Oceano escrita por Mateu Jordan


Capítulo 2
Olhos dilatados




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Aquele medo se espalhou em mim como a água se espalha no oceano. Livre. Selvagem. Mas quando se espalhou em mim eu me senti presa e acuada. Engraçado.

Ainda estou com meus habituais tiques quando meus pais perceber o problema. Odeio ser assim por eles.

– Ah... Não tem problema... Vamos deixar pra próxima, Hugo – Minha mãe me olha com tristeza, sei que ela não me culpa pelo trauma que tenho, mas ela sabe que já fez muita coisa e que nada resolve muito. Eu sinto pena de mim. Sou um caso perdido.

– É claro... tudo bem – Meu pai passa por mim e beija minha testa, minha mãe também vem perto de mim e senta-se do meu lado, abraçando-me. Isso só me fez sentir pior. Pareço um veneno.

– Ahhhhhh... – Meu irmão está com uma carinha tão triste que acho que vou explodir de desgosto. Não quero vê-los assim, presos em um vidro como eu vivo. Eu quero dar suas asas de volta.

O medo corrói cada osso, fura cada veia, mata cada defesa minha. Sou tão vulnerável nesse instante quanto uma folha de papel numa tempestade de verão. Por um momento parece loucura para mim, mas eu sei que preciso enfrentar isso. Enfrentar-me.

Ouço a chuva forte lá fora, e seguro a minha vontade de correr para lá e fugir para sempre.

– Eu sempre quis conhecer a Califórnia! – Minha voz sai trémula, e meu sorriso forçado. Quando vejo as expressões deles, eu tento contornar – Qual é gente! Eu vou adorar. Eu posso ficar na areia, vai ser demais. Vão ter outros passeios, não vão? Então. Eu não quero ficar em casa me lamentando.

Eu tentei concertar, não sei se deu certo. Meus pais me olham. Logan me olha. Eu quero me enterrar na areia. Ficar seca.

– Você acha que consegue querida? – Meu pai me pergunta – Não quero força-la a ir para a praia. Eu sei bem como é seu trauma...

– Pensando bem... acho melhor nem irmos... você nunca mais quis ir para a praia – Minha mãe está com um olhar tão preocupado que, eu quero levantar e consola-la e dizer que sou forte o bastante.

– Isso então quer dizer que vai ser melhor ainda nós irmos, mamãe – Eu digo, me levanto, e fico de frente para eles – Vocês ficam comigo um pouco, eu vou adorar ler Orgulho e Preconceito no ar-condicionado do hotel. Vai ser demais.

Meu pai sorri tão radiante que vejo até os últimos dentes dele. Minha mãe vai ao meu lado e me abraça também. Logan “pula” – foi quase isso – na minha direção e diz no meu ouvido “eu amo você, Leo” e meu dia fica melhor ainda. Eu vou curtir essa viajem, não vou estraga-la. Mas quando eles saem de perto de mim, tudo desmorona novamente.

Quando entro no meu quarto e fecho a porta, caio de joelhos no chão e choro tão silenciosamente que não sei se estou chorando de verdade. Minha pele está toda arrepiada, meu peito está doendo tanto. Minha garganta está entalada com uma bola de medo.

Faz meses que não choro assim, tenho que parar, tenho que parar.

Eu tenho um trauma, isso eu sei. E eu tenho muita vontade de nadar novamente, isso eu sei também. Mas o que não sei, é porque essas duas coisas totalmente diferentes estão me matando. Nunca contei isso para ninguém. Nem para o meu psiquiatra.

As vezes sonho que estou nadando no maior oceano, e estou sorrindo à beça, muito feliz de estar enfrentando meu medo. Quando sonho assim e acordo, meu peito está leve e meus olhos calmos. Mas então quando vejo uma porção muito grande de água minhas pupilas se dilatam, sinto o formigar na minha pele, sinto meu estômago revirar, como um peixe se debatendo fora d’água, sinto meus pelos se eriçarem, minha visão fica ampla, mas o medo e a ansiedade são maiores que tudo, e eu recuo sempre. Fugindo.

Não sei porque sou assim, e de novo terei que enfrentar isso de cara.

Soube que todas essas coisas aconteciam comigo quando fui no lago atrás da nossa casa, que antes servia como um reservatório da água da chuva. Mas com o tempo, ele foi sendo deixado pela prefeitura da nossa cidade e então virou lazer para algumas crianças do nosso bairro, inclusive Logan.

