A primeira coisa que notou foi que estava preso; não de forma dolorosa, na verdade era bem o contrário, era caloroso e bastante confortável, mas não seria capaz de se mover se quisesse. A segunda coisa foi o cheiro, um perfume familiar, agradável, mas que ele ainda não era capaz de identificar. Foi despertando aos poucos, levando um certo tempo para abrir os olhos e mantê-los assim, ficando estático, ou melhor, petrificado ao se dar conta de onde estava. A tal prisão calorosa e confortável, nada mais era do que os braços de Shizuo que o envolviam de forma carinhosa e ao mesmo tempo possessiva; e o tal cheiro agradável e familiar, o perfume que exalava do corpo do loiro.

Se forçou a se acalmar um pouco e tentou pôr em ordem o turbilhão de pensamentos, e também de sentimentos, que se formou em seu interior. Se lembrou de ter atirado o ursinho de pelúcia do loiro pela janela num repentino ataque de ciúmes, algo lastimável para alguém como ele, mestre em controlar a tudo e a todos. Bom, quase todos. Shizuo sempre, de uma forma ou de outra, conseguia tirá-lo dos eixos. Era irritante. O loiro sempre fazia o que queria e quando queria, não havia um padrão específico em seu comportamento, portanto, era impossível prever o que, como ou quando ele faria algo. Shizuo era um enigma, não, um quebra-cabeça seria uma melhor definição, e sempre que Izaya achava estar perto de completar a figura ela parecia ficar maior, com muito mais peças faltando.

Acabar adormecendo ali, justamente na cama do loiro, havia sido um descuido imperdoável. Shizuo poderia muito bem tê-lo matado com um único soco, ou simplesmente o atirando pela janela, fazendo-o despencar por dez andares; o informante podia até ser resistente, mas não era imortal para sobreviver a uma queda dessas estando inconsciente. Mas novamente o loiro o surpreendera. Além de não tê-lo socado ou expulsado, na melhor das hipóteses, simplesmente o abraçara e dormira ao seu lado, exatamente como fazia com o ursinho.

Izaya só conseguia pensar em duas explicações para isso: A: Shizuo não estava completamente ciente dos seus próprios atos. Talvez estivesse cansado demais, com sono ou até mesmo bêbado, embora soubesse que o loiro não costumava ingerir álcool. B: o loiro tinha plena consciência do que estava fazendo e sabia muito bem que era Izaya quem estava ali, e exatamente por isso havia agido daquela forma. Levando-se em conta o histórico de ódio mútuo entre eles, a primeira opção seria a mais lógica, porém, não dava para se confiar na lógica quando se tratava de Shizuo, e sabia que o loiro jamais seria alheio a sua presença, assim como ele próprio não era à respeito do loiro. Então, a única explicação para aquele gesto era que o loiro, assim como ele, nutria algum sentimento ridículo e absurdo pelo maior inimigo.

Patético... Nós somos patéticos, Shizu-chan. – não pôde evitar sorrir ante aquele pensamento bobo. Ergueu um pouco a cabeça, o suficiente para ficar face a face com o loiro e poder ver sua expressão calma e tranqüila, quase angelical. Tão lindo... Nunca antes tivera a chance de observá-lo tão de perto, de sentir o calor daqueles braços, de inalar aquele doce aroma desprendido daquela pele... Tinha vontade de afagar-lhe os cabelos, sentir os fios loiros entre seus dedos, mas na posição em que se encontrava não dava pra fazer isso no momento, uma pena, mas tinha certeza que dali para frente não lhe faltariam oportunidades para realizar tal gesto.

Aproximou ainda mais seu rosto ao de Shizuo e selou seus lábios gentilmente antes de voltar para a mesma posição de quando acordara: com a cabeça deitada no peito do loiro. Inspirou profundamente, sentindo o cheiro gostoso daquela pele enquanto fechava os olhos e se aconchegava melhor naquele abraço, deixando-se levar novamente pela inconsciência.

Não se importaria em ser o novo ursinho de pelúcia de Shizuo. Não mesmo. Faria isso com o maior prazer.