O Amanhecer escrita por nobuta


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Shipper: Edmund Pevensie e Dara Bern. Não acredito em incestos, afinal, Edmund e Peter são reis, e como tais, agem com dignidade e decência. Mas não condeno quem aprove.



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Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor
seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentando
Pela graça indizível
dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura
dos que aceitam melancolicamente.

 

O rei, o rato, os dois Pevensie e Eustace entraram no bote e foram levados à praia de Felimath. Quando o bote os deixou e voltou, olharam em torno: ficaram surpresos ao ver como o Dawn Treader parecia pequenino.”

“Ainda é manhã, Lily, feche, por favor, as cortinas!”, meu cérebro, alterado pelo sono, tardou a reconhecer a luz que incidia em minha face amarrotada de uma noite mal dormida. Não me pergunte porque, depois de muito tentar, fui adormecer quando o carmesim ainda era fraco, a brisa congelante e a escuridão ainda reinava. Talvez meu subconsciente, ou como minha velha e querida mãe costuma dizer, minha intuição queria alertar-me sobre algo importante. Senti uma sombra tampar os raios solares que insistiam em me acordar; a janela ainda não tinha sido fechada, pois sentia o calor em meu corpo protegido pela colcha e pelos trajes de dormir.

“Ora, Dara, não me diga que se esquecera do combinado? Dissemos a Louis que o ajudaríamos em sua plantação. Nosso pai já nos ralhou por termos prometido isso antes e não cumprido, não quero outra represália. Agora, faça você o favor de sair dessa cama, desocupada.”, falou minha irmã mais velha, saindo de cima de minha face morena de sol – as Lone Islands são bem quentes e úmidas, chovendo muito no verão de alta temperatura e tendo baixos índices pluviométricos quando se é inverno. Dá para escurecer a pele nesse clima, não tanto quanto na Calormen -, então acordei por completo.

Levantei-me, espreguiçando demoradamente; pela posição dos fachos de luz, deduzi que não passava das nove. Outra manhã de trabalho, pensei ao seguir para o lavatório, limpar-me. Não me demorei, como de costume, vestindo uma calça da mocidade de meu pai, que havia pego em seus pertences de Narnia, e uma blusa também sua; Lily quase me matava quando usava aqueles velhos pedaços de panos pretos e brancos, com meus cabelos amarrados – como estavam no dia em questão -, dizendo que eu parecia um homem. Nunca tive o cuidado que ela tinha quanto à aparência, pouco importava se eu estava elegante, afinal, íamos capinar os vastos campos, semear e colher; roupas recatadas são para ocasiões especiais, segundo papai, embora mamãe aprovasse o bom senso de Lily em sempre ser feminina.

Não que fôssemos assim, tão opostas uma da outra. Eu podia gostar de brincar de batalhas, de me divertir com as crianças – especialmente os meninos – enquanto ela conversar com as pessoas de nossa idade ou mais velhas, experimentando bons vestidos e sendo sociável, como a futura dona da terra já que dois anos nos distanciam. Mas eu nunca reclamei de ser a caçula e não ter nenhum direito ao terreno de meu pai, nem às suas plantações ou ovelhas e carneiros; o que me importava era fazer logo a idade de Lily e poder unir-me a Louis e os demais ‘escravos’ de meu pai na guarda da propriedade e, se eu fosse aceita, para a guarda de Doorn. Eu, pelo menos, mudaria algumas coisas, como a mania irritante e pouco louvável dos soldados dormirem e só serem utilizados para cobrar impostos de pessoas paupérrimas. Lily diz que é bobagem sonhar com isso, mas não consigo desistir.