Levei-o uma vez para nadar ali. Foi quando eu senti aquelas coisas diferentes comigo. O estômago revirado, os pelos eriçados, a visão ficando mais nítida, e eu estava só a alguns metros do rio. O medo me dominou e eu só pensava em algo. Eu quero ir embora. Ir para casa.

Então chamei Logan, disse para ele que estava com tontura e enjoo, e ele concordou numa boa de ir embora. Ele é uma gracinha. Mas quando olhou em meus olhos, ele disse algo que eu não irei esquecer, pois isso me mostrou o quanto a água me afetava. Até hoje não sei se isso era bom ou ruim.

– Seus olhos estão maiores, Leo? – Ele me olhava estranho. Devia estar muito diferente.

– Hãm? – Eu perguntei tão rápido que pareceu assusta-lo.

– Seus olhos estão... dilatados, eu acho. Acho que é assim que se fala – Ele completou.

– Eu... estão? – Perguntei. Peguei meu celular e vi meus olhos. Assustei. A parte onde a cor dos olhos se revela, estava tão grande que o branco dos olhos só aparecia bem no canto. Meus cílios pareciam maiores assim, não pude deixar de reparar.

Virei o rosto para longe de Logan e, pisquei os olhos muitas vezes, puxando-o para longe do rio e para irmos embora. Ele foi arrastado por mim, eu andei tão rápido por medo que mal sabia onde ia. Pensei que quando visse minha casa, eu iria relaxar. Mas não, meu coração batia tão forte que o peito doía, então olhei de novo meu reflexo na tela do celular. Alivio. Meus olhos tinham voltado ao normal – meus cílios também – e por um momento eu relaxei.

Logan nunca contou para mamãe, acho que ele já não se lembra, faz mais ou menos uns 2 anos quando isso aconteceu, e desde então venho guardando só para mim. Preciso relaxar.

Deitei em minha cama e fechei os olhos, mesmo estando escuro o bastante. Adoro procurar pontos pelo meu quarto no escuro. Tentar descobrir qual é o objeto só pela silhueta e contar o livros e filmes que tenho na minha pequena – pequena mesmo – estante.

Mas hoje não. Não.

Coloco um travesseiro nos meus olhos e tento dormir. Não quero sonhar com nada, só quero dormir e acordar amanhã sendo uma nova Leona, uma menina normal. Mas por algum motivo sei que mal começou as anormalidades que a minha vida tem a proporcionar-me. Talvez seja legal, talvez não.

Acordo no outro dia – uma sexta-feira – a noite vamos partir para a Califórnia com o nosso carro. Levanto da cama e me arrumo. Tento esconder as olheiras que estão embaixo dos meus olhos. Impossível. Acho que não dormi nada. Acho que nunca mais dormi nada. Mas faço o meu melhor.

A água gelada da torneira por algum motivo me desperta. Saio do quarto em direção a cozinha para tomar café da manhã, e já encontro todos lá me esperando.

– Bom dia, filha – Minha mãe fala, em meio a uma mordida no pão que parece morninho.

– Bom dia – Respondo, com um meio sorriso.

– Pronta? – Meu pai pergunta. Vejo que ele parece muito ansioso. Acho que até esqueceu de colocar a gravata.

Respiro profundamente antes de responder. E falo o menos possível, acho que corro risco de vomitar, mesmo antes de começar a comer.

– Pronta.

– Hoje te busco na escola as 15hrs, Leo – Minha mãe diz, sem me olhar nos olhos – No lugar de sempre, ok?

– Tudo bem, mãe. – Falo.

– Arrumem suas malas, pois quando chegar, já quero estar no clima de férias. – Meu pai fala sorrindo e depois ri.

Todo mundo na mesa solta um risinho também.

– Seu pai comprou uma camiseta florida – Minha mãe me diz no ouvido, enquanto ele e Logan estão tendo uma conversa sobre onde vão colocar a boia de jacaré que Logan tem no carro. – Eu tentei avisa-lo de que era, de certa forma... brega, mas ele não me ouviu.

– Papai está bem feliz, não é? – Pergunto, e é a primeira vez no dia que solto um sorriso verdadeiro. Amor. – Não vamos desaponta-lo então. Deixe que ele leve a camiseta florida.

Nós duas rimos.

– Qual é a graça, meninas? – Meu pai nos olha, com os olhos semicerrados.

– Nada – Minha mãe e eu respondemos em sincronia.

Acabamos rindo muito mais depois disso.


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