A resposta da alma escrita por Nany Nogueira


Capítulo 4
Terceira sessão




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Amélia chegou cheia de esperança para maiores esclarecimentos na terceira sessão, a qual, para a surpresa da moça foi muito intensa.
Lembrou-se de Sarah, uma garotinha, filha de uma amiga da mãe, que ela cuidava, e pela qual nutria grande afeto. Porém, a mãe da garota sentiu ciúme da relação próxima das duas e não permitiu mais que Sarah tivesse contato com a moça, o que causou dor às duas.
Na lembrança Sarah era filha de Amélia e Fabiano, a primogênita e o xodó da mãe. A menina sentava no colo de Amélia e a enchia de beijos, declarando todo o seu amor. As duas se levantavam e dançavam juntas dando muitas risadas e se jogando na cama em seguida. Fabiano entrava no quarto e Sarah corria para o colo do pai.
De repente, outra lembrança veio à mente de Amélia. Em outro tempo, anterior à sua vida como princesa, viu seu pai com os olhos verdes lhe fuzilando de ódio. Na sequência, no corpo de um rapaz, viu-se ferida na barriga por um punhal e atirada de um penhasco por seu próprio pai da vida atual, Marcelo.
Voltou ao Palácio, viu-se dançando com Fabiano em um baile da Corte, ele feliz, sorrindo, ela emburrada como sempre aparecia ao lado dele.
O tempo regressou um pouco mais e viu-se uma pequena princesa, num vestido azul, pulando no colo da sua ama de leite que era sua avó na vida atual. Depois, estava dançando com seu pai, o rei, no salão. Para espanto dela, era Carlos.
Carlos havia sido namorado da mãe de Amélia na vida atual, mas perseguia a garota com frequência, quando esta tinha apenas 15 anos. Convidava-a para o cinema, puxava conversa e fazia questão de passar tempo sozinho com Amélia, longe de sua mãe.
Amélia ficava desconfiada, interpretando a conduta do padrasto como abusada e, talvez, até maliciosa. Mas, sua mãe insistia dizendo que se tratava apenas de um carinho de pai, no qual Amélia não confiava. Depois da revelação, ficou na dúvida sobre sua interpretação.
Na sequência, viu a avó como ama, trancando-a no quarto, dizendo que eram ordens de seu pai, o rei, e que não poderia soltá-la se não correria atrás dele, referindo-se a Gustavo. Na cena era muito novinha, aparentando estar no início da adolescência.
Assim, entendeu a sensação de estar aprisionada pela avó quando se demorava muito tempo dentro de casa na cia dela.
O tempo se aproximou mais, século XIX, mais uma vez no corpo de um homem, de um juiz velho e gordo, compelido a abandonar o Tribunal em virtude de uma difamação no jornal. Sentiu toda a dor do magistrado desonrado.
Um pouco para trás no tempo, viu esse juiz jovem, magro, questionando o professor dentro da sala de aula, dando causa a um olhar desaprovador do mestre e às risadas dos colegas.
Voltando ao palácio do renascimento cultural, viu Isabela, sua amiga, espreitando Gustavo pelas janelas com olhar desejoso, enquanto o nobre cavaleiro cavalgava por ali. Então, verificou que o amor de Isabela por Gustavo perdurava na vida atual como teve algumas oportunidades de presenciar dentro da sala de aula, quando ele era professor de ambas.
Amélia foi voltando a si com o chamado da terapeuta. Teve dificuldade, pois sentia todo o seu corpo dormente. Dessa vez tinha a sensação de ter se afastado muito do corpo físico.
Quando tentou se levantar, parecia-lhe que o corpo pesava uma tonelada e teve que se deitar novamente. Foi tomando consciência de seu corpo aos poucos, movimentando-o devagar, até conseguir se sentar. Estava tonta, com a visão turva. Apenas após cheirar um floral conseguiu se restabelecer. Por sorte, ou providência divina, naquele dia seu tio tinha ido buscá-la, então não precisava voltar dirigindo para casa.
Durante a sessão, foi aconselhada pela terapeuta a dar uma brecha para Fabiano, porque só assim poderia se livrar do elo kármico que os prendia.
Naquela semana, Amélia resolveu aceitar o convite de Fabiano para um café, na sexta-feira, depois do expediente numa confeitaria perto da casa dela, só por precaução, pois o homem continuava exagerado na sua demonstração de afeto pelas mensagens no celular.
Fabiano chegou um pouco atrasado, vindo do hospital onde trabalhava, trajava calça jeans e uma camisa polo verde que deixava sua barriga saliente muito a mostra. Amélia também não deixou de reparar nas marcas de expressão em baixo dos olhos dele que denotavam a sua idade superior a 40 anos. Tudo isso remetia ao velho nobre com a qual foi obrigada a se casar há mais de 500 anos e cuja lembrança do sexo embrulhava o seu estômago.
Ele pediu uma pequena garrafa de suco de laranja para dividirem, sem perguntar à moça se queria comer alguma coisa, embora Amélia não quisesse. Apesar de ser muito comilona, naquele dia sentia seu estômago dando cambalhotas e não conseguiria empurrar nada para ele. No final, ela quis pagar a conta, porque a sensação de ficar devendo qualquer coisa a ele lhe desagradava.
No meio da conversa, onde o objetivo era se conhecerem melhor, Fabiano segurou a mão de Amélia algumas vezes e ela sentia uma repulsa a cada vez que ele fazia isso. Seu instinto era puxar a mão, mas não fez isso por educação e por estar determinada a ser legal com aquele a quem ficou devendo em outra encarnação, devido ao adultério.
