Sobre amor, tartarugas e novas chances escrita por Blue Butterfly


Capítulo 28
Capítulo XXVIII




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/584552/chapter/28

Jane acordou para o dia - se é que ela poderia usar a palavra 'acordar', considerando que mal dormira - e deslizou para fora da cama deixando Maura e Harriet, que tinha acordado aos berros, amedrontada no meio da noite, dormindo.

Havia algo queimando dentro dela. Algo borbulhando em sua garganta, e presa na imobilidade da cama com sua mulher nos braços e sua criança dormindo profundamente em cima de seu estômago, ela não conseguia se livrar, e ela havia lidado e sufocado a sensação até o momento que pôde, mas que tinha se acumulado a tal ponto que agora parecia que iria explodir.

Então ela tinha substituído seu corpo entre os braços de Maura por um travesseiro - uma manobra demorada e delicada para não acordar a loira - e havia reajustado Harriet na cama, de forma a ficar perto o suficiente da mulher, mas numa distância segura para não rolar para cima dela.

Agora, no quarto de yoga de Maura, o mesmo quarto que ela havia pendurado um saco de areia, ela colocava as luvas de boxe. O dia clareava lentamente lá fora, e embora fosse tão novo e promissor, a morena não conseguia deixar de sentir e reviver o dia anterior. O medo quando ouvi as palavras de korsak pelo telefone. A raiva que brotou rapidamente dentro de si quando o homem lhe contou em poucas palavras o que havia acontecido. A angústia ao encontrar Maura ferida, com sangue escorrendo do rosto. E Deus, o hematoma roxo que estava se espalhando por sua pele quando Jane a ajudou a tirar a blusa para tomar banho.

Ela ainda não tinha processado o dia anterior, e, se antes as mãos tremiam de medo ao voltante no caminho apressado para casa, agora elas se fechavam firmemente em punhos, direcionadas ao saco de areia com toda força que ela conseguia juntar. Ela não sabia dizer ao certo o que sentia, apenas conseguia identificar o emaranhado de emoções se enroscando uma na outra, grudando em sua garganta e impedindo-a de respirar.

Ela socou ainda com mais força o saco de areia num impulso de raiva por sentir lágrimas queimarem seu rosto. Não era justo. Nada disso estava certo. Ela deveria ter protegido Maura e Harriet. Maura estava machucada, ela não estava. Harriet estava tão assustada que parecia entregue ao medo, no escuro, na noite anterior quando Jane chegou ao quarto para acalmá-la. Os olhos azuis e desamparados foram cobertos pelas pequenas mãos no momento em que Jane andou em sua direção, depois de ter acendido a luz. Harriet estava com medo dela? Não. Ela só estava assustada. Ela chorou no colo da detetive e pediu para que a mulher não a soltasse. Ela perguntou de Maura enquanto a morena trocava sua roupa molhada - Jane imaginou que as noites a partir de agora iriam ser muito parecidas com essa, até que o trauma fosse diminuído a ponto de não existir mais - e a levou para o quarto para checar a loira. Jane a ninou no colo até que ela voltasse a dormir, e só então se deitou na cama de novo, com a menina enroscada em seu pescoço. Harriet estava amedrontada. Jane não estava. Ela estava?

Os socos no saco de areia se tornaram tão forte que mesmo com a luva as mãos começavam a doer. Você não tem nenhum direito de chorar. Ela se repreendia enquanto as lágrimas corriam livremente pelo rosto, e ela tentava em vão impedi-las. Furiosa, ela finalmente decidiu por arrancar as luvas e limpar os olhos. Você não está machucada. Você não foi ameaçada e violentada. Sem direito de chorar.

As mãos pressionavam o rosto com força, numa tentativa de secar as lágrimas, de limpar qualquer evidência delas. Ela não estava em lugar para derramar uma única sequer. Maura podia chorar, Harriet podia chorar. Elas viveram minutos de medo e assombro, mas ela? Não, ela nem estava lá. O direito de chorar não havia sido concedido à ela.

Ainda assim, as lágrimas...