Saí do quarto, preparada para mais um daqueles longos discursos de mamãe, porém não a achei no trajeto ao campo de Louis; chegando lá, Lily olhou-me com desagrado, mas nada mais grave, por sorte. Pus-me a trabalhar com a inchada enquanto minha irmã apenas jogava as sementes que logo germinariam; sempre fui mais acostumada com os trabalhos braçais, sendo os meus muito firmes e avermelhados de sol. Era por volta das quatro da tarde quando terminamos tudo, guardando os mantimentos, limpando as ovelhas e as colocando no cercado; eu fazendo a maior parte do trabalho, mas Lily nunca fora de se exercitar muito, sendo delicada e intocável em sua pele também morena e cabelos tão escuros, lisos e longos como os meus. Nossos olhos poderiam ser confundidos facilmente, tamanha a escuridão do castanho e os finos traços puxados dos telmarines. Voltávamos para casa, quando me lembrei do por quê eu não conseguira adormecer: Uma trompa soava ao longe, com mesmíssimo som grave, alarmante, que a do meu sonho. Meu frenético sonho, pincelado de ouro, com uma figura mais nova, porém não menos bonita. Era um rapaz, temia admitir para mim mesma. Vinha sonhando com ele há um tempo, mas aquela noite seu nariz pequeno, alvo e um pouco sardento estava nítido, assim como o soar da trompa que sempre me despertava quando eu me aproximava demais dele, para ver além do nariz fino. E o som, apesar de distante, chagava a furar os meus tímpanos agora, com a imagem do estranho nariz e o ouro... o ouro que andava... falava? Não me recordava, mas eu sabia que era importante, pelo menos, para mim. E eu me lembrava daquela figura imponente, encantadora pela manhã. O sol me lembrava aquele amarelo precioso, e uma voz profunda rugiam em mim. Só não podia ouvi-la.

 

Já muito tarde, entraram em um belo porto da costa sul de Avra, onde as ricas terras de Bern desciam até o mar.

Os habitantes de Bern, muito dos quais trabalhavam no campo, eram todos livres; o domínio era feliz e próspero. Foram regiamente recebidos em uma casa baixa, sustentada por colunas, da qual se via toda a baía. Bern, sua simpática esposa e suas encantadoras filhas acolheram os visitantes com alegria.”

“Conte-me mais sobre as terras de Narnia, Drinian.”, pedia Lily ao capitão do Dawn Treader, amigo de papai e o novo suposto romance dela. Bem, era o que se podia deduzir ao vê-los tão entretidos em suas histórias, muitas das quais duvido ser verdade, sobre batalhas. Mamãe achou tudo maravilhoso, ao colocar os olhos em Drinian e perceber que ele fazia o mesmo com sua primogênita, por outro lado, papai sempre foi ciumento. Caspian divertia-se com o comportamento pouco habitual de seu melhor amigo, presumo, pois não para de lançar-lhe olhares e risadinhas abafadas. Já eu, não julgo que minha irmã esteja encantada tão facilmente por um estrangeiro; é natural apegarmos rapidamente por novidades, o ruim é que logo passa. Mas Lily sempre foi disso; nunca levou os assuntos do coração a sério, apaixonando-se com freqüência. Não que eu já não tenha feito o mesmo, estou procurando o meu verdadeiro amor, por agora. Entretanto, duvido que ele possa existir. Além disso, uma futura guerreira que se preze não deve ter sentimentos, porque eles costumam atrapalhar as batalhas.

“Estou ansioso por demais, Bern! Que pode acontecer ao rei Edmund e à rainha Lucy?”, Caspian pergunta ao papai, aflito e mordendo seu lábio inferior que, devo dizer, é cheio e rosado. Acredito que ele tenha uns três ou dois anos a mais que eu, enquanto seu companheiro uns quatro ou cinco. Apenas os dois estão aqui dentro de casa, os demais tripulantes do navio estão a observar a ilha e trabalhar melhor no plano de amanhã cedo.

“Acalme-se, meu rei. Garanto-lhe que ainda não foram vendidos, pois o tráfico dá-se por encerrado ao pôr-do-sol. Muitos calormenes precisam voltar para sua terra antes do anoitecer por causa de algum evento direcionado ao Tisroc.”, respondeu-lhe, bebendo seu suco de maçã. Então, minha língua formigou, e não foi por eu tê-la mordido nem nada do gênero. Era uma oportunidade, salvar majestades do passado, ajudar no plano e tudo o mais. Tinha somente um porém: papai e Caspian. Quanto a Drinian, o tanto que estava enfeitiçado por Lily, eu poderia muito bem ajudá-los em troca de entrar no navio e participar da busca. Mas, se os dois mandantes descobrissem eu estaria perdida. Continuei a mastigar, lentamente, meu jantar de pequenas porções, ainda atenta à conversa.

