Vendeta escrita por Dominique


Capítulo 1
One-shot


Notas iniciais do capítulo

Eu escrevi esse conto em 2013, para um trabalho escolar. Eu encontrei ele quando estava excluindo alguns arquivos antigos. Eu nunca coloquei nada aqui no Nyah antes, mas resolvi revisar e postar esse. (:



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Em sua juventude, algumas pessoas são como árvores de cerejeira, florescendo nas margens de uma trilha, dotados de beleza etérea e cercados por um halo de pura luz. Apenas olhar esses indivíduos traz retalhos de esperança para as manhãs e segurança para as noites. Encontramos calor em seus gestos, brilho em seus sorrisos e beleza em seus olhos.

O encanto que trazem cega-nos ao fato de serem terrivelmente frágeis e imprudentes. Eles se desprendem de seus ramos com a mesma facilidade com que a areia é carregada pelo vento. Suas vidas inteiras são resumidas em um único momento de graça, aos clamores tenros de uma única noite, a um poema entoado ao por do sol que aprisiona os ouvintes em cada verso e se estilhaça com a aurora, tal qual vidro ao se quebrar.

São pétalas cor-de-rosa que bailam uma valsa esplêndida de um único segundo, uma dança de perfeição da qual não é possível desviar os olhos, pois seria como virar a cabeça para não olhar a passagem de um anjo. Então a valsa termina, chegam ao chão e se perdem entre outras tantas pétalas iguais, outrora agraciadas com beleza quase divina, mas agora murchas e enlameadas.

Existem, também, pessoas que são como carvalhos, árvores frondosas e magníficas que se elevam imponentes como reis. Não são árvores comuns: vivem em densas florestas, no coração de bosques ou reinam sobre imensas planícies vazias. É uma árvore infrutífera e não produz flores. A beleza do carvalho se encontra em sua resistência e grandeza. Essa árvore cresce lentamente, ao longo de quarenta anos, mas quando finalmente atinge a maturidade, poucas coisas são capazes de derrubá-la.

Eis que a chegam as primeiras tempestades veraneias e quebram os galhos da cerejeira; se esta resistir, está fadada a falecer nos gélidos braços do inverno. O carvalho continuará em pé, como um eterno soberano das árvores. Então a tempestade cessa, e a árvore milenar está em pé, silenciosa. A cerejeira jaz no chão, lamuriando-se de sua inconsequente vaidade, estremecendo e chorando suas últimas lágrimas.

O velho samurai evitava olhar para o oponente. Sua katana estava fincada no chão ao seu lado, vermelha com o sangue daquele que agonizava humilhado e reduzido a uma sombra pálida de lábios tépidos e olhos marcados pelo medo – O medo que todos sentem ao enfrentar a morte.

Durante toda a sua vida, o jovem nutriu-se com sonhos infantis. Acreditava que ao se prostrar diante do mais velho e atirar-lhe todo seu asco triunfaria conquistando sua tão almejada vingança. E como desejara isso! Consumira dias inteiros com essa obsessão, queria ver correr o sangue de seu mais antigo rival, o odioso assassino de seus pais, um homem tão perverso que mal passava de um esboço de ser humano.

O velho samurai que lhe roubou a infância e a melhor parte da vida, foi assim que o viu por tantos anos, mas a cerejeira foi incapaz de admitir a sua própria culpa e ignorância. O ódio que pesteava seu coração o fez cego para as coisas belas e essenciais. O rancor fez com que não desse valor para aqueles que o amavam: A única pessoa em sua mente sequer o conhecia.

Em sua juventude frenética e impaciente, ansiara pelo dia em que finalmente floresceria, ansiara por paixões, por clamores de guerra, por grandeza e glória. Fez-se surdo a conselhos sábios, ergueu ao redor de si uma muralha de soberba. Era uma cerejeira que se julgou capaz de derrotar o antigo carvalho pelo simples fato de estar lutando pelo "bem" enquanto seu oponente era um cruel vilão que defendia o "mal". Agora desfalecia, espalhando pétalas escarlate, forçado a encarar a realidade e submisso ao fato de que todo ser humano está fadado à morte.

Enquanto isso, o carvalho estava tão imerso em devaneios que o mundo que o cercava parecia ter desaparecido e perdido o significado na semi-escuridão, sob a tênue luz do plenilúnio.

O velho samurai sabia: para cada ação existe uma reação, para cada ato uma consequência. Aquele rapaz o procurou e fez seu desafio. Recusou-se a princípio, era contra seus ideais tirar uma vida se não houvesse motivos para fazê-lo. Repudiava o ato, ainda mais ao ver que seu desafiante era apenas uma criança. Uma criança cheia de fel, que gritou e o acusou de crimes que inegavelmente cometera. Uma criança que veio morrer pela lâmina que anos atrás decidira poupar sua vida.

Não pode evitar uma comparação, eram muito parecidos de certa forma: ambos vingadores. Mas havia uma diferença crucial: O jovem era uma cerejeira, enquanto ele era um carvalho.

Sua desafronta ocorreu lentamente, ira fria guardada em seu âmago durante anos. Por décadas a fio aprendeu a manejar a espada, dominou a leitura, conheceu a arte e nuances de medicina, amou mulheres, travou duelos e tomou parte em revoltas, explorou terras distantes e conheceu toda sorte de pessoas. Algo podia ser dito, além de que vivera?

Enquanto seguia sua vida, a ira aquietou-se e sumiu, o ódio se estilhaçou, laços de carinho e amor se desfizeram e até mesmo o arrependimento desapareceu. O sofrimento, seu último e eterno companheiro, foi sufocado, se tornado distante, mas se o fez, foi pela ação do tempo. Conseguiu salvar a honra, sangue foi pago com sangue, aqueles que dizimaram sua família agora eram pó e alimentavam vermes.

Aquelas pessoas também possuíam um filho. Uma criança que presenteara com o mesmo passado obscuro e a mesma ira que possuía. Ira que em si foi fria como gelo, mas no jovem ardeu como uma floresta em chamas.

Com a alma banhada em amargura o jovem perseguira e desafiara o vingador, esperando conseguir sua própria vingança. Ele poderia ter conseguido, mas não valeria nada. A dor não seria amenizada, os mortos não retornariam, nem encontrariam a paz, apenas criaria outro vingador. Os vingadores são filhos da vingança.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler~



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