Imprinting escrita por nobuta


Capítulo 2
(Sur)real




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一度死んでz88;また生き返る
そんな魔法をかけられていた
目覚めたらz88;君がいてz88;光みちていた
僕は生まれ変わった
みんないつかい
星をめざしてz88;君に導かれ
歌いながらz88;僕は歩き出す
振り返らないでz88;傷だらけの
少年時代など
(a326;a317;a335;a331;; 星をめざして)

 

Mantida a atração, o elétron atraído fortemente pela carga oposta não se movimenta, não se “interessa” por nenhum fio terra. É como que se uma vez ligados, jamais pudesse se separar ou se importar com forças externas. É quase igual aos cachorros e seus donos. Quando se vai comprar um, ao primeiro olhar já se escolhe o favorito ou se é escolhido. É uma ligação instantânea, indefinível e potente, exatamente como a atração de cargas. Depois que ligados, dono e cachorro, qualquer outra pessoa não importa para o animal, apenas o dono. Ele pode até “fazer festa”, gostar, de outras pessoas, mas nunca será igual ao seu dono.” (Professora de Física, aula de atração de corpos. Fala transcrita na íntegra)

 

Não foi um dia melhor que o anterior; Leah sentia-se um completo lixo ao abrir os olhos e, como eu, constatar nossas mãos dadas. Eu não entendi muito bem o motivo dela tirar seus dedos de perto dos meus tão rápido ao visualizá-los entrelaçados, muito menos quando gritou furiosa, lançando-me o olhar mais esquisito que já a vi dar. Eu não tinha comentado nada sobre Sam ou nosso quase aquilo. Nem passou pela minha cabeça, aliás, por mais que eu me sentisse profundamente culpada. Então, era de se esperar que Leah não estivesse com raiva de mim. Mas ela estava, e eu não compreendia isso. Será que, antes de adormecer, eu contara alguma coisa que, acordada horas depois, não conseguia me lembrar? Nem quando, já vestidas adequadamente, descemos para o café, ela falou comigo. Nenhum bom dia ou vai se danar. Nada. E eu sempre odiei o silêncio proposital. Dessa vez, porém, comportei-me como se nada fosse, como se tudo estivesse normal. Nem tia Sue, muito observadora, reparou o quanto Leah e eu estávamos estranhas uma com a outra à mesa; trocávamos palavras apenas para pedir mais suco ou guardanapos.

De fato, tia Sue era bem diferente de mamãe; em casa, nunca tínhamos guardanapos ou refeições decentes, tampouco contas pagas pela ‘dona da casa’. Éramos nós, Lay e Judie – minhas duas irmãs mais velhas –, e eu, que organizávamos tudo. Mamãe era um pouco relapsa, admito, deixando tudo nas mãos de três meninas, mas era por ser uma mulher ocupada. Era ela quem redigia um dos melhores artigos sobre sociologia no The New York Journal – um jornal para o qual trabalhou quando solteira e seguiu carreira mesmo mudando-se de Nova Iorque –, enquanto papai vivia viajando para negociar alguns apoios financeiros para o The New York Chronicle, jornal ao qual presta serviço – papai e mamãe se conheceram assim, trabalhando em empresas rivais, encontrando o amor verdadeiro e indo para Makah, onde descobriram ser ambos oriundos. Judie, por ser a irmã mais velha, era a mais ocupada com os gastos e sua profissão de antropóloga para o mesmo jornal nova-iorquino que nossa progenitora – ela formou-se em história e jornalismo. Lay... bem, minha outra irmã nunca foi a mais politicamente correta quanto aos estudos e divisão de tarefas, mas sempre pagava as contas – ou tinha seu suprimento de tintas e telas cortadas; artista e rebelde. Eu sempre fiquei com os afazeres domésticos, por isso aprendi a cozinhar muitas coisas sozinha, apenas o livro de receitas e meu fogão. Por esta razão, ofereci à tia Sue que me deixasse fazer um bolo ou algumas quitandas enquanto estivesse abusando de sua hospitalidade – coisa da qual nunca reclamou.

Lembrar-me de mamãe e o resto da família não ajudou meu estado de espírito; não aprendi a lidar com a saudade. Assim que acabamos o café, recolhemos a mesa, lavamos a louça e varremos o chão da cozinha, Leah e eu saímos da casa. Nossos caminhos, até aquela manhã, unidos, se desfizeram; fui para esquerda e ela, direita. Continuava a me perguntar o por quê dela agir assim, com tamanha frieza. Se eu tivesse contado tudo, nos mínimos detalhes, então ela saberia que a culpa não foi minha. A não ser que Leah me visse como uma biscate que dá em cima de todo mundo, o que duvido. Vivemos juntas tempo o bastante para ela me conhecer por completo e saber que jamais a trairia, se pudesse escolher. Aquilo com Sam foi um fato isolado, que não se repetiria se eu pudesse evitar. Porém, quanto eu mais pensava em causas plausíveis para aquele tratamento, mais pensava em Sam e nosso quase aquilo. Sam. Por que aquele nome não saía mais de mim? Era de se esperar que eu agisse como sempre agi, certo? Que seríamos apenas bons amigos, como sempre fomos. Mas não, alguma coisa teve de mudar – eu só não conseguia descobrir o que era. Cogitei falar com minha prima sobre o assunto, só que isso apenas aumentaria sua raiva por mim, além de pisar-lhe na ferida recente. O fato era que eu já não tinha mais forças para continuar a me perguntar, de insistir em falar ao nada. Eu não teria uma resposta desse jeito, e não estava pronta para conversar com Sam, não depois daquela visita. Por que comigo, afinal? Eu e minha mania de querer novidades. Essa estava me saindo meio cara demais. Suspirei, cansada de tentar colocar as idéias em ordem e notando, pela primeira vez, o caminho que escolhi. Fui para a esquerda, certo? Então aquele cheiro peculiar não era apenas coincidência; era o mar. Estava na praia, a areia atritando-se contra meus pés calçados de uma rasteirinha marrom. Há tempos que eu evitava ao máximo a presença da natureza litorânea; o meu aniversário estava vívido, e Sam não colaborou com meu esforço em esquecer. Sim, o Sam de novo. Tirei minha rasteirinha, caminhando para a água; por sorte, eu podia me afogar e não me lembrar de Andreas ou Sam, já que não me decidia qual dos dois era pior em se lembrar.

Não precisei levantar o vestido marrom que eu usava para entrar e molhar os pés, ele era cinco dedos acima do joelho – não me acho exibicionista, e Leah usava um vestido com mesmo comprimento. As ondas pareciam me chamar para dançar com elas, bem ao fundo das águas agitadas, embora eu resistisse bravamente à tentação de ceder. Eu sempre amei nadar. Fiquei ali, admirando o esplendor salino, sua imensidão se comparado à minha pequena pessoa, e sua mobilidade fugaz. De todas as belezas do mundo, o mar era a que mais me seduzia. A maré estava alta pela lua cheia; o magnetismo entre eles era o mistério mais empolgante naquele momento. O vento, que trazia a chuva, rodopiou meus cabelos e o cheiro se misturou em meu nariz; tempero, chocolate, derivados... Virei-me com um misto de temor e incompreensão. Sam? Não, ninguém. Não tinha nenhuma pessoa por perto, embora eu começasse a me sentir monitorada outra vez. Passei os olhos por cada pedra, árvore e grão de areia, procurando meu observador em vão. O movimentar de folhas, numa abertura que dava à floresta, me chamou a atenção. Resolvi não seguir meu instinto investigativo, permanecendo onde estava; virei para o mar novamente, mas sem me concentrar como outrora. O vento continuava a trazer o inconfundível perfume de Sam às minhas narinas, arrepiando meus pêlos. Ele estava ali, tinha de estar. Eu não estava tão louca a ponto de imaginar sua presença; eu não podia estar tão louca por ele. Limpei a garganta, umedecendo os lábios e entrando no mar até os joelhos; não ia perder o controle, não mesmo. Eu o tinha visto ontem! Por que me sentia tão subordinada à vontade de vê-lo, senti-lo? Por quê? Que merda! As perguntas tinham que recomeçar! Tentei, de maneira absurda, não pensar em nada, esvaziar a mente ou, pelo menos, tirar Sam da cabeça. Não surtiu efeito algum, só piorou minha situação. Eu queria descobrir tudo. Tudo que estaria por trás dessa minha esquisitice repentina. Não podia ser pedir demais.

Mais uma vez, dei as costas para o mar e procurei pelo garoto, esquadrinhando até o céu. Decidi sair da água, caminhar até onde vira as folhagens mexerem e examinar o local. Porém, no meio do percurso, ouvi alguém me gritar. Era uma voz rouca, juvenil e, pude perceber, ansiosa. Olhei para quem me evocava; Embry, claro. O mesmo rosnado baixo, e perceptível para mim, se fez ouvir; vinha do local para onde eu me dirigia. Embry me chamou mais uma vez, agora mais perto; não tinha como ignorá-lo. Deixei minhas neuroses de lado e sorri para o rapaz, que colocou as mãos nos bolsos em sinal de vergonha. Tinha um tímido sorriso em seus lábios rosados, e seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo, permitindo-me ver seu rosto impecável. De fato, se eu não estivesse tão aturdida pelo meu próprio comportamento com relação a Sam, teria ficado maravilhada com tamanha beleza.

- Oi, Embry! – saudei, colocando meu cabelo atrás da orelha esquerda e vendo-o enrubescer ainda mais. Era divertida a sua forma de demonstrar afeto, tinha de admitir.

- Oi! – respondeu com certa dificuldade – Leah me pediu para procurá-la, disse que estaria aqui, provavelmente. – desculpou-se ele, fazendo uma careta infantil que, não vou negar, me arrancou uma risada admirada.

- Hm, é. Parece que ela acertou, não? – dei de ombros, começando a andar com ele para fora da areia. Era engraçado o fato dele ser tão alto; eu tinha a impressão de que Embry que era o mais velho, e eu a mais nova da dupla. Ele sorriu ainda mais acanhado.

- Sabe, eu queria... – se antes eu desconfiava que ele estava vermelho, agora tive a confirmação que estava roxo – queria te... bom... – riu nervosamente, fazendo-me sorrir de seu mau jeito com garotas – ah... bem, você sabe que a tribo tem seus rituais e... bom, faz aniversário como qualquer cidade... – incoerência; por que isso me trazia outra pessoa em mente? – o que quero dizer... – quanta dificuldade, meu Deus. Parei de andar para analisá-lo melhor. Acho que isso deu a entender que estava instigando-lhe a finalizar logo o assunto – Quer vir à festa? Será divertido e mamãe deixou que fosse lá em casa. É bem perto da praia, então vamos estender o festival para cá, se quiser. Você vem, certo? – seus olhos escuros eram dóceis e cheios de expectativa; como eu poderia recusar?

- Tudo bem, Embry, eu vou. Mas é bom eu ter companhia, entendeu? Não quero sobrar. – dei minha condição, o que o fez sorrir radiante – e devo dizer que seus dentes brancos, alinhados e bem conservados, são lindos.