'Não.' Ela murmurou enquanto sentava no chão e pressionava os olhos com as mãos. Ela encolheu os joelhos e encostou o rosto neles, esperando que a sensação que estava dominando seu corpo sumisse. Ela abraçou as pernas e se balançou levemente, respirando fundo, tentando se convencer de que o movimento combinado com a respiração regular ajudariam no processo de dissolução daquilo que estava matando-a por dentro.

Me matando, ela pensou ironicamente enquanto a mente mais uma vez voava de volta para a imagem do corpo ferido de Maura em sua frente na noite anterior.

'Dói! O jato de água faz doer!' Maura tinha pisado para fora do alcance da água tão logo ela havia entrado em baixo do chuveiro.

'Maura, eu preciso te levar para o hospital.' Jane insistiu pela segunda vez.

'Não. Não. É apenas um hematoma. Os vasos sanguíneos foram rompidos e o contato com qualquer pressão causa desconforto. Eu só preciso de um analgésico e -'

'Você já tomou um.'

'E de descanso.'

Maura era uma paciente terrível. Não era surpresa, os médicos sempre são os piores pacientes. De um jeito ou de outro, o que mais perturbava Jane era a mancha escura na pele, o fato do corpo de Maura ser tão magro e parecer tão sensível. Quanto tempo aquilo continuaria doendo? Analgésicos resolveriam? A loira parecia menor naquela noite, e depois de toda a atitude de braveza usada ao defender Harriet, parecia ter lhe sobrado nada mais do que vulnerabilidade. Até mesmo ao toque das mãos da morena.

Ela tinha vacilado ao toque de Jane. No momento em que os dedos deslizaram pela pele machucada, Maura havia se encolhido. Jane retraiu os dedos imediatamente e descartou a sugestão da médica de passar uma pomada específica para traumas daquele tipo.

As mãos de Jane supostamente deveriam proteger e acolher Maura, e não causar nenhum tipo de dor. Ela se odiou por um instante.

Ela se odiava agora, porque as lágrimas estúpidas ainda caiam sem consentimento. Você não tem o direto de chorar! Ela gritou para si mesma, o mais alto que pôde em sua mente, de qualquer jeito.

'Pára.' Ela murmurou implorando, porque somente se as lágrimas cessassem ela conseguiria manter sua sanidade. Somente se ela se recompusesse ela poderia fazer aquilo que supostamente deveria: cuidar de Maura e Harriet, cuidar para que o dia fosse tão tranquilo como nunca. E como ela poderia fazer isso se ela estava desfeita?

Ela esfregou o rosto mais uma vez, tentando limpá-lo como se estivesse limpando junto seu estado de espírito. Então, ela abraçou a perna e respirou fundo. A respiração tremida ecoava no ouvido e ela apertou a testa contra o joelho, numa tentativa de se acalmar.

'Jane?' A voz de Maura veio incerta e fraca da porta.

Merda. Não agora.

'Maura, não.' A morena disse entredentes, odiando a idéia de ser pega chorando.

'Você tá chorando?' Ela perguntou desconfiada, ainda que já soubesse a resposta.

'Não. Não, não tô.' Por que desde quando Jane Rizzoli chorava? Ela ergueu a cabeça e lançou um olhar firme para Maura, e por misericórdia seu rosto estava seco. 'Eu não tô chorando.'

Entretanto, o rosto estava vermelho pela força dos dedos esfregados na pele. Maura pareceu assustada. 'Jane, o que você fez?' Ela caminhou em direção a morena e se ajoelhou no chão, ao lado dela. Uma mão foi parar instintivamente nas costas da morena.

'Nada.' E uma palavra nunca tinha soado tão verdadeiramente em seu ouvido. Eis aqui tudo o que ela tinha feito: Nada. Nada que pudesse evitar aquela invasão, nada para pegar o sujeito que tinha ousado entrar em sua casa e machucar sua mulher e sua filha. Nada. Cavanaugh até mesmo tinha tirado isso dela: o poder de botar as mãos no indivíduo, de fazê-lo pagar amargamente por aquilo. Ela odiava se sentir impotente.

Nada definia como nenhuma outra palavra tudo o que tinha feito a respeito da situação. A dolorosa realização fez com que um soluço escapasse de seu peito. Ela abraçou as pernas novamente e enfrentou uma nova onda de choro, agora enterrando a cabeça entre os joelhos, já que fora pega mentindo.

