inCOMPLETO escrita por Lorenzo


Capítulo 5
Os bombons de cereja




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Seg. 21.05.2012

Alguns acham o tempo cruel por passar demasiadamente rápido. Dizem que os anos de suas vidas passam tão rapidamente que acabam se apercebendo e por consequência disto não vivem a vida plenamente. Comigo o tempo também é cruel, mas exatamente pelo contrário. O tempo para mim passa mui lentamente. Posso contar os grãos de areia que caem da ampulheta da minha vida.

Estou olhando a algum tempo para os malditos ponteiros do relógio e acredito que já sincronizei minha mente com ele. Desvio o olhar por certo tempo e tento prever onde estará cada ponteiro. O da hora é realmente fácil, os minutos me complicam um pouco mas nos segundos está o grande prazer. E eu quase sempre chego próximo ao seu posicionamento real, o que é uma bosta. Sou mesmo um desocupado e não nego.

Tia Jaque está a um tempo no telefone da cozinha e daqui não posso ver o rosto dela daqui, mas pelo seu tom de voz excessivamente baixo eu entendo que é algo que não é da minha alçada. Já estou de banho tomado e hoje, excepcionalmente, pedi para usar perfume. Em geral eu não gosto, não faz sentido pagar caro num perfume pra deixar alguém cheirando bem enfiado dentro de casa. É como ter um diamante numa gaveta.

– Está animado, docinho? – ela diz enquanto caminha em minha direção com seus passos de algodão quase inaudíveis.

– Acho que um pouco. – pego minha pequena mochila com o essencial: lenços, um exemplar de Hamlet, um punhado de capim-limão e cidreira e alguns remédios. – Vai uma ajudinha? – digo indicando com o olhar que preciso colocar a mochila abaixo da Mandie.

– Claro, meu amor. – ela diz em resposta e já colocando-a abaixo de mim. – Alguma razão especial para o perfume e o penteado novo?

Naquele momento eu fico corado. Uma vida inteira vivendo como um mendigo dentro de casa e de repente resolvo pentear o cabelo e usar perfume, e tudo isso ao mesmo tempo. Eu sou mesmo um idiota. Mas ao menos um idiota cheiroso e penteado. Só espero que ela note.

– Talvez. – digo tentando fingir olhar para algo a minha esquerda, para que minha tia não me veja corado.

– Entendo... – seu tom é ligeiramente desconfiado - Que tal passarmos numa delicatéssen?

IDIOTA; IDIOTA; IDIOTA! – repito mensalmente me martirizando. Resolvo bancar o inocente.

– Eu até que estava a fim de comer alguns bombons. – digo brincando. Sei que o dinheiro aqui em casa não anda sobrando, mas sei que ela não me ofereceria nada que não estivesse ao seu alcance.

Tia Jaque dá uma risada maldosa e bastante sugestiva. Ela se faz de boba, mas já sou bobo credenciado a muito mais tempo pra saber como lidar.

. . .

– Você tem alguns minutos... – ela me diz colocando uma nota de R$:20,00 entre meus dedos. – Agora vá lá dentro e compre o que quiser, e eu não preciso nem saber o que é. Te espero aqui fora. – Ela abre a porta de vidro e madeira da delicatéssen e fica ali parada apoiando-a enquanto me arrasto como uma lesma lá pra dentro. Nessas horas eu gostaria de ter braços fortes e viris, mas eu ando tentando me contentar com o que tenho hoje e agora.

Uma sineta toca quando a porta fecha e o atendente parece despertar de seu cochilo por detrás do caixa. Ele fica sem jeito quando me vê, hesita ao vir ao meu encontro.

– Posso ajudar? – ele gagueja. Mentalmente o chamo de Ronaldo, pois ele tem cara. Seu rosto é cheio de espinhas, e sinceramente ainda tenho minhas dúvidas se há ou não um rosto por detrás de tantas. Seu cabelo é longo e liso e um pouco claro.

– Pode deixar, não vou roubar sua loja e sair correndo. – brinco. Ele me encara meio sem jeito, sei que ele quer rir, mas no fundo teme ser desrespeitoso. Atitude padrão. Então eu rio pra aliviar o clima e ele ri em seguida.

– Procura algo?

– Não sei. – com um gesto lento e desengonçado sinalizo para que ele se aproxime, e quando seu rosto está próximo digo baixinho – O que você daria para uma tia genial que cuida de você com todo carinho, um amigo ruivo com uma risada incrível e uma menina linda cheia de sardas que parecem uma constelação?

Ele me encara, dá um riso meio abobalhado.

– Claro, tendo em vista que quem vai dar este presente é um garoto bobo e estranho e que não tem nada além de vinte pratas. – continuo.