- Eu mesmo vou me encarregar disso. – enrubesceu instantaneamente com sua resposta – Bem, se você quiser...

- Claro que vou querer! Você e Quil são os garotos que mais converso, afora Seth. – sorri, encorajando-o, o que deu certo. Apenas uma coisa me incomodava nisso tudo: por que Leah, com raiva de mim, mandaria Embry me buscar?

Estavam Jacob, Quil, Brady, Collin, Seth, Jared, Paul, Leah, Jessica, Layla e Samantha – a turma em peso –, esperando por nós dois. Eu nunca me senti à vontade quando cercada de muitas pessoas, sempre deslocada e/ou envergonhada. Naquela ocasião, entretanto, fiquei absurdamente tonta; Leah continuava de cara amarrada para mim, mas estava se esforçando para me manter no centro das atenções. Não conseguia ver, menos ainda entender, aonde isso chegaria. Procurei não demonstrar minha confusão, participando de todas as piadas de Jacob – um garoto simplesmente adorável e divertido –, respondendo às perguntas entusiasmadas de Quil – que de tempos em tempos lançava olhares de segundas intenções para Embry e para mim –, falava de surf com Seth e Jared – os melhores da praia, devo ressaltar –, e rindo do temperamento variável de Paul – um tanto estressado. Estava uma manhã relativamente normal; os amigos de Leah, em sua maioria, eram bem sociáveis e confiáveis. Digo maioria por causa das meninas – Jessica, Layla e Samantha. Elas eram, na falta de palavras mais brandas, fúteis e escandalosas. Nunca entendi a razão de Leah se juntar a garotas tão diferentes dela mesma; minha prima jamais foi a mais paciente com cenas, mas fazia algumas quando acompanhada por suas amigas. Bem, acredito que algo de bom essas meninas devem ter, no fundo. Sam também não suportava gritos histéricos e atitudes infantis; mimadas. Jessica ainda tentava conversar comigo – sobre garotos, sinto dizer –, já as outras cercavam Leah – não que ela estivesse incomodada. Estava mesmo com raiva de mim, porque nunca aprovou alguém se colocar entre nós. Apenas o Sam, mas isso só algumas vezes, quando ele se sentava no nosso meio. Ainda bem que eu estava sentada ao lado de Embry e Jared, defronte para Quil, Seth e Jacob, respectivamente, ou teria ficado sozinha.

Logo me arrependi, porém, de estar sentada perto de Embry. Ele era de uma timidez e carinho inomináveis, e estava começando a me deixar pouco à vontade. Por mais que Call tentasse esconder seu nervosismo e, me atrevo a dizer, sua paixonite por mim, eu via seus apelos e, infelizmente, não sentia nada a respeito, apenas agradecimento e tristeza por não corresponder. Ele merecia mesmo alguém que não fosse tão confusa e perdida como eu. Além disso, minha cabeça estava “cheia de Sam” – argh. Levantei-me da mesa do bar – o lugar estava abarrotado de estudantes, afinal era um dos únicos locais da aldeia que dava para sair. Caminhei até o balcão, pedindo ao barman outro suco de morango ao leite – ninguém na mesa bebia nada alcoólico, ainda bem. Ao pé, uma menina um pouco maior que eu, de beleza indígena normal – olhos pequenos, rosto largo, pele acobreada, boca carnuda e cabelos finos e lisos –, estava a me encarar. A olhei assustada; nunca nem falei com ela para que tivesse algo contra mim. Bem, eu devia estar acostumada àquela altura. A garota, por outro lado, enrubesceu como se tivesse acabado de se dar conta de que seus sentimentos estavam óbvios. Aproximei-me dela, um pouco acanhada e apreensiva, e sorri; isso a fez avermelhar-se mais.

- Sou Emily Young. – me apresentei. Não tinha o costume de falar com estranhos daquela maneira, mas a menina me parecia uma boa pessoa. E eu queria saber o que mais eu tinha feito de errado – Você é...?

- Kimberly. – respondeu ela, com sua voz meiga um pouco afetada pela vergonha – Kimberly Cownnweller. E eu sei quem você é, claro. – fiquei boquiaberta; que grosseira que eu era! Não me lembrava dela de maneira nenhuma, enquanto a menina estava ali, dizendo que me conhecia – Leah contou à escola toda que você viria. – explicou-se. Então, eu não a conhecia de fato, eu era apenas notícia. Que ótimo; eu sempre quis mesmo ser famosa – não.

- Ah. Hm, e você é amiga dela? Por que não está conosco? – quis saber, mas não se mostrou ser uma boa idéia, visto que Kimberly estava no limite de sua timidez, e tinha uma inconfundível marca de expressão de tristeza. Eu tinha tocado em um assunto delicado, para variar. Sentei-me em sua mesa; ela estava sozinha.

- Eu não... – visivelmente, Kimberly procurava palavras capazes de me explicar sem se envolver – É o seguinte: eu não ando muito com a turma de Leah. Sua prima é meio... seletiva. – deu um sorriso sem graça, como se estivesse se desculpando. Óbvio que eu sabia a verdade; Leah sempre se orgulhou em ser a Barbie Malibu da escola e só andar com iguais – Eu sou do tipo que prefere a biblioteca. – é, nesse comentário ela foi um tanto infeliz. Leah tinha notas excelentes e era bastante aplicada. Apenas não a contradisse porque a opinião de Kimberly advinha de experiências traumáticas, de certo.

- Compreendo. – respondi com simplicidade, e até ia sorrir, fazendo um comentário besta, como usualmente faço, mas senti a mão de alguém em meu ombro e me virei. Era Jared, com um meio sorriso de deixar qualquer garota sã babando, seus cabelos um pouco compridos – estilo surfista – ao vento.

- Sentimos sua falta lá. – e apontou para a nossa mesa com a cabeça – Jacob disse que acabou de lembrar outra piada sobre... – não prestei mais atenção a partir daí, se me recordo bem. Fiquei tão chocada com o olhar apaixonado de Kimberly para Jared que nada mais importou. Claro, eu estava sentada ao lado dele! Ela achava que estávamos tendo um caso. Quem me dera fosse.

- Jared, minha amiga pode se unir a nós? – perguntei, interrompendo-o. Ele piscou, dando um sorriso que, com certeza, derreteu a pobre Kimberly.

- Claro. Você é Kimed, certo? Da minha sala de química. – bom, ele errou o nome, porém lembrou-se dela. Era alguma coisa, não se podia negar. Kimberly pareceu pensar o mesmo, levantando-se comigo e andando para a outra mesa. Ela se sentou no meu antigo lugar e Embry viu-se obrigado a pegar uma nova cadeira para mim. Por que sempre tão amável? Embry era mesmo o garoto ideal. Menos para mim, a anormal que insistia em querer saber coisas estúpidas sobre o namorado da prima, a melhor amiga. Eu, realmente, devia ter ficado em Makah. Era tudo culpa do Sam.

Almoçamos no bar, ficando ali até umas cinco da tarde, quando decidimos ver o por do sol na praia – por sorte, Layla e Samantha não estavam mais conosco; tinham de se arrumar para sair com os namorados que residiam em Forks. Eu não me sentia no direito de afirmar que Kim – ela quem pediu que eu assim a chamasse – tornou-se minha amiga, em especial por termos conversado apenas aquele dia, mas eu senti nela um conforto absurdo, já que minha prima continuava a me evitar e me isolar com os meninos. Além disso, Kim estava tão aturdida com as atenções de Jared – que, em cinco minutos com ela sentada à mesa, aprendeu chamá-la pelo nome certo – que nossa conexão poderia ser julgada como troca de favores ou agradecimento. Embry também me serviu muito de companhia, dividindo um sorvete comigo de sobremesa porque eu não tinha mais dinheiro e não aceitava que ele pagasse por mim. Quil, Seth e Jacob eram quem guiavam o grupo de volta à praia, rindo tão alto das piadinhas internas deles que todos os turistas – La Push recebe uma quantidade considerável de pessoas no verão – nos olhavam sobressaltados. Paul, que durante nossa estada no bar ficou se atracando com Jessica quando essa não estava grudada em Leah, foi rumo para a casa no meio do caminho, dizendo estar muito cansado – a verdade era que o garoto estava um tanto febril e, constantemente, seus braços tremiam e sua expressão ficava tensa; ele disse que essa virose o tinha pegado há dias. Jessica, por sua vez, mantinha-se como um carrapato em Leah, para minha infelicidade; eu esperava um momento a sós com ela para conversarmos.

Sentamo-nos na areia branca finíssima, o vento atrapalhando nossos cabelos, assistindo o ciclo da vida. O sol nasce, brilha intensa e ininterruptamente ao nos fornecer calor, e se vai. A sensação, porém, de que estivera a nos aquecer e orientar os seres vivos o seu tempo, permanece ao final que, de fato, não é fim – afinal a noite vem. Esta por sua vez, tendo a lua como espelho dos raios solares, irradia a espera – ou esperança – de um novo dia. Talvez eu não devesse filosofar, nem tentar. Mas eu não pude controlar minha mente enquanto a esfera monumental e incandescente por diversas reações químicas ia; aqueles dois dias estavam sendo os mais longos e perturbados da minha vida, sem contar que eu não conseguira nenhuma explicação. Estava tudo vermelho, as nuvens pintadas com o crepúsculo, assim como as águas do mar, expressavam o tédio mórbido de minhas divagações. Por que ele não saía de minha cabeça, uma vez que nunca manifestei qualquer sentimento que não amizade? Por que isso agora? E, para finalizar, por que Sam? Eram sempre os mesmos questionamentos, os mesmos assuntos pedantes. O pior era eu não saber o que mais me chateava, se o fato de eu me tornar uma garota maçante comigo mesma, ou se, inegavelmente em meu subconsciente, eu precisasse descobrir e, de forma irracional, achar uma solução para sanar minha insana vontade de tê-lo.

- Hey, Emily. – acordou-me Embry, lutando com os dedos contra o vento que insistia em tampar-lhe a visão com seus cabelos esvoaçantes. Olhei-o procurando demonstrar interesse, ainda condenando-me por não tirar a obsessão da cabeça e dar uma oportunidade ao rapaz. Foi quando notei que sua maneira de me olhar não era tão embaraçosa, conflitiva ou prazerosa quanto à de Sam, por mais inconveniente que fosse. Suspirei, encostando minha cabeça no ombro de Embry.

- Sim? – respondi ao fechar os olhos, tentando não chegar à conclusão indubitável que eu já devia ter tido.

