O Pacto de Edgar Ouija escrita por Bellucci


Capítulo 1
A vida está difícil para os sem sorte




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Edgar Ouija, um pobre miserável de Londres. Possuidor de uma vida tão sem importância que pode ser resumida em poucas frases. Não sei onde nasci, só sei que minha mãe era uma prostituta doente e louca que foi mandada para um sanatório logo depois do meu nascimento. Tentou me matar por asfixia por pressão de meu pai que eu nem sei quem é. Olho para os homens com idade suficiente e penso "Ei! Será que você é o mandante do meu assassinato?". Mandado para um orfanato, uma família feliz me adotou, vivi 9 anos felizes mas um acidente de carro os vitimou. Não estão sendo poucas frases, pode não ser tão insignificante assim. Fui o único sobrevivente e lá estava eu de novo. É fácil ser adotado quando se é um bebê lindo de olhos azuis, mas é difícil que alguém te queira quando já é uma criança inquieta e traumatizada. E lá permaneci até os 18, fugindo religiosamente aos sábados conhecendo o ofício de minha mãe. Nesses momentos eu penso "Será que um desses velhos bêbados é o mandante do meu assassinato?", não só neles, como já disse. Vendo-se sozinho no mundo, primeiro um ladrãozinho, um garçom, mais um no mundo.

Sozinho. Contra todos. Todos. Contra mim.

Servindo velhos ricos e pobres, dinheiro sendo esfregado na minha cara, homens chorando, mulheres gemendo, enchendo taças, risadas desesperadas. Se eu acreditasse em inferno, diria que é isso o que me espera.

O inverno é agradável para as câmeras e para os estrangeiros. Os sul-americanos dizem "Puxa, neve! É fantástico". É bom para os ricos também, é assim que eles exibem suas roupas de inverno, mas para os pobres... É tão fácil ser africano, e por coincidência enquanto penso exatamente nisso posso ver uma mulher miserável recebendo os restos de um restaurante e um fino casaco. Não dou 3 semanas para morrer o que quer que seja pela quantidade de muco em seu pulmão, sei disso porque tosse como um cachorro engasgado.

- Uma esmola para uma senhora doente?

- A vida está difícil para os sem sorte.

Depois de alguns passos eu paro bruscamente com a súbita e assustadora ideia de ficar como ela. Sozinho, nas ruas, comendo restos, morrendo de frio numa sarjeta.

Uma colegial de cabelos exageradamente grandes toca o meu ombro.

- Em Calcutá uma pessoa morre de fome a cada oito minutos. - Voz de xarope.

- Nos invernos de Londres uma pessoa morre de pneumonia a cada 5 segundos.

Percebo que olho para aquele ser miserável. Pede piedade automaticamente, pede piedade enquanto come com as mãos, pede piedade se encolhendo, pede piedade só por existir.

- Não deveria estar em casa?

- São 6 da manhã. - Ela também olha.

Por que nós só olhamos?

- Então segue o teu caminho.

- Estou olhando a arte em movimento. A arte das ru...

Seguro seu braço sem me importar com a encrenca que seria deixar marcas.

- Você diz isso porque nunca passou fome nem frio. Você se sente superior... Ainda sinto o cheiro do chocolate quente que você bebeu. Ela nunca mais vai sentir o gosto e talvez nunca tenha sentido.

- Tenho que ir.

A menina da passos vacilantes abalada pelas minhas palavras. Traça-la-ei.

Entrei na casa daquela menina e sorri para a mãe dela, Rachel. É o mais próximo que tenho de uma mãe, a única pessoa capaz de me ouvir no mundo todo.

- Não sabe o quanto rezo para que essa vida de pecado não lhe corrompa...

- Não é uma vida de pecado, foi o trabalho que consegui.

- Meu pai dizia que quem trabalha para sobreviver morre. Suas mãos estão congeladas, venha tomar algo quente.

Rachel faz e diz tudo o que a minha mãe dizia e fazia. Aquela pirralha tem tanta sorte e não faz a mínima ideia.

- Ed, preciso de sua ajuda com uma coisa. - Ela suspira de uma forma que já ouvi. Eu sei o que é antes de ela me dizer, quer dizer, sei do que se trata.

- É sobre Lindsay. É um problema com ela... - Reconheço os passos do Sr. Foster. - Algo como um esquilo no quarto, ou um rato, uma ratazana.

- Bom dia Sr. Foster. - Direciono um olhar amigável.

- Bom dia, rapaz. O que há no quarto de Lindsay?

- Edgar já se prontificou a ajudar. - Rachel diz na hora.

- Mas eu posso...

- Leia seu jornal em paz.

Ela me guia até o quarto de Lindsay. Sinto gosto de xarope, mas é algo cerebral. O cheiro dela ainda está aqui, me invade, e logo tudo ligado a aquela menina também.

- Qual o problema?

- Ruídos. - Ela morre de vergonha.

- Que tipo de ruídos?

- Ora, tal como gritos abafados, dor...

- Com que frequência?

- Apenas hoje de madrugada. Eu queria tomar água e passei pela porta, e ela fazia esses sons. Quando eu entrei ela estava muito assustada e sua camisola estava bagunçada.

- Bagunçada?

- Eu morro de vergonha, mas não tenho a quem recorrer. Mas penso em... Leonard.

- O vizinho aqui do lado?

- Fale baixo, Ed! É um menino atrevido, "pra frente" e ela sentia tanto medo. Será que ele usa de alguma artimanha de satanás para se aproveitar dela?

- Você ouviu algo dele?

- Custou-me abrir a porta pois fui pegar a chave dela no meu quarto, era tempo confortável para fugir. Se eu falar disso com o pai ele toma medidas exageradas, então você é o único que pode me ajudar e praticamente faz parte da família.

- Faço?

- Como um filho adotivo, como um irmão mais velho.

- Quer que eu quebre a cara do moleque?

- No ato.

- Eu posso fazer agora...

- Deus é justo e quer que sejamos como ele.

- Claro...


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