–Julieta, quantas vezes eu terei que te dizer para não sair depois do por do sol, a noite é a hora dos demônios.

–Mas senhor, é tão lindo como o mundo fica, cheio de luzes...

–São luzes artificiais Julieta, não são como o sol ou como as estrelas, são falsas.

–Mas elas são lindas, faz parecer mágica!

–Magica não foi feita para nossa classe de anjos.

–Por que eu não posso fazer? Milena faz e é tão lindo o jeito que a água sai da mão dela.

–Milena não pertence a nós. Milena pertence aos arcanjos, você percebe a diferença de cor das asas dela para as suas?

Julieta abaixou os olhos, não era só a cor, o formato das penas também eram diferentes. Enquanto as asas de Julieta eram brancas e fofas, as de Milena eram douradas e pontudas, transmitia uma impressão de força e superioridade.

–Milena será uma guerreira quando estiver pronta, você servirá a ela no que ela precisar.

–Mas eu quero ser uma guerreira também – Os olhos de Julieta estavam marejados – Eu quero voar em busca de aventuras, lutar para defender meu lar que eu tanto amo.

–Julieta...

–Não se preocupe quanto às saídas para a cidade, eu sei o porquê de ser proibido. Milena se encantaria facilmente também, mas no caso dela, ela seria hipnotizada e dificilmente voltaria. – O anjo com o qual Julieta falava, parecia desconfortável – Mas eu amo meu lar, eu amo voltar e não trocaria isso por nada, não se preocupe senhor.

–Você é curiosa, isso pode te fazer muito bem, ou te colocar em situações complicadas, tenha cuidado Julieta. E não saia depois do por do sol – O anjo piscou para ela.

Julieta saiu da sala sorrindo. Seu superior tinha que seguir as regras, mas ela era uma iniciante e as regras não eram uma obrigação, ainda não.

–Julieta! - Milena a esperava e voou feito um raio para abraçá-la. - Estava tão preocupada, soube que você foi chamada pelo seu superior. Está tudo bem? Ele brigou com você? Te proibiu de me ver? Foi por minha culpa que você foi chamada?

–Calma Mili, não tem nada a ver com nossa amizade.

–Não?

–Não.

–Então o que aconteceu?

–Eu fiquei acordada até muito tarde – Julieta teve que mentir, sabia que se falasse que tinha ido à cidade, Mili faria um escândalo. E seu superior não ia gostar nada que a notícia que uma de suas protegidas o tenha desobedecido se espalhasse. - Você sabe o quanto ele gosta de ter tudo programado. Mas eu expliquei que naquele dia estava muito frio e ele me impediu de dormir.

–Ah, foi só isso?

–Foi sim, não precisa se preocupar.

–Maravilha! O que vamos fazer agora? Quer ir para as cachoeiras? - Mili não esperou uma resposta de Julieta, desenrolou suas grandes asas douradas e saltou para o ar.

Julieta abriu suas asas brancas e felpudas, ela se sentia uma boneca frágil ao lado de Mili, a amiga tinha cabelos negros e lisos sempre presos numa trança que parecia bem difícil de fazer. Os olhos puxados e castanhos com cílios negros que a fazia parecer estar com delineador o tempo todo, Mili podia fazer uma pessoa morrer de medo ao encará-la, quando ela queria, claro, porque no resto do tempo os olhos de Mili eram adoráveis de se olhar. O corpo tinha músculos fortes e definidos. Enfim, Mili parecia um gato preparado para a luta.

Enquanto isso Julieta tinha cabelos loiros curtos que ela mesma cortara, a maior parte dos anjos tinha cabelos longos e perfeitos, Julieta queria ser única, então pegou a tesoura, fez um rabo e arrancou fora parte do seu cabelo. Não, ela nunca se arrependeu, até começara a se achar mais bonita. Os olhos de Julieta eram verdes, mas não tinham nada de feroz ou misterioso. Ela podia ser um pouco magra, mas não era esguia e poderosa como sua amiga.

Julieta alcançou a amiga no céu.

–Por que está demorando tanto Julieta? - Mili riu e voou mais rápido, sempre pegando as correntes de ar certas que a impulsionavam para as cachoeiras.

Julieta seguiu atrás, atrapalhada. Quando chegou às cachoeiras Mili já tinha preparado uma armadilha para Julieta que tomou um banho de água gelada.

–Milena! - Julieta gritou rindo – Olha só o que você fez! - Julieta sacudiu as asas e molhou sua amiga.

–Ei! - Ela riu também – Isso não vale! - Mili começou a fazer bolas de agua com sua magica e tentou acertar Julieta. Mas ela estava ficando boa nessa brincadeira e desviou de todas, menos da ultima que acertou Julieta bem na cara.

–Head shot! - Julieta sorriu e secou a agua do rosto.

Mili voava e levantava os braços como uma vencedora.

–Mais uma vez Mili é a vencedora, senhoras e senhores – Mili falava com expectadores invisíveis.

–Um dia você não vai conseguir me acertar! - Julieta desafiou a amiga.

–Pois esse dia nunca chegará – Mili pousou, encarava Julieta como encararia uma adversária. - Eu pertenço aos arcanjos, eu nunca perco!

Julieta não respondeu, não iria começar uma briga com sua amiga só por causa de um jogo estupido.

–Eu tenho que ir – Julieta abriu as asas e voou de volta para seu dormitório.

Julieta ficou em seu quarto olhando para o horizonte até que viu um risco laranja no céu.