Sobre amor, tartarugas e novas chances escrita por Blue Butterfly


Capítulo 33
Capítulo XXXIII


Notas iniciais do capítulo

Minhas queridas leitoras (e leitores)! Não desisti dessa história, apenas me falta tempo para desenvolvê-la do jeito que pretendo. Eis aqui um capítulo novo, que deveria ser o último, mas dividi ele em duas partes - porque não quero matar vocês com mais espera. Espero que vocês gostem, esse é escrito de um jeito diferente dos demais. Quero ouvir o que vocês acham, porque fiquei me debatendo sobre como escrevê-lo. De qualquer forma, espero que gostem! Amor, amor, amor! Um beijo



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Eu nunca fui aquele tipo de pessoa que pára e pensa sobre a vida. Não. Não mesmo. Mas toda vez que olho para trás e vejo todos os altos e baixos que passamos, não consigo deixar de pensar em como a vida funciona de um jeito misterioso. Por muitas vezes é dolorido, amargo, mas ainda assim tudo o que vejo ressaltado é o quão surpreendentemente doce ela pode ser também. Talvez Maura esteja certa em dizer que se fosse fácil, todo mundo teria. Pode ser de natureza, mas nós sempre fomos atraídas pelo difícil, por desafios, e acho que se estimo por tudo o que temos, é porque sei o quão fácil é perder o que amamos... O quão fácil teria sido deixar tudo para trás, desistir, continuar só. Mas nós tomamos o caminho difícil, e eu sei, agora eu sei, que a vista do outro lado é tão mais bonita. Oh sim, a vida pode ser tão boa.

Quando Elle chegou na nossa casa, Maura tinha razão sobre uma coisa: a adaptação dela não seria fácil. Nas primeiras noites nós quase não dormimos. Ela chorava o tempo todo, manhã, tarde e noite. Quando a pegávamos no colo era só para que ela gritasse mais. Ela não nos reconhecia e, embora fosse algo que Maura já sabia e eu fora avisada, não podia deixar de me sentir impotente, derrotada. E eu podia ver o mesmo nos olhos dela. Tudo havia piorado quando Harriet tentava brincar com ela, e ela chorava. Nossa Tartaruga chorava decepcionada por se sentir rejeitada pela sua irmã mais nova, e era compreensível. Ao passo de que Elle parecia rejeitar todas nós, a nossa frustração crescia, até que um dia se tornou demais. Nós nunca fomos do tipo de desistir de algo, entretanto todos aqueles sentimentos, o estresse, o cansaço, tudo aquilo enchia um balão que em certa noite estourou. Maura tinha acabado de colocar Harriet na cama, que parecia estar sob o mesmo estresse que nós estávamos, e entrou no quarto. Sem nenhum aviso, ela se jogou nos meus braços e começou a chorar.

Você sabe, eu já fui pregada no chão por bisturis, e atirei em mim mesmo. Eu conheço a dor... Eu sei o que é sentir o aço metálico transpassando minha pele, meus músculos, esbarrando nos ossos. Qualquer um pode dizer que é exagero, mas acredite, uma vez que você ama realmente alguém... Nenhuma dor se compara a dor de ver essa pessoa chorando, seja pelo que for. Nem mesmo a dor física. Eu, infelizmente, tenho que dizer que algumas vezes senti isso. Ver Maura chorando é meu ponto fraco, um que todo mundo já sabe. É por isso que me esforço para vê-la sempre feliz, é por isso que custe o que custar, manter minha família em paz, em segurança, unida, é tudo o que penso. Naquela noite, com ela em meus braços, tudo o que eu queria era arrancar a dor dela com minhas mãos, esmagá-la e arremessá-la longe. Aquele tinha sido o ápice de nosso desespero, a parte em que tudo parecia tão difícil e impossível que não nos restava muita coisa, senão chorar. Bem, nós choramos. Nós nos permitimos apenas algum momento de fraqueza, porque no dia seguinte, nós acordamos tão cedo quanto o sol, e fizemos tudo o que supostamente tínhamos que fazer.

