Me revirava na cama e não conseguia dormir. Meu dia tinha sido agitado como os outros e meu coração quase sai pela boca toda a vez que o vejo tão lindo...
Meus pensamentos teimavam em lembrar do que aconteceu... talvez eu não quisesse mesmo esquecer...
Cheguei na escola e entrei na minha sala pensando que ela estaria vazia (como sempre) mas me enganei. Ele estava lá. Lindo como sempre, sentado entre as últimas cadeiras do fundo, desenhando.
- bom dia, bochechudo! – falei sorrindo. Meu coração batendo rápido.
- eu já disse que não gosto quando me chama assim, mas tudo bem. – ele falou sério e eu quase acreditei. - Dessa vez passa, magricela. E bom dia pra você também! – ele riu pra mim e eu respirei aliviada. Depois de anos estudando juntos, já era pra eu estar acostumada né?
- o que te traz tão cedo a essa escola? Você sempre chega tarde, Sr. Way.
- nada não, não se preocupe. – ele baixou a cabeça e voltou ao seu desenho.
- mas é claro que me preocupo com você, e você sabe disso. Problemas em casa?
- hum hum. – ele balançou a cabeça sem me olhar nos olhos.
- brigou com o Mikey de novo? – eu já o conhecia muito bem pra saber que os dois viviam disputando atenção.
- ah, ele encheu meu saco. Ficou me zuando por causa de... – ele engoliu a frase e ficou mudo.
- hã? por quê? Não entendi.
- deixa pra lá. Não é importante. – ele terminou o desenho e fechou o caderno.
- ahhh Gerard! Eu quero ver o desenho! Por favor.... – fiz minha melhor cara de ‘cão sem dono’ e ele cedeu.
- mas ainda não tá terminado.
- mas deixa eu ver... adoro os desenhos que você faz! São todos tão perfeitos!
- tudo bem... não era pra você ver agora, mas... você sabe que não resisto a essa sua carinha né?
Ele abriu o caderno e eu quase caí da cadeira. Era meu rosto ali, num desenho incrivelmente lindo e real. Acho que foi aí que meu coração quase me abandonou por completo... Ele sabia mexer comigo como ninguém...



O dia nunca passou tão rápido. Acho que eu fiquei tão boba com o desenho que nem vi o tempo passar. Quando me dei conta o sinal já havia tocado e os alunos se preparavam para irem embora.
Arrumei minha bolsa e levantei. Senti alguém tocar meu ombro e quando me virei, era ele.
- Susan, posso falar com você?
- cla... claro Gerard. – comecei a tremer. Aquela respiração muito próxima a mim...
- eu queria saber se... se...
- se??
- você quer tomar sorvete comigo mais tarde? Eu to precisando desabafar sabe... – ele sorriu timidamente.
- sorvete? – meus olhos brilharam. – claro! Assim você me conta seus problemas e eu tento te animar.
- então tá. Eu te ligo antes de ir te buscar. – ele me beijou nas bochechas – até mais tarde. – e saiu.
- até. – quase derreti.



Passei a tarde toda esperando ele ligar e nada. Nenhum telefonema. Minha mãe já estava nervosa porque eu andava de um lado pro outro ao lado do telefone.
Quando eu já estava perdendo as esperanças o telefone toca.



Atendi na velocidade de um furação, tamanha a minha saudade de ouvir aquela voz de novo.
- Susan?
- oi Gerard, sou eu sim. – falei quase gaguejando.
- já tá pronta?
- há umas 2 horas... – brinquei.
- passo aí em 15 minutos. Beijos.
Desliguei e corri pra frente do espelho. Passei batom, ajeitei o cabelo. Tava prontinha pra ele. Me sentia engraçada. Era estranho estar apaixonada por meu melhor amigo. Mas quem disse que a gente manda no coração?