Ronaldo me deu quatro caixinhas de bombons de cereja, cada caixa tem três bombons muito legais em forma de coração. Ao fim a gente conversou, ele me deu um desconto bem legal e acabei pagando a metade do preço, o que me fez sair de lá com cinco pratas, uma sacola cheia de bombons e com a satisfação de saber que Ronaldo se chama Daniel e que seria legal se eu “voltasse qualquer hora dessas pra gente conversar”.

. . .

Ainda não entreguei nenhum dos bombons. O de tia Jaque eu resolvi entregar mais tarde, depois do jantar. Estou conversando com Juan a alguns minutos e estou com vergonha de abrir a sacola no meu colo e entregar uma caixa rosa e com laço cheia de bombons em forma de coração para um menino que só conversei duas vezes. Eu me sinto desconfortável. Emilly ainda está conversando com a mesma menina de sempre.

– Você está um pouco aéreo. – diz Juan.

– É que quero fazer algo que eu não sei se tenho coragem. – digo corando novamente. Estamos com a cadeira de Juan e a Mandie no jardim da frente e, embora estejamos afastados do grupo, a rua está movimentada e pode haver alguém olhando por detrás de nós.

– Que é isso? – ele aponta para a sacola com as caixas.

– Bombons. – digo num surto de coragem louca e delinquente. Me sinto como aqueles torcedores fanáticos que invadem nus o campo de futebol em meio a uma partida. Talvez este momento seja o ápice de emoção e loucura que jamais terei na minha vida, então decido aproveitá-lo bem. – Uma caixa é sua, mas estou meio que com vergonha. – Então penso em querer explodir, mas ao mesmo tempo eu quero ficar vivo e repetir este feito tão inocente e ao mesmo tempo extasiante.

– Vergonha? – ele força uma falsa indignação muito engraçada – De mim?

– Não. Vergonha de entregar uma caixa rosa com fitilho a um menino. – A verdade flui de forma tão natural e cômica que sinto não haver espaço para segredos ou meias-verdades.

– Deixa de ser preconceituoso e me dá esses bombons logo antes que que eu desfaleça de fome! – ele pega a sacola do meu colo.

– Ei! – falo em tom mais elevado – Me devolve isto! – arrasto meus braços pra tentar pegar a sacola dele, e, por ironia ou maldade da vida a primeira caixa que ele tira é a única que ele não poderia tirar. A caixa que Ronaldo (que se chama Daniel mas que eu não resisto e insisto em chamar de Ronaldo) etiquetou com “Emilly” e que além de ter um bombom extra ele me ajudou a tentar uma pequena, fajuta e infantil epístola com direito a um coraçãozinho mal desenhado no fim.

– Você vai... – começo a dizer.

– Quer que eu entregue isto a ela? – ele levanta a sobrancelha duas vezes, como se eu fosse um bosta sedento por um coito com a irmã dele.

– Você se aproveita de mim! – protesto – Isto não é justo! Você não deve tirar vantagem só porque tem braços saudáveis! – brinco na tentativa de minimizar minha vergonha.

– Imagina que fofo vocês dois? – ele aperta minhas bochechas. É engraçado como ele pode ser terno com alguém deformado como eu e ao mesmo tempo não demonstrar um pingo de pena.

– Para! – digo olhando para os lados – O que vão pensar da gente?

Juan começa a rir com a sua melhor gargalhada.

– E daí? Você vai ser gay só porque aperto suas bochechonas enquanto você me dá bombons? – ele para um pouco e pensa no que acabou de dizer. – É um pouco estranho mesmo... – ele volta a rir.

– Ainda mais com esse papel babaca na sua mão. Joga isso fora pelo amor de Deus! – tento agarrar o papel mas ele é mais rápido e tem destreza em seus movimentos.

– Joaquim quer namorar! Joaquim quer namorar! Joaquim quer namorar! – ele repete de forma irritante.

– Desejo boa sorte a esse tal de Joaquim. – começo a virar a cadeira, mas mudo de ideia. – Dá pra me dar duas caixas de bombons? Uma é minha e outra é da minha tia.

Juan abre uma caixa e pega um bombom, em seguida joga a caixa com um bombom faltando e outra ainda fechada para mim, acertando meu peito e caindo nas minhas coxas.

– Wow! – digo – Não entendi isso aí!

– Acha que namorar minha irmã é fácil? Esse é o preço a pagar meu caro. – ele volta a rir e depois enfia o bombom inteiro na boca, e ainda de boca cheia prossegue – Que tal flores? Emilly é alérgica a chocolates. – ele pisca e dá um sorriso.

Jogo a caixinha de Tia Emily junto a minha mochila na cestinha de baixo da Mandie para que eu possa dar para ela mais tarde. Ao menos era isso que eu planejava fazer...


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