“Lorde Bern, vamos torcer para que não tenham sido mesmo vendidos, por Aslam!”, foram os votos de Caspian. A imagem dourada retornou em minha mente à menção do Great Lion. Era fato que eu acreditava e adorava o filho do Emperor-Over-the-Sea, então, aquela reação me era estranha, pois for a seguida de um arrepio. Novamente, senti um rugido em meu peito, entretanto, esquece-me quando mamãe e papai anunciaram ir deitar; o último foi bem claro na questão de Caspian e eu termos de vigiar Lily e Drinian. Aproveitei para aproximar-me do rei e dizer o que eu tinha em mente.

“Rei Caspian, se eu fosse vossa Majestade, me asseguraria de que o rei e rainha do passado fiquem em segurança enquanto vossa Majestade está com meu pai, enganando o governador da ilha.”, costumo ser bem direta, e não poupo olhares desviados e desinteressados para o teto quando o faço. Ele permaneceu calado por algum tempo, considerando minha idéia. Olhou-me desconfiado, colocando um sorriso sábio nos lábios.

“Gostaria de seguir conosco?”, ele também não era de rodeios, percebi.

“Se for de sua vontade, e se convencer meu pai que sou capaz, gostaria de ser útil.”, essa resposta não parecia estar, exatamente, nos planos de Caspian; convencer um pai que sua filha não é tão jovem e indefesa quanto pensa é algo complicadíssimo de se realizar. Entrementes, tento auxiliar. “Escute-me, rei: papai é um sujeito facilmente levado pelas palavras de quem admira e ama, logo, as suas seriam de inestimável valor. Se, por acaso, dissesse o meu plano, fazendo-o seu, e me escolhesse, ela não poderia negar, garanto-lhe. Basta assegurar-lhe que ficarei entra a multidão, sem armas e nada que seja capaz de me ferir ou que eu possa ferir terceiros, apenas vigiando os escravos que forem vendidos no leilão. Compreendeu?”, Caspian não me pareceu muito convencido se eu estava adepta ao meu próprio plano, tampouco se, ao indicar-me como sentinela, irritaria papai.

Não vou mentir, foi difícil convencer a ambos, mas conseguir, levando Lily comigo. Chegamos em um dos barcos de papai, para que nenhuma suspeita fosse levantada, além de partimos mais cedo. De fato, todos sabiam que o rei de Narnia estava a caminho e que nosso pai estava envolvido, mas nenhum dos habitantes de Doorn nos fez muitas perguntas e todas que eram feitas fazíamos questão de mantermos neutras. Fora clara a ordem de papai: sigilo até ele e Caspian aparecerem.

 

Assim fizeram; Caspian com sua gente e Bern com alguns de seus homens embarcaram em três botes com destino a Narrowhaven.

No cais, Caspian encontrou grande multidão a recebê-lo.”

“Temos de encontrar Pug o mais depressa possível.”, dizia Lily, dona da situação – somente em sua mente – enquanto descíamos uma rua inclinada, acenando e sorrindo para alguns conhecidos. As árvores, estranhamente, pareciam dançar ao suave toque do vento; antes, estáticas, pareciam nos castigar pelo quente tempo, agora, tinha uma vitalidade proposital. Por mais que eu ouvisse e visse as folhas tremendo, meu coração apertava-se ao peito como se o sol o murchasse. Umedeci os lábios, terminando de sorrir para uma senhora e seu filho pequeno.

“Realmente. Caspian não nos perdoaria se nossa parte do plano desse errado.”, falei ao aproximar-me dela, que estava uns dez passos à frente. Estava vestida como qualquer outra dama que veria um rei, afinal, finalmente conheceria o das mais antigas histórias. Meu preferido, aliás; que o Grande Rei Peter perdoe-me, mas seu irmão mostrou-me ser mais confiável, pois aqueles que erram uma vez não o fazem mais. Ao pensar isso meu coração pareceu murchar mais, fazendo com que eu perdesse a visão por pouquíssimos instantes e minha respiração se paralisasse. Segurei os ombros de minha irmã, pensando que minhas pernas cederiam à vontade do meu corpo de deitar.

“Dara, Dara.”, leves tapas eram dados em minha face, mas eu sentia apenas o calor invadir-me e a figura dourada surgir, tão sólida e sublime; era um animal, mas não reconhecia seu porte. Era alto e robusto, e não me era tão estranho assim apesar de não o reconhecer por completo. O som da trompa atrapalha suas fortes palavras, mas eu sabia que dizia algo. O que estava por vir? “Dara.”, a voz de minha irmã parecia menos dela, tamanha sua grossura serenidade. Que havia de errado comigo? Porque aquelas sensações e visões desde o outro amanhecer? O que Sol estaria a me dizer?

