Just keep faking the smile escrita por Mandy


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Oi gente linda, resolvi trabalhar com um tema muito presente para mim, mas também muito diferente de tudo o que já fiz. Então, please, me digam nos comentários o que acharam (;



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Acordo.

Olho ao meu redor e cada foto, cada objeto em meu quarto me lembra da guerra que está em minha mente. No mural, fotos de um ou dois anos atrás, sorrisos que naquela época talvez fossem sinceros. Nas prateleiras, presentes dados por pessoas que diziam se importar.

Levanto.

Devagar, pé ante pé, caminho até o banheiro. Olhando para a pia, evitando meu reflexo, abro o armário com o espelho e finalmente olho para cima. Mecanicamente coloco a pasta de dentes na escova. Enxaguo a boca, lavo meu rosto, me permito uma espiada no espelho. O rosto um pouco vermelho pelo toque da toalha, a boca fechada numa linha reta frouxa. Mas os olhos, olhos de quem uma vez não se importara com nada de mau, que sorriam junto com os lábios, agora não existiam – no lugar deles, dois olhos castanhos sem brilho, rodeados de olheiras pouco discretas, resultados de noites mal dormidas, onde o sono dera lugar aos pensamentos.

Sorrio.

Vou à cozinha, sento-me a mesa com meus pais, desejo um “bom dia” com a voz mais alegre que conheço, a linha fina dos lábios dando lugar ao sorriso ensaiado que uso todos os dias. Eles acreditam. Por que vocês acreditam? – eu quero gritar. Uma parte de mim reconhece que não é justo eu ter que fingir estar feliz com eles, quando diariamente eles não fazem o mínimo para me fazer sentir assim. Ignoro o pensamento.

Rio.

Alguém faz uma piada qualquer, algo do qual meu antigo eu riria sem preocupação. Continuo a piada. Brinco com o cachorro que se apoia em minha perna pedindo um pedaço do pão que estou comendo. Vacilo por alguns segundos enquanto olho para algum ponto não específico na toalha. Droga. Preciso de uma resposta rápida para a pergunta que vai me ser feita: “Você está bem?” “Estou. É só o sono”. Sorrio novamente.

Converso.

Estou na escola. Ao meu redor pessoas felizes, rindo, contando animadamente sobre os planos para o fim de semana. Elas têm todas as razões para estarem assim. Mas tudo me atinge como um tapa de luvas. Sento-me no fim da sala, como todos os dias. Ao meu lado, pessoas que eu chamaria “amigos”. Vocês não percebem? Não veem que eu estou aos pedaços ao lado de vocês? Eles me incluem na conversa.

Finjo.

Finjo que estou bem, finjo que estou feliz, finjo que minha falta de planos para o fim de semana se deve à preguiça. Finjo que rio das brincadeiras, finjo que brinco de volta. Finjo que não tenho problemas, finjo que minha vida está ótima, finjo que estou bem. Finjo para eles. E finjo para mim.

Acredito.

Permito-me acreditar por alguns minutos que tudo o que fingi era verdade. Permito-me distrair por alguns minutos. Talvez eu consiga, não percebo. Porque no momento em que tenho de ficar em silêncio para o início da aula, tudo volta em minha mente. O sentimento de achar ser insuficiente para qualquer coisa. De saber que eu sou apenas uma decepção a mais para minha mãe. De saber que meu pai não fica em casa para evitar os problemas eminentes que encontraria se ficasse. O sentimento de que minha presença, ou a ausência dela, teriam os mesmos efeitos.

Rabisco.

Rabisco porque é o modo que encontro de ocupar minha mente e distraí-la dos pensamentos. Escrevo trechos de músicas, escrevo meu nome, desenho estrelas e casas, coloro a lacuna reservada para data no topo de cada folha do caderno, preencho os dados pessoais na primeira página. Faço o possível para mudar os rumos do meu pensamento. Troco as tampas das canetas, coloco a carga da azul na vermelha apenas para ter o prazer de confundi-las na hora de escrever. Colo post-its com algum trecho da matéria no canto da folha, apenas para perceber que uma hora eu não terei mais com o que me distrair.

