia mudado. E, naquele frio incomum, eu comecei juntando os papeis e as revistas que ficavam entulhadas na parte de cima do guarda roupa.

Joguei tudo no chão. Folha por folha.

E sentei no tapete grande para separar o que ainda iria ficar e o que eu jogaria fora.

Primeiro, vieram minhas provas, trabalhos de escola, notas excelentes no início do curso, marcadas com a nota máxima de azul no topo das folhas. Pensei, por alguns instantes, o que aquilo traria para mim no futuro. Nada. Eu não precisava mais daquelas folhas; era muito tarde para tentar doar a algum calouro perdido. Poderia moldurá-las, torná-las exposição em minhas paredes sem graça e vangloriar de minhas conquistas. Todavia, no fundo, eu sabia que aquilo eram apenas números.

Números jogados em uma folha de papel que provavelmente o professor sequer leu. E eu estava guardando-as porque, bom, não faço ideia do porquê. A única coisa que eu tinha certeza era que doía colocar aqueles papéis no lado que iria para o lixo. Por mais que eu soubesse que aquilo ali, no meu guarda roupa e na vida, não traria mais nada para mim.

E vieram manuais, receitas, bulas de remédio nunca usados, revistas e revistas, cadernos, mil e infinitas páginas de textos que eu não li e não sentiria falta se nunca os fizesse. Foram horas a fio organizando minha infantilidade de manter aquilo tudo comigo.

Foi quando, então, eu achei um pequeno envelope branco, desgastado. Dentro dele, algumas fotos pequenas, dessas que a gente guarda na carteira assim que imprime. Eu sabia de quem eram aquelas fotos. Com muita pressa, peguei as seis fotos que estavam ali e analisei, uma por uma.

Eram fotos do ensino médio. Em todas, eu estava com diversos amigos de escola, inclusive Julien. Eram dessas imagens que a gente pensa em gravar para sempre quando estão ocorrendo, mas nunca ficam boas no papel. Ri, bobo. Aquele era sobre nosso último dia no ensino médio, há muito tempo. Tempo demais.

Pensei no que fazer com aquilo – era muito cedo para me desfazer das fotos e muito tarde para sentir saudades delas. E, antes de colocar tudo na pilha que guardaria comigo, uma última foto caíra do envelope: era Julien, sorrindo daquele jeito estúpido que somente ela consegue fazer. Mostrando os dentes, fechando os olhos. Quis jogar a foto fora mais do que tudo ali, porém não consegui.

Recebi uma mensagem de James, perguntando se eu iria mesmo ou não, pois a festa já havia começado. Olhei no relógio.

Já eram quase sete horas da noite e eu não havia comido nada desde que acordei. Meu estômago estava vazio e doía. Voltei para a cozinha ainda desacostumado com a claridade do dia. Lá fora parecia estar mais frio que a maioria dos dias. Não tive vontade de comer nada, apesar da fome, e engoli minhas dores e ânsias junto com o resto do jantar do dia anterior.

Depois de me arrumar para a festa com um grosso casaco, recolhi tudo o que passei a considerar desnecessário e coloquei em uma grande caixa. A infelicidade de perder aquele monte de informações bobas e provavelmente pouco significativas já havia dado uma sensação diferente no meu peito. Era como se um grande peso tivesse caído de minhas pálpebras, e eu finalmente pudesse piscar meus olhos para um novo amanhã.

No entanto, algo ainda estava me incomodando. Olhei para o quarto antes de sair e, logo na pilha de papéis que ficariam comigo, estavam às fotos. Peguei a primeira delas e coloquei no bolso.

Saí com a grande caixa pela rua e a deixei no desajeitado lixo da rua; tudo aquilo seria recolhido no dia seguinte bem cedo.

Não foram precisos mais do que um abrir de portas para saber que a noite estava insuportavelmente fria. Apesar do horário, o céu ainda estava claro – no inverno, os dias costumam acabar bem mais tarde, e a previsão de neve pintava o cenário de branco. Senti meu nariz gelado e andei até a casa do James.