Aquela tinha sido a primeira semana, e como se era esperado, as coisas começaram a melhorar depois disso. Elle passou a chorar menos conforme os dias se passavam. E Harriet, caramba, aquela menina... Ela foi tão compreensiva e madura o quanto pôde ser para uma criança de seis anos. Nós conversamos, nós explicamos que Elle estava tendo dificuldade em se adaptar... E ela foi tão maravilhosa que eu acho que grande parte da adaptação de Elle com a gente foi por causa dela. Harriet sempre foi uma boa irmã, uma boa filha. Maura não acredita em destino - ela provavelmente torceria o nariz para mim - mas o que eu acredito é que a Tartaruga estava destinada à nós. Alguém lá em cima sabia que nós precisávamos dela no exato momento em que apareceu em nossas vidas. Eu sempre vou ser grata por isso, porque foi ela que definitivamente trouxe nossa alegria de volta. Quando Elle começava a chorar, Harriet em vez de chorar junto, apenas encontrava um distração para fazer a menina rir. Eu não conseguia fazê-la parar de chorar, Maura não conseguia, mas Harriet? Ela tinha talento natural para isso. Acho que Elle se conectou à ela primeiro do que a mim ou Maura, no fim das contas. De qualquer forma, tudo estava melhorando de novo.

...

Nós conseguimos. Nós finalmente tínhamos passado pela fase que eu tanto temia. Eu soube que tudo estava perfeitamente bem e de que Elle nos reconhecia e aceitava como sua família quando cheguei em casa em um anoitecer, depois de dez horas excruciantes de trabalho. O dia tinha sido longo, cansativo. Eu me lembro de ter feito duas autópsias naquele dia, me recordo de quais eram porque foram duas que me abalaram. Uma mulher e uma criança de oito anos tinham sido espancadas até a morte. Autópsia em crianças é algo que particularmente não gosto de fazer. Um calafrio percorre meu corpo toda vez que me vejo de frente com alguém pequeno demais deitado em minha mesa. Eu penso nas minhas crianças e sinto vontade de vê-las e checá-las imediatamente. Naquele dia não tinha sido diferente. Jane tinha ficado na delegacia e eu voltara para casa sozinha. Angela passara a cuidar de Elle para nós durante alguns períodos, e Harriet já frequentava a escola. Eu sabia que naquele horário as três estariam em casa. Harriet, claro, foi quem abriu a porta. Ela me abraçou pelas pernas e ergueu a cabeça sorrindo para mim.

'Oi, mamãe!' Ela me disse enquanto eu a pegava no colo. Era um ritual. Chegar em casa significava abraços e sorrisos e beijos da parte dela. Ela era doce, carinhosa. E ela era tão rápida em me abraçar, quanto em me soltar.

'Oi, tartaruga.' Eu respondi enquanto recebia um beijo estalado na bochecha. 'Como foi seu dia?' Eu perguntei e ela pulou de volta ao chão antes de me responder.

'Os elefantes são sociais! Eles andam de trombas dadas quando se amam!' Ela disse enquanto pulava no sofá. Era algo que havia aprendido naquele dia na escola. Ela sempre contava algo novo quando chegávamos em casa.

'Bem, suponho que agora você goste de elefantes também?'

'Grandes mamíferos, pode apostar!' Ela respondeu animada e eu ri.

Instantes depois Angela apareceu com Elle nos braços, vindo da escada. Ela estava vestida com um pijama de leão, um que Harriet tinha escolhido para ela. E que eu e Jane concordamos, concordava perfeitamente com ela - tanto em personalidade, quanto em cor. No instante em que a bebê me viu, ela esticou os braços e a balançou as pernas em pura empolgação. Ela nunca tinha feito isso. Eu fiquei em dúvida se era por minha causa, mas quanto mais tempo eu ficava sem reagir, mais agitada ela ficava e balançava as mãos em minha direção. Ela balbuciava algo ininteligível e quando eu finalmente a segurei nos braços, ela riu.

'Hey, menininha. Eu senti falta de você também.' Eu disse com a voz baixa. Eu não poderia estar mais feliz. Elle era um bebê fofo, com feições delicadas, pele rosada e com cheiro de criança nova. Eu gostava de tê-la em meus braços, mas durantes três semanas isso havia acontecido porque precisei acalmá-la, alimentá-la, trocá-la. Daquela vez tinha sido diferente. Daquela vez ela tinha vindo para meu colo por vontade própria, ela tinha pedido por mim. Depois de dias de aflição, algo se transformara. Era como se eu tivesse segurando Elle, minha filha, pela primeira vez. Acredito ser seguro dizer que ela, também, tinha me reconhecido como sua mãe pela primeira vez. Depois daquele dia exaustivo, querendo fazer uma ligação para saber como minhas crianças estavam, mas tentando a todo custo resistir àquela neurose, eu tinha recebido um lembrete: minhas duas filhas estavam em casa, esperando por mim. Literalmente esperando por mim, ansiando por meu colo, por meu amor.