- Você disse que precisaria de um par para a festa, e eu me ofereci... – abri os olhos, aguardando sem levantar a cabeça ou mexer qualquer outra parte do corpo que não a caixa torácica – Você quer mesmo minha companhia? Sabe como é, ser meu par? – a ênfase em suas duas últimas palavras me alertou o quanto eu confundia o menino, sem querer. Embry tinha esperanças de criar um laço maior do que eu estava oferecendo. Coitado. Se ele soubesse, e sentisse o mesmo horror da descoberta tardia, do que eu realmente sentia, não teria se dado ao trabalho de me perguntar. Entretanto, o medo da minha conclusão ser acertada e, por isso, eu perder completamente a razão, respondi ao encará-lo:

- Quero. – foi simples e eficaz. Eu tinha consciência de que estava me enganando, forçando-me a aceitar o carinho irrecusável de Embry, e ainda pior, iludindo-o. Só que, daquela vez, eu fui egoísta de uma maneira altruísta. Confuso de ser compreendido, eu sei, mas era a verdade. Se eu não fosse com o moreno de olhos mais faiscantes de felicidade que já vi, encontraria Sam. Se eu o encontrasse, ficaria bastante tentada em me aproximar para discutir certos pontos – muitos pontos – inexplicáveis das nossas reações quando um se aproximou do outro. O que, há de convir, poderia desgastar mais meu relacionamento com Leah, sempre muito ciumenta quando se tratava do namorado, originando um problema maior entre Leah e Sam. Enfim, eu teria de, muito à contra-gosto, reconhecer que estava apaixonada pelo Samuel. Porque, obviamente, eu estava. Nem que fosse um pouco, nem que fosse apenas affair. Era tudo culpa do Sam.

- Quando é a festa? – prossegui, arquitetando planos para fugir da verdade. Namorar Embry era a primeira e, de longe, a melhor opção, depois de voltar para Makah e nunca mais retornar à La Push – o que não seria muito difícil de se fazer, com minha única motivação me ignorando constantemente.

- Daqui dois dias. – sua voz rouca estava entusiasmada, porém não mais que seus olhos escuros como a noite. Ao lusco-fuso, Embry parecia muito mais bonito que qualquer outro garoto da idade dele que eu já vislumbrara. Seus traços bem marcados de origem indígena e adoçados por seu temperamento cômico, irônico e calmo e tímido eram formidáveis. Analisá-lo fascinada, entrementes, não arrancou minha certeza com relação ao Sam e nem aliviou meu estado de espírito. Uma vez ciente dos meus sentimentos, minha culpa aumentava.

- Até mais, Emily! – despediu-se Kim, sorrindo estonteante para mim, tendo um espelho falso em resposta. Ela ia com Jared para casa, já que ambos moravam perto – coisa que Jared ficou espantado em saber – mas ambas sabíamos que aquilo não significava alguma coisa relevante. Vire-me para a paisagem, agora mais escura, descansando minha cabeça no ombro de Embry. Não era tão quente quanto a pele de Uley.

Voltando para casa dos Clearwater com Seth, continuei demasiada absorvida na minha simplória descoberta de sentir um affair por Sam. Eu devia ter desconfiado a mais tempo, claro, devido minha fixação com o dito cujo. Emily Young era uma besta, não havia como contra argumentar. Agradeci internamente por conseguir sempre disfarçar minhas emoções, menos para mamãe, papai e minhas irmãs – e amigas mais íntimas, como Leah, se eu ainda podia classificá-la como tal; Seth usava todo seu novo estoque de piadas, o que me forçava a rir e gargalhar algumas vezes. Leah, utilizando a desculpa de ter prometido aos Slater que levaria Jessica para casa, foi-se com a amiga dizendo que ia demorar um bocado, pedindo ao irmão que avisasse tia Sue. Tentei não julgar esse ato como uma forma de evitar nossa conversa, mas a oportunidade chegaria e ela tinha consciência disso. Afinal, como alguém pode passar um dia inteiro sem falar com você, sendo que na noite passada estava usando seu ombro como limpador de lágrimas? Minha cabeça estava trabalhando tão rápido com tudo que minhas pernas caminhavam mecanicamente ao lado do meu primo. Será que ele tinha percebido o mau comportamento de sua irmã? Teria ele aderido sua causa? Estaria Seth me enganando? Hm, não. Seth sempre fizera o tipo de pessoa doce e sincera demais para enganar quem quer que fosse. Mesmo que esse alguém merecesse – meu caso. Então, uma idéia me surgiu.

- Hey, Seth, a Leah e o Sam continuam carrancudos um com o outro? – perguntei, bem natural e levemente interessada no assunto. Ele mordeu o lábio inferior e depois deu um suspiro de cansaço, enrolando seus cabelos nos dedos.

- Acredito que sim, Em. Os dois têm se bicado muito ultimamente, desde que Sam sumiu e não quis dar satisfações, como diz Leah. – revirou os olhos, dando um sorriso enviesado – Tem vezes que penso que é o fim, sabe? – foi a vez do meu coração revirar, sem meu consentimento – Não consigo ajudá-los! – sua angústia era tocante – Sou um completo inútil! – esse era o meu Seth, sempre disposto a se sacrificar por quem ama. Dei um meio sorriso, abraçando-o pela cintura.

- Calma, primo. Namoros passam por crises, algumas prolongadas. Eles vão se entender. – a última afirmativa eu fiz mais para mim mesma, tentando convencer meu fraco coração a não criar expectativas e, muito menos, trair minha prima. Seth retribuiu meu abraço e caminhamos grudados até adentrarmos a casa. Tia Sue estava de saída com tio Harry, iam para a casa dos Black, assistir jogos e comer peixes. Falei que ficaria, que Seth podia acompanhá-los porque eu esperaria por Leah.

- É tão reconfortante ter-te aqui, Emily. – disse tia Sue, beijando-me o rosto ao passar por mim na porta – Leah estava sentindo-se tão solitária sem você aqui. Você é uma ótima amiga para ela, obrigada. – bem, se aquilo queria me alegrar, funcionou perfeitamente. Minha alegria era tal que alguns palavrões, insultos e até suicídio passaram como soluções em minha mente deturpada de culpa. Tia Sue possuía mesmo um dom sobre mim; a capacidade de me voltar contra mim mesma. Fechei a porta da sala e fui sentar-me no sofá.

Sam, Sam, Sam. Todos os meus pensamentos e sentidos estavam voltados para ele, por Deus. Eu nunca passei por um affair tão forte quanto aquele. Meus olhos pesaram à medida que o cérebro entrava em parafuso e o sono drogava minha consciência há muito perdida. Estava tão sonolenta que o perfume característico dele não passou de mero sonho, assim como sua temperatura alta a me acariciar; não sonhei nada mais, sem imagens ou sons, apenas sensações similares de quando Sam estava por perto. Quando acordei, incrivelmente elétrica, procurei pelo relógio e vi que cochilei dez minutos e Leah ainda não tinha chegado. Eu estava sozinha. A decepção que me acometeu fora intensa; achei que ele estava ali, a cuidar de mim sem minha autorização. Mas não, não tinha nem sinal de sua presença. Suspirei, balançando negativamente a cabeça; eu não podia estar esperançosa, não tinha o direito de querê-lo. O que diabos eu estava fazendo comigo mesma? Alimentar aquele affair absurdo era crucificar-me mais com a culpa e tristeza de nunca poder transformar o gostar em uma história.

- Emily? – sua voz grossa me sobressaltou, fazendo-me ficar de pé e encará-lo com a cabeça na porta aberta. Seu semblante era impossivelmente mais perfeito do que eu me lembrava, e, por mais que eu fizesse questão de fugir de seu rosto em pensamento, o tinha em minha memória constantemente. De fato, sem os cabelos longos a emoldurar-lhe a face, Sam parecia mais charmoso do que nunca fora. Perdi minha respiração ao vê-lo surgir totalmente do portal, exibindo seu peitoral colossal – os músculos definidos ao limite da pele acobreada – sem camisa. Demorei alguns segundos para me recompor, algo que ele percebeu e sorriu acanhado, passando mão direita sobre a cabeça raspada.

- Desculpe-me aparecer assim. – deu de ombros, atordoando-me com sua forma desajeitada de embaraço – Quis te ver. – seus olhos negros radiavam uma emoção indescritível; talvez doçura, felicidade, ternura e adoração. Os meus pêlos arrepiaram-se todos, e eu pude sentir meus elétrons criarem um campo elétrico de atração. Eu o chamava de todos os meus poros sem me dar conta. O que diabos ele fazia comigo? Que affair mais insuportável, Deus!

- Queria mesmo? – o que minha boca e voz estavam fazendo? Por que soei tão carente e aberta àquela afeição dele? Oh, não! Voltara tudo, eu sabia! Ele não devia ter aparecido! Agora eu voltava a me descontrolar.

- Emily – estremeci; a forma como falava meu nome, como o cantava se ele fosse a mais linda música, era inebriante –, me senti na obrigação de vir reparar meu erro. – fiquei boquiaberta, afinal não esperava desculpas. Não depois de descobrir que estava potencialmente apaixonada por ele. Entristeci-me.

- Ah, não se preocupe, eu agi mal também. – tentei esconder meu descontentamento, duvidando que surtisse o efeito desejado; Sam me analisava furiosamente, reparando cada músculo facial meu que se movimentava ao omitir sentimentos – Podemos virar essa página sem ressentimentos. – na verdade, eu me ressentia por não tê-lo beijado. MERDA. Controle, Young, controle.

- Emily – oh, cara! Por que ele tinha de falar meu nome daquele jeito apaixonante? –, eu falo sério. Não queria forçá-la a nada, nem deixá-la grilada com nada. A culpa é minha. – minha boca novamente se abriu. Sam estava assumindo tudo, exatamente como, mais cedo, eu queria que fizesse. Só que minha vontade mudara. Mordi meu lábio inferior, dando-lhe as costas e balançando os ombros como se nada fosse – mas eu tentava espantar o peso da desesperança de minhas costas.

- Não ligo mais para isso. Nem penso mais no nosso quase beijo. – minha voz estava aguda, condenando a atuação que deveria ser perfeita, como de praxe. Por que eu não conseguia mentir para ele? Era mais uma condição para esse affair? Já não vinha custando caro demais?

- Emily, – que inferno! Será possível que Sam podia não falar o meu nome? Estava bastante complicado sem sua ajuda – olhe para mim. – como se seu pedido fosse a ordem de um senhor ao seu escravo, virei-me sem pestanejar. Seu sorriso era divertido, apesar de receoso; perdi-me nele – patética.

- Samuel... – sempre doce ao me dirigir a ele. Aquilo estava fora de meu controle e me irritava.

- Emily – desisti de repreender o suspiro que sua voz surtia em mim –, eu preciso falar com Leah.

Se eu estava tonta antes, morreu como uma planta em tempo de seca. Ou melhor, morreu como um homem perdido no deserto por cerca de uma semana sem água. Toda aquela reação maravilhosa que o affair me fazia sentir passou da forma mais abrupta e terrível; a realidade era aquela que Sam tentava me lembrar. Ele amava Leah, era seu namorado. Como se suas palavras da noite anterior me esbofeteassem, recordei que eu era ‘apenas uma garota’, por assim dizer. Apenas uma garota imbecil ao extremo por ter um affair pelo namorado da própria irmã. Onde eu estava com a cabeça, afinal?