Desisto.

Rasgo a lateral de uma folha e a amasso, formando uma bolinha pequena. Jogo-a na cabeça da pessoa mais próxima, sabendo que ela vai virar para comentar e assim eu terei que me preocupar em conversar sem ser descoberta pelo professor. A adrenalina me acorda por algum tempo, até que o assunto morra ou até que tenhamos que resolver algum exercício.

Canto.

Canto mentalmente, não há tantas e tantas músicas escritas sobre a solidão da mente? Sobre como você se sente um nada perto de tudo o que está acontecendo com você? Repasso uma playlist inteira em minha cabeça. Foco-me nos detalhes, em acertar cada palavra e às vezes até me permito traduzí-las para o inglês ou para o português, tomando o cuidado de trocar as palavras para as quais não tenho tradução para um sinônimo.

Consigo.

Chego em casa, o sentimento de missão cumprida. Mais 5 horas e meia em um lugar cheio de gente sem um deslize grande, sem deixar que alguém perceba a guerra por detrás do meu sorriso cuidadosamente calculado. Com o perdão da metáfora, não consigo evitar comparar-me ao meu guarda-roupas, assim que entro em meu quarto: por fora, fechado, estou em completa ordem, organizada por estação, cor e modelo. Mas se eu permitir que alguém abra, poderá facilmente perceber a bagunça. Haverá peças difíceis de ser encontradas, escondidas bem no fundinho de uma gaveta, esquecidas pelas novas, recém-adquiridas. E haverá aquelas que cairão no chão ao simples abrir de uma das portas: peças que poderão ser pegas e guardadas no lugar com algum trabalho; mas também aquele porta-joias frágil, enrolado sob várias camadas de outras peças, que caiu à mais cuidadosa abertura e que não pode ser simplesmente posto novamente no lugar. Ele se quebrará à mais simples queda, seus pedaços indo cada um para um lugar. Eu não serei capaz de colá-lo sozinha e, mesmo que conseguisse, haveriam cicatrizes permanentes. Não. Ele está protegido sob as peças e as portas do guarda-roupa.

Leio.

Escolho um livro entre as centenas na minha estante. Livros, meus melhores amigos e melhores distrações. Escolho um romance clássico ou uma guerra não-humana e, por algumas horas, deixo de ser eu mesma e passo a ser a personagem. Assumo seus problemas para mim enquanto deixo meu próprio caos de lado. Quando um deles acaba, eu sempre posso pegar um próximo. Há centenas de vidas esperando para serem vividas em minha estante. Todas menos trágicas do que a minha. Consigo facilmente ver suas dores e amores e fico grata por poder vive-los no lugar dos meus.

Sobrevivo.

Obrigo-me a deixar o livro de lado, cuidadosamente posto em meu criado-mudo, ao lado da cama. Levanto-me e saio do quarto, tomo meu banho, como alguma coisa que encontro na cozinha, forço-me a sentar na sala ao lado dos meus pais e assistir à algum filme ou mesmo à novela. Comento, faço piadas, meu constante bom humor na superfície. O programa finalmente acaba e eu finalmente posso ir para a cama.

Durmo.

Deixo minha máscara de felicidade ao lado das outras: animação, curiosidade, surpresa, raiva, amor, preocupação. A verdade é que não consigo mais sentir nenhuma dessas emoções. Tenho dúvidas de se também sou capaz de demonstrar a tristeza. Talvez eu só tenha forças para demonstrar sinceramente o cansaço. Coloco-a na parede, onde todas ficam expostas. As únicas partes de mim que permito mostrar. As únicas que eles se importam em ver. Quando as pessoas perguntam se você está bem, não estão realmente preocupadas com a verdade. Me reviro na cama e me obrigo a fechar os olhos. Faço o máximo para ignorar os pensamentos que se seguem. Depois de algumas horas tentando, consigo. Durmo um sono inquieto, apenas porque meu corpo se obriga a repor a energia gasta. O despertador toca.

Acordo.


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Notas finais do capítulo

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