E eu soube. Eu estava pronta. Nós estávamos prontas para mais um. Eu não verbalizei minha decisão naquele mesmo dia porque seria imprudente, impulsivo. Eu ainda teria que experimentar mais dias daquela calmaria que se seguiu de Elle nos recebendo com sorrisos e braços lançados em nossa direção. Confesso que por um momento, em dias de crise, temi que engravidar e acrescentar mais um bebê à nossa casa, em nossas vidas, não seria a decisão mais sábia de todas. Enquanto Elle chorava no meio das noites, minhas dúvidas se transformavam em fantasmas que me assombraram durante as primeiras semanas após sua chegada. E se eu adiasse engravidar e meu corpo se tornasse velho demais? E se eu não pudesse mais gerar um bebê? O medo me consumiu, por um curto período de tempo, é verdade, mas você só sabe o quanto deseja uma coisa a partir do momento que a perspectiva de perdê-la te atinge. Eu queria engravidar. Elle e Harriet eram minhas filhas, mas eu queria ter a experiência de alguém crescendo dentro de mim. Uma semana foi todo o tempo que tive para me centrar, me certificar de que tudo estava nos eixos.

...

Eu me lembro que a neve tinha parado de cair. O frio já nem era tão intenso e minhas mãos já não doíam tanto. O que me surpreendeu bastante, considerando isso, foi que entrei em casa naquele dia e a lareira estava acesa. Maura tinha acendido-a e esticado um cobertor macio em frente a ela. Ela estava deitada nele e tinha Elle sentada em sua barriga, sua pequena cintura sustentada pelas mãos de Maura. Harriet estava deitada ao seu lado, e a cada vez que a Tartaruga jogava uma fralda no rosto da menina, para tirá-la em seguida, Elle ria, mostrando um sorriso desdentado. Era fofo, e fiquei observando por minutos, até que a bebê me viu e ficou agitada. Quando três cabeças estavam viradas para mim, andei até elas e beijei cada uma com carinho - Maura nos lábios, claro. Era uma noite agradável, silenciosa - a única coisa que ecoava no ar eram risadas, e nada mais. No momento em que Maura deitou a bebê na coberta, dizendo para Harriet tomar conta dela porque iria preparar uma mamadeira, eu sabia que deveria seguir a deixa.

Crianças ocupam boa parte do tempo, e eu aproveitava toda oportunidade a sós com Maura para beijá-la, abraçá-la. Quer dizer, é Maura. Maura, que fica linda mesmo em um pijama de ovelhinhas. Ela negaria até a morte, mas ela tem um. E foi Harriet quem escolheu. Essa menina vive escolhendo coisas para gente, e nós compramos porque, bem... É fofo, e se até mesmo eu admito, por que Maura não pode? Ela estava usando o dela naquele dia, e era adorável. Eu a envolvi nos meus braços e a enchi de beijos, e sua risada vibrou na minha pele.

'Jane, tem algo que quero te dizer.' Ela disse enquanto segurava meus ombros e os olhos verdes brilhavam para mim.

'Eu estou ouvindo.' Eu disse e me inclinei para roubar um beijo, e quando Maura se inclinou para trás tentando escapar, eu a segurei e a puxei de volta para mim, e lábios macios pressionados contra os meus foram minha conquista - além da risada suave que escapou da sua boca. Eu gostava daquele clima leve, havia tempos em que a única tempestade que conhecíamos era a de neve, de duas semanas atrás. Tirando isso, toda a dor que passamos antes parecia ter desaparecido entre certezas, sorrisos e abraços, cheiro novo de bebê e gargalhadas de criança.

'Eu quero tentar de novo. Eu quero engravidar.' Ela sussurrou as palavras e eu não tinha certeza se era porque ela não queria que Harriet ouvisse sobre a conversa, ou se era porque ela simplesmente tinha despejado isso de uma vez em cima de mim. Meu coração deu um salto, eu confesso. Nossa última experiência não tinha sido boa. Era medo. Ao mesmo tempo, uma empolgação tomou conta de mim. Ela estava decidida, pronta. Eu também estava. Eu a queria grávida, tudo tinha sido tão bom e especial da primeira vez, antes de perdemos o bebê. Eu queria aquela sensação de novo, a expectativa, os três meses de silêncio e segredo, algo só nosso, até nos sentirmos seguras para contar a todos.

