Vermelho escrita por Fantesia


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Editada.



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Vermelho

Folhas e galhos secos estalavam debaixo dos passos rápidos. A preocupação estava estampada na face da pequena, havia se atrasado. Tinha se distraído observando a fauna do bosque. Quase nunca passeava por ali sozinha, e quando o fazia, era sempre rápido. Porém, as sombras do final do dia davam a vegetação um ar de floresta mal assombrada. A menina tinha apertado o passo desde que ouvira a poucos minutos atrás um lobo uivando. Não que estivesse com medo, é claro, mas se apressar pra chegar ao seu destino era bem mais sensato do que ficar pra trás no bosque.

A cada metro percorrido ela olhava para trás, segura de que alguém a estava seguindo, mas nada via além das grandes e velhas árvores. Parou e olhou para trás mais uma vez, respirando pesadamente, tentando, em vão, acalmar seus pulmões.

Um latido próximo fez com que a menina se virasse e corresse pela trilha que tinha escolhido. Um atalho que um estranho lhe falara mais cedo. Corria depressa, e uma vez ou outra acabava esbarrando em algumas árvores rasgando suas vestes vermelhas. Na corrida havia deixado cair a cesta com doces e especiarias. A adrenalina era tão grande que a garota nem percebera que seus sapatos faziam pequenas feridas nos seus pés.

A menina gritou alto ao ouvir outro latido. Mais perto que o anterior. Seu coração batia rápido e forte contra o peito e a respiração descompassada delatava o terror da criança. A clareira e a casa de sua avó estavam a poucos metros de distancia. Ela sabia que havia algo atrás dela, algo grande. Faminto.

Um galho prendeu no seu capuz e ela caiu de costas no chão. Era o fim, ela sabia, em todas as histórias que ela lia, as pessoas que caiam sempre morriam. Mas então silêncio. Nada aconteceu. A floresta estava calma atrás dela. Apoiando-se nos cotovelos ela olhou em volta e nada. Nenhum animal, nenhum lobo. Absolutamente nada. Talvez fosse apenas um cachorro, pensou. Talvez ela tenha se apavorado por motivo nenhum.

Mas a calmaria terminou com um ruído atrás da criança. A respiração cessou, um calafrio percorreu sua espinha e uma linha de suor traçou o rosto pálido. O barulho de um galho se quebrando fez a menina sair imediatamente do transe e em menos de dois segundos se levantar e correr novamente. Ele percebeu o que era. O predador brincando com a presa. Cercando. O cheiro de cachorro molhado invadiu suas narinas, confundindo seu cérebro e aterrorizando-a ainda mais.

Ela correu. Devia estar atrás dela, perto dela. Perto demais. Ela sentiu passando por ela. Por cima dela. Uma pancada na cabeça dela a fez cair de joelhos na grama. Ela sentiu a cabeça doer, algo melado e quente escorrer pelos cabelos, pelo pescoço. Sangue. A mão pequena tocou o ferimento e constatou que se o que quer que a tenha atacado, se quisesse, já teria esmagado a cabeça dela. Ela se sentou tonta e olhou para frente. O chalé de sua avó estava bem perto, do outro lado da clareira, a menos de quarenta metros. Ela respirou aliviada, mas a sensação de estar salva durou apenas um instante e no outro ela se lembrara para onde a criatura saltara.

Ela piscou duas vezes. A frente dela, entre ela e a clareira, o monstro se apoiou nas patas traseiras e se virou para a criança. Era peludo e parecia quase humano. A menina olhou para ele e para seus olhos. Um brilho infernal vinha de lá. Ela teve a sensação de que ele tinha consciência do que estava fazendo. A besta se inclinou na sua. Empurrando o corpo pra trás a menina girou e se levantou. Não deu tempo de correr, a criatura estava em cima dela, agarrando sua capa, cravando as garras nas suas costas. A jovem soltou um grito, um grito de dor, desespero, um grito de verdade. Ela tentou em vão fazer seu corpo se mexer. Estava paralisada de medo, terror e dor. Seus ouvidos ensurdeceram ao som das suas costelas torcendo e quebrando com o peso do animal. Ela quase não sentiu quando, com uma única mordida do lobo, metade do braço direito foi arrancado. As patas traseiras rasgaram a pele das pernas e o rosto dela foi praticamente dilacerado quando as garras da fera prensaram a cabeça dela contra a relva. A respiração cessou pouco tempo depois e seus olhos que estampavam horror fitaram o vazio.

O céu finalmente clareara e o homem se levantou zonzo, apoiando-se na árvore. Avistou na sua frente os restos de sua refeição. Não se sentia culpado, triste ou desolado. Com o tempo ele aprendera a aceitar sua condição. Bestas amaldiçoadas não escolhem suas presas, mas essa era jovem demais ele constatou. Caminhou em direção a estrada e recolheu suas coisas, apoiou seu machado nos ombros e seguiu para o vilarejo.

A fome ainda era grande. E da estrada ele pode ver a entrada e os telhados das casas da vila. Um sorriso formou-se no canto dos lábios do homem.


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