Era difícil caminhar com todo aquele frio. As quinas de meu corpo resmungavam a cada passo, e minha respiração soltava fumaças de descontentamento. Aquela exata sensação de que poderia nevar a qualquer instante que Julien tanto amava. Ela vivia me contando, quase todos os dias, como adorava o término do ano por poder usar todas as suas botas e tomar todos os seus cafés quentes sem se preocupar com nada.

Julien amava tudo aquilo que eu sempre tive tempo para detestar. E, aquele foto dela sorridente em meu bolso, me fez pensar se não fui um tanto quanto incoerente por duvidar de seus motivos. Ela sempre me dava todos os seus sentimentos, por mais que eu sempre a respondesse com palavras secas.

Assim que cheguei ao andar espalhafatoso de James, percebi que talvez fosse melhor dar meia volta em direção ao meu quarto escuro. Era muito cedo para tentar aquele tipo de novidade e muito tarde para me acostumar com isso. A casa estava relativamente quente devido aos aquecedores por todos os cômodos. Havia pessoas por todos os lados, entupindo os espaços de conversa.

“Eu não acredito que você veio!” James gritou logo a me ver, retirando o casaco grosso. Pelo visto, ele já havia bebido demais.

“Eu também não consigo acreditar que vim” respondi sincero.

“Cara,” ele disse, puxando-me pelo braço para dentro da festa “July não vai acreditar que você veio, sério! Quando eu contei para ela que você vinha, ela –“

“Julien está aqui?” perguntei, sentindo meu coração segurar uma batida ou duas.

“July sempre vem para todas as minhas festas. Todas. Até essas de fim de semana que eu faço só pra ter a casa cheia sem motivo nenhum” ele contou, se orgulhando da sua grande capacidade de acumular pessoas em pouco espaço. “você a conhece melhor que eu, sabe que ela não perde uma oportunidade para encher a cara no álcool” concluiu rindo.

Alguém o chamou em uma certa mesa, e ele logo foi atendê-los, pedindo-me para esperar uns instantes. Sabia que ele não voltaria e decidi procurar por alguém que conhecesse.

Julien estava sorridente quando a vi. Os lábios largos, os olhos densos, a risada se espalhando por toda a sala, fazendo cócegas em meus ouvidos. Não resisti em sorrir junto. Sua gargalhada era escandalosa como sempre fora, no entanto, era a primeira vez que ouvia tão melodiosa.

“July” eu a chamei, interrompendo sua conversa “não sabia que você tinha chegado.”

“Não acredito que você veio!” ela respondeu divertida, alegre como sempre.

“Está um pouco cheio, né?” perguntei, um pouco confuso com a quantidade de pessoas.

“Cheio? Realmente, você nunca veio em uma festa do James.” Julien disse ainda risonha, “vou lá na varando fumar um cigarro.” Se explicou, procurando o isqueiro na bolsa.

“Vou contigo” ofereci, e ela me olhou torto. Julien sabia que eu detestava o cheiro de cigarro e não suportava quando fumavam perto de mim, mas de alguma forma, eu sentia uma estranha necessidade de passar o tempo com ela.

“Está frio lá fora” avisou-me e levantou com pressa, pegando seu moletom escuro. Fiz como ela e a acompanhei até a varanda vazia. O céu lá fora já estava escurecendo, apesar das nuvens pesadas tomarem todas as cores por completo.

Ela se apoiou na grade resistente e acendeu seu cigarro. Ficou sem olhar para mim o tempo todo. Seus cabelos loiros e encaracolados caíam pela suas costas. Quando foi que seu cabelo ficou tão grande e eu sequer reparei?

“Seu cabelo cresceu” comentei, meio sem jeito. Ela riu sem graça, argumentando que estava assim há um bom tempo. Normalmente, ela me entupiria de histórias sobre como fora difícil deixá-lo daquele tamanho ou como era um absurdo eu não ter reparado antes. “Hoje o dia está frio como você gosta, July.”

“Por que está me chamando pelo apelido? Você nunca fez isso antes. Você sempre foi a única pessoa que –“ parou de falar subitamente, ainda sem olhar para mim. Voltou a tragar seu cigarro como se aquilo fosse mais importante que minha resposta.