Para piorar meu ânimo, deixei transparecer minha dor. Dor tal, que fazia meus olhos lacrimejarem e meu coração pulsar tão rápido que meus vasos queriam explodir com a pressão. Eu não fazia idéia de como minha expressão facial estava, mas não podia ser nada boa, pois Sam passou seus braços ao redor de minha cintura, trazendo-me para perto de seu corpo em brasa. Escondi meu rosto em seu peitoral nu, odiando-me por ser tola a ponto de ter expectativas positivas para nós. Maldito affair, maldito. E ele não diminuía com Sam a acariciar meus cabelos e costas. Minha tristeza ia transbordar a qualquer momento.

- Eu preciso falar com ela antes que torne tudo pior para nós três. – disse Uley, fazendo-me tremer e quase sorrir com o movimento cômico de seu corpo quando a voz saía – Leah não pode se machucar mais do que já se machucou, eu não suportaria. Além disso, não quero que você saia com um peso na consciência. Você é muito importante para mim, Emily. – as lágrimas não caíram, e nem cairiam tamanha minha perplexidade. Por que era importante para ele o que eu sentia? E qual seria o grau de importância? Bufei em seu peitoral e o vi vibrar em uma risada de cócegas. Levantei minha cabeça para vê-lo.

- O que você pretende fazer? – exigi saber. Se fosse o que eu pensava, era melhor Sam descartar a hipótese. Leah sofreria muito mais com isso; perdê-lo era uma coisa inaceitável para ela.

- Prefiro não comentar com você, por enquanto. – encarei-o, procurando ler em sua expressão aquilo que não queria me contar. Foi inútil, porém; era uma decisão a ser tomada. Dei um meio sorriso infantil, baixando o olhar por meio segundo antes de voltar a olhá-lo.

O castanho dele era feroz, e ao mesmo domável. Parecia que a fera que habitava dentro dele, reconhecia o momento de aquietar-se quando perto de mim. E a maneira como me encarava, como uma pessoa que praticamente morre e, depois de muito lutar contra o destino certo, torna a viver, era perturbadora. Não havia um olhar mais profundo do que aquele, ou mais sedutor. Sam podia não saber o que aquele castanho me provocava – ataques cardíacos ou aneurismas – toda a ver que os punha em mim, mas não abusava de minha fraqueza. E, como o clichê mais brega, tudo em volta nada significava; sua íris era minha perdição, sem dúvida. Meu corpo estava quase tão quente quanto o dele àquela altura, embora eu não me importasse com a quantidade de proteínas perdidas que aquilo me custaria. De súbito, tudo cessou.

Estava ele a dois metros de distância de mim, sentado no sofá de pernas abertas e os braços jogados no móvel. Seu movimento foi rápido, tanto que meu cérebro não acompanhou e, lerdo pelos momentos anteriores, custou a achar o caminho do sofá. Sentei-me uma almofada de distância, ainda respirando pesada e irregularmente – eu estava até ofegando. Tentei não procurar seu olhar, que eu continuava a sentir pregado em mim. Foi em vão, sinto dizer. Olhamo-nos. Uma gota de suor minha escorreu pelo canto da testa, sequei-a ligeira. Eu estava febril, mas acostumando-me à temperatura ambiente de novo. A mão gigante de Sam agarrou a minha, gentil demais para seu tamanho. Acariciou-a, e eu pude sentir a tremedeira habitual dele. Não era convulsiva como a da última vez. Mordi meu lábio inferior, tentando não sorrir por vê-lo tão entregue quanto eu estava, senão mais. Então, contrariando quaisquer desejos meus, a porta se abriu, mostrando uma Leah recém-chegada da rua. Seus cabelos negros esvoaçavam ao vento quando passou pelo portal e o fechou, parando seus olhos em Sam. Eles não se desviaram para nossas mãos dadas, menos ainda para mim. Devoravam cada centímetro do rosto de Uley, assim como eu fazia há pouco. Meu semblante se fechou involuntariamente; eu sabia que ele a pertencia, então para que o ciúme? Ridícula.

- Você aqui! – admirou-se, sorrindo estonteante. Acho que foi quando percebeu minha presença e seu sorriso se apagou, aparecendo a carranca. A mão de Sam deixou a minha tão cuidadosamente que nem reparei, e logo se levantou, caminhando para minha prima.

- Vim conversar. – anunciou ele. Leah aliviou sua fúria ao ouvir o timbre da voz dele. Resmunguei um ‘tola’ baixo demais para ela ouvir. Sam, por outro lado, virou-se para mim e nossos olhares se cruzaram. Respirei fundo, tentando manter-me no mundo.

- Veio, é? – quis Leah saber, olhando-nos com desespero – Mas queria falar comigo ou com Emily? – a sua nota venenosa me atingiu como um soco. O QUE EU ESTIVE FAZENDO?! Deixei, MAIS UMA VEZ, que o affair me controlasse e me ditasse o que pensar!! MALDITO AFFAIR, argh.

- Com você. – a cortou, mas sua voz já não surtia o mesmo efeito de antes em mim. A culpa era muito maior agora, com minhas faculdades mentais se normalizando a presença de Leah.

- Engraçado, Sam. – ironizou, batendo palmas – Hilário, de fato. Você aqui, me procurando. É alguma pegadinha? – procurou por câmeras, dramatizando um sorriso que, aos meus ouvidos, eram ferinos – Há quanto tempo você não me procura mesmo? Cansou de ter seu cachorrinho atrás de você e resolveu agir? Ou, talvez, sentiu pena de mim? – já não ironizava mais, demonstrando toda sua mágoa, para meu desespero – Sentiu pena por me fazer de palhaça, Sam? Finalmente enxergou o quanto me destrói? – as lágrimas que juntavam em seus olhos eram o espelho das minhas. O que eu queria metendo-me entre eles? Magoar uma das pessoas mais importantes para mim? Eu não queria mais esse affair. Não queria.

- Menos, Leah. – pediu Sam, seu rosto coberto de dor. Ele também sofria por ela! Éramos os três sofredores.

- Eu quem deveria pedir isso, Uley. – péssimo sinal; Leah o chamava pelo sobrenome apenas em ocasiões especiais de ataques de fúria, o que não era comumente presenciado por mim. Eu era, visível e irrevogavelmente, a intrusa ali.

- Leah, não torne as coisas piores, por favor. – o quê de aflição e dor bateu em mim. Sam estava sofrendo com tudo aquilo, por Deus. Ele não pretendia magoar Leah, pois a amava! Eu era apenas mais uma barreira na relação deles; que destino o meu. Eu respirava pela boca, tentando capturar o máximo de oxigênio possível em um dos meus ataques de asma, mas nada chegava aos pulmões. Era mais um dos meus sonhos frustrantes?

- EU QUE ESTOU TORNANDO TUDO PIOR, SAM? É ISSO QUE ESTÁ DIZENDO?! – não grite, por favor. Não se exalte. Continuava com dificuldades para respirar, sentindo algo quente e molhado escorrer pelas minhas bochechas.

- EU NÃO QUERO BRIGAR COM VOCÊ, LEAH! – o timbre de sua voz, implorando para que nada fugisse do planejado... eu não conseguia ver Sam sofrendo daquele jeito por fazer minha prima sofrer. Eu, como espectadora, era a única com consciência naquele drama, então não podia me deixar levar; não tomaria partido de Sam. Não podia.

- ENTÃO VÁ EMBORA!! EU ESTOU DISPOSTA A BRIGAR COM E POR VOCÊ, SAMUEL!! – sua ira, incrustada em seus olhos alucinados, voltaram-se para mim com o propósito de me mutilar. Por que ela me deu aquela indireta?! Ela sabia de alguma coisa? O QUE EU TINHA DEIXADO ESCAPAR?!!

- É. É melhor eu ir mesmo. – o corpo de Sam vibrava como se ele estivesse sofrendo de um ataque epilético. Ele não estava normal, encurvado para frente, tentando parar a tremedeira. Em seu último segundo dentro da casa, olhou para mim com os olhos ferozes, animalescos. Tinha uma besta dentro dele, mas eu não consegui identificar o sentido. Passou tão rápido pela porta aberta que Leah caiu no chão com o vento. Eu estava em estado de choque, sem saber o que fazer, pensar ou dizer. A outra estava do mesmo jeito, arfando enquanto começava a chorar.

Por instantes terríveis que nunca consegui esquecer, vi o quanto aquela criatura sentada ao chão, a mãos passadas entre as pernas a se balançar, era o retrato menos real do que era minha prima. Leah nunca foi de expor sua tristeza, tendo sempre um sorriso de entusiasmo na face absurdamente linda e corada. Aquele ser, desfigurado pelas lágrimas a borrar a maquiagem dos olhos, não tinha nenhum traço da estonteante e confiável Leah. Os pulos graciosos, os gestos sutis, a voz terna e o balanço de menina não estavam lá. A pessoa à minha frente nada mais era que uma sombra deformada do que um dia foi a irmã mais adorada, a amiga mais prestativa e a mulher mais admirada. A tristeza a corroia, sem ter cura. A marca do sofrimento, estampado como um troféu indesejado, jamais cicatrizaria, mesmo que Sam voltasse para seus braços. E foi aí que me vi pior do que Leah. Eu não queria que Sam voltasse para ela, que a libertasse do monstro que estava se tornando. Porque sim, minha prima estava se transfigurando na amargura, arrogância e despeito em carne. Eu, com meu affair egoísta, não tinha outra certeza que não o quanto Sam me pertencia. Era uma certeza que jamais consenti ou questionei, porque até então não sabia que a tinha. E nem queria saber. Doía-me ver o quanto nós duas havíamos mudado; Leah a amargurada, Emily a traidora. Um rapaz não podia ser justificativa suficiente para mudanças tão drásticas. E não seria.

Aproximei-me de Leah, fechando a porta e estendendo minha mão para sua figura infantil. Ela ergueu o olhar, fitando-me com incompreensão.

- Eu estou apaixonada por Sam, Leah. – falei sem rodeios, ainda com minha mão a esperar pela dela – Tentei negar e fugir dessa confirmação, mas estou. Dizer isso não facilita as coisas entre nós, só que eu precisava ser sincera. Eu não pedi por isso, nem estou reinvidicando nada. Pelo contrário, sei o quanto ama Sam e o quer. De uma forma ou de outra, compartilho do seu sofrimento e não quero causá-lo. Não vou me meter entre vocês dois, coisa que já venho fazendo desde que cheguei. Vocês têm de se resolver e o meu affair por ele não vai interferir em nada. – dei-lhe minha palavra. A mão dela pegou a minha e eu a ajudei se levantar. Seus olhos estavam menos ferinos e sua raiva controlada. Entretanto, ainda não era Leah.