'Então vamos abrir um vinho. Pode ser uma das últimas taças durante alguns meses.' Eu respondi enquanto acariciava seu rosto, e um beijo doce foi plantado nos meus lábios.

'As mulheres francesas continuam a beber vinho quando grávidas.' Ela me respondeu sorrindo.

'Eu tô vendo o que você tá fazendo, Maura. E não. Não mesmo. Você tá virando uma alcoólatra!' Eu ri quando ela me beliscou e meus lábios se encontraram com os dela de novo. 'Quando você quiser começar, me avise. Marque uma consulta e nós vamos fazer isso.'

'Ok.' Ela encostou sua testa na minha e o futuro parecia promissor demais, a ponto de nos esquecermos do presente.

'Você, ahn... Não tinha algo para preparar?' Eu apertei a cintura dela e ela riu, os olhos ainda fechados, perdida em seus próprios pensamentos.

'Uma mamadeira.' Ela respondeu apertando os braços no meu pescoço. 'E você, dois brindes.'

Para ser honesta, a gente já tinha muito para comemorar. Eu estava casada com a pessoa que eu amava, tinha duas filhas. Como eu disse, a vida não é fácil, tem sim seus momentos difíceis, mas ter ao seu lado alguém para lutar junto, lutar por, faz toda a diferença. Maura, Harriet e Elle eram minha força, meu porto, minha alegria. Elas eram o sentido de tudo, as estrelas que guiavam as minhas noites escuras, o conforto de encontrar paz, o lugar ao que eu pertenço. Naquela noite, quando sentamos no cobertor estendido em frente a lareira, eu entendi porque algumas pessoas enlouquecem quando perdem a família em acidentes trágicos. Eu era apenas uma parte de um todo, mas se de repente eu me visse sem as três não restaria muita coisa de mim. Então eu celebrei; os gestos pequenos que indicavam amor, as risadas suaves de felicidade, o calor do fogo que nos aquecia e nos unia em torno dele. Os detalhes, os pequenos detalhes que formavam a figura inteira. E a possibilidade de multiplicar isso tudo. Nós teríamos outro bebê. Nós comemoramos silenciosamente com nossas filhas, Harriet não poderia saber ainda ou mil perguntas seriam feitas todos os dias, e Maura não precisava de estresse adicionado nos três primeiros meses de gestação. E depois, nós comemoramos sozinhas, ao nosso próprio jeito.

...

Eu me lembro de como foi receber o resultado pela segunda vez. As sensações dominaram meu corpo, as minhas mãos tremeram levemente. Eu estava grávida, tinha dado certo. Eu gostaria que meu primeiro pensamento tivesse sido Jane, em como ela sorriria e me abraçaria por causa da notícia... Entretanto, o que me veio na cabeça foi... Bem, o bebê que perdi antes. Ainda é dolorido falar sobre isso. Eu ainda me pergunto o por quê, imagino como teria sido se ela tivesse nascido, que nome teríamos escolhido. Quando soube que estava carregando outra criança uma alegria desmedida me invadiu. E um medo irracional. Eu não tinha contado para Jane sobre o dia da consulta. Eu preferi ir sozinha. Eu disse para mim mesmo que o motivo era que eu gostaria de surpreendê-la com a notícia boa, o que de fato fiz, mas a verdade era que meu medo era tão grande quanto minha esperança. E se não tivesse dado certo? Eu não queria decepcioná-la. Felizmente, tudo saiu como planejamos. Ao sair do consultório eu me dirigi para a delegacia e me encaminhei imediatamente para o meu escritório. Me lembro de não ter hesitado, de simplesmente ter mandado uma mensagem para Jane dizendo que tinha um resultado esperando por ela. Não mais do que cinco minutos mais tarde, lá estava minha mulher: cabelo revoltosos emoldurando o rosto, um ar de irritação tão comum em dias de casos trabalhosos e suspeitos arrogantes e desafiantes... E o olhar sempre doce quando pairava em minha direção.

'O que você tem, Maur? Eu espero que seja um positivo para aquele DNA. Aquele desgraçado tá brincando com minha cara. Eu juro que não me importaria em passar um dia inteiro com a senhora dos recursos humanos, se ao menos eu ficar feliz em socar aquela cara babaca.'

