Meu Melhor Amigo escrita por Marcos Vinícius


Capítulo 2
Dois


Notas iniciais do capítulo

Estou muito cansado esses dias, o nome se chama avaliações escolares. Elas já começaram, e mesmo com todo o esforço, estão sendo extremamente difíceis. Todo mundo da minha sala de aula, incluindo a mim, encontra-se completamente perdido. E agora tenho que dividir o tempo entre livros didáticos e a tela do computador. Espero que eu consiga controlar tudo.



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Felipe

— Felipe, saia já daqui! — E mais uma vez a gritaria contínua de sempre. Os gritos de meu pai ofuscavam todos os barulhos secundários de uma manhã atordoante de segunda.

Aflito apoio a mochila nas costas, sem preocupar-me se ainda havia resíduos de creme dental na boca. Empurro uma torrada seca entre os dentes batendo a porta de casa. Meu despertador falhara justo hoje. Mas, por qual motivo eu tinha que ser acordado daquela maneira? Meus olhos cansados entregavam a insônia da noite anterior, e minha expressão raivosa e chateada deixava claro que o jovem rapaz louro da casa avermelhada da Rua 12 tinha sido — mais uma vez — expulso de casa pelo seu tão irritante pai alcoólatra. Que raiva! Parecia que mesmo ás seis da manhã meu pai achava que devia fazer mais um de seus escândalos antes de partir para escola. Por que eu não podia tomar café como um garoto comum? Por que ele tinha que voltar da noite exatamente nesse horário? Poderia ser às nove, às doze, no dia seguinte. Mas por que logo agora?

E assim o meu entusiasmo para o primeiro dia de aula foi interrompido de forma drástica.

Era de se esperar. Debaixo das cobertas ao som dos primeiros gritos vindo da cozinha eu já tinha em mente que após calçar as sandálias e esforçadamente levantar-me, eu não teria uma manhã digna de quem após meses voltaria a estudar. O despertador estava ali, no mesmo lugar que eu o deixara, em cima da mesinha, intacto. Quando o vi e percebi que o mesmo não tocara, peguei e o deformei contra a parede com um lance forte. Por que você não tocou, treco idiota? Eu poderia ter ido embora daqui o quanto antes!, gritava contra o objeto, como se o mesmo fosse o culpado por toda aquela situação. Respiro fundo. Desço as escadas, pronto para encarar tudo de frente.

Ao entrar na cozinha caso não me abaixasse, logo seria atingido por uma xícara arremessada por meu pai que, mais uma vez, bêbado, gritava reclamando de situações que só ele mesmo poderia entender. Bêbados tem essa de falar coisas sem nexo. E eu odiava aquilo. Minha mãe se encontrava absurdamente apavorada, e receosa de que algo pior possa acontecer, mandou-me embora, na escola eu estaria mais seguro.

Tocando uma das mãos sobre o rosto retirando o suor da testa, eu marchava o mais rápido e mais calmo possível até o colégio. Embora eu estivesse me definhando naquele estresse, eu ainda sim estava superansioso. Eu iria encontrar finalmente meu melhor amigo: Matt. Depois de quatro meses sem sua companhia, já começara se formar em mim uma necessidade de estar junto a ele. Precisava esfriar minha cabeça que estava completamente conturbada devida á todos esses acontecimentos, e Matt sempre foi uma pessoa que me deixava mais para cima, concluindo assim o esquecimento dos meus problemas caseiros.

A lanchonete que ficava em frente á escola estava vazia e a doce senhora passava a flanela verde com calma sobre o balcão.

— O que quer hoje, Felipe?

— Um suco de maracujá, por favor.

— Aconteceu mais uma vez aquilo?

— E quando não acontece?

Por toda aquela situação eu me sentia destruído e mal arrumado, sentia o ar podre. Ao dar dois goles seguidos, eu sabia que para meu dia seguir de uma forma melhor só dependia de mim, e estar olhando vagamente para a pequena tevê do estabelecimento enquanto ouvia o barulho atordoante do giro do ventilador fixado na parede não era a melhor maneira.

