Radius

“— Pai, quando poderei caçar? — Radius perguntou curioso, apontando o focinho para uma manada de cervos.

— Ainda levará um certo tempo. — respondeu calmamente Jack, o grande alfa da alcateia. — Por enquanto, você deve caçar apenas pequenos mamíferos, como lebres ou ratos.

— Nah, isso é sem graça. — Radius rolou os olhos e seu pai riu.

Então, uma forte brisa fez os pelos espessos de Jack balançarem freneticamente. Nuvens cobriam o céu. O tempo estava mudando.

— Hora de voltar, filho. Uma forte tempestade está por vir.

— Ah, pai... Mas estava tão divertido aqui com você! Não quero voltar.

— Radius, como futuro alfa deve entender que precisamos estar sempre com nossa alcateia. — Jack colocou uma pata sobre a cabeça do filhote. — Somos seus líderes, logo, precisamos estar lá para liderá-los e lhes dar suporte.

— Tudo bem, pai. — o pequeno deu a pata a torcer.

Assim, Radius e seu pai começaram a correr de volta para uma área cheia de troncos caídos, que formavam uma espécie de abrigo — era o coração da alcateia.  Porém, quando chegaram, Radius acabou esbarrando em algo. Ou melhor, alguém.

— Ei, cuidado! — uma filhote, que estava encolhida e com a cauda entre as pernas traseiras, reclamou.

— Hã? Oh, desculpe. — ele disse, mas estava confuso por não reconhecer a filhote.

Jack observou os dois com cautela, até que Radius começou a se afastar da desconhecida.

— Quem é ela, pai?”

— AH! — gritei, assustado.

Olhei ao meu redor, procurando uma caverna ou coisa parecida, mas então lembrei de que estava numa pequena toca — o melhor abrigo improvisado que se pode achar numa noite chuvosa.

Tudo havia sido só um sonho. Todas aquelas memórias de meus tempos de filhote... Sabe, até que sinto falta de meu pai me mostrando o território e tudo o mais.

“Nah, besteira.” — disse em pensamento e meu estômago começou a roncar.

Farejei o ar buscando uma presa fácil, como uma lebre ou um veado  — nada muito complicado, só precisava encher aquele buraco no meu estômago. Então, vi uma lebre saltando despreocupadamente. Uma, não; duas! Não podia ser melhor.

Me agachei e com um grande salto, abocanhei uma lebre e peguei a outra com uma pata. Coloquei as garras para fora e esmaguei o pequeno animal. Ambas já estavam juntas na minha barriga dentro de alguns minutos. Não era o café da manhã perfeito, mas pelo menos era um café da manhã.

— Haha! — ouvi uma risada doce, pura e alegre. Era uma voz feminina, e talvez pudesse ser de uma loba.

Não sabia que havia mais alguém por aqui. Mas quem quer que seja, quero conhecer. Andei silenciosamente, vasculhando a área, até que comecei a sentir um cheiro familiar, entretanto, não o reconheci perfeitamente. Logo, teria que seguí-lo se quisesse encontrar a dona da risada.

Visualizei, então, uma área sem árvores no meio de todo aquele mato — uma clareira. Mas aquela clareira era diferente da maioria. Ela escondia algo: várias violetas. Há uma bela história por trás do surgimento dessas flores por essa região, uma história que minha mãe já me contou dezenas de vezes.

Dizem que há tempos atrás, um lobo e uma loba se apaixonaram. Porém seu amor era proibido, pois suas alcateias eram inimigas mortais. Então, todos os dias eles passaram a se encontrar na clareira, que ainda não possuía flores — era apenas um monte de terra fértil.

Um dia, o lobo encontrou uma flor no caminho para a clareira, e resolveu levá-la para sua amada. Chegando lá, a loba adorou o presente, e resolveu plantar a delicada planta, como um símbolo eterno do amor dos dois. Com cuidado, ela cavou a terra com sua pata e colocou a flor ali. Depois de alguns anos, os dois infelizmente foram descobertos e acusados de traição por suas respectivas alcateias. Assim, foram mortos. E a partir daquele dia, várias flores começaram a crescer na clareira, espalhando-se por toda a parte.

É uma triste história, mas sinceramente, não sei se é verdade. Talvez seja apenas um conto de lobos.

Enfim, ao chegar mais perto da clareira — mas ainda sem sair da sombra das árvores — vi uma loba rindo nas flores. Não a reconheci de imediato, mas então notei que era Diamond.

Talvez meus olhos estivessem brilhando, pois aquela era uma visão magnífica. Ela estava rolando nas flores, rindo como uma filhote. Ela é mais perfeita ainda quando ri.

Andei um pouco para o lado, tentando ter uma visão melhor, porém ela notou minha presença. A loba se levantou bruscamente e sacudiu seu pelo, fazendo várias pétalas arroxeadas voarem. Precisei me controlar para não saltar em cima dela naquele instante.

— Há alguém aí? — ela perguntou num tom levemente intimidador.

Resolvi brincar de esconde-esconde. Por que não?

