Kyoko Sakura remexeu a torta de cereja à sua frente, pela primeira vez na vida sem a mínima vontade de devorá-la. O que iria fazer revirava e embrulhava seu estômago, este que, de hora em hora, reproduzia sons indecifráveis.

Os raios de sol da tarde penetravam pelas janelas translucidas da lanchonete em que se encontrava, banhando Kyoko com uma bela luz alaranjada. A fragrância de creme, café e canela que inebriava o ar, adentrava por suas narinas na humilde esperança de provocar sua fome, mas a pobre torta de cereja continuava inteiríssima em seu prato.

O relógio acabava de marcar quatro e quarenta e cinco quando ela chegou. Longos cabelos negros e sedosos oscilavam levemente atrás de Akemi Homura, havia uma pequena ruga no impecável uniforme da garota, sinal de que Homura estava ligeiramente distraída com os eventos que vieram acontecendo esses dias.

– Pensei que estivesse cuidando do problema que se tornou Sayaka Miki. - Homura soltou fria e rigidamente.

Kyoko Sakura desaprovou seu tom de voz e a forma como ela se referiu à Sayaka. Por mais que as duas não se dessem tão bem, Sayaka ainda era uma companheira. As vezes, Kyoko Sakura pensava que Akemi Homura não era humana, e com razão, a maneira como Homura encarava as coisas... Quase como se as tivesse vivenciado tantas e tantas vezes, que se tornara imune à eventos como esse. A ruiva estava pronta para responder a altura, mas preferiu manter-se calada, havia um nível de estresse estranhamente elevado na voz de Homura, Kyoko não queria aborrecê-la ainda mais.

– E então? - Homura indagou.- Porque me chamou aqui?

– Não quer se sentar? - Kyoko perguntou abocanhando o primeiro pedaço de torta e apontando para a cadeira vaga à sua frente.

Akemi Homura suspirou, mas aceitou o convite.

– E então? - Ela repetiu.

– Bem, não sei se percebeu, mas Sayaka está se transformando em uma bruxa. - Kyoko ressaltou a notícia óbvia e pausou para comer mais um pedaço da torta.

– Sim, do jeito que as coisas estão agora, não creio que poderemos fazer muita coisa por Sayaka Miki. - Homura disse sem emoção.

– Kyubey me contou que você tem o poder de controlar o tempo. - A ruiva soltou, um pouco hesitante. - E eu estava pensando se...

Homura interrompeu-a com um gesto para se calar.

A morena cerrou os olhos, recostando-se na cadeira branca como mármore. Ela sabia o que viria à seguir.

– Quer voltar no tempo para salvar Sayaka Miki, correto? - Ela disse por fim.

– Sim. - Kyoko concordou um pouco surpresa, ela se perguntava como Homura havia adivinhado.

– Eu recuso. - Akemi disse levantando-se da cadeira.

– Espera! - Kyoko puxou-lhe pelo braço. - Droga, qual é o seu problema? Não quer ajudar Sayaka?

Akemi Homura lançou-lhe um olhar mortal e livrou-se das mãos de Kyoko bruscamente.

– O destino de Sayaka Miki já está traçado, não há nada que se possa fazer. Acredite, eu sei.

– Agora você falou igual aquele rato. - Kyoko riu com a refêrencia à Kyubey.

– É? Talvez ele tenha um pouco de razão. - A Homura disse dando às costas e direcionando-se a saída.

– Espera, espera! - Kyoko suplicou ainda com esperança, mas com um leve toque de irritação na voz, enquanto seguia a morena. - Por favor, para.

Mas Akemi não parou, ela continuava caminhando para a saída, seus punhos cerrados demonstravam que ela já havia tomado sua decisão, nada poderia convencê-la. Então Kyoko tentou uma contraproposta.

– Tudo bem, tudo bem. - Kyoko disse barrando Akemi, uma escolha arriscada. - Posso pedir-lhe uma outra coisa então?

[...]

Miki Sayaka estava muito feliz naquela manhã. Era algo incomum vê-la tão contente, Miki era do tipo forte, mas um sorriso infantil e inocente resolvera esboçar-lhe o rosto de forma repentina.

– Você está muito animada hoje, Sayaka. - Madoka ressaltou gentilmente, enquanto se esforçava para alcançar a amiga que saltitava serelepe entre as pequenas pedras que rodeavam o riacho no caminho de volta para casa.

– É que hoje irei visitar o Kyosuke. - A azulada explicou se acalmando e cruzando as mãos atrás da costas.

– Mas você sempre vai vê-lo no hospital... E nunca ficou tão alegre quanto hoje. - Madoka disse com certa dúvida, ajeitando as madeixas rosadas presas pelo laço vermelho.

– Sim, mas hoje eu levarei um presente! - Sayaka sorriu mostrando um CD de música clássica.

– Aposto que ele irá adorar. - Madoka respondeu ainda esboçando seu costumeiro e gentil sorriso. - Mas sabe Sayaka, se for assim, você deveria presenteá-lo mais vezes. Você fica muito mais bonita quando sorri desse jeito.

– Você acha? - Sayaka corou, seu sorriso contente transformara-se em um sorriso constrangido, mesmo assim, ela continuava linda.

– Com isso eu tenho que concordar. - Uma voz desconhecida ressaltou.

– Quem está ai? - Sayaka indagou retomando sua pose forte, enquanto as duas meninas procuravam o dono da voz.

Sentada sobre um dos galhos grandes e retorcidos de uma velha árvore, uma garota de cabelos avermelhados sorriu. Kyoko Sakura levava um pacote de maçãs, algumas delas quase que escaparam quando a menina saltou graciosamente, pousando no chão.

Ela caminhou decidida na direção de Sayaka Miki, esta que recuou hesitante. Kyoko abriu os braços deixando o pacote de maçãs cair no chão, e avançou ousadamente mais alguns passos.

Sem perceber, Sayaka Miki fora envolvida nos braços de uma estranha, Kyoko era quente e seu abraço era no mínimo reconfortante. E embora quisesse, por alguma razão Sayaka não conseguia se livrar dela, era como se a conhecesse há muito, muito tempo.

Um som incomum, quase que imperceptível penetrou em seus ouvidos, como uma engrenagem girando ou um brinquedo de corda. E tão de repente como surgiu, a garota de cabelos vermelhos desapareceu.

"É uma droga ficar sozinha... Então eu ficarei ao seu lado, Sayaka."