- Por que você fez isso comigo, Emily? – as lágrimas dela escorriam, desfigurando ainda mais minhas lembranças do que um dia ela foi – Por que escondeu de mim? Eu tive de ouvir você chamar o nome de Sam durante o sono. Tive de entender seus suspiros e pedidos por um beijo. Você me obrigou a sentir ódio de você. Obrigou-me a empurrar todos os meus amigos, para que algum deles te fizesse esquecer o meu Sam. Você é a culpada. – ótimo. Eu não podia ter esperado outra coisa que não aquele veneno sendo jogado em mim, matando-me de culpa. Ela tomou sua mão da minha, jogando-a contra meu rosto. Meu lado direito pulsou de dor e eu sabia que logo teria a marca de todos os seus cinco dedos. Eu não merecia menos que isso. A única coisa que eu sabia era que não merecia o seu ódio. Aquela situação toda não podia ter sido evitada; eu nunca consegui controlar meu coração, tampouco direcioná-lo para longe de Samuel. Eu tinha culpa de não ter contado logo no começo, de não ter procurado por um diálogo, mas não de gostar dele. Era inútil, porém, contra argumentar com ela. Leah estaria sempre com a razão.

Senti meu corpo escorregando, caindo ao chão na velocidade de vinte lágrimas que escorriam pelo meu rosto. Claro, estava afetada pela realidade de gostar de alguém inatingível e de decepcionar uma das pessoas mais importantes na minha vida. O que eu havia feito de tão ruim para merecer isso, não fazia idéia. Eu já tinha superado o trauma de estar sozinha, de ter sido dispensada no meu aniversário, de ter sido trocada por ser “antiga” demais. Parecia que não bastava. Eu nunca, em toda minha existência, gostei de chorar, mas estava me tornando um bebê. O pior de tudo, se isso fosse possível, era que meu coração sentia mais pesar do que eu poderia expressar algum dia. Era como se meu sentimento estivesse aumentando gradualmente, como se estivesse ligado a outro. Eu sentia coisas que, por mais que eu pensasse, não eram próprios meus. Por exemplo, eu via a figura de Leah como a mais gostosa garota que já fiquei, embora eu, Emily, também fosse. Meu Deus. Eu nunca tive impulsos lésbicos por Leah! Por que isso também se misturava dentro de mim? Além do mais, eu não me achava bonita o suficiente para ter tara por mim mesma. Mas, óbvio, aquilo era apenas cansaço ou qualquer outra coisa do tipo.

Não sei por quanto tempo fiquei sentada ali, sozinha na sala escura pela hora. Levantei-me quando me senti possibilitada de andar, sem saber para onde caminhava e o que faria. Nem sequer pensava, para ser mais exata. Minha mente era um breu, como o recinto que, de tão pequeno e mobiliado, eu esbarrava e tropeçava em todo lugar. Por sorte, cheguei ao segundo andar sem hematomas; abri o quarto de Leah e, por mais sorte ainda, não a encontrei lá. Como um robô, tirei as roupas que, decerto, tia Sue havia dobrado cuidadosamente e arrumado no guarda-roupa da filha, colocando-as dentro da minha bolsa. Meus objetos pessoais como escova de dente, pente, perfume e maquiagem – sou alérgica, então preciso mesmo de uma especial –, também foram organizados de qualquer jeito dentro da mala. Eu não podia ficar em La Push ou a situação poderia se agravar. Tinha de sair daquele lugar em tempo recorde, portanto, pus-me a agilizar o processo, fechando a mala e discando para a rodoviária; perguntei se teria algum ônibus partindo para Neah Bay naquele horário, porém o próximo seria daqui a três horas. Eu não me importava em ficar esperando nas cadeiras cinzas da estação, então só entrei no banheiro de Leah para analisar meu estado físico. Olhos inchados, nariz e globo ocular avermelhado, boca duplicada, cabelo em desespero, palidez quase mórbida. Linda. Apenas suspirei, dando o toque final ao meu quadro de terror. Saindo do banheiro vi a figura de Leah, quase tão acabada quanto eu, senão pior.

- O que significa isso? – quis saber, apontando para minha bagagem. Dei de ombros, aproximando-me meio temerosa; eu não queria outro tapa e parecia que ela estava considerando me dar um. Olhou-me súplica, forçando-me a responder:

- Acho melhor eu ir embora. – encaramo-nos durante cinco segundos, creio. Leah estava dividida, mas sua mão alcançou a minha e, novamente com aparência súplica, sorriu com tristeza.

- Fique. Você sabe que nossas brigas nunca duram muito, e que uma hora terei de aceitar o fim iminente entre Sam e eu. Além disso, nunca nos desejamos mal, por isso tenho certeza de que você jamais teria gostado dele por escolha. Confio em você, Emmy. – fiquei com os olhos marejados de lágrimas, mas estava exausta de tanto chorar, então sorri e a abracei fraternalmente. Continuava a ser uma Leah diferente da sorridente de outrora, porém era minha. Minha.

- Tudo bem... – falei entre seus cabelos, fungando para reter as lágrimas nos olhos. Senti seu peito se mover em um som estranho, e soube que ria. Amargamente, mas ria.

- Ademais, Embry está todo feliz por te levar ao lual. – disse em tom de gozação, fazendo-me revirar os olhos e soltá-la. A encarei com um meio sorriso.

- Sim, e ele levará. Ficarei com Embry a noite inteira, quem sabe não dê certo? – eu tentava me convencer de que daria. Entretanto, algo dentro de mim uivou uma dúvida. Seria eu capaz?

As ondas batiam contra a areia e suas pedras posicionadas naturalmente, enquanto o sombreado da lua cheia preenchia o céu noturno estrelado e quase colado ao mar. A casa, montada de última hora tão próxima à costa, estava acesa, enfeitada com as folhas das árvores locais; dia de festa, finalmente. As índias da reserva, todas nascidas morenas pinceladas de um vermelho-terra, estavam sentadas nos sofás vermelhos, dispostos do lado de fora. A mais nova delas, aos seus treze anos, aguardava os convidados com demasiada excitação, ajeitando de cinco em cinco segundos o seu vestido rosado de cetim, caminhando pela varanda de areia, pronta para atender quem chegasse; eu, a mais velha, me portava com indiferença, suspirando por vezes, esquadrinhando a paisagem da praia. Tinha meus cabelos lisos presos em um coque frouxo, deixando visível meu rosto quase esculpido, afinal a maquiagem fazia seus efeitos; os lábios estavam pouco salientes mas incrivelmente rosados pelo batom, os olhos castanhos tão escuros e expressivos e os inconfundíveis traços indígenas estavam à amostra, apimentados pelo blush e lápis de olho. Entediada, precipitei-me para fora da área da casa, deixando o grupo de meninas sozinhas em sua ansiedade quase contagiante. O vento soprava, gracioso como a maré. Sentei-me na primeira das rochas que davam acesso ao lar, onde seria realizada a comemoração do aniversário da aldeia, sentindo meus cabelos se desprenderem, lentamente, e dançarem na direção comandada pela brisa marítima; meu vestido azul, de pano leve, fazia o mesmo percurso. Suspirei, apreciando a solidão da noite. Tinha chegado há pouco e ainda não vira meu par, não que me importasse. Estava tão tranqüila a solidão que não o ouvi chegar.

- Eu sabia que você viria. – a voz grave mais admirada dos últimos dias soou, fazendo-me virar para mirar o interlocutor, mordendo o lábio inferior. Os olhos castanhos-escuros dele eram brilhantes e intensos. Por quê? Qual era a razão de ser posta a prova daquela maneira? Dei as costas ao recém-chegado, fechando os punhos inconscientemente, como se dessa forma conseguisse conter as batidas desenfreadas de meu coração. Eu tinha evitado sair de casa, Leah convidando os amigos para assistir vídeos em seu sofá, assim me afastando dele. Esperava que dessa maneira o efeito dele em mim passasse, ou ficasse menor. Falhei miseravelmente, como era perceptível. Aqueles músculos ressaltados pelo luar eram assustadores de tão lindos.

- Eu desconhecia sua vinda, por minha vez. – mentira. Apareci exatamente para sentir o êxtase de tê-lo por perto, por mais que odiasse em admitir a mim mesma que o necessitava. Passei uma semana inteira fantasiando o momento de vê-lo, se daria certo a abstinência, se eu teria o coração tão acelerado quanto agora. Minha voz, porém, entregou o ardor de meus sentimentos, o que o fez aproximar-se de meu corpo trêmulo. Eu nem tinha percebido o quanto estava afetada pela proximidade. Meu Deus, não nos víamos há uma semana e parecia uma vida inteira – quanto clichê. Tentei parar de tremer, concentrando-me nas ondas pouco agitadas.

- Não duvido mesmo, você com sua mania odiosa de fugir de mim. – reclamou ele, tocando-me as pontas do cabelo esvoaçante. Pude sentir a respiração pesada dele tomando a fragrância de meus fios, imaginei que ele estaria de olhos fechados e fiz o mesmo com os meus. Era uma sensação ainda mais forte que de antes de nos afastarmos, tão errada. Não era normal aquela vontade imensa de corresponder às carícias e palavras apaixonadas por ele feitas e proferidas a mim. Forcei-me a lembrar dos dias ensolarados que passei com Leah, esquecida de Uley e de meu ensandecido affair por ele. Dias dos quais estava acompanhada por Embry, que deveria encontrar agora. Mas, claro, meu corpo não me obedecia.

- Por favor, Uley. – implorei, caminhando para longe de seu corpo musculoso e incrivelmente alto, apertando-me com os braços para por fim à tremedeira. Algo, em meu subconsciente, alertava a presença de Leah; ela estava ali, dentro da casa, ajudando a senhora Call e seu filho a terminar os comes e bebes. Irracional, inconveniente e alarmante; amor em todas as letras e significados. Não. Não amor. Era affair. Um affair que ficava maior a cada segundo que passava perto dele e que me enlouquecia quando longe. Meu Deus, uma única semana! E eu me divertira tanto, qual era o meu problema?

- Emily, eu que peço, por favor... – aproximou-se ele, sua feição já meiga, adornada pela melancolia de uma carência ímpar. Aquilo eu não agüentava suportar, afastando-me para perto da casa; precisava fugir, tinha de continuar meu ‘tratamento anti-Sam’, por Leah. Uley, entrementes, era demasiado rápido e pegou-me pelo braço. Não devia tê-lo feito, pois sua pele macia e de anormal temperatura alta me fez tropeçar, tamanho o desconcerto. Ofeguei, sentindo as pernas cederem à areia, mas não tocá-la; estava suspensa em seus braços. O calor era tanto que fiquei estática. Era incrível a falta que sua temperatura em meu corpo começava a se expor. Estive gélida longe dele, percebia naquele momento. Ele era minha fonte de calor agora; que merda.

- Emily... – era tanto amor exprimido em meu simplório nome que, inutilmente, lutei contra seu rosto perto do meu. Leah, Leah, Leah, era o subconsciente alertando o perigo iminente. Mas, seus lábios carnudos estavam quase nos meus, mais uma vez, quase tornando o laço inquebrável... LEAH!

O empurrei violenta e desajeitadamente, caindo na areia e ralando-me um pouco. O pegara tão de surpresa que Sam apenas se deu conta da rejeição quando já me encontrava ao chão. Recompus-me, virando-me para a casa e começando a correr, com ele em seus calcanhares sem nenhum esforço. Aquele garoto era um atleta, só podia.

