Give Me Love

“E esta noite eu vou chamar você.”

Desde a criação as pessoas me seguem, me buscam e acreditam que sou a salvação para o mal que dominou o mundo quando Eva comeu a maçã. E eu não discordo, apenas avalio minha estadia após esse fato marcante. Quando a caixa de Pandora foi aberta e tudo de ruim aprisionado se libertou, minha existência foi ainda mais pedida, cobrada e valorizada. É inapropriado pensar que os humanos precisaram de algo supérfluo para, enfim, me conhecer e zelarem por mim.

A princípio eu gostava do meu trabalho. Nasci para semear as coisas boas, cuja Pandora e Eva ocultaram com suas desobediências. Fui escolhido para ser aquele a acabar com guerras, unir povos e pessoas em um único propósito: Amar os outros.

E devo dizer que, perante toda minha experiência, nunca vi nada que me deixasse orgulhoso. Talvez eu seja mais velho que Deus, mais velho que qualquer crença que você acredite porque eu não fui criado. Eu sempre existi sozinho, precisando sempre de outra pessoa para fazer com que meu trabalho funcionasse.

Também não sou muito diferente das orações que povoam os céus com pedidos, agradecimentos ou confissões. Meu modo de agir apenas se diferencia por um simples e tedioso detalhe: Depende de você. Depende se você vai me abraçar, me enterrar ou me transformar em um sentimento além de suas compreensões. Também sou facilmente descartado, embora isso não me cause surpresa.

Observo os humanos que desperdiçam palavras bonitas sem ter a intenção de fazê-las reais. Eu não deveria ser tratado com tamanho desmazelo. Mas infelizmente o sou. Tenho saudade dos tempos em que celebravam em meu nome, inventavam diversas fases para mim. Tenho muitos nomes em outros idiomas, mas o conceito é sempre igual. Acho que em descrição ainda sou o mesmo, mas nas demonstrações deixo muito a desejar. E não pense que a culpa é minha. Estou sempre disposto a perdoar, a ser o pilar que suporta grandes tempestades, grandes conflitos e separações.

Sim, já fui divido. Hoje não faço ideia do por que e sou incapaz de encontrar meus fragmentos. A humanidade está me matando aos poucos e gradativamente. É doloroso me ver em gestos banais, palavras desprovidas de entonação suave e desejos carnais tão imundos. Eu era o ser mais lindo, aquele que conseguia curar e reconciliar qualquer coisa e qualquer pessoa.

Hoje poucos dizem o meu nome. Atrações principais tomaram meu lugar, o posto que eu deveria ocupar por direito. O que me restou não passa de restos, migalhas, e vou sobrevivendo em atitudes minúsculas, nada grandiosas.
Meu coração, se é que tenho um, não bate mais com tamanha frequência dos apaixonados. E quando bate um pouco mais eufórico não me causa nenhum prazer. Foi apenas um ato findado e eu volto a ouvir o fraco descompasso. Estou triste em me ver assim, agarrando-me a demonstrações regidas por culpa ou fingimento.

Ah, ainda me lembro dos inúmeros romances. Se vocês fossem capazes de seguir a linha que escrevem, que almejam, eu começaria a ter de volta a minha importância. Por que fui esquecido? É doloroso e frio sem ter corações para me aquecer.

Você ainda não me reconheceu? Então eu temo que minha vida esteja se findando, e por alguma razão consigo chorar.

Meu nome é Amor e eu deveria ter parado de me importar há muito tempo. Contudo, por mais insuficiente que possa ser, ainda acredito em vocês. Ainda acredito que serei aquele que você buscará quando mão alguma se estender, quando se sentir sozinho, quando pensar que pessoa alguma te acha especial.

Vai me sentir como uma fagulha.

Por isso lhe peço: Por favor, me deixe queimar.