We Both Changed escrita por MsNise


Capítulo 10
Superando


Notas iniciais do capítulo

Sexta-feira (ou eu espero que seja, porque estou programando o capítulo e às vezes dá erro), dia de WBC!
Espero que gostem da relação do Kyle e da Sunny!



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Os primeiros dias convivendo com Sunny foram difíceis. Ela insistiu em ficar próxima de mim o tempo todo, ainda confiando cegamente e acreditando que eu era sua salvação, seu bote salva-vidas. Mal sabia que eu era, na verdade, a sua desgraça. Mas aceitei tê-la em meu encalço; eu me sentia mais perto de Jodi, de algum modo. Pensei que pudesse resgatá-la se ela se sentisse estimulada pela proximidade física. Assim, não era tão difícil segurar na mão de Sunny ou permitir que ela dormisse enrolada em meu peito.

Porque isso poderia me trazer Jodi novamente.

Sunny não era de todo ruim. Era gentil, alegre e falava o tempo todo sobre quando Peg voltasse. Também comentava sobre Jodi, sobre alguma lembrança que tinha desenterrado dos confins da mente compartilhada. E isso fazia a esperança aquecer meu coração.

Contudo, isso não me impedia de detestá-la em meu íntimo. Eu ainda queria Jodi e não suportava ver as expressões bondosas no rosto de Sunny — o qual não a pertencia, mas que ela estava habituada de modo que já era uma parte dela. Não conseguia imaginar Sunny em outro corpo, apesar de tudo. Não era como Ian que amava Peg independentemente do corpo que ela usava; eu não gostava de Sunny sem o corpo de Jodi. Nem tampouco gostava de vê-la usando o corpo da minha mulher.

Simplesmente não havia lugar para Sunny.

Fiquei feliz quando Peg voltou às cavernas. Ela tinha me trazido a esperança e a desgraça — e eu me aferroava à esperança, porque não podia desistir. Além de tudo, Ian estava alegre e tinha parado de me esquadrinhar e tentar descobrir se eu tratava Sunny como ela merecia. Talvez eu tenha passado no teste. Nunca a desrespeitei ou coisa parecida, assim como nunca correspondi à sua devoção ou fiquei feliz com sua gratidão.

Eu havia arruinado a sua vida. Por que ela insistia em pensar que precisava me agradecer? Até mesmo eu reconhecia que tinha sido um monstro egoísta que a recolocara no corpo de Jodi por puro interesse.

Cogitaram levar Sunny para ir na incursão logo depois do retorno de Peg — alegaram que Peg era frágil demais. Pura bobagem. Ela já havia provado ser mais forte do que muitos humanos. Sunny, no entanto, quis permanecer na caverna e não me deixou ir, tampouco. Quando ela pediu, delicadamente, que eu ficasse na caverna com ela, a culpa que me invadiu foi tão grande que não pude fazer nada senão ceder ao seu pedido. Eu que tinha colocado Sunny novamente no corpo, eu que decidira por ela. E não poderia largá-la em um ninho de humanos que ainda não haviam aceitado os alienígenas. Era minha obrigação protegê-la, porque eu não tinha conseguido libertá-la.

Maldito egoísmo.

Logo Sunny já estava habituada à vida nas cavernas. Tentava ajudar sempre a comunidade de remanescentes e trabalhava bastante porque, apesar do corpo diminuto, ela tinha resquícios da força de Jodi. Depois de algum tempo, adquiriu músculos próprios dela. Quando me encontrava ao final do dia satisfeita e suada, eu não podia deixar de me lembrar de Jodi. Adorava quando ela usava regatas cavadas e prendia seu cabelo escuro num rabo de cavalo alto.

Pensei que a força bruta pudesse trazer Jodi novamente. O movimento, a ação, a minha presença, o nosso contato físico, as lembranças, a presença de outros humanos. Tudo isso deveria estimular o retorno de Jodi. O tempo transcorria e, em vez de perder as esperanças, elas se renovavam a cada dia. Elas se renovavam quando eu via Sunny usando o sarcasmo e pensava que era Jodi a estimulando sem estar presente. Também quando Sunny me contava de alguma memória. Ou até mesmo quando Sunny ria e eu deixava de ver aqueles olhos prateados…

— Você não devia ter explodido com Ian — Sunny me repreendeu suavemente.

