A madrugada estava fresca e, de acordo com o relógio, logo seria de manhã.

Não era uma novidade para John ficar sem dormir a noite. Para se dizer a verdade era algo mais constante do que ele mesmo gostaria. O que mudava naquele momento eram os motivos para se encontrar completamente acordado àquela hora da madrugada.

Desde que voltara do Afeganistão suas madrugadas eram assombradas por pesadelos. Gritos. Tiros. Choros desesperados de pessoas que não podiam mais ser ouvidas. Sua insônia o consumia e quase o fazia acreditar que as madrugadas que passava acordado seriam infinitas. Que a qualquer momento a escuridão o engoliria e sua solidão o esmagaria. Aquilo durara por um tempo, antes dele.

O céu lá fora começava a clarear e a silhueta alta de cabelo cacheado ficava ainda mais dramática contra a luz acinzentada da manhã que começava a nascer.

Sherlock mexia em uma pilha de arquivos antigos. Seus olhos, claros demais, concentrados no que fazia, como se a vida dele dependesse daquilo. Haviam passado a noite em claro, mas o moreno não dava sinais de cansaço, muito pelo contrário, ao que parecia. Sherlock estava revigorado e, de certa forma, John também estava.

Desde que se mudara para o 221b, havia trocado os pesadelos pelos casos. O medo pela adrenalina. A solidão por Sherlock. Os pesadelos não vinham mais quando ele dormia, isso quando tinha tempo pra encostar a cabeça no travesseiro. Aquele buraco que a guerra havia deixado fora tampado por sua nova vida. E quem diria que John Watson teria uma nova vida?

Mas ele havia escolhido aquilo. Escolhera ficar ali, mesmo com todas as manias de Sherlock. Mesmo com seu temperamento e sua personalidade horrível. Escolhera passar as madrugadas perambulando por Londres e correndo atrás de suspeitos. Ele escolhera aquela vida e não se arrependia disso, nem se quer por um momento.

Embora, certas vezes, sua poltrona parecesse confortável demais para que não se recostasse ali por alguns minutos. E então ele caia num sono tão profundo e sem sonhos que quase não acordava quando a voz forte de Sherlock chamava por ele, animado para colocar John a par de mais uma grande dedução.

A manhã já ia longe lá fora quando terminaram de revisar todos os arquivos sobre o caso anterior. John sentia as costas doerem, mas saber que o trabalho havia sido feito o deixava aliviado.

–Você parece um lixo, John – a voz de Sherlock chegou aos seus ouvidos.

–Bem, obrigado – retrucou. – Foi um prazer ajudá-lo com isso.

Sherlock o olhava e John podia sentir todo o peso daquele olhar. Eram parceiros agora. Sabia disso.

E quando todos acordavam, eles iam dormir. Refugiando-se por poucas horas antes que algo "menos entediante" aparecesse para eles. Apenas pra repetir aquela constância inconstante que o havia prendido de tal forma e o ensinado a viver novamente.