- DEIXE-ME EM PAZ, GAROTO! – berrei em meio ao desespero de retornar a mim, esbarrando na pequena índia que continuava ansiosa pelos convidados que chegavam, cada vez em maior número – PÁRA DE ME PRESSIONAR! – bati o lado direito da cabeça no portal da porta, colocando a mão no galo que crescia. Lembrei-me dos dias anteriores como fleshes:

“Quer sorvete, Embry?” perguntava, rindo da comédia romântica que assistíamos com Quil, Jacob, Leah, Seth, Jared, Paul, Layla, Samantha e Jessica.

“Não quer sair conosco, Emmy?” quis saber Leah, arrumada para ir ao barzinho, pensando que ia encontrar o namorado. “Não, obrigada. Não quero ver ninguém... indesejado” dei de ombros, continuando a ler o livro de Edgar Allan Poe. “Ou alguém muito desejado. Por nós duas” brincou, ainda amarga com a situação. “Pode ser.”

“Embry... menos” pedi ao vê-lo tão próximo de mim, com aqueles lábios umedecidos pela língua que, decerto, ele queria colocar na minha boca.

- Emily? – era uma voz ansiosa de preocupação, diferente da amorosa de Sam. Sentia um calor por todo o meu corpo, como se eu estivesse em brasa. Entretanto, como eu podia me lembrar dos dois dias que o tive por perto, era um calor estupidamente gostoso de se sentir. Abri os olhos, encarando dois rostos; um ainda infantil e o outro marcado de vida.

- Hã? – fui inteligente o bastante para responder, ainda focalizando a imagem do rosto que, somente naquele momento, percebi o quanto fazia falta em minha vida. Como isso podia estar acontecendo? Era um sonho? Tinha de ser, por Deus.

- Pode deixar, Sam, vou cuidar dela. – continuou a primeira voz. Minha cabeça doía muito, mas eu consegui reconhecer Embry. Então, eu deveria estar nos braços de Sam, como se fosse difícil notar. Colocaram-me de pé com extremo cuidado, mesmo eu afirmando que já estava tudo bem, fora apenas uma “batidinha”. Não ousei encarar Sam uma única vez; abstinência, abstinência, abstinência.

- Você tem de cuidar da festa, eu fico com ela. – meus pêlos arrepiaram-se todos ao timbre forte de sua voz máscula. Hormônios tolos. Saudade leviana. Affair irreparável.

- Eu sou o par dela, tenho esse dever. – era impressão minha ou o Embry tinha um tom de desafio? Nossa, minha cabeça doía tanto que nem me dei ao trabalho de analisar. Era um sonho, afinal. Tinha de ser. Uma semana sem affair dava nisso.

- Não seja bobo, Embry... – bem, o desafio pareceu ser bem aceito por Sam, então era minha deixa.

- Por favor, menos. – falei fracamente, agarrando-me ao corpo menos quente, o de Embry, esperava – Leva-me para a cozinha? – pedi, sendo atendida pelo garoto. Ouvi, ou assim acho, o rosnado familiar. Apenas os céus sabiam o quanto queria ouvi-lo, ao menos mais uma vez. Meus olhos foram se acostumando aos enfeites, luzes e pessoas ao redor, até que fiquei consciente de todo. A cozinha dos Call era como todas as outras da aldeia, a maior parte da casa e de cores claras. A mãe de Embry estava lá, retirando as bandejas o mais rápido possível para as mesas dispostas do lado de fora da residência; ela queria nos dar privacidade, acho. Inútil. Meu coração ainda não se acostumara à presença de Sam Uley na festa, depois de tanto tempo me esforçando para terminar tudo. Bem, terminar não seria a palavra mais apropriada, mas sim não começar.

- Quer alguma coisa? – perguntou ele, sentando-me numa das quatro cadeiras de sua redonda mesa de madeira. Embry sentou-se defronte para mim, ainda me observando meio ansioso. Sorri, agora já recuperada, tirando a dor de cabeça que era até suportável.

- Não, obrigada. Queria apenas ver o estrago. – falei, sinalizando o galo que, com certeza, estaria enorme. Ele riu, como sempre fazia. A verdade era que Embry apenas gostava de mim por eu ser engraçada. Uma garota engraçada e, de certo modo, bonita – para os outros, óbvio. Era raro achar garotas assim. Logo eu não passaria de um homem para ele; uma amiga bem íntima, e somente isso, sem mais aventuras amorosas. É isso que nós, meninas legais, acabamos por ser. Viramos homens e os meninos perdem o interesse, no geral. Bem, pelo menos Embry não sofreria por saber que eu sentia algo diferente por Sam.

- Tem um banheiro aqui ao lado. – franzi o cenho para ele, fazendo-o rir mais um pouco – Minha mãe quem quis fazê-lo, para que a higiene nunca fosse dispensada. Ela é muito preocupada. – compreensível, sendo Embry filho único. Minha mãe, quando parava em casa com papai, nunca se importava de Lay comer com as mãos sujas de tinta, o que acontecia com freqüência. Jude quem tinha de forçá-la. Não sei como será quando ela finalmente se casar – está noiva faz nove meses. Nos encaminhamos para o dito banheiro, um cômodo mínimo, mais parecido com um armário de vassouras. No espelho, o galo parecia tão pequeno quanto o espaço ali, com Embry ao meu lado. Ele me fitava com real ardor, e isso me fazia querer gritar “Me transforme logo em homem! Não sinta nada muito sério por mim!”. Eu ia até comentar algo parecido, como por exemplo, os relacionamentos de Lay, os quais ela quase sempre era dispensada por ser “engraçada e legal demais”. Porém, ouvi passos e gritos, diferentes daqueles escandalosos e divertidos da festa ao redor da casa. Eram duas pessoas brigando. Duas pessoas que, infelizmente, eu reconheci as vozes.

- Eu VI, não tente negar!! – mandou Leah, a nota de raiva e desespero estampada em sua voz ferina – Você chegou e correu atrás de Emily!!

- Pare com isso, Leah! Você está ficando insuportável! – disse Sam, num esforço de se controlar – parecia.

- EU O QUÊ?! COMO PODE DIZER ISSO, SAM?! SOU SUA NAMORADA!! – urrou, o desespero ficando maior que a raiva.

- EU DIGO ISSO PORQUE É A VERDADE! VOCÊ NÃO CONSEGUE EXERGAR O QUANTO MANIPULADORA ESTÁ SE TORNANDO! – desvairado.

- EU SEMPRE FUI ASSIM, SAM!! NÃO MUDEI HORA NENHUMA COM ESSA SUA DISTÂNCIA!!

- VOCÊ SE TORNOU RANZINZA!

- DEVE SER PORQUE EU ESTOU SOFRENDO!! – um soluço. E dessa vez eu senti meu coração, antes alarmado de preocupação, murchar de dor. A minha Leah estava transtornada e a culpa era minha, em partes.

- Leah, eu realmente nunca quis machucar você. De todas as pessoas, você é que eu mais amei e sinto uma dívida enorme. – Sam pareceu ceder com o baque dos sentimentos de minha prima, além de agonizar por isso.

- PARE!! PARE COM ISSO SAM!! – os soluços agora eram incontáveis – EU NÃO QUERO OUVIR QUE VOCÊ ME AMOU!! QUERO TER CERTEZA DE QUE ME AMA HOJE!!

- Desculpe. – fiquei atônita.

- Pois muito bem. – Leah se recompunha enquanto eu continuava pasmada – Não vou mais adiar isso, nem tentar consertar o que já foi estragado há tempos, nem me preocupar em achar um culpado. O tempo que passamos juntos jamais vai ser uma recordação ruim. – senti sua voz falhar, o que a forçou dar um pigarro para prosseguir – Porém, não deixarei de sempre me lembrar de como chegamos a isto e em como, apesar de toda a aflição, raiva e melancolia que passei, eu te amo. Muito. – estava lutando contra seu orgulho ao ser tão sincera, isso me deixava maluca de remorso e raiva – Mas acabou. Pode correr atrás de quem quiser agora, sem pensar que está em dívida comigo. – sua voz atingiu uma oitava – Até mais. – ouvi seus passos apressados saírem da cozinha, temendo que estivesse me deixando ali, no banheiro com um garoto que não parava de mexer em meus cabelos e outro do lado de fora que era a razão de toda essa bagunça emocional. Leah não podia me deixar ali, o que eu faria?! Não tinha por onde escapar, nem forças para ralhar com Sam por deixá-la terminar com ele tão facilmente. Ele devia ter se oposto, ter lutado para reconstruir o amor de ambos. Que diabos ele estava pensando? Minha cabeça girava rápido demais para exprimir qualquer solução e a mão de Embry em meus cabelos estavam chegando ao limite do carinho.

- Emmy... pode não ser um bom momento depois de tudo que ouvimos... – não brinca! Voltei-me para ele, encarando seu rosto escurecido de vergonha mas de profunda decisão – só que eu estou mesmo afim de você. De verdade. Como nunca fiquei por nenhuma outra menina. – fiquei boquiaberta com tal declaração. Não era mesmo o momento, porque esse sentimento declarado apenas me deixava mais pesarosa por não poder corresponder, embora querendo muito. Acho que ele percebeu, pois continuou: - Não é nada tão sério, acalme-se. Mas pode vir a ser, certo? Nós, construindo um laço afetivo, podemos... bem, chegar nos amar de verdade...

- Embry... – tentei começar a contradizê-lo, porém, sentia-me esgotada por Leah. Como ela estaria? Aceitaria minha ajuda mais tarde? Oh, o que eu poderia fazer por ela? Nada! Eu colaborara com o fim de seu amor. O que eu faria?

- Emily... vamos tentar... só tentar. – seus braços enlaçaram minha cintura e seu rosto se aproximou tanto que senti seus lábios rubros e grossos nos meus. Fora tão imediato que minha boca aceitou abrir-se um pouco, permitindo a língua úmida dele a entrar e se enlaçar a minha. Ele era tão ansioso que, em um segundo, percebi que aquele era seu primeiro beijo. Comigo. Eu, que não merecia, ensinava-o a beijar. Que espécie de garota seria eu se continuasse? A língua dele tentava animar a minha, mas eu me distanciei dele, encostando-me na porta.

- Desculpe, Embry, eu não posso. – meus olhos lacrimejaram e eu tive certeza de que minha voz se quebrou. Ele ficou surpreso e visivelmente triste, despedaçando o resto do meu coração – Desculpe, Embry, sério. Eu não queria não poder corresponder... desculpe. – comecei a chorar – Não posso me enganar por muito mais tempo... não posso te enganar... – qual era o meu problema? POR QUE SAM?

