Você está desabando.

Todos os dias chego em casa e não o acho. E quando chega, eu pergunto onde você estava e você sempre responde:

— Com uns amigos... Mas, não interessa. — e caminha até o banheiro, onde passa horas e horas. As pílulas sempre caem, e eu sempre as acho. Coloridas, elas parecem me chamar. “Tome-me”, como se eu estivesse presa e precisasse encolher-me, como Alice, para tentar fugir.

Eu sempre tento ignorar. Sempre tento te ajudar, te salvar. Mas você sempre foge de mim, diz que não é preciso, e acaba descendo pelo ralo, como se fosse a mais simples sujeira.

Um dia você chegou em casa e me beijou. Fiquei assustada, claro. Faz quanto tempo que não sinto seus lábios? Mas só me deixei levar. Você me empurrou para a cama, ficando em cima de mim, tirando minha camiseta. Troquei as posições, pois queria ter o controle pelo menos por uma vez. Dei um selinho em seus lábios, depois te abracei. Senti você sorrir, então retirei sua camisa.

Brincava com o seu corpo, passando as mãos pelas suas costas, rosto... Mas você não fazia muitas coisas. Foi quando percebi que você tinha dormido.

— Gustavo! Cacete... — reclamei. Dormia pesadamente, então não ligou quando eu joguei alguma de suas coisas na privada e dei descarga, vendo as indo embora. Mas você brigou comigo no outro dia, quase me bateu.

Eu só queria ser seu vício. Mas suas drogas mesmo são outras, não é? Não posso te salvar, nem mesmo te resetar. Não tenho o poder necessário, infelizmente. Já conversei diversas vezes com você, o coloquei em um psiquiatra e sempre o levava. Você nunca faltou.

Mas depois de um tempo vi que não tinha jeito. Você tomava constantemente as pílulas que ele receitou, e sempre pedia para comprar mais. Porém, um dia, eu disse basta. Você me empurrou para longe e saiu de casa. Ficou duas noites sem dormir comigo. Fiquei preocupada, mas você finalmente veio. Te abracei, então você saiu novamente. Mas felizmente voltou.

— Não sou sua mãe, cara! — gritei, em um momento de raiva. — Quero ser sua amante, sua namorada! Por que não entende isso?

— Você que sempre quer ser minha mãe. — rebateu, enquanto arrumava suas coisas numa pequena mochila. — Talvez se você aceitasse, poderia ser minha namorada. Mas sempre está falando “Gustavo, pare com isso”, “Está estragando sua vida”.

Naquele momento eu não agüentei, então acabei-me em lágrimas. Implorei para que ficasse, pois te amava. Você ficou. E eu fiquei feliz.

Isso foi ontem. Agora, você está aqui, dormindo como sempre. Estou escrevendo esta carta pois não agüento mais ver você acabando consigo mesmo.

Adeus, Gus.

I’m not sticking around to watch you go down

Eu não vou ficar aqui assistindo você desabar

Wanna be your lover, not your fucking mother

Quero ser sua amante, não sua maldita mãe

Can’t be your savior, I don’t have the power

Não posso ser sua salvadora, não tenho o poder

I’m not gonna stay and watch you circle the drain

Eu não vou ficar e assistir você descer pelo ralo

Circle the Drain, Katy Perry