“Senhoritas Bern, que prazer!”, uma voz conhecida e distante soou, apertando cada vez mais meu coração.

“Oh, senhor Pug, rápido, acuda! Minha irmã menor não se sente bem, ajude-me!”, berrou Lily, incrivelmente histérica e sem sua pompa habitual. Enquanto sentia braços fortes que emanavam o inegável cheiro salgado do mar e do suor abraçarem meu corpo, erguendo-me e guiando-me para outro lugar mais sombreado, pensei que ia morrer; mesmo batendo rápido e descompassado, meu coração parecia não ter mais forças e minha cabeça girava em torno daquela figura luminosa que não se calva, mas não se fazia ouvir.

“Que houve, minha senhorita mimosa?”, ouvia Pug, sentindo as mãos de Lily em minha face, molhadas de água que o mercador trouxera ao me instalar em sua tenda. Embora mesquinho e vil, aquele homem sabia ser bondoso – pelo menos quando lhe convinha -. “Vi vosso pai ontem, minha formosa dama. Comprou-me um bom escravo, mas não me dissera nada sobre uma de suas preciosas filhas estar doente.”

“Minha irmã começou com isso há pouco, meu bom senhor. Acredito que tenha sido o sol destas nossas ilhas.”, eu já não respirava com tanta dificuldade, assim como meu coração tinha se acalmado e parado de ser espremer no peito apertado pelo pesado e suntuoso vestido vermelho. Lily parecia sentir minha temperatura retornar, pois disse:

“Graças ao bom Leão! Dara, querida, está melhorando?”

“Acho que sim.”, fui capaz de resmungar em resposta, abrindo meus olhos e percebendo que podia enxergar melhor que nunca o estado deplorável daquela tenda. Tinha espaço limitado, para um ou dois homens, e fedia à sujeira. Por sorte, protegia-me do sol. Visualizei a figura de Pug, erguendo-me do colo de Lily para sentar-me ereta. Meus cabelos soltos bailavam com o vento doce.

“Senhorita Bern, pretende comprar mais alguns escravos?”, Pug deixou de poupar seu interesse, perguntando-me algum depois de eu garantir a todos que já me sentia muito melhor. Conforme Caspian queria, respondi que sim, porque o escravo comprado ontem estava dando muito trabalho a papai, então ele me pedira para olhar outros. O contrabandista pareceu felicíssimo com outro bom negócio e permitiu que eu fosse ver a mercadoria da vez, para infelicidade de Lily que, como combinamos, ficaria desfrutando da companhia de Pug para que eu pudesse conversar com as antigas majestades em segurança.

Muitos eram os escravos, de terras distantes, próximas e que eu não fazia idéia que ainda existissem. Diversos tamanhos, formas, cores, e apenas um só sentimento: melancolia. Não veriam mais suas famílias, sua gente; suas vidas estariam, para sempre, comprometidas pelo trabalho explorador dos calormenes. Olhavam-me com nojo, alguns, desafiadores e suplicantes, outros, sem emoções, uns poucos. Mas foi aquele olho castanho, mais para o claro, que me chamou a atenção e fez, de vez, meu coração expandir. Seus traços alvos, diferentes de qualquer estrangeiro, boca saliente, rosada e pequena, que me mostrou sua origem; daqui não, nem desse tempo. Aproximei-me, notando que vinha acompanhado de uma chorosa, porém bela, garotinha. Ele não teria mais de treze anos, enquanto ela dez. Um estranho, carrancudo e não menos interessante, estava a berrar com um pirata, falando sandices que procurei não ouvir. Mas não precisei me esforçar muito; minha mente estava voltada, assim como todo o meu ser, para aquele pequeno, frágil e conhecido nariz. O da menina era copiado pelo o do menino; parentes, sem dúvida. Um sorriso involuntário percorreu meus lábios quando o olhar dele parou, de súbito, nos meus olhos escuros; continuamos a nos encarar por um tempo, sem saber o que o outro sentia, somente nos analisando. Estranha a sensação de tê-lo visto antes, ou, pelo menos, uma parte de sua face meio sardenta. Não estaria exagerando se eu dissesse que havia uma aura misteriosa em torno de si, como um verdadeiro rei; seu porte, expressão controlada apesar das dificuldades, a beleza e magia que o sol transmitia a mim quando tocava sua pele. Lindo, simplesmente. Assim como sua acompanhante.