Puxei os fones do bolso, pus no ouvido, estalei o pescoço. Certo, não tinha por que ficar chateado o restante do dia. Foi só uma manhã perturbada como todas as outras, estas que consegui superar. Então por que não essa também? Não seria difícil. Não seria. Toda aquela confusão eu sabia que iria passar.

Na sala de aula, noto que parecia que o meu despertador não era o único que estava quebrado. Vazia e silenciosa era quase torturante permanecer ali sozinho. Olho para o lado e vejo minha mochila marcando o assento para Matt que até agora não havia dado as caras. Consulto o relógio. Ele estava realmente atrasado.

Levanto o rosto e então caminho em direção á porta. Meu jeans teimava em descer, culpa da minha saída espalhafatosa de casa, eu poderia ter pegado um cinto; porém ele parecia combinar bem com meus sapatos negros e a camiseta azulada. Meus olhos fuzilavam bem a escadaria abaixo esperando que Matt surgisse por ela. Olho para os lados e vejo belas garotas cochichando algo que eu não fazia ideia. Após voltar á visão da escadaria, observo Matt surgir por ela. Caminhando calmamente olhando para cada degrau que pisava, ele parecia bem pensativo. Rio para mim mesmo. Estava se aproximando.

“Ele vai cair!” grita uma loura do mesmo grupo de garotas.

Matt distraído não olhava para sua frente, no que resultou uma quase queda se não fosse por minha mão segurando-o, impedindo de descer acrobaticamente tropeçando em todos os estudantes que caminhavam atrás dele. Seria uma perfeita avalanche humana.

O apoio segurando-o pelos ombros. Após o susto Matt continuava inexpressivo. Sua cara espantada e desastrada continuava a mesma. Clamando por atenção eu gritava seu nome, mas ainda sim ele não respondia. Os olhos esticaram-se, a boca fez um formato oval e sua pele começara a tomar uma cor esverdeada.

Matheus estava extremamente assustado.

Olhei por onde ele subira. E nem poderia imaginar o que seria dele se eu não estivesse ali. Voltei a fitá-lo e sua expressão continuava a mesma, decidi gritar e chacoalhando a cabeça, Matt volta á realidade. Pergunto se estava bem, e mesmo com a voz um tanto falhada respondeu que sim. Passando a fala para mim, me perguntou se eu também estava.

— É claro que estou — disse. — Senti sua falta... — murmuro. Eu o observava esperando-o parar de levantar a calça folgada para cima e falar alguma coisa, e mesmo sem olhar pro meu rosto e coçando detrás da orelha, ele disse que também estava.

Matt sorriu para mim. Eu mal podia acreditar: depois de um bom tempo Matt estava ali comigo. Eu estava tão feliz.

— Todos sentados! — A professora havia chegado fazendo um barulho insuportável com seu salto alto, deixando no ar aquele perfume que com certeza ela tinha comprado minutos antes de chegar. Ela ainda usava um lenço de bolinhas vermelhas no pescoço.

— Ali nossos lugares. Vamos pra lá. — Segurei pela manga da camisa de Matt e o puxei.

— Olha... Obrigado. Hoje é o primeiro dia de aula e eu não queria sentar atrás. — Ele uniu as mãos e estalaram seus dedos. — Minha mãe, entende?! — explica, acomodando sua mochila e retirando seu caderno verde de dentro dela.

— Sem problemas — respondo, ajudando-o. — Nossa, você trouxe tanta coisa assim?

— Claro, nunca se sabe se teremos que fazer algo hoje ou não.

Matt sentou-se firme, espalhou seu material sobre a mesa dupla em que eu dividia com ele. Sempre tão organizado; o perfeito oposto de mim.

