Acordamos depois de duas horas (segundo meu relógio de pulso).

Me entregar para Jessamine foi perigoso,quero dizer, ela bem que poderia ser membro do governo, poderia me arrastar para dentro do complexo e arrancar minhas memórias porém, felizmente, não foi isso que ela fez.

Pego minha mochila, que usei como travesseiro. Passo as mãos pelo rosto, para tirar a sujeira, depois estalo os dedos e o pescoço (péssima mania, segundo minha mãe) e vou na direção da loira.

– Ei, acorda. - Falo, balançando-a.

Ela murmura alguma coisa e vira para o outro lado.

– A gente tem que fugir, acorda.

Depois do que me parece uma eternidade, ela levanta e se senta. Encara o céu, espantando a sonolência.

– Não dá pra acreditar que estamos mesmo fazendo isso, não é? - Fala, mais para si mesma do que para mim.

– Pois é.

Ela se levanta, se estica e pega a mochila, pegando de lá uma barra de cereal. Imito seu gesto e faço o mesmo, como diz minha mãe " saco vazio não para em pé". Não como toda a barrinha, mas o que como é suficiente para me deixar satisfeita.

Começamos a andar em uma marcha silenciosa e, no meio de tudo isso, fico me lembrando de tudo o que passei nesse lugar, eu nasci aqui, cresci nessas ruas, recebi meu destino e iria construir minha família aqui. Minha mãe está aqui, a mulher que me carregou no ventre durante nove meses, que cuidou de mim durante a vida toda e que me amou mais do que a si própria. Meu pai está aqui, o homem que foi o alvo de minha primeira palavra, que saia cedo, voltava tarde e ainda assim tinha tinha energia para brincar comigo. Meu irmão está aqui, a pessoa que mudou toda a casa quando veio ao mundo e que mesmo assim trouxe a felicidade que faltava naquela casa. Saber que eu estava deixando tudo isso para trás era meio depressivo. Sinto uma lágrima escorrer por meu rosto, mas a limpo rapidamente, não posso chorar, não posso.

Olho para a frente, percebendo que Jessamine também está perdida em pensamentos. O que será que ela deixou para trás?

Chegamos na frente do muro com cerca, realmente ele é mais baixo do que no resto do complexo, mas ainda sim é alta.

– E agora? - Indaga a loira

– Se tivesse como subir em algum lugar...

– Como aquilo ali? - Diz Jessie,apontando para a direita.

Olho para o local indicado, lá tem um pedaço de tronco, não muito largo, mas alto o suficiente para nos ajudar a subir.

Nos movimentamos em direção ao pedaço de madeira e cada uma segura de um lado.

– No três? - Ela pergunta

– Sim - Respondo- Um,dois, três

Levantamos o tronco, que é bem pesado. O levamos até perto da cerca, depois o soltamos.

–Uma ferpa entrou no meu dedo, droga - Falo

– Que droga. Quem vai primeiro?

– Pode ser você? Vou tentar tirar a ferpa.

Ela dá de ombros, depois sobe na madeira. Apoia o pé direito no muro e depois agarra as mãos em uma parte da cerca onde não tem arame farpado. Continua a fazer umas manobras para não cair e pega impulso, depois pula e passa pela cerca. A julgar pelo barulho lá do outro lado,ela deve ter se machucado um bocado.

– Jessie? - Falo

– Eu to legal, pode pular.

Subo na madeira, copiando os movimentos de Jessie. Quando subo no muro, me desequilibro e quase caio. Dobro os joelhos, pego impulso e pulo pela cerca. Digamos que minha aterrissagem não foi muito suave.

– Ai - Murmuro

Jessie tampa a boca com as mãos.

– Você tá rindo?

– Não. - Ela mente

– Eu me quebro toda aqui e você ri? Que tipo de aliada é?

Ela cai na gargalhada.

–Desculpa, é que você parecia o Batman depois de uma noite de bebedeira.

Me levanto, limpando a terra da roupa. Minha blusa branca já está quase marrom.

Sinto dores no tornozelo, mas não deve ser nada sério, só uma torção passageira.

– Não acha que foi fácil? - Indaga Jessie

– A fuga?

– É. Tipo, olhe ao redor, não tem nenhum guarda aqui.

– Eu não vi nenhuma câmera, parece que eles contavam que todos os cidadãos seriam covardes.

– É, mas eu acho que alguma coisa ruim vai acontecer.

– Então vamos andar logo.

– Para onde?

Olho ao redor. O lugar onde estamos é igualzinho à floresta do lado de dentro. As mesmas árvores altas, a mesma grama intercalada com pedaços de terra, até o barulho de grilos é o mesmo. O céu está dando sinais de amanhecer, então já se tem um pequeno facho de luz. Eu costumava acordar cedo quando morava com meus pais, só para ver o amanhecer. Pensar nisso me traz tristeza.

Ao longe, vejo uma silhueta escura. Seria um prédio? Uma casa?

Só sei que aqui tudo é estranho, não sei o que esperar.

– Que tal para a frente? Quero ver o que aquela coisa.

– Ok.

* * *

Começamos a andar em uma caminhada rápida, o fato de não termos visto guardas não significam que eles não estão lá.

– Qual era o seu destino? - Jessie indaga, tentando quebrar o silêncio.

– Ah, não era muito bom. Eu ia casar, ter filhos e depois ter que matar meus pais.

Falando assim,até parece um papo comum.

– Nossa, isso é péssimo.E seus pais sabiam do destino?

– Nunca comentaram nada, mas deveriam saber. Devia estar na carta deles a forma da morte. E o seu destino?

– Ser militar, morrer na mão de ZR's.

– Isso seria péssimo. Mas, fora a morte, era o que você queria?

– Não, não mesmo. Eu queria ser da família, uma mãe, uma esposa. Sabe, não é justo ter um governo desses.

Concordo com ela, depois continuamos a conversar sobre outras coisas. Agora o céu já está claro.

Jessie para bruscamente.

– Você viu aquilo? - Diz, apontando para frente.

Forço os olhos e vejo duas silhuetas, não como uma construção, mas como pessoas. Estão andando muito rapidamente, parece que estão tentando alcançar alguma coisa.

Elas estão vindo em nossa direção.