“Por favor, Taco, deixe-me a sós com estes dois. Quero saber mais sobre suas habilidades antes de comprá-los.”, o ajudante de Pug olhou-me surpreso, mas fez o que mandei – talvez pelo estranho carrancudo não deixá-lo em paz um segundo sequer -. Quando saiu, virei-me para a menina, demasiada acanhada para falar com o menino.

“Suponho que seja, como Caspian me disse, a rainha Lucy.”, falei fazendo uma breve reverência em respeito sua autoridade passada. Ela assustou-se a princípio, mas alegrou-se ao ver que eu conhecia o atual rei.

“Oh, Caspian! Fiquei preocupada com seu destino. Como ele está? Virá nos buscar?”, seus olhos lacrimejavam. Sorri-lhe bondosamente, abusando ao pegar em sua mão mais jovem e mais experiente em batalhas que as minhas.

“Estou aqui por isso, minha Majestade. Caspian está a caminho, presumo, mas enquanto não chega, estarei por perto para defendê-la. A todos vocês. Minha irmã, Lily, também está disposta a cruzar lâminas de espadas se preciso. Sou filha do Lorde Bern, um dos sete que desbravou os mares fugido de Narnia. Segundo o plano, Lily e eu vamos estar no leilão, sem fazer lances, apenas como espectadoras. Caso vocês sejam comprados e, somente se, forem levados de lá, devemos atacar, caso contrário Caspian e Drinian nos mandaram esperar.”, meus olhos percorriam o rosto do rei, assim como os deles o meu. Enrubesci ao constatar que sorria magnificamente.

“Enfim, seremos salvos de qualquer jeito. Agradeço sua ajuda, nos é muito valiosa.”, disse uma voz que não era a do rei, vinha mais de baixo. Olhei para quem dissera, e vi um rato, maior dos que tínhamos na ilha. Se fosse Lily, teria gritado e saído correndo, mas como se tratava de um rato falante e de trajes tão elegantes, sorri em gratidão pelas palavras proferidas. Certamente um cavalheiro digno.

“Acho que devemos continuar a agir como antes, para que o covarde do nosso raptor não desconfie de nada e coloque sua linda vida em risco.”, falou o rei, fazendo com que eu o mirasse por alguns instantes, assim como todos ali. Suas maçãs do rosto coraram, e ele se corrigiu:

“Digo, sua vida em perigo.”, mas eu percebi que não era o que ela gostaria de ter dito. Algumas histórias acerca dos antigos reis diziam que nenhum se casara, mas não afirmava nada sobre romances. Uma, aliás, fazia menção de um engano por parte da rainha Susan ao receber um calormene em Cair Paravel, tanto que o mesmo ousou tentar invadir o castelo do rei Lune, na Archenland. Certa vez, Louis contou-me que Peter tivera uma doce, porém cômica, experiência amorosa com uma rainha de nome Ann’Lane Harris. Parece que rei Edmund também tivera suas aventuras com Dara Shemeeka, da qual mamãe inspirou meu nome. Nesse caso, ao dizer ‘linda’, Edmund fazia-me uma corte que, devo dizer, foi bem aceita por meu coração pulsante.

“Vamos, Dara.”, ouvi minha irmã gritar. Dei outra reverência e comecei a me retirar.

“Dara? Já ouvi este nome antes.”, escutei meu rei, lindo e amável rei, dizer-me. O encarei; seus olhos brilhavam e com isso faziam o claro de seus olhos ressaltar-se.

“Acredito que sim, Majestade. Minha mãe me deu este nome em homenagem a Dara que você chegou a sentir, não somente ouvir.”, respondi, um pouco enciumada com o fato dele estar se lembrando dela por mim, e não me guardando em sua memória. Eu parecia mais uma peça naquele jogo de amor sem fim, e eu não queria ser. Não podia ser.

Retirei-me, dando adeus ao Pug e rumando para o prédio baixo e comprido, perto do porto, onde o leilão ia começar.

 

Trouxeram Eustace, que tinha de fato um ar taciturno, pois, ainda que ninguém goste de ser vendido como escrevo, mais doloroso ainda é não encontrar comprador. Caminhou ao encontro de Caspian para dizer:

- Estou vendo que, como de costume, você andou por aí se divertindo, enquanto estávamos prisioneiros. Acho que ainda nem procurou o cônsul britânico, é claro!