Maura se sentou no chão, o corpo ainda estava dolorido, mas nada comparado à noite anterior, e a recente onda de adrenalina quase anulava qualquer incômodo que sentia. Ela levou uma mão nas costas da morena e acariciou, sabendo que Jane dificilmente se abriria por vontade própria. 'Hey, hey...' Ela murmurou enquanto desenhava círculos com a mão nas costas da mulher, esperando que o movimento a acalmasse. Mas como previsto...

'Volte para cama, Maura. Você deveria estar dormindo.' Ela resmungou entre o choro.

Ela revirou os olhos. 'E você também. Um travesseiro não é lá um belo jeito de substituir você na cama.' Maura ofereceu, esperando que Jane continuasse falando.

'Ha-harriet.' Jane fez sua melhor oferta, sabendo que era uma opção segura e inegável. Harriet poderia substituí-la por um tempo, não podia?

'Certo. Mas ainda assim eu preferia ter a companhia de vocês duas.' Ela concordou, ainda acariciando as costas da morena.

Jane apenas balançou a cabeça em entendimento, mas não manisfestou nenhuma reação fora isso. Maura continuou sentada ao seu lado, e esperou que ela chorasse tudo o que precisava. É claro que de alguma forma ela teria que desgastar tudo o que estava sentindo desde a noite anterior. E se Jane não tinha armado uma cena, batido em alguém ou perdido a cabeça, Maura logo imaginou que isso fosse acontecer, uma hora ou outra.

Depois de minutos seguidos de silêncios e carícias, a loira passou as mãos na cintura da morena e segurou, mas Jane se recusou a se endireitar.

'Jane, fala comigo.' Maura pressionou.

'Você não precisa cuidar de mim.' Ela murmurou.

'Mais do que precisar, eu quero, Jane.' A loira passou os braços em volta da cintura da mulher e beijou seu ombro, em seguida descansou a cabeça ali.

'Não mereço. Ele machucou você.'

Maura franziu as sobrancelhas e a abraçou mais firme. 'Jane, eu estou bem. Tá tudo bem. Vê? Nós estamos aqui, e estamos bem.' Ela murmurou perto do ouvido da morena.

'Não bem.' A respiração pesada quase abafou por completo as palavras.

'Nós vamos ficar bem.' Maura se corrigiu. 'Mas nós ainda estamos aqui.' Ela se endireitou e mais uma vez tentou puxar Jane para si. 'Jane, olha para mim.' Ela apertou a cintura da mulher num gesto que dizia que ela esperaria o quanto fosse necessário para poder olhar os olhos escuros.

Relutante e lentamente, Jane se endireitou e virou o rosto para ela. Maura colocou uma mecha de cabelo escuro atrás da orelha da detetive e limpou seu rosto molhado. 'Eu tô aqui com você, vê? Nós estamos bem.'

'E-ele machucou você.' Ela disse quando Maura tentou colocá-la num abraço completo, tensionando o corpo.

'Sim, ele machucou, mas não é nada que não possa sarar, Jane.'

A morena abaixou a cabeça. 'Ele atacou vocês e... e Harriet, se ele tivesse levado ela...'

Ela segurou a mão da detetive e esperou enquanto Jane falava.

'e você, você sabe o que ele fez com a mãe dela, não de novo.'

As palavras saiam cortadas por causa do choro e Maura quase não conseguiu encontrar eloquência ali. Mas então...

'O que eu faria se ele tivesse levado ela, e, e se ele tivesse...' Ela não terminou a frase, apenas o pensamento era perturbador.

'Jane, já passou e nada disso aconteceu.' Ela balançou a cabeça para reafirmar as palavras.

'Ele machucou você. Deveria ter sido eu.' A morena murmurou.

'O que? Não. Não deveria ter sido você. Jane... Não tente converter o medo que você esta sentindo em culpa. Não deveria ter sido você, você não poderia ter feito nada para ter evitado aquilo.' Maura acariciou as costas da mulher com as duas mãos agora, subindo e descendo carinhosamente. 'Eu posso ser forte também, Jane. Eu fiz isso por ela, e faria por você.'