Fiquei sentada nos degraus da escada esperando a campainha tocar. Mas isso nem aconteceu. Assim que eu ouvi o barulho do carro dele, corri pra porta. Ele saiu do carro e ficou parado um tempo me olhando.
- vamos? – ele perguntou.
Nem respondi, não precisei. Entrei no carro dele e fomos pra sorveteria. Pelo caminho, eu me sentia estranha, nervosa. Ele não demorou a perceber.
- que foi? Por que tá tão nervosa, Susan?
- hã? Quê? Nervosa? Eu não to nervosa.
- você tá tremendo e eu sei que quando você começa a bater no porta luvas, alguma coisa não está bem...
- ah, não é nada Gerard.
- pode me falar. O que você tem?
- já disse que não é nada. – recolhi minhas mãos do porta-luvas e tentei dar um sorriso sem graça.
Ele não insistiu mais e logo chegamos na sorveteria.



Enquanto eu esperava na mesa, Gerard tinha ido buscar nossos sorvetes. De longe eu o admirava.
- ai, como ele tá lindo... – eu suspirava – controle-se Susan, ele é apenas seu melhor amigo.
Amigo sim, deus grego também. Ele estava irresistivelmente gato naquele dia. E, infelizmente, eu não tinha sido a única a perceber isso.
Eu vi de longe quando uma menina se aproximou dele na fila puxando assunto. Eles já conversavam animadamente quando eu deixei cair o porta-guardanapo no chão sem querer, fazendo um barulho que chamou a atenção de todos, inclusive dos dois ‘pombinhos’. Ri sem graça tentando conter a vergonha e Gerard veio em minha direção, acompanhado dela.



- está tudo bem, Susan? – ele perguntou quando chegou na mesa.
- sim, por que não estaria? – disfarcei e ele não entendeu nada.
- essa aqui é a Joyce, uma amiga minha e do Mikey. Joyce, essa é a Susan. – é, foi só isso que ele disse sobre mim.
- muito prazer. – estiquei a mão para ser educada e ela apertou com cara de nojo.
- Gerard? – o chamei.
- o quê? – ele perguntou distraído.
- o sorvete tá derretendo.
- ah é mesmo. Toma o seu. Me desculpa, eu tava distraído. – olhei pra cara dele com raiva e por sorte, ele nem percebeu.
A tal da Joyce sentou-se na mesma mesa que a gente e ficou de papo com ele o tempo inteiro. Era como se eu nem estivesse ali e isso me deixou revoltada.
- eu vou embora. – eu disse me levantando.
- mas já? Fica mais um pouco, o papo tá tão legal. – ele disse com cara de bobo.
- eu preciso mesmo ir. Já tá ficando tarde. Depois a gente se vê, Gee. Tchau.
Nem dei tempo pra ele se despedir. Com minha bolsa na mão, saí que nem um foguete. Eu estava pegando fogo de raiva. De ciúmes, pra falar a verdade.

Voltei pra casa enfurecida.
- quem aquela ‘baranga’ pensa que é?? – eu andava pela rua xingando e chutando o chão – ela deu mole pra ele na minha frente! E ele todo embasbacado com ela.. aff...



Os dias passaram e eu o evitei ainda mais. Sempre que ele vinha falar comigo eu inventava uma desculpa para mantê-lo longe. Pensei que isso fosse me ajudar a esquecê-lo, mas estava enganada... só fez aumentar tudo o que eu sentia por meu grande amigo. Ele também andava muito estranho comigo, não éramos mais tão grudados como antes e isso me entristecia. Apesar de tudo, eu não queria perder sua amizade.

O tão aguardado dia do baile de primavera estava chegando e eu ainda nem tinha um par. Fiquei sabendo na escola que o par de Gerard era nada mais nada menos que a Joyce. A mesma Joyce daquele dia na sorveteria. Isso me destruiu. Passei noites chorando por causa dele. Mas não adiantava, tê-lo pra mim era só um sonho, nada mais.