— Quero que façam uma redação de como foram suas férias! — Com um sotaque indiano e um entusiasmo de um agente funerário, a professora ordenou, e ao ouvir a mestre, bato a mão na testa chamando a mim mesmo de idiota. — Recebo em vinte minutos.

Eu não tinha trago absolutamente nada.

— Se quiser eu posso lhe emprestar um caderno. — Vendo a situação, Matt tenta me ajudar. Disse que não precisava, mas ele insistiu e acabei a aceitar.

Todos já tinham iniciado seu trabalho, e eu via atentamente os minutos passando pelo relógio que ficava no meio da parede que separava as duas janelas de vidro. Ergo a folha para cima, eu não sabia como preencher quinze linhas daquilo. Matt já estava quase no fim. É inacreditável como ele faz tudo tão rápido. Olhei pra ele enquanto escrevia seu nome no pé da folha e o agradeci mentalmente pelo material que me emprestara.

Matt vira-se para o lado.

— Não vai começar a escrever?

— Vou sim. Só um minuto. Deixe-me pensar.

Pairando a caneta transparente sobre os lábios, eu iniciava com o raciocínio, ou ao menos tentava. A verdade é que o meu verão não foi o melhor de todos. Ao contrário de grande parte desta turma barulhenta de quase quarenta rebeldes alunos, acho que fui o único que não fiz viagens e passeios fantásticos, como Pedro incansavelmente relatava no fundo da turma.

— Não vai começar a escrever? — Ouço a pergunta novamente, dessa vez de forma autoritária, e vinda da professora que com os braços cruzados parou em minha frente, dizendo: — Olha Felipe, esse é um novo ano, por favor... — Ela fez uma cara negativa, afim que eu entendesse o recado.

Eu sou péssimo aluno, confesso. Desde que meu pai começara a beber, eu perdi as esperanças de viver como um adolescente formalizado e corriqueiro. Eu ainda tinha a consciência de que não poderia por a culpa nas situações que ocorriam em minha casa pelo meu péssimo andamento escolar, que claro, não era algo novo. Só que aquilo era um tanto injusto, diga-se de passagem. Eu jamais poderia imaginar que as brigas, desentendimentos e discussões de meus pais poderiam me afetar tanto.

— Eu irei começar... — falo, encerrando a conversa. Ela saiu com uma cara totalmente desprezível saltitando sobre o piso de granito.

Aquilo estava sendo difícil.

— Felipe, está tudo bem contigo? — Matt toca no meu pulso. Seus olhos estavam sérios.

— Pra falar a verdade não. — Fiquei feliz por Matt ter perguntado sobre mim, pois incrivelmente ele fora a única pessoa que aparentou estar preocupada comigo desde o fim das férias de verão.

— É a redação? Se quiser posso ajudar você. Não tem problema — disse, pegando meu caderno em branco.

— Não é isso. É que...

— Seus pais, não é? — Antes que eu pudesse terminar a frase, interrompe: — Presta atenção, eu sei que tá sendo difícil isso, mas eu estou aqui para o que você precisar. — Ele riu fechando os olhos e depois voltou a mirar no seu próprio trabalho.

Sem demora, Matt inclinou-se para a direita. Ele já havia encerrado o dever. Levantando-se da cadeira, deixou sua redação numa pequena cesta de alumínio ao lado da mesa da professora Fátima. Ela sorriu para ele. Ele a cumprimentou. Logo depois saiu pela porta da sala de aula, e lá parou. Matt olha para mim com um sorriso sincero no rosto, no qual eu já era familiarizado, aquele sorriso único, que parecia me dizer um único recado: espero-lhe lá embaixo.

Ferozmente eu escrevia sobre o material. Meus pés começaram a suar, minhas mãos estavam frias. Fito o caderno. Faltava uma única linha. Logo terminei-a, e sem me importar se minha professora que adorava lenços cafonas no pescoço iria acreditar na minha viagem para uma ópera na Rússia ou não, deixo o trabalho sobre sua mesa.


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