A porta estremeceu com uma batida forte e eu saí de perto dela, aproximando-me dos braços de Embry ainda abertos. Ele me segurou forte, acariciando meus cabelos e encarando a porta que se abria. Olhei para Call; continuava constrangido pela rejeição, mas ainda amável. Voltei-me para a porta arreganhada, encarando Sam. Ele parecia agitado, fitando-nos intensamente. As marcas da tristeza que quase nunca abandonavam suas faces estavam piores, talvez por Leah e, atrevo-me dizer hoje, por ciúme de Embry. Este último me soltou e, saindo sem encostar-se ao Sam, deu-me o último olhar e nos deixou sozinhos. E aquele olhar de aviso que me dera seria atendido.

- Não quero que você chore. – começou Sam, saindo do portal da porta para que eu passasse. Assim o fiz, sem encará-lo.

- Então, diga-me o por quê de deixar Leah ir. – impus, não que isso fosse ajudar meus sentimentos confusos; a presença dele só piorava.

- Porque eu amo você agora. – foi direto. Direto demais, aliás. Meus olhos se prenderam aos dele, e eu fiquei enrubescida. A sinceridade e serenidade dele apenas me consternavam. O que significava a correspondência de nossos sentimentos e o desespero de Leah.

- Por quê? Quero dizer, nós sempre fomos amigos e apenas isso. – o rosto dele se contorceu, como se estivesse decido a contar mas algo o impedisse. Deu um pigarro alto, como se testasse o poder de sua voz para satisfazer meu desejo de saber.

- Porque... – podia falar, notou aliviado – sofremos um imprint. – Calei-me por incontáveis segundos. Imprint? Era uma doença? Eu tinha uma lista de enfermidades já pesquisadas – todas que eu achei que teria – e catalogadas em meu cérebro, porém, de nada do tipo me lembrei. O que seria isso? Procurava organizar as idéias; estava sendo uma noite perturbada de emoções e, agora, esclarecimentos não tão esclarecidos.

- Emily? – chamou-me, analisando minha feição. Eu não sabia o que poderia estar estampado em meu rosto, então me preocupei em esconder com outra pergunta.

- O que é imprint? – ele arregalou os olhos, pouco à vontade. Mas era a primeira vez que eu lhe perguntava algo e Sam podia responder com certa autoridade. Ele se recompôs.

- Eu não consigo definir ainda e eu passei essa semana inteira pensando sobre. – respondeu com franqueza. Eu ia perguntar o que o dava tanta certeza de que tínhamos sofrido isso, mas ele foi mais rápido – Pelos indícios. – falou com simplicidade.

- Você quer dizer sintomas? – quis saber.

- Imprint não é uma doença. – Sam pareceu ofendido.

- Como não? – agora eu tinha perdido o controle e todas as emoções guardadas desde o término de Leah, transpareceram nas minhas lágrimas e incertezas – Eu passo setenta por cento do meu tempo pensando em você, enquanto o restante é buscando uma explicação para meu affair desenfreado. Meu coração dispara, suo frio e tremo quando perto de você. Meus cinco sentidos se aguçam, especialmente o olfato, para perceber sua presença. Meu corpo clama pelo seu, tenta se adequar ao seu calor e eu não quero outra coisa senão você. Mesmo sentindo-me culpada por Leah persisto em sentir tudo isso, porque não me vejo feliz ou satisfeita se não tiver esse affair satisfeito. – acho que gritei todas essas coisas, então procurei me recompor – Se isso não é uma doença, então não sei classificá-la.

O silêncio não se quebrou durante uma meia hora. Samuel mantinha-se quieto e avaliativo, porém resoluto. Não restava dúvidas para ele de algo que eu não compreendia. Senti-me inútil, incapaz de ver o que ele via em minhas palavras. Eu parecia incrivelmente obtusa.

- Isso é um estado de espírito. – disse Sam por fim. Apenas isso. Somente isso. De nada adiantou, claro. Revirei os olhos e suspirei – Emily, não se preocupe. Segundo Billy, tudo se resolverá. – Billy? O pai de Jacob? O que ele tinha a ver com nossa situação? MEU DEUS! Era só o que me faltava, terceiros palpitando e sabendo da minha condição, enquanto eu mesma desconhecia tudo. O mundo, de fato, não era justo.

- Não acredito que você contou a ele sobre nosso affair. – soltei.

- O que sentimos não é simples affair, Emily, é muito maior. Algo tão forte que é impossível definir ou ter exemplos. – seu ar ofendido fez-me ruborizar.

- Sam, você é louco. – decidi fazer-me tola. Afinal, já ignorava a verdade.

- Emily, tente compreender...

- O quê? Eu não sei o que esse imprint é e nem você! – fiquei alterada.

- Bem, mas é que isso não é algo normal...

- Jura?

- Sarcasmo não nos levará a lugar algum. – corei ainda mais – Você precisa entender que isso apenas acontece uma vez e com pessoas como eu... – calou-se, visivelmente arrependido de ter deixado a conversa tomar aquele rumo. Obstinada a saber de tudo, perguntei:

- Pessoas como você? O que quer dizer?

- Pessoas especiais. – resumiu, e eu vi que ele escondia algo extremamente sério. Insatisfeita, minha sobrancelha direita se ergueu em busca de mais, mas ele parecia decido a não dizer. Suspirei descontente.

- Vá embora, Sam. Volte a me procurar quando estiver disposto a me dizer tudo. – caminhei para a porta dos fundos da cozinha que dava para a festa – E somente quando for contar tudo. – abri-a, passei e a fechei. Respirei o ar noturno, repleto de sal e divertimento. Aquele meu descontrole, cujo declarei tudo o que sentia ao ver Uley, aliviou meu coração e eu pude ver a beleza da festa. As pessoas se interagindo, o mar quebrando-se nas pedras e areia. Eu sabia, entrementes, que nada se resolvera; eu voltaria para a casa dos Clearwater e teria uma pessoa para consolar, ciente de que era a culpada da infelicidade. Por essa razão, vasculhei toda a festa em busca de alguém para me divertir e encontrei Kim, acompanhada por duas outras índias muito lindas. Diverti-me o máximo possível, prevendo o resto da minha noite. Não vi Sam nenhuma vez mais; era incrível como meus desejos eram atendidos por ele.

- Não quero que vá para muito longe, Emily. – mandou tio Harry quando avisei que daria voltas pela floresta, apenas para despedir-me da vegetação. Era compreensível o meu desejo; a maior parte da minha infância passei por entre aquelas árvores, brincando com Leah e, mais tarde, com Seth. Além disso, minha prima recusava-se, mesmo sob os protestos da mãe – agora já ciente da confusão –, a falar comigo. Dessa vez, não me martirizei; Leah devia aprender a perder. Contudo, não estava feliz, tampouco com Sam.

- Ficarei aqui para cuidar dela, caso haja alguma coisa. – garantiu Seth, dando uma de homem da casa na ausência do pai – que pescaria com os amigos policiais e Billy – e da mãe e irmã – que tinham ido a Forks fazer compras. Sorri agradecida ao meu primo, saindo da casa dos Clearwater.

Não caminhei durante muito tempo, talvez cinco minutos, antes das lembranças da noite anterior me encontrarem. Era uma confusão de surtos, gritos, angústia e curiosidade sem fim. Okay, imprint é um estado de espírito, o qual a pessoa se julga apaixonada e tem ataques cardíaco-respiratórios com freqüência. Mas por quê? O que isso tinha a ver com Sam ou comigo e, mais precisamente, por que apenas com pessoas como ele? O que especial significava? Se eu soubesse que ter parte das perguntas respondidas só formariam outras, preferia ficar na ignorância – mentira. E esse papo de Billy dar conselhos sobre algo que nem lhe diz respeito? Algo tão pessoal e complexo? Não pude não pensar em como os olhos castanhos de Sam eram brilhantes, sua voz aveludada e o semblante de beleza ímpar. Eu o mandei não me procurar, sair da festa e coisas do gênero, e senti sua falta por mais que Kimberly fosse amável. Entendi, pelo menos, que imprint nos mantêm presos à pessoa não importa o quanto lutemos contra – e eu tentei, como dá para notar.

Lembrei-me, após umas duas horas caminhando para dentro da mata, o estado drástico de Leah quando cheguei em casa acompanhada de Seth. Tia Sue encontrava-se ao lado da filha, acariciando-lhe os cabelos longos e chorando de preocupação sem nada poder fazer. Ela, por outro lado, movimenta-se para frente e para trás incansavelmente, sem derramar uma lágrima sequer, o lábio inferior sob a pressão dos dentes travados. Tentava, e eu via, não se desmanchar, tomando aquela feição irregular que só me fazia temer nunca mais ter a minha prima de volta. Talvez estivesse digerindo tudo ou encontrando uma solução mirabolante. Porém, pelo o que havia deduzido do semblante e forma de agir de Uley, aquele era o fim. Seth, prestativo e um companheiro, posicionou-se ao lado da irmã sem hesitar, não sendo seguido por mim. O olhar que Leah me lançou prendeu-me junto à porta. Eu estava cansada demais de sentir culpa, então, desejei uma boa noite aos presentes e melhoras para Leah, subindo para o quarto. Troquei-me e deitei, ouvindo o rastejar de pés uma hora mais tarde, quando minha prima decidiu ir dormir e não mais pensar. Não trocamos mais nenhuma palavra ou olhares, tampouco quisemos. Eu estava confusa e exausta de sentir pena dela, anulando-me. Pelo menos uma vez na vida, no âmbito amoroso, eu deveria pensar em mim, certo? Errado. Não, certo. Ou errado? Minha cabeça era pequena demais para tanta pressão, céus. Eu queria Sam, de verdade. Fugir só estava acabando comigo e com Leah, ansiosa por saber minha decisão. E se eu decidisse ficar com o ex-namorado dela? E se não? De qualquer forma, eu sabia que não teria volta, nossa amizade ficou abalada demais para voltarmos a ser o que éramos. Ela, porém, não poderia apontar o dedo mais tarde, dizendo que cedi tão fácil, que não me posicionei contra aquilo com todas as minhas forças.

Somente quando me vi ofegar que parei de caminhar, sentindo o pulmão arder em protesto de continuar. Que horas eram? Onde eu estava? Perdida. Bem, era o que acontecia quando o espaço geográfico se misturava ao metafísico de uma mente perturbada. Localizei um tronco de árvore caído, parecendo que fora arrancado do solo pois tinha suas raízes expostas, e sentei-me nele para aguardar meu salvador. Seth daria por minha falta a qualquer momento, eu sabia. Viria me procurar, esperava. Foi então que estremeci. Tio Harry mencionara um urso à solta na floresta ainda nesta manhã, pouco antes de eu resolver me despedir de La Push. Fiquei com medo de encontrar o animal, que meu tio frisou ser bem grande e violento. Respirei profundamente tentando me acalmar, e assim não ter um ataque de asma. Eu precisava manter-me sã, livre do medo que poderia me atrapalhar caso eu visse, de fato, o urso. Resolvi me deitar e esperar, forçando os pensamentos em como estariam minhas irmãs em Makah – em especial para não pensar em Leah, Sam e imprint.