Ela cruzou os braços e me encarou, como se esperando uma reprimenda. Nem me importei com a fala dela. Jane, tão pouco, sabia que havia algo a mais, algo novo entre nós. Ela não sabia que eu tinha deixado o prédio na parte da manhã. Avisei apenas Susie, e eu não tinha ficado mais do que uma hora fora do prédio, logo, seria impossível que Jane sequer desconfiasse de que eu tinha ido a uma consulta ou para em qualquer outro compromisso. Eu estiquei o papel dobrado em três na direção dela.

'Veja você mesmo.' Eu sorri pacientemente enquanto ela passava o olho no papel.

'Positivo!' Ela disse em comemoração, pronta para sair da sala e prender o bandido. Jane era assim, ela nunca lia os testes por completo. Sempre pulava para o final, a parte objetiva.

'Jane, querida. Leia de novo. Desde o início.' Eu observei com um sinal de cabeça e ela franziu as sobrancelhas e passou os olhos pelo papel. É algo que vou me lembrar para sempre: o semblante dela se transformando enquanto lia as informações. Primeiro confusão, depois dúvida, a seguir compreensão, e depois...

'Isso é... Um... Seu?' Ela perguntou quase desacreditada.

'Eu acabei de chegar da consulta.' Eu respondi e senti meu coração bater a mil no peito. Ela ficaria brava porque não tinha contado a ela?

'Oh, Maura!'

E de repente eu estava dentro dos braços dela, naquele abraço acolhedor que eu conhecia, e gostava, tanto. O mais curioso de tudo é que, tomada por tantas emoções - alegria de estar grávida, o medo de perder de novo, a ansiedade de saber o desfecho da gravidez, o alívio de Jane sorrindo e recebendo a notícia com tamanha surpresa, felicidade - me fez chorar. Eram muitos sentimentos rodopiando em minha mente, e era difícil lidar com todos ele de uma vez. Eu estava rindo e chorando ao mesmo tempo. Eu estava pensando no bebê que tinha ido e no que estava ali, crescendo dentro de mim. E pensando nas minhas duas meninas em casa. E em Jane.

'Vai dar tudo certo, Maur.' Jane me disse e segurou o meu rosto. Eu olhei para aqueles olhos negros, carregados, infinitos, tão sinceros e devotados quanto o amor que sentia - sinto - por ela.

'Já está dando.' Eu beijei os lábios dela carinhosamente porque, francamente, ter Jane em minha vida é a condição básica para poder dizer que ela vale a pena.

...

A parte mais difícil foi não contar para ninguém. Mas que culpa eu tinha afinal? Eu estava feliz e todo mundo via, eles só não sabiam o motivo. É claro, eu tinha tantas respostas para assegurar de que não estava escondendo nada. Eu dizia frequentemente, 'eu sou casada com Maura, o que você espera?', ou então, 'você já viu minhas filhas? Esse é o motivo'. E era verdade... Eu só não estava contando apenas a outra razão, a mais nova delas. Se eu dissesse algo, Maura me mataria... E ela sabe manobrar um bisturi como ninguém. É claro que outras vezes eu nem precisava me justificar. 'A noite foi boa, hein, Rizzoli?', eu escutava os machões provocarem com um sorriso irônico. Quer saber? Eu nem ligava. Para falar a verdade eu tinha vontade de dizer 'sim, tive, você já viu minha mulher?', mas sempre achei melhor não comprar as provocações, simplesmente por respeito a Maura. Ela não era um troféu a ser exibido. Não. Maura sempre foi a mais delicada, doce, com aquele toque atrapalhado que fez eu me apaixonar por ela . Feita sob medida. A obra-prima que sempre fora admirada. Minha Maura. Eu não queria exibi-la; eu queria guardá-la e mante-la só para mim. Talvez eu seja a eterna boba apaixonada, mas ta aí algo que eu nunca vou negar: meu amor por ela.

De qualquer forma, esconder era a parte mais difícil, principalmente quando se tem uma mãe como a minha por perto. Nos dois primeiros meses foi... bem, manejável. No terceiro mês parecia uma missão impossível. Minha mãe passava tempo demais em casa, principalmente na parte da manhã por causa de Elle... Na parte da manhã, quando Maura começou a enjoar. E que ela nunca me ouça, mas os dois quilos que ela havia ganhado também denunciavam algo. A coisa é que, na primeira manhã em que acordei com Maura no banheiro, as coisas saíram do controle. Era cedo e eu imaginei que só estávamos nós duas acordadas. Maura estava sentada no chão, corpo inclinado na privada enquanto vomitava pela segunda vez. Me lembro de segurar uma toalha úmida e pressionar gentilmente no rosto dela em seguida. Foi só depois de ter beijado sua testa que vi pelo canto dos olhos a figura de Harriet parada junto à porta.