'Não.' A outra rebateu em teimosia. Ela jamais permitiria que Maura se arriscasse por ela.

'Sim.' E a voz da loira foi tão firme quanto a dela. 'Eu faria. Você não teve culpa nenhuma no que aconteceu, e eu agi completamente consciente dos meus atos. Eu sabia que poderia me machucar e eu fiz mesmo assim. Eu fiz por ela, e eu faria por você, então não, Jane. Não era para ter sido você. Era para ter sido eu, do jeito que foi. Eu posso ser forte, Jane. Me deixa ser forte também.' Ela beijou a bochecha da mulher e esperou para que as palavras fizessem efeito.

Finalmente, Jane cedeu e descansou sua cabeça no ombro dela. A médica laçou sua cintura e beijou sua cabeça. Jane soltou um suspiro trêmulo e Maura sentiu as lágrimas quentes caírem no seu colo. 'Você só está assustada e é compreensível. Mas medo é diferente de culpa. E você não precisa se culpar por algo que não aconteceu, querida. Você entende? Isso é só medo. Você não falhou em nada.'

'Maura.' Ela murmurou, se sentindo mais aliviada.

'Nós já sobrevivemos a coisas piores, Jane.'

A morena balançou a cabeça em sim no peito da outra. Ela ergueu o rosto para olhar para Maura. Os dedos brancos e finos deslizaram gentilmente pela sua bochecha e a loira entregou um beijo delicado nos seus lábios.

'Meu amor, volta para cama? Eu poderia dormir mais duas ou três horas, quem sabe. E seria tão mais agradável, mais seguro, se você estivesse lá. E você poderia dormir mais também. Hum?'

Jane concordou com a cabeça. 'Okay.' A voz rouca arrepiou a pele de Maura.

'Jane... Ele não tirou nada de nós. E eu não vou permitir que ele tire o mínimo que seja. A começar por essa manhã.' Ela se inclinou e beijo os lábios de sua mulher de novo. 'Eu estou te esperando na cama.'

E Maura deixou-a no quarto, e Jane soube que ela disse cada palavra sinceramente. O andar firme e a postura correta não davam brecha para qualquer hesitação. Sim, Maura era tão forte quanto ela.

...

Jane acordou pela segunda vez para encontrar a cama vazia. Ela girou para o lado e ouviu com atenção o barulho vindo do andar de baixo. Harriet e Maura conversando sobre alguma coisa que ela não podia identificar ao certo. Além disso, o som da televisão se misturava as vozes das duas. Ela preguiçosamente se levantou, escovou os dentes e nem se incomodou com o pijama. Ela checou no celular as horas: 10:46. Desde quando ela e Maura dormiam até tarde assim? Numa checada rápida no espelho, ela passou os dedos entre o cabelo e o jogou para trás, e só então deixou o quarto.

Quando checou na cozinha, o que viu a fez parar como uma estátua no lugar. Havia vários pratos espalhados pela mesa que estava coberta de farinha. Jane franziu o cenho e buscou por Maura. A loira se virou no exato momento em que Jane posou os olhos nela.

'Ahn...' Ela começou apontando para a mesa. 'O que... está acontecendo aqui?'

'Harriet quis tentar panquecas. Vários formatos.' Maura deu de ombro.

Jane estreitou os olhos. 'Você tá fazendo algum experimento com a menina?'

'Não!' E foi muito na defensiva, o que deixou Jainda ainda mais desconfiada. 'Nós só... estamos cozinhando juntas.' Maura apontou para um prato com uma panqueca em formato de... cachorro? 'Essa é feita com farinha integral. É muito mais saudável do que com farinha branca.'

'Eu sabia!' Jane apontou um dedo para ela e Maura, desarmada, deu de ombros e riu.

'Sem farinha branca! Farinha branca nããããooo é saudável!' Harriet apareceu atrás de Jane parecendo um tanto empolgada. A roupa estava coberta de farinha e a boca suja de chocolate. Chocolate?

'Harriet, onde você pegou isso?' Maura se apressou para tirar o doce da mão dela, mas a menina se desviou e correu para as pernas de Jane em proteção.