Aproximadamente dois meses depois que tivemos a notícia de haver mais grupos de humanos escondidos — quatro, pelo que sabíamos —, o grupo de incursionistas trouxe uma humana sobrevivente. Uma garota que devia ter no máximo 13 anos e se chamava Susan. Pouco menor que Melanie, tinha cabelos pretos e olhos azuis. Pelo que sabia, Ian havia arriscado a vida para conseguir salvá-la da garra de Buscadores. E eu explodi ao saber do perigo que ele tinha corrido por causa de uma simples criança.

— Ele foi idiota — dispensei sua opinião e me concentrei no agradável formigamento dos remédios de alma quando ela curou os meus ferimentos. — Não devia ter se arriscado tanto.

— Você se arriscaria, não é?

— Talvez — dei de ombros. — Se eu tivesse a chance, eu teria sim resgatado ela. A ideia de humanos sendo capturados…

— Foi terrível quando você perdeu a Jodi, não é? — sua voz estava baixa e cautelosa.

— Pior do que terrível — permiti que meus olhos se fechassem. — Por isso que eu digo… se eu tivesse a chance de salvar alguém, qualquer um, não esperaria nem um segundo. Mesmo sendo egoísta.

— Ian viveu o mesmo que você, Kyle. Talvez ele somente não suportasse ver outra pessoa sendo capturada quando ele podia salvá-la.

— É, talvez — encolhi meus ombros. — Mas eu me preocupo com ele, sabe? A ideia dele sendo capturado…

— É muito pior do que a ideia de alguém aleatório sendo capturado. Eu sei, Kyle. Acredite, eu sei.

Ela sabia. Sunny sabia. Poderia não amá-la ou desejá-la, mas ela era uma boa pessoa. Engoli em seco, pensando que ela também tinha perdido…

— Sunny, posso te perguntar uma coisa?

— Claro.

— Você queria que eu fosse capturado? Queria… me ter perto de você com um alienígena me controlando?

— Sim, Kyle, eu queria que os Buscadores tivessem te encontrado — ela respirou fundo. — E acho que não queria, ao mesmo tempo. Porque eu carregava todas aquelas memórias e aqueles sonhos e eu queria você. Mas acho que não pensava muito que se uma alma fosse inserida não seria as tuas atitudes e talvez eu não pudesse gostar tanto. Só que agora eu tenho certeza.

— Certeza de quê?

— Certeza de que eu não quero nenhuma alma em você. De que eu só quero você, Kyle… De que se fosse somente o corpo com uma alma qualquer o controlando… eu não gostaria. Eu não quereria.

Ela não gostaria de ter uma alma qualquer controlando o meu corpo e queria somente a mim. E isso era pior do que eu pensava. Porque não queria que ela me amasse e me desejasse; não deveria ter deixado ela se aproximar de mim e aquilo ter tornado proporções maiores. Ela agora acreditava que eu a queria, que a merecia, e estava totalmente enganada.

Então por que eu a admirava tanto?

Admirava-a por ela se dedicar tanto à comunidade humana, da qual era ainda sofria algumas rejeições. Admirava-a por ela ter me aceitado e ficado sempre ao meu lado, mesmo quando eu claramente a rejeitava e desejava Jodi. Admirava-a por ela estar se tornando humana, pouco a pouco, e por ser impenetrável. Apesar de ser uma alma ingênua, nunca a vi se abalar com uma crítica. E ela já tinha perdido tanto…

Rebelar-se contra seu próprio mundo não devia ser uma atitude fácil, eu conseguia entender. Ela tinha um mundo; e virara as costas para ele. E dedicava-se fervorosamente a uma comunidade à qual não pertencia. Tinha abandonado a sua espécie, a imortalidade e o conforto e vivia em função de uma coisa praticamente sem fundamentos.

Ela vivia para procurar a vida em uma morta para um homem despedaçado. E não reclamava; sempre sorria e estava disposta a ajudar mais e mais.

Como não admirá-la?