Porém, eu devia desconfiar que minha cabeça, já retardada naturalmente, não se desviaria de romances; Kim e Jared fariam um par perfeito, acho. Ele é, sem dúvidas, um tanto indiferente com tudo ao seu redor, ocupando-se em surfar e, talvez, estudar – não que eu acredite nisso. Ela é carinhosa, amabilíssima e inteligente, além de uma excelente ouvinte – teve a boa vontade de me ouvir reclamar de Sam, depois que eu contei sobre o rompimento com Leah e o nosso pequeno affair. Kim não me recriminou, sonhando alto em como Sam e eu poderíamos ser felizes, caso tudo se resolvesse como deveria – não quis acordá-la visto que eu mesma desejava algo similar. Óbvio que Jared sequer sabe o nome dela – na festa, ele a chamou de Kimed novamente, mas logo se desculpou, acertando em seguida – e que é bastante popular entre as meninas da reserva – bem, não posso negar que o garoto é charmoso, com todo aquela descaso – enquanto Kim é reservada por pura timidez e, acredito, conforto. Seria ótimo se eu conseguisse os unir hoje durante à tarde, antes de partir para minha casa. O que eu poderia fazer? Passei minutos arrastados pintando cenários; quem sabe um pôr-do-sol na praia faria Jared olhar para minha amiga com outras intenções – não que ele já tivesse alguma. Tenho certeza de que se Woods se propusesse a conhecê-la, notá-la, se apaixonaria. Mas, o menino me irritava em demasia por sua falta de sentimentos e interesse nos outros.

- Emily? – arrepiei. Ergui um pouco o corpo para espiar, sem necessidade, o recém-chegado. Samuel, eu já sabia; o cheiro dele não me abandonava em instante algum. O assunto imprint retornou de imediato em minha mente, esmaecendo o filme de Jared e Kim. Limpei a garganta, tornando a me deitar no tronco. Eu não começaria a falar sobre a noite passada. Não ia.

- Dormiu bem, Sam? – eu e minha boca.

- Não consigo parar de pensar em você. – senti minhas bochechas queimarem e revirei os olhos – Acho que devemos conversar. – ergui o corpo para encará-lo. Seu rosto era tão bonito e expressivo; estava resoluto e confiante – Perguntei-me se poderia esconder de você a verdade, se seria preciso, mas Billy diz que não há segredos entre nós quando queremos contar.

- Billy? – me sentei, fechando o semblante e cruzando os braços sobre o peito – Diga-me, Sam, qual o grau de sua amizade com o pai de Jacob? Por que você vive contando a ele sobre nós dois? – isso me tirava do sério. Mesmo.

- É porque ele é do conselho, o que seria, se quisesse, o chefe da tribo por hereditariedade. – respondeu prontamente, sentando-se ao meu lado. Não achei aquela aproximação conveniente; eu quase tinha uma síncope quando ele estava tão perto, e eu precisava usar todo o potencial do meu cérebro para acompanhar seu raciocínio.

- Bem, mas meu tio Harry também é do conselho... – meu coração parou na garganta, saltando descontrolado – Você...

- Ele sabe. – resumiu, mal notando o quanto aquilo me afetava. Até o meu tio sabia! Todos da família Clearwater estariam contra mim, meu Deus. Tia Sue quase nem me olhou durante o café!

- Emily, – meu mini-surto sumiu, voltando minha atenção para sua pessoa bem apanhada – não pense que é fácil para mim os membros do conselho saberem mais sobre minha vida do que eu mesmo. Não gosto de ficar dividindo meus pesares, sempre segui em frente sem me fazer de vítima para ninguém, sem reclamar. E eu tive razões para murmurar, só que eu acho isso patético. – foi como se eu recebesse um tapa. Eu sempre me lamuriava quando podia, que ridículo. Por que o Sam era tão superior? E o que eu fazia para ser perfeita a ele, afinal? – Mas, desde que atingi certa idade, muitas mudanças ocorreram. – seus olhos eram frustrados, alarmando-me – Paul e Jared, meus melhores amigos de toda a reserva, ficaram para trás, assim como Leah, porque era muito perigoso permanecerem na minha presença. E não digo isso por eles, e sim por mim, porque poderia quebrar a principal regra.

- Regra? – quis saber, forçando-o a prosseguir após dois minutos de silêncio.

- Sim. Eu não posso dizer o que sou. – fitou-me por alguns instantes – Menos para você, que é... como diz aquele clichê... minha alma gêmea. – eu ri um bocado do termo, afinal, não esperava ouvir algo assim de um garoto em uma conversa séria. Desculpei-me e pedi que continuasse, o que ele hesitou.

- Ora, vamos, Sam. Tem medo de quê? – perguntei petulante.

- De você não acreditar, o que vai acontecer. – revirei os olhos ao suspirar.

- Faça o favor de tentar. – não foi bem um pedido. Ele se levantou do tronco, virando as costas para mim ao ficar de pé.

- Sou um lobo. Ou, se preferir, um lobisomem. – assim, na lata. Foi como me contou. Minha única reação, claro, foi rir. Rir muito. Sam não se deu ao trabalho de virar e me ver, acredito eu que por vergonha e decepção. Ele esperava que eu acreditasse, que minha reação fosse a contrária do que dizia o conselho e seu bom senso, porém, eu não tinha discernimento suficiente para agir de forma digna diante de tal declaração. Ninguém normal teria, por Deus. Especialmente se a informação era jogada como algo simples de ser compreendido.

- Ah, Sam, pare de me gozar. – falei entre risos, o que o fez se virar para mim. Seu castanho era cortante tamanha a decepção e acanhamento, fazendo-me calar instantaneamente. Eu não pretendia ofendê-lo. Seus membros superiores tremiam como sempre acontecia quando exaltado. Ergui-me do tronco, mordendo o lábio inferior.

- Não estou brincando, Emily. – foi o que conseguiu dizer ao ranger os dentes.

- Chiliques não te ajudarão a me convencer, que fique claro. – minha voz saiu entrecortada de preocupação. Eu não gostava quando ele tremia – meu corpo inteiro se arrepiava de um jeito ruim.

- Então, acredite. – rosnou ele, dando-me as costas e começando a andar para a outra direção.

- Sam, não é fugindo que vai resolver as coisas. – tentei chamá-lo, mas ele não se voltou para mim – Diga a verdade! – gritei, só que era tarde. Estava sozinha. Merda. Por que eu não segui meu plano de não tocar no assunto imprint e, por conseguinte, sobre o que ele era, tornando a conversa agradável? Podia ter perguntado a melhor maneira de unir Jared e Kim, afinal, ele era um dos melhores amigos de Woods. Tive de estragar tudo, mais uma vez.

Virei-me para o tronco, querendo me sentar, entretanto, um barulho me paralisou. Eram passos pesados, seguidos de um urro quase esfomeado. Não se vire, não se vire. Não segui meu conselho, encarando o grande urso a poucos metros de distância. Era marrom, grande e feroz, mas não tão mortal quanto em meus delírios de medo.

- Em?! – ouvi a voz alarmada de Seth, não muito longe. Oh, não! Ele não podia se aproximar ou seria atacado também! EU NÃO PODIA SER ATACADA, aliás. Prendi a respiração, vendo o animal se dirigir a mim, tranqüilamente, como se soubesse da minha vulnerabilidade. Ofeguei e gemi quando se posicionou a meio metro de mim. Ele se ergueu nas duas patas traseiras, urrando e levantando a pata direita para mim. Por instinto, cobri o rosto e me virei, dando um grito.

- EMILY!! – estremeci. Olhei para o menino, parado bem perto do meu agressor e de mim. O vi correr para me salvar, e não pude conter o berro:

- SAM!! NÃO!! – me desesperei, vendo-o cada vez mais perto do urso, seu corpo quase tão forte quanto um filhote. Então, aconteceu. Se eu tivesse piscado, teria perdido – o filme se tornaria desconexo. Um momento, era Sam, o rapaz por quem nutria um forte e inominável sentimento; no outro, um animal tão monumental, senão maior, que o urso. Eu não sabia distinguir a espécie, e nem sei se minha massa encefálica teria capacidade para tanto. Estava pasma – eufemismo. Como era possível Sam não ser mais o Sam, e sim um quadrúpede? Como acontecera aquilo? Ele era o Sam meio segundo atrás! EU O VI! JURO QUE VI! E num estalar de dedos, PUF! SUMIU! Entrou um... um... sei lá o que em seu lugar!! ONDE ESTAVA O SAM?!

Era mandíbula contra mandíbula, uma pata sobre a outra, unhas enormes e afiadas rasgando o couro do outro. Eu não conseguia assimilar o vencedor, menos ainda o que se passava na luta. Ocupava-me em procurar, inutilmente – algo me dizia –, Uley. O golpe do segundo animal me fez temê-lo mais que o urso; ele parecia ciente do que fazia, sendo movido pelo descontrole que o transformara. Transformara. Sam! Não, não, não, não, não. ONDE ESTAVA O SAM?! O urso correu, adentrando mais a floresta da reserva, deixando-me a sós com meu suposto salvador. Este, entrementes, continuava desvairado, procurando outra coisa para destruir, abater, esmagar. E eu seria essa coisa se não sumisse dali. Só que, eu não tinha coragem o bastante para sair sem Sam. Tinha de encontrá-lo! A aberração voltou-se para mim, seus olhos agitados, perturbados. Pensei que fosse desmaiar, porque aquilo vinha para mim, os dentes arreganhados. Longe de me controlar, comecei a chorar – uma belíssima maneira de defender a vida. Isso fez a criatura parar e me fitar. Vi um brilho no castanho-escuro de seus olhos – compreensão. Arfei, me colocando de pé e sentindo as lágrimas continuarem a cair. Ele se aproximou.

- EMILY!! – Saí correndo em disparada, o animal confuso demais para me seguir de imediato. Não demorei a encontrar Seth, louco a me procurar. Assim que me avistou, correndo como se a isto custasse minha vida e não apenas a sanidade, perguntou qual era o problema. Bem, tinham vários, mas não tive coragem nem juízo para organizar a resposta. Tomei fôlego, ouvindo as patas da criatura a se aproximar rapidamente. Fiquei com medo por Seth, tomando-lhe a mão e desembestando a correr para fora da floresta – sob os comandos dele.

Passávamos pelas últimas árvores que nos distanciavam da casa de meus tios, quando paramos para respirar. Eu tinha certeza de que a aberração já devia estar ali, tamanha sua agilidade. Seth tornou a me perguntar o problema.

- Um... um – o que eu poderia dizer? – um monstro! – foi o que pude pensar.

Uns uivos agonizantes, carregados de melancolia e dor se fizeram ouvir. Meu coração se espremeu, e eu pensei que não respiraria nunca mais. Só tive um único e terrível pensamento: Sam!

 

I know you can’t read my mind like all the rest,

And that of two, you may doubt that I love you best,

So know that from time to time while lying on your chest,

I imagine playfully fighting our child over a chance at your breast,

And when he coos with smell of milk on his breath,

In that moment, you curb my appetite for death.

I love only you Emily, Your puppy dog Sam. (Solomon Trimble; Emily)


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