Pouco antes de Fabiano chegar, Amélia, que havia se dirigido ao encontro como um boi rumo ao matadouro, pegou o celular para tentar se distrair e tamanha foi a sua surpresa ao descobrir, por meio de uma foto numa rede social, que Gustavo estava justamente na mesma quadra, só que do lado oposto, num bar. Parecia que o destino estava realmente lhe pregando uma peça com tamanha proximidade daqueles dois homens que a dividiram há 500 anos.
Na volta para casa, Fabiano a acompanhou na caminhada. Ela levava um guarda-chuva na mão, já que se tratava de um dia com pancadas de chuva a todo momento, mas ele pediu para segurar o objeto e segurou a mão de Amélia, caminhando como ela como namorados. Ela se sentiu extremamente desconfortável com a situação, mas, não teve coragem de puxar a mão num gesto de grosseria, apesar dela costumar ser grosseira no dia-a-dia, com excesso de franqueza, quando algo lhe desagrada.
Durante todo o encontro, Fabiano falava como se Amélia já fosse sua namorada e fazia planos para os dois, dizendo que a levaria e a buscaria do trabalho, que teria que conquistar também suas melhores amigas, que as amigas iriam se surpreender quando soubessem que ela estava com um médico em vez de um advogado, que iria apresentar Amélia aos seus amigos da alta sociedade. Cada um dos planos dele eram retaliados na mente da moça que se esforçava para sorrir.
Amélia pressentia que Fabiano iria querer beijá-la na entrada de casa, então foi mais rápida. Sem prévio aviso, quando passou na frente do seu prédio, tocou o interfone, fazendo o porteiro se levantar apressado para abrir a porta. Então a moça se despediu do rapaz com um beijo no rosto, agradecendo e entrando apressada.
Chegou em casa em desalento. A família, ansiosa, esperava a moça para enchê-la de perguntas, afinal, tudo o que queriam era que Amélia fizesse um bom casamento, de modo que um médico bem sucedido parecia a eles um ótimo negócio.
Amélia respondeu às perguntas da família sem esconder a enorme tristeza, constatada principalmente por sua avó. Mas, novamente, a família lhe julgou como tola, dizendo que devia aceitar os próximos convites para sair, enquanto Amélia pensava nisso como um castigo e sentia arrepios ao lembrar-se dele pegando sua mão. Correu para lavá-las e o fez repetidas vezes, pois sentia o cheiro dele em suas mãos e isso lhe dava náuseas.
Quando pegou seu celular, viu uma mensagem de Fabiano: “Você é um doce, quero mais”. Amélia jogou o telefone na cama, contrariada, pensando: “Vai ficar querendo”.
Em vez de responder à mensagem de Fabiano, sentiu uma necessidade imediata de contar a Gustavo que estiveram tão perto naquela noite. Então comentou em baixo da foto dele: “Eu estava perto, do outro lado da quadra”, porém, sem resposta.
Naquela noite, a moça não conseguiu dormir. O encontro com Fabiano tirou o seu sossego e um forte aperto no peito parecia querer sufocá-la. Dormiu poucas horas pela manhã e despertou sem vontade de se levantar da cama, nem de comer, o que era raro, porque sempre acordava com fome.
A avó entrou no quarto insistindo para que se alimentasse, inclusive trazendo um prato de comida numa bandeja, mas Amélia recusou, contrariando a avó:
– Rejeitar comida é pecado! Você age como uma louca! Onde já se viu ficar triste porque um bom partido está apaixonado por você?
As palavras duras da avó fizeram Amélia finalmente conseguir derramar o mar de lágrimas que sufocavam seu peito. Depois do choro, veio o alívio e a resolução: não permitiria que a história se repetisse e devia ser honesta com Fabiano.
Ela pegou o celular, já repleta de mensagens dele com elogios e declarações exageradas, e escreveu um texto, explicando que não podia corresponder aos sentimentos dele, pois não se sentia atraída por ele como gostaria, mas desejando felicidade e dizendo que ele ainda encontraria uma mulher que o amasse como ele merecia.
Para a surpresa de Amélia, ele respondeu com várias figuras de rosas vermelhas.
– Ele é louco e age de forma incoerente – foi o que Amélia pensou e disse em voz alta.
Não satisfeito, mais tarde, convidou Amélia para sair, ao que ela perguntou se ele não tinha lido o texto que ela enviara, ao que ele reperguntou se não queria sair. Amélia mandou o texto novamente e ele respondeu: “Venha falar comigo pessoalmente, não pode terminar por petição”.
– Mas desde quando eu tenho compromisso com esse maluco? – perguntou-se Amélia, pensando até que ponto a cabeça dele poderia estar doente pelas memórias do passado.
Naquele final de semana, Amélia temia sair e ser abordada por ele na rua, como já fora algumas vezes, afinal, ele morava perto, atendia no hospital próximo e tinha uma clínica no shopping próximo ao apartamento da moça. Tudo isso fazia com que ele pudesse ter uma atenção redobrada para cada um dos passos dela, conhecendo toda a sua rotina.
De repente, sentiu muito medo. Até onde ele poderia ir para obrigá-la a ficar com ele como no passado?


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