Decidi então ser seu amigo. Sua companhia era tão agradável que o meu sorriso se tornou fácil, simples, quando eu estava próximo dela. Segurar em sua mão deixou de ser tão repugnante. E as expressões bondosas passaram a se encaixar melhor no seu rosto, apesar de eu adorar observá-la enquanto ela dormia. Era um rosto sem expressões. Neutro. Nem do lado de cá, nem do lado de lá. Não havia Jodi ou Sunny ou alguma distinção possível. Era apenas uma mulher do meu lado; não tinha percebido o quanto estava carente até começar a gostar — de verdade — de ter uma companhia ao dormir. Gostava do peso do corpo de Sunny sobre o meu.

— Sunny? — caminhei através da cozinha até ela.

— Já terminou seu trabalho? — ela perguntou, erguendo seus olhos prateados para mim. — Minha mão está toda suja de massa de pão — ela me estendeu os braços e riu com a situação.

— Hmm — peguei em uma de suas mãos e desgrudei um pouco de massa delas. — Quando eu e Ian éramos pequenos costumávamos fazer bigode de massa de pão. Assim — e então coloquei um pedacinho de massa de pão em seu buço. Seu olhar incrédulo chegava a ser mais engraçado do que a situação. — O que foi? Isso é divertido!

— Divertido, é? — ela riu, ficando na ponta dos pés e segurando meu rosto entre suas mãos. Senti a massa grudenta se juntar à minha pele. — Perfeito. Agora o seu rosto todo está cheio de massa de pão.

— Ótimo — então surpreendi a mim mesmo puxando seu corpo para mais perto de mim pela cintura. Ela sorria. — Você ficou mais bonita que o habitual com esse bigode aí.

— Espera — ela exclamou, se afastando de mim rapidamente. Parecia ter tido uma ideia. — Susi, pode me passar a bacia de água para eu lavar a minha mão, por favor? — depois de lavar suas mãos e secá-las ela se esticou novamente na ponta dos pés e pegou o gorro que estava em minha cabeça. O sorriso não abandonava seu rosto. Então ela prendeu seu cabelo em um coque e colocou o gorro, escondendo qualquer mecha de cabelo que tenha escapado. — O que acha?

Sunny fez toda uma exibição, girando ao redor de si mesma e depois posicionando seus braços de modo que forçasse seus músculos. Não pude deixar de rir de sua encenação espalhafatosa. Coloquei minha mão abaixo de meu queixo e fingi analisá-la.

— Nada mal. Já pode até ser modelo masculino.

Ela riu e se aproximou de mim novamente.

— Bobo.

— Eu?

— Sim — seu sorriso era gigante. — Você.

Naqueles segundos, esqueci-me de que havia Jodi e de que eu esperava um amor. Esqueci-me de que eu não queria Sunny e de que não podia tê-la. Ela estava tão linda e espontânea…

Afastei os pensamentos rapidamente, voltando ao meu estado habitual. O sorriso se desfez de meu rosto ao me lembrar de que não havia nenhuma Jodi e de que eu interagia com tanta espontaneidade com uma alienígena que habitava o corpo de minha antiga mulher. Segurei em sua mão, porque era um lugar seguro, e a puxei para fora da cozinha.

— O que aconteceu? — ela parecia preocupada, toda a alegria se esvaindo rapidamente de seu rosto.

— Nada, não. Vamos lavar os nossos rostos.

Ela não insistiu na pergunta, mas eu sabia que estava preocupada. Porque eu era um idiota. Porque estava deixando ela se aproximar de mim e fazendo-a sofrer com isso. Estava iludindo-a. E ainda queria Jodi. Queria muito. Eu era um monstro.

Naquela noite, abordei-a:

— Alguma lembrança nova?

Ela suspirou.

— Não. Hoje não.

E talvez tenha sido naquele dia que a esperança se foi. Não definitivamente. Eu não permiti que ela fosse embora a princípio, mas sabia que estava enganando a mim mesmo. Noite após noite eu perguntava a mesma coisa para Sunny, sempre recebendo a mesma resposta. Todas as lembranças já tinham sido desenterradas. Não havia mais nada para voltar, não tinha ninguém à espreita para retornar à vida.

Eu lutava uma batalha perdida.

Só percebi que tinha aceitado quando não perguntei “alguma lembrança hoje?”. Sunny percebeu, obviamente, e me olhou de forma curiosa.

— Não vai perguntar hoje?

Encarei-a com os olhos semicerrados.