Ela olhou para os lados — confusa por não obter nenhuma resposta, talvez — e virou de costas novamente.

“Ora, ora... Alguém andou faltando umas aulas de sobrevivência.” —pensei com um sorriso.

Agora era a hora. Agradeci rapidamente ao destino por me dar essa oportunidade e então, saltei sobre Diamond. Rolamos uma vez e eu fiquei em cima dela, que por sua vez, mantinha os olhos fechados. Não sabia o porquê, mas era fofo.

— Argh! Saia de cima de mim! — ela rosnou.

— Não se deve dar as costas para um inimigo, princesa. — disse com um sorriso.

Ela então abriu seus belos olhos azuis.

— D-desculpe... Eu não sabia que era você. Pensei que era um estranho. — Diamond corou.

— Não se desculpe. Você só estava se defendendo. – pisquei e saí de cima dela. Ficar tão próximo assim de Diamond sem poder abraçá-la estava me enlouquecendo, então apenas me sentei próximo a ela.

Ela se deitou de lado, mantendo o contato visual. Aquilo estava me deixando nervoso.

— Então... Não sabia que conhecia este lugar. Eu até queria te trazer aqui ontem. — péssima tentativa de puxar assunto. Mas talvez funcione.

— Bom, na verdade eu meio que não conhecia essa floresta. — ela disse. — Foi só o primeiro lugar que eu achei para... hum... fugir da minha família. Não num sentido ruim. É difícil explicar.

Fugir da família? Engraçado. Sempre achei que a família de Diamond fosse perfeita, oras. Parece um bom momento para tentar saber um pouco mais sobre ela.

— Por que fugir de sua família?

— Não é bem de toda a família, mas sim de uma de minhas irmãs. — ela deu um suspiro. — Digamos que ela não goste muito de mim. Tivemos uma discussão agora pouco, então eu resolvi ficar sozinha por um tempo.

Por que diabos alguém não gostaria dela? Mesmo tendo tão pouco contato com ela, sei que é simplesmente a loba mais bela e gentil que eu já conheci. E não digo isso só porque gosto dela.

— Hum... Eu estou atrapalhando nessa sua coisa de ficar sozinha? — perguntei enquanto encolhia fitava o chão.

— Bom, está.

Rapidamente senti uma imensa vontade de desaparecer. Droga, droga, droga!

— Mas acho que isso é uma coisa boa. — ela deu um fino sorriso.

Huh. Estou aliviado. E feliz.

— E quanto à sua alcateia? — Diamond perguntou.

— Ah, bem... Eu saí. — disse sem rodeios.

Primeiramente, eu não tinha motivos para mentir. E depois, não queria falar nisso. Ela pareceu um pouco chocada.

— Mas por quê?

— Talvez eu fique melhor sozinho. — dei de ombros.

— Ninguém fica melhor sozinho. Todos precisamos de alguém ao nosso lado, Radius. — ela disse docemente enquanto se levantava.

Fiquei levemente confuso, pois não sabia onde ela iria. Logo, entendi que ela estava caminhando em minha direção. Ela se sentou ao meu lado e ficou me observando com aqueles olhos azuis. Então, ela se aconchegou no meu pelo. Aproveitando que ela não estava me vendo, dei um enorme sorriso, e a abracei de volta.

— Você poderia ser esse alguém. É a única loba que eu tenho ao meu lado. — eu disse sem pensar.

Droga! E se ela não gostar de mim do mesmo jeito?!

— Digo... Nós nos conhecemos ontem, mas... Somos amigos, certo? — tentei consertar minha mania de falar demais.

Ela respirou fundo e me encarou novamente.

— C-claro que somos! — ela sorriu. — E eu irei ficar do seu lado.

Então voltamos a nos abraçar. Enquanto permanecíamos juntos num momento de paz, eu fiquei olhando as violetas.

— Espere um pouco. — disse e me afastei rapidamente. Arranquei uma flor do chão e a coloquei sobre a orelha de Diamond, que sorriu timidamente.

— Uma flor para outra flor.

Veja, eu não tenho a menor ideia se ela gosta de mim, então tenho que mostrá-la que eu sou um lobo legal, por via das dúvidas. Um pequeno pássaro azulado voou por cima de nossas cabeças e Diamond deu uma risadinha. Ela me rodeou e saiu correndo atrás da ave, que passou a voar mais alto. Corri atrás dos dois — Diamond e o pássaro aleatório — dando saltos.

Logo, eu e Diamond não estávamos mais perseguindo o pássaro, mas sim um ao outro. De repente, começamos uma pequena luta, num sentido amigável, e eu a derrubei no chão sem muito esforço.

— Precisa treinar um pouco mais, princesa. — eu ri enquanto ela ria também.

Diamond me fitou intensamente com seus olhos azuis; era como se eu estivesse olhando o céu. Então, ela esfregou seu focinho no meu e deu um sorriso. Aquela loba estava me deixando louco a cada minuto que passávamos juntos, e eu estava gostando cada vez mais.