'O que é?' Ela perguntou assustada, olhando para Maura e para mim. 'Mamãe tá doente?' Os olhos se arregalaram e eu jurei que ela iria chorar.

'Não, querida.' Maura se adiantou em dizer. 'Eu estou bem.'

Mas Harriet olhou para mim porque a imagem de Maura não era muito convincente. 'Mamãe tá bem, Tartaruga. Foi só algo que ela comeu e não fez bem. Ok?' Eu tentei acalmá-la e ela balançou a cabeça em compreensão.

'Bolacha recheada, né? Sei como é.' Ela disse sabiamente olhando para Maura. E claro que Harriet sabia. Certa vez ela tinha comido um pacote todo sozinha, de uma vez, e vomitara o dia inteiro por conta disso. Lição aprendida, ela odiava bolacha reachada desde então.

'Certo, isso.' Eu disse enquanto via Maura se debater com a idéia de algo doce em seu estômago já embrulhado. 'Tartaruga, que tal ver se sua irmã já acordou, hum?'

'Certo.' Ela disse e confirmou com a cabeça e depois olhou para Maura mais uma vez. 'Nunca mais coma isso, é melhor.' E o tom de confidência me fez rir.

'Droga.' Maura resmungou enquanto limpava a boca pela terceira vez.

Eu me inclinei e a abracei. 'Ei, tá tudo bem. Agora que nós sabemos que começou podemos dar um jeito nisso, ok? Você se lembra o que funcionou da última vez.'

'Me lembro.' Ela disse enquanto descansava seu corpo no meu.

'Ótimo. Eu também. Deixa comigo que eu compro tudo, ok?'

Ela balançou a cabeça e suspirou, fechando os olhos. Ela andava mais cansada do que o normal. Preciso confessar que essa fase foi um pouco difícil. Elle estava com dentes nascendo, o que a deixava irritada e chorona. Alguns dias foram seguidos de febre e Maura já parecia exausta pelas noites mal dormidas. Harriet nunca dava trabalho, o que não significa que nossos olhos não estavam nela o tempo todo também. Foi cansativo, mas não torturante. Naquele dia eu a embalei gentilmente nos braços e a convenci a voltar para cama e dormir algumas horas a mais. Ela não protestou, e se entregou ao sono tão logo se aninhou em baixo das cobertas.

Quando desci para a cozinha, não esperava encontrar minha mãe lá. Ela e Harriet estavam na maior conversa e quando apareci a mais velha olhou em minha direção e perguntou justamente de Maura.

'Onde está Maura? Quer dizer, o que se esperava é que ela levante primeiro do que você.' Lá estava, minha mãe sempre me provocando sobre meu costume de levantar mais tarde.

'Ela comeu muitas bolachas.' Harriet disse naturalmente e eu tive vontade de dar um tapa em minha própria testa. Lá estávamos nós, uma tonelada de perguntas pela frente.

'O que você quer dizer, querida?'

'Mamãe comeu muita...' Harriet começou de novo. Eu a cortei.

'Maura só está se sentindo mal por causa de algo que comeu ontem.' Eu dei de ombros, parecendo indiferente.

'Ah, não. E o que foi que ela comeu?' Minha mãe era ótima em especulação, e Harriet não conseguia segurar a língua.

'Bolachas, já disse! As recheadas!' Ela disse enquanto jogava as mãos para cima, visivelmente irritada por ter sido ignorada da primeira vez.

'Oh... Ela está... Com dor de estômago?' E minha mãe perguntou inocentemente e estreitou os olhos em minha direção.

'Pode apostar. Comeu porcaria.'

'Harriet!' Eu chamei sua atenção, porque 'porcaria' não era uma palavra do vocabulário que deixamos ela usar.

'Mas é! Você mesma diz.'

'Eu não... Ok. Você já sabe o que aconteceu', eu apontei o dedo para minha mãe, 'e você, sem falar essas coisas.'

As duas trocaram um olhar e deram de ombros. Harriet tinha que passar menos tempo com minha mãe, era o que eu achava. Ela estava copiando alguns costumes. Foi quando Harriet saiu de perto para procurar por Bass, provavelmente, que minha mãe se aproximou de mim e perguntou em voz baixa.