“Eu...” Não soube o que responder. Talvez, ela tivesse razão. Por que eu estava chamando-a pelo apelido, depois de tantos anos pronunciando cada letra de seu nome? Por que raios eu havia acordado fora do horário, ou jogado um monte de coisas que eu considerava importante fora? Por que eu saí de casa? Por quê? “Eu pensei bastante em você hoje. Estava me perguntando se você não gostaria de sair por esses dias. Não sei, para tomarmos um café ou algo assim”

“Me desculpe, eu...” ela começou a falar, talvez escolhendo as palavras certas. Isso, de alguma forma, me deixou levemente contente. Julien sempre escolhia bem suas sílabas antes de pronunciá-las, mesmo que sempre se enrolasse com elas no final. “eu estou saindo com alguém agora.”

Fizemos silêncio. Pela primeira vez, senti falta de suas falas ininterruptíveis. Era sempre tão fácil nossas conversas, mesmo quando ela se empolgava tanto com seus casos e eu me reduzia a precisas letras.

“Não sabia” falei quanquer coisa, com medo que o silêncio deixasse o frio da noite entrar em meu coração.

“Eu sei” Julien disse, verdadeiramente risonha agora, “você se lembra do que eu te pedi no primeiro dia desse ano?”

“Não” confessei, me envergonhando. Eu não sabia. Julien, que sempre se esforçava por um pouco de minha atenção, estava sempre guardada em envelopes amassados debaixo de todas minhas prioridades supérfluas.

E, agora que consegui reorganizar meu ponto de vista, eu estava perdendo-a. Aquela conversa com Julien era como sua foto no meu bolso esquerdo do casaco, que parecia querer voar, por mais que eu me esforçasse em segurar com força.

“Eu te pedi para tirar uma foto comigo, só nós dois, qualquer dia desses e você me disse que o faria, claro, no dia mais frio do ano.” Ela riu ao terminar de explicar “o inverno acabou e ainda não havia chegado esse maldito dia. E eu esperei, dia após dia, esperando o frio congelar meus dentes” voltou a falar, já com a voz trêmula. “Você sabe que dia é hoje?”

“Não” repeti, apesar de estar convicto sobre saber qual era a resposta.

“Hoje é o dia em que deveríamos tirar nossa única foto juntos.” Ela terminou seu cigarro e o jogou andares abaixo. Naquele instante, começou a nevar.

“Eu não tinha falado isso sério, você sabe, né?” perguntei, tentando encontrar alguma desculpa, algum motivo para não parecer tão... errado. Ela me olhou, enfim, com seus olhos cor gelo. “O dia ainda não acabou, nós ainda podemos –“

“Boa noite, Chris” ela se despediu, voltando para a festa.

Foi a primeira vez em todos esses anos que eu a vi sair sem olhar nenhuma vez para trás. Foi a primeira vez que ela me disse um não tão sonoro, mesmo que entre meias palavras.

Olhei sua foto e seu grande sorriso, me perguntando se algum dia nós chegássemos a tirar uma foto, Julien pareceria feliz daquela maneira. E, mesmo que ela fosse embora com todas as suas constantes mudanças, eu também havia mudado.

Porque naquela quarta-feira, eu havia acordado com aquele sentimento esperançoso e desgastante de que algo mudou; de que eu gostaria de mudar. E não porque meu ano havia sido ruim ou qualquer coisa parecida, mas sim porque eu sentia que estava faltando algo. E, talvez, esse algo fosse Julien.

Porque agora sua foto estava no meu bolso e não no envelope esquecido entre outras memórias. Porque Julien sempre quis me mostrar algo que eu nunca quis conhecer. Era muito cedo para desistir e muito tarde para reinventar o ano.

Por isso, voltei para festa procurando por Julien.

Você possivelmente sabe quando uma história vai começar bem ou mal pela narrativa do autor, todavia, adivinhar como a narração termina nem mesmo um leitor assíduo como eu pode fazer. Eu, mais do que ninguém, havia acabado de perceber que é preciso tentar para se descobrir sobre o que um texto fala. De alguma maneira, o passar dos anos funciona desse mesmo jeito. E eu sabia disso.

Porque eu sabia que dias mais frios ainda virão.


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