— Não. Hoje não.

Não foi somente naquele dia que eu não perguntei. O assunto se foi definitivamente. Comecei a perceber, então, todas as atitudes de Sunny. Percebi o quanto ela era forte. O quanto era linda. O quanto eu amava suas expressões bondosas e as procurava em seu rosto. Percebi também que os olhos prateados não me assombravam mais.

E percebi, também, que eu não buscava nela alguém que não existia mais.

Encontrei Sunny conversando com Travis na plantação. Aparentemente, eles faziam parte do mesmo grupo de trabalho. Tinha passado o dia limpando espelhos e não pude ver o que estava acontecendo, mas naquele momento eu via o sorriso malicioso na boca do homem e o olhar cheio de cobiça. Nojento.

Aproximei-me furtivamente e coloquei a mão na cintura de Sunny, puxando-a para mais perto de mim. Percebi que ela procurou o meu olhar, no entanto me ocupei encarando Travis. Seu sorriso se tornou debochado.

— Kyle?

— Sunny, você pode, ahn… procurar pelo Ian?

— O que quer com ele?

Finalmente olhei-a. Tentei dizer-lhe através do olhar a mensagem que não podia proferir em voz alta: “vá logo. Não quero que você presencie isso”. Ela suspirou derrotada.

— Ahn, certo — então marchou através da plantação, sem olhar para trás.

Cruzei meus braços e encarei Travis, que continuava com o sorriso malicioso e debochado no rosto. Ele ergueu uma das sobrancelhas desafiadoramente para mim.

— Acho que você tinha que “pegar” ela antes que alguém o faça, Kyle… — começou Travis. Sua voz me deu nojo. E suas palavras me deixaram com uma raiva incontrolável. Segurei-o pelo colarinho da camiseta. — Nervosinho? — senti seu hálito forte e desagradável em meu rosto.

— Não mexa com a minha mulher — rosnei, apertando mais ainda a sua blusa.

Ele riu.

— Qual delas?

Meu punho atacou tão rápido que eu não pude pensar em pará-lo. E se pudesse… bem, eu não o pararia. Sangue espirrou de seu nariz quando ele cambaleou alguns passos, olhando-me indignado. Estalei meus dedos ameaçadoramente, alheio à súbita confusão ao meu redor, e continuei encarando-o.

— Kyle! — exclamou Sunny, correndo até mim. Aparentemente ela não tinha se retirado do local quando eu dei um soco no rosto de Travis. Um merecido soco, vale falar. — O que foi isso?

Olhei para sua figura diminuta. Sua testa estava vincada em preocupação, mas eu me senti muitíssimo melhor em vê-la. Fez parecer que aquilo tinha valido a pena. Sunny valia a pena. Segurei em sua mão e olhei pelo meu ombro para Travis, o qual estava rodeado de humanos preocupados e que me olhavam acusadoramente.

— Com a Sunny, Travis — concluí. — Não mexa com a Sunny.

E somente quando proferi aquelas palavras que percebi o que tinha feito. E a surpresa? Não me senti culpado. Sunny tinha conquistado o seu lugar nas cavernas… e em mim.

Várias vezes me sentia impelido a ultrapassar uma nova barreira. E ultrapassei-as aos poucos: primeiro, comecei a afastar os cabelos da nuca de Sunny. Gostava dela à mostra. Ela passou a deixar as madeixas soltas com mais frequência, provavelmente gostando de nosso contato íntimo. Costumava me demorar com os dedos perto da raiz de seu cabelo. Não me dava a oportunidade de visualizar sua expressão, temendo avançar rápido demais.

Logo eu comecei a beijar sua testa frequentemente. E também as suas bochechas. Abraçava-a com frequência, deixando-a mais perto de mim. Entrelaçava os nossos dedos, não somente segurava sua mão. Acariciava seu rosto. Oferecia-a minhas camisetas, porque achava sexy vê-la vestida com elas. Contornava os seus lábios com os dedos quando ela sorria.

Dormir em sua presença começou a parecer demasiadamente íntimo para mim. E eu gostava muito quando ela aconchegava seu corpo ao meu. Talvez mais do que deveria.

