Capítulo 011

Aprendiz (Parte 7)

O tempo passou enquanto os exames seguiam. De longe o mais interessante foi o de arte do duelo, pois alguns dos demais foram extremamente cansativos e estressantes. Assim que eles terminaram, porém, todos os aprendizes tiveram um dia inteiro para descansar após toda a pressão que passaram com os exames finais. Na tarde daquele dia, porém, as cartas com os resultados dos exames chegaram.

De longe foi Kayan quem ficou mais radiante com as notas que recebeu. Mathen, então, apressou-se em ver o que ele tinha em mãos.

– Não é possível! Essas notas não são humanas! Excelente em nove das dezessete disciplinas. Eu consegui apenas em duas delas. E você também só teve dois regulares.

Sem tentar disfarçar a felicidade, Kayan apressou-se em ver as notas que Sarah havia tirado.

– Não fui assim tão melhor que vocês. A Sarah me superou em magia branca e leitura de runas – comentou assim que leu a carta da amiga.

– Vocês não tiveram nenhum insatisfatório!

Mathen estava quase gritando, tamanha era sua surpresa em ver como os amigos tinham se saído bem. Sarah, então, pegou a carta que o loiro recebera para verificar.

– Insatisfatório em história da Wesmeroth. Que feio, senhor Mathen – comentou em meio a tentativa de conter uma risada.

– Que tem de mais? Tínhamos direito a dois insatisfatórios, usei apenas um deles.

O rapaz cruzou os braços em uma tentativa de demonstrar desaprovação às criticas. Isto, porém, apenas fez com que os dois amigos rissem ainda mais da cena que presenciavam.

Após algum tempo de conversa descontraída, Kayan ficou sério de repente. Os amigos estranharam a reação dele, e apressaram-se a perguntar o que havia ocorrido.

– Tudo bem com você? – indagou Sarah.

O rapaz continuou ponderando como iria revelar o que pretendia aos amigos. Por fim, ele colocou-se em pé; foi acompanhado pelos outros dois.

– Tenho praticado um feitiço novo há algum tempo. Ele é de um nível muito avançado, mas acho que estou quase conseguindo dominá-lo.

– Sério? – questionou Mathen. – Mostre-o pra gente.

Sarah também observava o amigo atentamente. Ela estava tão curiosa quanto o Muscort.

– Aqui não é o melhor local para isso. Venham comigo.

Liderados pelo Atreius, os outros dois deixaram para trás o conforto das almofadas do salão dos aprendizes para seguir para os dormitórios. Kayan aproveitou que Fedrick não estava lá para usar o próprio quarto.

– Eu não deveria ter vindo até o dormitório masculino – observou Sarah, apreensiva.

– Relaxe, ninguém vai te ver aqui. Vamos lá, Kayan, mostre-nos o tal feitiço.

O rapaz afastou-se um pouco dos dois amigos, após isso, estendeu o braço direito a frente do corpo e curvou-o deixando-o paralelo ao próprio tórax. O próximo passo foi começar a concentrar a própria aura naquele ponto.

– Não importa o que vá acontecer agora, não se assustem. Eu sei o que estou fazendo.

Kayan observou bem os dois amigos e concluiu que eles prestavam muita atenção no que ele fazia. O Atreius, então, pairou a mão esquerda sobre o antebraço estendido e uma iluminação negra começou a ser emanada.

– Giudecca.

Enquanto pronunciava o feitiço de maneira calma e constante, passou a mão por cima do membro estendido em um movimento rápido enquanto puxava o mesmo para o lado. Uma lâmina de formato singular e adornada em inscrições surgiu protuberando-se do antebraço do rapaz. Ela era de uma coloração totalmente negra, porém, sua consistência não era perfeita. Parecia que ela estava muito instável e ficava cada vez mais transparente.

Kayan viu como os dois amigos começaram a se tornar apreensivos quanto ao que ele fazia. No exato momento que percebeu isso, ele desfez o feitiço.

– Isso é magia negra muito poderosa, Kayan. Como você consegue conjurar isto? – questionou Sarah.

– Acho que já está meio claro, não? – respondeu um pouco inseguro.

– Não estou entendendo – Mathen parecia estar confuso. – O máximo que o Kayan conseguiu até agora foram as manipulações intermediárias do fogo que é a esfera dele. Como pode chegar a quase completar um feitiço tão poderoso de magia negra?

– É porque esse é a verdadeira esfera dele, não é?

Com um movimento com a cabeça o Atreius consentiu com o que Sarah afirmou. Mathen, então, aparentou estar ainda mais assustado.

– Eu... eu pensei que apenas magos malignos fossem dessa esfera.

– Já conversei com o Spaak sobre isso. Ele disse que não é exatamente assim que funciona. Se eu souber controlar minha esfera da maneira correta, não haverá qualquer problema.

– Mas, Kayan, por que você não nos contou antes? – perguntou-lhe Sarah.

O rapaz, então, desviou o olhar para baixo antes de responder.

– Tive receio de que se afastassem de mim se soubessem disso.

– Somos seus amigos, nunca faríamos isso.

O argumento de Mathen fez com que Kayan liberasse um sorriso meio constrangido. Ele, então, teve a certeza de que poderia confiar naqueles dois.

– Você fez bem em manter isso em segredo. Magia negra não é muito bem vista em Drugstrein – comentou Sarah.

