Cara e coroa escrita por Noni, Yorihime Frances de Libra, Vênus Salerinean


Capítulo 1
««uma moeda, dois lados»»




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Olhar para dentro de si mesmo

nem sempre era uma tarefa fácil.

Toda vez que ela olhava,

sabia o quanto aqui era absurdo.


Vou contar-lhes como puder o que havia lá. Como o Criador de todas as coisas, para mim não era dificuldade alguma saber o que havia no corpo, alma ou coração das pessoas. No dela havia tanta escuridão que eu evitava ao máximo me aproximar. Mas, para relatar aqui, precisarei ir até lá.

De início, entrar em seu subconsciente era problemático. Ela sabia exatamente quando eu fazia aquilo e entrava no estado defensivo. Eu odiava isso. Eu era seu Rei, por que ela me temeria? Dando de ombros, penetrei em seus pensamentos, atravessando o raciocínio rápido dela e suas barreiras sentimentais.

Infelizmente, violei sua sanidade. A viagem da borda de sua consciência até o fundo de sua inconsciência era sufocante. Eu preferia curtir meus queridos filhos me adorarem em minha glória. Mas, por ela, eu era capaz de tudo. Até de entrar aqui.

Ao chegar ao ponto onde eu encontraria o foco deste relato, olhei de um lado a outro. Em um primeiro momento, parecia não haver nada, mas, ao estreitar mais os olhos, vi, ao longe, uma plataforma flutuante.

Lá estava!

Aproximei-me lentamente, hesitante, tentando ser o mais transparente possível. Sobre a plataforma velha e meia destruída havia duas versões dela.

Eu amava ambas igualmente.

Uma, com rosto cansado e sorriso triste, jazia presa por correntes ao chão. Sua pele era pálida como uma flor murcha e seus cabelos eram longos e escuros. Mesmo que eu adorasse a ambas, aquela era a que mais me encantava. Ela era pura e adorável e eu sempre sabia quando era ela no comando de seu corpo moribundo.

Seus gestos eram tranquilos e suaves. Fáceis de identificar.

Já a outra sorria maldosamente. Ela era morena, com cabelos curtos e uma voz forte e decidida. Estava sempre metida em encrencas, e era eu quem a tirava delas. Sempre. Mesmo que fosse travessa e rebelde, eu a amava como à outra. Seu jeito espontâneo era muito útil para livrá-la de problemas, e para conquistar as pessoas.

Ela era muito boa com as palavras, enquanto a outra era boa com gestos. Mesmo ambas sendo a mesma pessoa, pareciam gêmeas com personalidades muito diferentes.

Elas eram, afinal, as duas faces de uma mesma moeda. Eu as havia criado para serem assim. Independentes, fortes a seu modo. Eu só não gostava quando, em consenso, elas faziam algo que me desagradava. No fim, reconheciam o erro, mas ele poderia ter sido evitado se elas notassem os sinais.

Só que, quando juntas, elas pareciam não ver nada além de uma à outra.

Eu gostava de vê-las felizes e juntas, mas eu sabia que tais ocasiões eram raras.

Elas eram duas personalidades presas dentro de um mesmo corpo. Para uma atuar, a outra precisava ficar presa ao subconsciente por correntes de contenção. E, para que trocassem de lugar, brigavam até que alguém desse uma brecha e fosse pego nas correntes. Eu não conseguia ajudá-las porque não podia atuar no subconsciente diretamente. Era um lugar além de pessoal. Eu só assistia e lamentava.

Eu preferia que elas não tivessem se separado. Originalmente, elas eram só uma. Uma criança independente, doce, inteligente e divertida. Mas a vida forçou a criança a ir além, a crescer muito cedo e enfrentar a maldade do mundo.

Não havia alma que resistisse.

Como mecanismo de proteção, o lado forte se separou do fraco e selou-o, tomando conta do corpo por muito tempo, afastando as pessoas gradativamente e curando suas feridas. Mas ser forte o tempo todo não a fazia feliz. Com o tempo o lado inocente aprendeu a passar por cima do outro e viver.

Infelizmente, eu não sabia como ajudá-las. Ou como fazê-las voltarem a ser uma. Procurei por muito tempo uma forma, mas descobri apenas que dependia inteiramente delas.

Mas seria muito difícil isso acontecer. Sua autoproteção não cederia tão fácil.

Suspirando, e vendo que elas estavam olhando diretamente para mim, sorri e acenei, desaparecendo lentamente. Não era difícil para eu visitar uma alma, mas remexer em feridas já cicatrizadas não era o meu forte. Eu queria salvá-las, mas era uma missão longe das minhas mãos.

Eu só podia esperar que elas sobrevivessem até o fim. Juntas ou não.


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