Estávamos deitados em nosso colchão no quarto naquela noite, ela enroscada em mim, respirando suavemente. Já fazia um ano que ela estava nas cavernas. Eu não conseguia dormir; estava atormentado com os conflitantes pensamentos de que estava na hora de aceitá-la e assumir que a amava. Acariciava ritmadamente os seus cabelos enquanto cogitava uma forma de abordá-la.

— Seu coração está acelerado — ela murmurou, colocando uma de suas mãos sobre o meu peito. Ouvi um suspiro. — Por quê?

Não a respondi a princípio. Continuei fazendo carinho em suas madeixas, indeciso, sem saber como prosseguir, sem saber o próximo passo. Estava vulnerável e inseguro; um adolescente que não sabia encarar uma menina. Era o antigo Kyle de quando Jodi me chamou para ir até o seu quarto e me perguntou por que eu estava tão nervoso. Só que agora eu era um Kyle mais velho e nervoso com a proximidade de uma alienígena que ocupava o corpo de Jodi.

Que mundo estranho.

Sentei e a puxei comigo, achando engraçada a sua expressão confusa e com o cenho franzido. Sorri e acariciei a ruga entre suas sobrancelhas, fazendo-a relaxar enquanto me olhava atentamente e tentava decifrar os meus pensamentos.

— O que foi? — ela sussurrou.

Olhei-a em seus olhos, gravando cada nuance do prateado discreto na luz pacata. Ela parecia nervosa; seus olhos não se firmavam aos meus nem que eu quisesse isso. Suas mãos não paravam de se mexer.

— Eu preciso… — comecei, acariciando a sua bochecha e deslizando a minha mão até o seu queixo, encaixando-a lá. Engoli em seco sem saber o que dizer.

Não suportei olhá-la nos olhos.

— Chegou a hora, não é? — captei uma essência de entusiasmo em seu tom de voz, mas era tão discreto que pensei que fosse apenas uma ilusão minha.

Suspirei e aproximei nossos rostos, sem conseguir encará-la nos olhos, sem conseguir achar que era uma atitude justa. E se ela não quisesse mais? Não poderia me permitir aquele pensamento se desejasse prosseguir. Portanto, fechei os meus olhos e me aproximei, cada vez mais perto. Senti sua respiração quente contra a minha, nossos narizes se tocarem. Estava na hora.

Quando a minha boca se encostou à dela, senti que seus lábios estavam cuidadosamente selados. Como se ela estivesse com medo do que pudesse vir. Pressionei meus lábios aos dela delicadamente, apenas uma vez, o suficiente para que a sua boca se abrisse contra a minha. Senti seu hálito doce em minha boca e minha mente deu voltas incoerentes.

Prendi seu rosto com uma mão e com a outra segurei em sua cintura. Senti Jodi muito presente naquele segundo, por não poder ver a expressão delicada de Sunny, mas fui surpreendido por um beijo quase… inédito.

A intenção da boca de Sunny era diferente da boca de Jodi. Os beijos de Jodi eram cheios de urgência e melancolia. Eram beijos desesperados e apressados, rudes e firmes. Seus lábios nunca foram suaves como os de Sunny. Ela nunca encaixou suas mãos em meus ombros sem agarrar com firmeza o tecido de minha camiseta. Ela nunca simplesmente me tocou com graciosidade, fazendo-me questionar se o toque era real ou se eu o estava simplesmente inventando.

Era um beijo morno, brando, adocicado. Exatamente o que eu esperava receber de Sunny, o sol que derretia o meu coração e o fazia bater. Estendi o momento até onde consegui antes de encostar as nossas testas e encontrar o olhar inseguro e medroso de Sunny. Sua respiração estava irregular.

— Foi muito ruim? — ela balbuciou em uma voz quase inaudível. Franzi o cenho diante de sua pergunta. — A experiência, sabe, por causa de Jodi. Lembrou-se muito dela?

Suspirei, depositando um selinho em seus lábios.

— Não — e eu percebi a sinceridade em minha voz. — Na verdade, seu beijo é bem diferente do dela.

— Por quê? — ela murmurou, provavelmente sem saber ao certo que havia diferenças entre os beijos.

— Ora, porque é o seu beijo — dei de ombros, afastando-me um pouco. — Não é ela quem está aí, controlando o corpo. É você.

— Mas você preferiria que fosse ela, não é? — ela estreitou seus olhos e eu identifiquei uma pitada de dor neles.