'Ela está grávida?' Eu soltei uma arfada de ar ridicularizando a suposição dela e revirei os olhos... Mas ela continuava séria, me encarando, os olhos carregados de esperança. E foi assim que Angela Rizzoli soube que seria avó de novo.

'Está. Três meses, mãe.' Eu ri enquanto ela me abraçava. Era bom contar para alguém. Era ótimo. Meu peito parecia ter se inflado, ele iria explodir.

É claro que, três horas depois, quando Maura entrou na cozinha e minha mãe a abraçou e beijou sua bochecha, esse mesmo coração parou por um minuto. Eu tinha esquecido de dizer para ela que era segredo. Maura me condenou com o olhar, e ela me prometeu que a primeira roupa do bebê, fosse menino ou menina, iria ser rosa.

Rosa pink.

...

Há algo sobre estar grávida de novo que só quem sofreu um aborto sabe: o medo de perder o novo bebê é contínuo. Mesmo nos mais esperados sintomas da gravidez. Na semana em que o enjoo me deixou por horas na parte da manhã no banheiro, eu sentia medo. Eu sou médica e sei, sei, que enjoos assim são normais, mas meu lado irracional estava em alerta o tempo todo. Um pequeno desconforto no meu abdômen, e lá vinha meu pior pesadelo me atormentar. O útero se dilatando, causando a sensação quase parecida com uma cólica, me deixava nervosa. Eu não queria perder aquele bebê, e por mais motivos que eu tivesse para acreditar que não perderia, meu medo estava lá, para onde quer que eu virasse me deparava de frente com ele.

Era o início do quarto mês. O mesmo mês em que eu tinha perdido meu primeiro bebê. O mesmo mês em que tudo estava, teoricamente bem. Eu estava ansiosa porque era quando nós tínhamos decidido começar a contar para nossos amigos mais próximos e família. Eu liguei para minha mãe logo depois que Angela soube. Algo curioso é que ela ficou extremamente feliz, do mesmo jeito que ficava com a presença de Elle e Harriet. Ás vezes penso que ela viu minhas crianças como uma oportunidade de oferecer o que não tinha me oferecido. Me deixava comovida e eu me sentia confortável com a ideia.

Logo depois dela, contamos para Korsak, Frost, Susie, os irmãos de Jane, Caillin e Hope em um jantar na nossa casa. Todos pareciam felizes e animados com a notícia. Harriet soube no dia seguinte. A menina ficou elétrica e perguntava a todo momento quando o bebê chegaria em casa, quandoChristine iria trazer o novo bebê. É claro, em sua imaginação de criança a responsável por bebês era sempre Christine. Afinal de contas fora a assistente social que trouxera a própria Harriet para nós, e logo depois Elle. Claro que precisei explicar, repetidas vezes, de que o bebê estava crescendo em minha barriga.

Ela não acreditou. Olhou com cara de quem não havia comprado a ideia e franziu o cenho e o bico, emburrada. 'Por que você colocaria ele aí?' Ela me perguntou e bateu o pé no chão. 'Quanto tempo isso vai levar?'

'Alguns meses ainda, querida. Ele é bem pequeno, desse tamanho.' E mostrei com meu dedo polegar e indicador o tamanho que o bebê provavelmente estaria.

'Desse tamanho? É tipo uma azeitona.' Ela vociferou irritada. 'Não existem bebês desse tamanho.'

Eu não soube o que responder. Na verdade, Harriet parecia tão aborrecida porque o bebê iria demorar para chegar que ela simplesmente deixou o assunto para lá. Pelo menos pelo resto do dia.

'Bem, e o que você acha?' Eu perguntei para Elle enquanto a tirava da cadeira e a acomodava no meu colo. Ela riu e mordeu a mão gordinha, seus olhos segurando meu olhar. 'É isso mesmo, e vocês vão se dar muito bem.' Eu ri e beijei sua testa, e minha bebê se segurou em mim com toda força.

Com nosso plano concluído, tudo o que nos restava agora era esperar. Todos já estavam cientes do meu estado - do nosso estado - e levando isso em consideração, foi de certa forma uma soma ao nervosismo que eu estava sentindo. Quatro meses. Minha barriga se destacava levemente. Eu estava extremamente consciente da presença fantasma do bebê que havia perdido. Jane podia sentir a tensão também, e em certa noite nós chegamos a conversar sobre isso.