Naquela noite houve uma grande festa no castelo.”

Todos degustavam das habilidades culinárias de mamãe e demais mulheres de nossa terra, bem vestidos e dançando à boa música dos antigos tempos. Por vezes, fleches de faunos, dríades e divindades dançando, bebendo e cantando passavam por meus olhos, como se eu já tivesse participado de coisas assim. Porém, a verdade é que jamais vira uma única criatura não-humana; os narnians não costumam visitar as Lone Islands desde Narnia's Golden Age. Então, eu tentava afastar essas memórias não minhas da cabeça, divertindo-me com Rince, um dos bons homens da esquadra de Caspian, além de dançar com o próprio.

Os passos ritmados dos estrangeiros eram diferentes dos nossos, mas eu conseguia adequar-me perfeitamente. Tanto que Rince chegou a me perguntar se eu já havia visitado Narnia, recebendo minha sincera resposta negativa. Não vou mentir que estranhei o som da trompa em meu ouvido, como na primeira manhã. E íamos para a terceira com aquele som a me perturbar. Quando não mais agüentei, pedi que Rince, Caspian, Reepicheep, Drinian e Lily me dessem licença, e me dirigi para dentro de casa, especificamente, no escritório de papai. Lá tinham tantas coisas de Narnia e Telmar, mas principalmente o primeiro, que tive de me sentar para manter-me sã. Fechei os olhos por um instante, buscando compreender o que se passava dentro de mim.

Estava em um bosque belíssimo, porém muito crescido. Entre suas árvores grossas, algumas novas, avistei uma luz; caminhei. Não demorou muito para os meus percorrerem todo o corpo de metal que sustentava a luz no meio das árvores. Inútil, pensei, era aquilo permanecer a iluminar lugar tão abandonado quanto aquele. Ouvi alguns passos na fofa grama; alguém, não muito pesado e pouco mais alto que eu – sempre fui desprovida de altura -, caminhava ao meu encontro. Diferente de como costumo me portar em situações assim, cujo um soldado deve manter-se quieto e preparado, virei-me para o lugar que vinha o barulho e perguntei quem vinha. Fui respondida logo; mais alto, grave e, indubitavelmente, mais velho, aproximava-se o rei Edmund, em sua graça mocidade nos tempos em que reinava, junto de seu irmão e irmãs, em Cair Paravel. Parecia bem mais surpreso que eu própria por achar-se ali, comigo. Nossos olhares se encontraram, o meu bastante assustado e curioso para o rápido envelhecimento dele. Então, sem que nenhum de nós tivesse ouvido, surgiu o imponente e sereno Leão que eu vira noutra manhã. Ele parecia feito de ouro, mas eu soube que não era porque se pôs a falar:

“Tentava eu, filha de Eva, avisar-lhe que seu amado retornava, depois de muitas eras e batalhas, de onde ele a havia deixado. Como me pedira, naquela fatídica noite, você viveu o bastante para encontrá-lo novamente, apenas uma vez mais.”, embora eu não entendesse absolutamente nada, meu coração parecia extraordinariamente leve e afortunado. Como se o peso me deixa-se, sorri para o Leão de forma singela e sincera. Olhei Edmund que também sorria, mas não encarava a figura sublime que eu ouvia e via. Ele simplesmente me encarava, como se compreendê-se tudo sem ajuda, ou não compreendê-se mas gostasse de me ver sorrir daquela maneira.

“O seu amado rei não pode me ver, por agora. Em momento oportuno o fará, não te preocupes. Pouco tempo você tem com ele, então o aproveite porque outra chance não terá. Eu deixei que você vivesse uma vez mais para despedir-se, filha, já que a primeira vez que Edmund a deixas-te, perecera em infindável tristeza. Como amo cada criatura em sua particularidade, atendi seu último desejo.”, não me esclarecia nada àquelas palavras, mas meu coração continuava cada vez mais leve e repleto de júbilo.

“De nada te lembras agora, mas quando chegar novamente sua hora, entenderá. Por enquanto viva, ame. O seu rei te espera.”, foram suas últimas palavras.

Tudo se desfaz na sala de papai. Assim que, com o coração ainda a bater acelerado e leve, abri os olhos a porta se abriu, permitindo que duas pessoas entrassem, sendo que uma estava muito abalada e a outra um pouco pálida.