— Eu gosto que seja você — respondi simplesmente, puxando-a para o abrigo de meus braços e nos deitando no colchão novamente. Ela pareceu à vontade por estar em uma posição que bem conhecia, podendo se aninhar a mim sem nenhuma malícia… Bem, pelo menos para ela. Porque eu realmente não a sentia apenas como uma amiga que vivia em meu encalço. Será que ela sabia o quanto um beijo poderia transformar todo o relacionamento entre duas pessoas? Ela entendia a magnitude disso?

Não achei que entendesse, no entanto ela parecia muito constrangida no próximo dia. Mal conseguia sustentar o meu olhar e evitou tocar-me tanto quanto o possível. Estava envergonhada, insegura e taciturna, além de que sua expressão estava perdida e vaga. Tentei falar com ela algumas vezes, sem obter muito sucesso.

Pensei que ela fosse melhorar quando chegasse a noite e fôssemos dormir, todavia ela virou para o outro lado no colchão e se encolheu em uma bola, tentando manter a maior distância possível de mim. Arrastei-me até mais perto dela e a envolvi por trás. Ela se retraiu e estremeceu ao meu toque inesperado.

— O que aconteceu, Sunny? — murmurei frustrado, soltando-a e dando-a espaço para se virar para mim. Ela não o fez.

— Nada — ela sussurrou e pareceu se encolher ainda mais.

— Você me evitou o dia todo — argumentei. — Foi por causa do beijo de ontem?

Ela estremeceu e manteve a boca calada. Suspirei e virei-me de costas no colchão.

— Foi tão ruim assim?

Não! — ela protestou, virando-se automaticamente para mim. Foi direto para a armadilha. Vi o desejo de querer se esconder exposto em seu olhar, mas ela pareceu decidida a permanecer me encarando. — Não foi ruim! Eu simplesmente… não sei onde enfiar a minha cara, Kyle!

Balancei a cabeça.

— Não precisa ter vergonha, Sun.

— Ah, claro, é fácil para você falar — e aquela foi a coisa mais próxima de ironia que eu ouvi sair de sua boca até então. — Você é humano e seus sentimentos podem até ser confusos, mas não como os meus. Estou com os nervos em frangalhos, Kyle. Eu não sei reagir àquilo.

Fiquei surpreso pelo seu tom de revolta e pelo seu olhar firme ao me encarar. Suas mãos tremiam, apesar disso.

— Então não reaja — repliquei, suspirando frustrado ao ver sua expressão zombeteira. — Estou falando sério, Sunny. Finja que nada aconteceu até que o nosso relacionamento faça parte de nossas vidas.

— Está realmente disposto a se engajar em um relacionamento comigo? — ela estava cética e insegura, nuances de sua vulnerabilidade escapando em sua expressão.

Sorri e acariciei seu rosto até ele suavizar.

— Acho que eu já estou em um relacionamento com você, Sun — e então depositei um beijo espontâneo em seus lábios despreparados. Ela deu um pulo de susto e se afastou ligeiramente, no entanto eu criei uma prisão em meus braços e a puxei para mais perto de mim, beijando-a novamente até ela relaxar.

Ela ainda estava arredia, querendo se afastar depois do beijo. Seu rosto estava corado. Acariciei sua bochecha.

— Acredite em mim — supliquei. Minha voz estava sóbria e controlada e eu torci para que minha expressão estivesse intensa o suficiente. — Por favor.

Ela respirou fundo.

— Eu preciso… de um tempo — ela murmurou, entretanto enroscou-se a mim como sempre havia feito.

Suspirei, entendendo que o “tempo” que ela precisava não se encarava como o “tempo” que os humanos davam. Ela não se afastaria. Permaneceria comigo até conseguir aceitar a nossa nova condição. Ficaria perto de mim até não sentir mais vergonha por me beijar. Ela precisava de um tempo para se acostumar.

Foi então que eu murmurei um “tudo bem” e ela relaxou em meus braços. Não acho que eu tenha conseguido dormir naquela noite por conta de nossa proximidade.


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Notas finais do capítulo

E entãããão? O que acharam da aproximação, do beijo, do ciúme? Digam-me suas opiniões!
Até sexta ♥



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