Nós estávamos na cama, eu tinha acabado de colocar um livro de lado quando ela começou a acariciar minha barriga. Eu virei o rosto e sorri para ela. Por mais medo que sentisse, minha gravidez sempre nos arrancou sorrisos.

'A cada dia tá maior.' Ela disse enquanto os dedos dançavam sobre minha pele.

'Eu sei. Daqui um mês não vai haver dúvida. Todos saberão só de olhar.' Eu sorri e depois de um tempo suspirei e me virei para ela. 'Jane...' Eu hesitei. Eu sempre hesitava em falar sobre nossa perda. 'Nós estamos na mesma época.'

'Eu sei, querida.' Ela disse e passou o braço por baixo de minha cabeça, me acolhendo em seu abraço. 'Eu tenho pensado nisso. Mas Maura... Dessa vez vai ser diferente. Dessa vez nós vamos chegar até o final.'

Ela disse com tanta convicção que parecia ser capaz de prever o futuro. 'Como você sabe, Jane?'

Ela sorriu deliberadamente, e me puxou para perto dela. Nossos corpos de coloram. 'Eu apenas sei. É intuição.'

Eu ergui uma sobrancelha para ela.

'O que? Você sabe, minha intuição nunca falha, Maura.' Ela sorriu gentilmente e depois acrescentou. 'Você tá com medo, e é só por causa da data, querida. Foi difícil pra gente, Maura, e ficou marcado, mas é isso. Apenas isso. Não significa que vai acontecer de novo. Certo?'

'Certo.' Eu respondi mais confiante. Jane tinha toda razão. Era apenas medo, um medo justificável, mas não necessariamente antecipado. 'Certo.' Eu repeti e ela beijou minha testa carinhosamente.

Um segundo depois e Harriet tinha batido na porta e aberto.

'Mamães?' Ela disse enquanto esperava por uma de nós responder.

'Oi, Tartaruga?' Jane disse já esticando o braço, sabendo bem o que significava um pedido aquela hora da noite.

'Posso ficar com vocês?' Os pequenos pés se remexeram no chão e eu sorri. Meu amor por Harriet aumentava a cada dia.

'É claro, querida.' Eu respondi e abri espaço para ela na cama.

Ela se enfiou entre nós e de repente lançou a pequena mão em cima da minha barriga. 'É aqui que o azeitona mora?'

Eu e Jane gargalhamos ao som da pergunta inocente. Abracei minha tartaruga e enchi seu rosto de beijos. 'Exatamente, querida. É bem aí.'

Ela franziu as sobrancelhas e perguntou pensativa. 'Bem, e como é que a gente faz pra tirar ele daí?'

'Harriet, essa é uma outra história, ok? Que nós vamos te contar amanhã.' Jane disse enquanto abraçava a nós duas e beijava a cabeça da menina.

Do outro quarto o protesto de Elle chegou aos nossos ouvidos. Ela era a única que faltava ali. Jane se levantou e em menos de um minuto a menina cessou o choro. De volta ao quarto, com Elle nos braços, nós quatro nos acomodamos na cama. Todas dormimos ali, juntas, naquela noite. Para alguém que não acredita em destino, em Deus, em coincidências... pode parecer estranho, mas eu soube naquele momento, com minhas duas filhas e minha mulher na cama, que dentro de alguns meses mais um bebê estaria certamente entre nós.

São as façanhas da vida. O ato de nos presentear e de retirar o que amamos. Os altos e os baixos, as certezas e as incertezas... E algo que Hope havia me dito certa vez, mas que depende apenas de nós: a capacidade de reconhecermos tudo aquilo que a vida nos oferece, nos cerca, as possibilidades que surgem. Aqueles pequenos milagres, os milagres que recebi. Naquele noite eu beijei os meus três: Jane, Elle e Harriet. E o meu quarto milagre, o que sobreviveria ao quarto mês... a minha mais nova e pequena oportunidade, a promessa de novos sorrisos e amor. Nosso bebê. Não podia beijá-lo, não ainda... Mas podia senti-lo crescendo dentro de mim, crescendo em nós. Ocupando um espaço entre nossa família, nosso futuro.

Jane estava certa. Eu soube, apenas porque fui capaz de reconhecer a conspiração da vida a favor do meu desejo se realizar, de que eu seguraria aquele bebê nos braços.


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