“Por Aslam, Edmund! Você quase desmaiou dançando. Se não fosse por Eustace...”, era a rainha Lucy, preocupada com o irmão que, aos poucos, parecia curado e melhor do que nunca. O vi se virar para a irmã, sorrindo e tomando sua mão.

“Acalme-se, Lu. Estou melhor, verdade. Vou ficar um pouco aqui e depois me uno a vocês. Vá se divertir. Acho que depois de tudo que passamos, estou apenas apresentando sinais de cansaço.”, a acalmou. Lucy deixou a sala e Edmund virou-se para mim, assustando-se.

“Desculpe-me, não sabia que estava ocupado.”, falou nem um pouco acanhado, aproximando-se ao invés de recuar, como qualquer outra pessoa faria. Levantei-me da cadeira de papai, dei a volta na mesa, postando-me perante sua real pessoa. Parecia que alguma força conduzia-me para perto dele, mantendo-me segura e feliz. Sua beleza naqueles trajes azuis e brancos estava perturbadora.

“Tudo bem, meu rei, pode me acompanhar.”, disse fazendo uma sutil reverência com a cabeça. Edmund se aproximou.

“Acho lindo os seus cabelos soltos.”, cortejou-me. Sorri em resposta, deixando que ele se aproxima. Parecia o rei maduro de outrora, mesmo que três anos mais novo que eu. Tomou-me pelas mãos, aproximando meu corpo do seu que, apesar de mais novo, era mais alto que o meu. Olhou-me nos olhos; a primeira manifestação de meu corpo foi fitá-lo. A segunda eu já não pude controlar, tampouco entender. Meu coração batia tão rápido. Minhas mãos já deslizavam pelos seus ombros largos de antigo guerreiro; meu rosto se aproximava perigosamente do dele. Era como se algo possuísse meu corpo, preenchendo-o de felicidade e amor desmedido; eu queria sentir sua respiração sôfrega por cima de nossos lábios unidos. Então, o fiz. O beijei. Foi meu primeiro beijo, apesar dos outros amores que tive, o que mostra o quão aquele era duradouro e transcendental. Eu não entendia o por quê do meu coração querê-lo tanto em tão pouco tempo de convivência. Sabia apenas que eu estava viva e que podia senti-lo novamente. Não parei de beijá-lo tão cedo, ficando com ele até o dia de sua partida, adiada – graças a Aslam – para os reparos do navio. Percebi que Edmund ficara um pouco chateado em deixar-me, mas fingia que se tratava de ter poucos mantimentos para a viagem, especialmente para os outros, porque tínhamos combinado de não contar nada a ninguém por causa do ciúme de papai. Eu não me importava se ele já ia me deixar, porque, pelo menos, o tive. O melhor beijo de todos, o único que guardei para mim, assim como Lily fez com Drinian, mas este logo voltaria para buscá-la, ao fim da jornada, para casar-se com ela. Quanto a mim, não consegui ser soldada, tampouco chegar aos vinte anos. Peguei uma terrível doença aos dezenove anos. Papai, ou Duque Bern, e mamãe, como pedi, seguiram a vida sem muitas lamentações após minha morte. Eu parti feliz, dedicando minha alma ao Leão, e meu coração ao rei. Aos dois que o amanhecer me trouxera, e que jamais, verdadeiramente, os levara.

Três semanas após o desembarque, saía o Dawn Treader de Narrowhaven. As despedidas foram solenes; juntou-se uma grande multidão. Houve aclamações e lágrimas quando Caspian dirigiu-se pela última vez aos ilhéus e ao despedir-se do duque e sua família. Quando o barco se afastou, todos ficaram silenciosos, vendo a vela purpurina tremular e ouvindo a trompa de Caspian.”

 

E posso te dizer
que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas
nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras
dos véus da alma...
É um sossego, uma unção,
um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta,
muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite
encontrem sem fatalidade
o olhar estático da aurora.


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Notas finais do capítulo

Notas finais: O poema que abre e fecha essa fanfic é Ternura, de Vinícius de Moraes. Os trechos em itálico pertencem a C.S. Lewis enquanto os demais à minha imaginação. Caso não tenha, e eu sei que não tem, ficado clara a relação de Edmund e Dara, logo ficará quando eu escrever a continuação – ou devo dizer, a parte anterior – dessa oneshotes. Agradeço quem leu.



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