Ficava lembrando quando o conheci pela primeira vez, na escola. Ele era um garoto gordinho e muito inteligente que adorava desenhar tudo o que via. Isso me encantou nele, seu jeito solitário e misterioso de ser me atraiam ainda mais. Ficamos amigos logo no primeiro dia e essa amizade durava até hoje. Ou durou, nem sei mais. Nós compartilhamos nossos melhores momentos juntos, desde meu primeiro tombo de bicicleta e a primeira vez que ele quebrou o braço, até nosso primeiro beijo. É, nós tivemos nosso primeiro beijo juntos, mas não foi nada de mais. Era pra ser apenas uma brincadeira de criança, mas isso mudou meu modo de vê-lo como amigo e homem, definitivamente.
É, a gente não escolhe quem devemos amar. Quem dera, se isso pudesse mesmo acontecer...



O dia do baile chegou e eu não tinha par. Pra não perder a festa, resolvi ser forte e ir sozinha mesmo pelo menos pra me distrair e rir um pouco dos vestidos daquelas patricinhas lá da sala. Apesar de eu não gostar muito de ser feminina, confesso que me achei linda naquela roupa. Um vestido prata com detalhes em glitter e uma maquiagem clarinha (pela primeira vez na vida!) me deixavam com cara e corpo de uma mulher. Minha mãe dizia a todo instante que eu estava linda, mas quem disse que opinião de mãe vale nesse caso?
Peguei um táxi e saltei na frente do salão. Respirei fundo e entrei. Lá dentro era incrível. O salão estava incrivelmente lindo, todo enfeitado e lotado de gente. Tentei achar algum lugar onde eu pudesse me sentar e observar a movimentação dos casais, mas em vez disso fui surpreendida por aquele perfume entorpecente.
- Susan??
Eu me virei e dei de cara com Gerard segurando dois copos de ponche nas mãos.
- oi. – foi só o que eu consegui dizer com o susto. Não espera encontra-lo tão rápido naquele tumulto todo.
- você tá... tá... deslumbrante! Linda, pra dizer a verdade. – corei – eu nunca tinha te visto com essa maquiagem antes em 10 anos de amizade. – ele parecia perplexo.
- obrigada. Hoje eu precisava ficar linda né? Pelo menos uma vez na vida.
- você já é linda, e sabe disso tanto quanto eu. – corei de novo. - onde está seu par? – ele olhava pros lados tentando achar minha companhia.
- não veio. – menti. – então tive que vir sozinha mesmo. – ele me olhou sem acreditar e depois me abraçou.
- a gente anda meio distante né? Eu sinto sua falta. Quer sair e conversar?
- e a Joyce? – ele me olhou surpreso de novo.
- como você....
- ela deve estar com sede. – apontei pro copo na mão dele com o olhar e saí.
Andei depressa até a parte de trás do salão, onde havia um pequeno jardim e sequei as lágrimas que caíam em meu rosto.
- vai borrar sua maquiagem. E eu disse que você fica linda com ela.
Ouvi a voz e não quis olhar pra trás. Não queria que ele me visse chorando, ainda mais por ciúmes dele com aquela feiosa.
Nem precisei me virar, já que ele fez o favor de colocar a mão no meu ombro e eu me virei com num passe de mágicas. Fui dominada por aqueles olhos verdes lindos que me deixaram hipnotizada com tanta proximidade. Não me contive e o beijei.



Foi um beijo rápido e eu o soltei com o susto. Senti meu mundo cair de tanta vergonha.
- ai meu Deus! Me desculpe, eu não queria... – me atrapalhei com as palavras e ele me segurou pelos braços. Meu corpo amoleceu.
- não mesmo? – aquele olhar de novo... ai, eu não ia resistir mais uma vez.
Dessa vez foi um beijo delicado, demorado, com amor. Eu me rendi a todo o amor que eu sentia por ele, e pelo beijo eu percebi que ele também sempre me escondeu alguma coisa durante todo esse tempo.
- eu te amo, sua boba. – ele disse me enchendo de beijos pelo rosto.
- eu que te amo, bochechudo.
- me promete uma coisa?
- claro, o que você quiser.
- nunca mais me chame de bochechudo, ok?
Nós dois rimos e saímos da festa de mãos dadas. Largamos tudo, festa, acompanhante, amigos para a noite que seria eternamente nossa. E sem dúvida alguma, esse foi o melhor ano da minha vida!