– Mas... o que esse Giu não sei do que faz? – Mathen questionou o amigo, curioso.

– É Giudecca – corrigiu-o. – Se atingir um objeto, ele provavelmente será destruído, a menos que tenha sido protegido por um encantamento muito poderoso ou tenha uma resistência impar. Se atingir um ser vivo, o corpo começara a ser destruído. Ira virar pó até desaparecer completamente. É claro que um ser com uma aura poderosa poderá ser capaz de evitar a morte certa, mas, ainda assim, os danos serão muito grandes.

Impressionado, Mathen deixou que um assovio alto e agudo lhe escapasse.

– Magia negra é a mais destrutiva de todos esferas. Era por isso que o mago negro Zeffirs era tão temido – Sarah explicou ao Muscort, que parecia um pouco leigo no assunto.

– Vamos mudar de assunto. Melhor aproveitarmos o dia enquanto podemos. Temos que comemorar porque fomos todos aprovados.

Feliz por ter sido capaz de revelar seu segredo aos amigos, Kayan rumou junto a eles para os campos que envolviam o castelo de Drugstrein.

* * *

Três dias após os exames, os aprendizes preparavam-se para se despedirem de seus dormitórios e do salão principal da torre dedicada à eles de Drugstrein. Alguns já haviam deixado o castelo e seguido seu próprio caminho. A maioria, porém, tentaria entrar para a equipe de magos da ordem.

Mathen e Sarah estavam sentados lado a lado em um pequeno sofá no canto da sala. Eles observavam a fraca movimentação do local enquanto conversavam.

– Você não acha estranho o fato do Kayan possuir a esfera primordial que ele tem?

– Não – a garota respondeu imediatamente. – É uma esfera como qualquer outra, mesmo sendo rara. Eu mesma também sou de um rara, que é a magia branca.

Mathen a olhou de uma maneira intrigada, depois voltou a falar do amigo.

– Ele é poderoso demais para um mago de apenas quatorze anos, não concorda? Além disso, por que ele escondeu isso da gente por tanto tempo?

– Ah! Mathen, ele teve seus motivos. E ele não é assim tão poderoso, apenas muito talentoso. Você deveria ficar feliz por isso.

O rapaz ficou um pouco pensativo por alguns segundos. Após isso, voltou a falar.

– Eu fico feliz por ele, mas, mesmo assim , magia negra me assusta um pouco. Eu...

O rapaz ficou quieto no exato momento em que viu que o alvo de sua conversa acabara de entrar pela porta que dava acesso aos campos ao redor do castelo.

Kayan caminhou até os dois amigos e Mathen não teve coragem de encará-lo, ao contrário de Sarah, que além de o fitar dispensou-lhe um sorriso e um caloroso cumprimento.

– Vocês dois já se inscreveram nos testes para entrar na Ordem de Drugstrein? – perguntou, mantendo-se de pé em frente aos amigos.

– Já! – os dois responderam em uníssono, o que provocou algumas risadas.

– Vocês dois tem que passar pra poderem continuar aqui no castelo. Eu irei morar aqui junto com meus pais de qualquer maneira, já que os dois são magos de Drugstrein, além de meu irmão e irmã.

– Você nuca nos falou deles – comentou Sarah.

– Talvez vocês os conheçam algum dia. A família Muscort é bem grande aqui na ordem.

– De qualquer maneira, tenho certeza de que nós três vamos passar nesse teste – afirmou Kayan, quase interrompendo o amigo.

Um curto período de silêncio se estabeleceu. Em seguida, Mathen levantou-se de repente e passou ao lado de Kayan sem encará-lo.

– Tenho que ir, vejo vocês mais tarde.

Assim que o amigo deixou a sala, o Atreius sentou-se no sofá enquanto deixava um suspiro escapar pelos seus lábios.

– O que foi? – perguntou-lhe Sarah.

– O Mathen. Ele está agindo estranhamente comigo há alguns dias e eu sei bem o motivo.

– Esquece isso, Kayan. Ele apenas está um pouco surpreso com as últimas novidades. Logo tudo volta a ser como era antes.

– Sarah, você confia em mim?

A garota surpreendeu-se com a pergunta repentina. Apesar disso, não hesitou em responder enquanto olhava diretamente para os olhos do amigo.

– Claro que confio, com a minha vida.

– Fico feliz em ouvir isso, porque também confio em você e no Mathen.

Ele fez uma pequena pausa enquanto observava a Harppon colocar as pernas em cima do sofá para ficar de frente para ele.

– Acho que estou agindo errado ao esconder minha verdadeira esfera primordial?

– Não, Kayan. Não é errado temer a reação e os preconceitos das pessoas. Você deve imaginar como eles podem te tratar diferente se souberem que você é um mago negro agora.

– Que bom que me entende.

O assunto do diálogo, então, alterou-se para os planos que os dois tinham em futuro próximo caso se tornassem magos de Drugstrein. A conversa foi animada e os encheu de motivação para os testes que seriam executados dentro de alguns dias.

Aquela etapa da vida daqueles jovens havia acabado e eles sequer poderiam imaginar o que lhes aguardavam caso realmente entrassem para a Ordem de Drugstrein. Mas uma coisa era certa: o verdadeiro desafio estava apenas começando.