'Nonna me deu e eu guardei, vou comer agora!' E ela estava decidida.

'Isso não é saudável.' Maura jogou as mãos para cima e deixou que elas caíssem ao lado do corpo. 'Logo de manhã, isso não tem nutriente nenhum!'

A menina apenas mordeu um pedaço do doce, não se importanto muito com as palavras. Jane se virou e pegou-a pela cintura.

'Sabe o que é saudável?' Ela perguntou para a garotinha que fixou os olhos azuis nos escuros dela. 'Uma boa dose de risadas pela manhã.'

E tão leve ela era, Jane não teve nenhum problema em jogá-la para cima, o mais alto que pôde, apenas para pega-la em seus braços de novo. A menina gritou de alegria e Jane repetiu o movimento mais uma vez, e quando a garotinha pousou em seus braços, ela a inclinou para trás, beijando seu rosto, pescoço e barriga. Harriet riu a ponto de perder o ar, e Jane acariciou sua barriga com medo de que ela não voltasse a respirar. Instantes depois, entretando, a menina voltava a morder o chocolate enquanto balançava as pernas no colo da morena. Jane andou até a geladeira e tirou alguns morangos de lá e entregou nas mãos da criança.

'Bass tá com fome. Você alimenta ele?'

'Claro!' Ela disse feliz, já pulando para o chão.

Uma vez que a menina tinha sumido de vista, Jane se voltou para Maura e abraçou-a pela cintura baixa. 'Hey. Tudo certo?' Ela roubou um beijo da loira.

Maura acenou em sim com a cabeça e beijou os lábios da morena de novo. 'Você?' Os olhos claros estudaram o rosto de Jane.

'Melhor.' A morena sorriu para ela. 'De que isso se trata?' Ela inclinou a cabeça para a bagunça em cima da mesa.

'Mantendo as coisas normais.' Maura finalmente cedeu, dando de ombros.

'Como deve ser.' Jane balançou a cabeça e enfim a soltou. Maura apertou levemente seu braço antes de perder o contato por completo. 'Embora... Devo dizer que não é normal você acordar tão tarde assim.'

Maura bateu com guardanapo no ombro de Jane e a morena tentou de desviar do ataque, tarde demais.

'Para o teu governo, eu acordei uma hora antes de você, Jane!' Ela se defendeu.

'Para o teu governo, eu não tô reclamando de ter acordado mais tarde.' Jane sorriu vitoriosa enquanto bebericava o café forte.

A loira sorriu para ela e logo voltou sua atenção para a massa que estava nas suas mãos. Ela a apertou levemente e repetidamente antes de falar. 'Korsak ligou.' A voz era baixa e hesitante.

'O que ele disse?' Completamente desperta e café esquecido, Jane tinha se aproximado dela de novo.

Maura pareceu hesitar por um tempo. Jane colocou a mão nas costas da loira para apoiá-la, resistindo à tentação de pegar o celular e ligar imediatamente para o homem.

'Eles não o encontraram ainda. Korsak disse que estão fazendo o possível... No mais, ele só queria nos checar.'

A morena balançou a cabeça em sim, processando as palavras. Ela gostaria de estar fazendo alguma coisa, de estar nas ruas procurando por ele, pedindo depoimentos, mostrando o retrato-falado que fizeram do homem para que as pessoas pudessem identificá-lo. Ela queria estar na caça. Maura pareceu ler seus pensamentos, porque de repente ela sentiu a mão da loira sobre seu braço, e os olhos verdes e preocupados estudavam seu rosto.

'Jane, por favor, não saia de casa.' E o pedido frágil quase quebrou seu coração. Ela não sairia. Maura e Harriet eram mais importantes do que uma perseguição. 'Eu não vou, Maur. Cavanaugh me colocou fora do caso, se lembra?'

A loira balançou a cabeça. 'Eu sei tão bem quanto você que isso não é motivo suficiente para lhe segurar aqui.'

'Vocês são. Eu não vou deixar vocês. Ok?' Ela acariciou o rosto da loira e Maura se jogou nos seus braços, apertando os braços com força em torno de seu corpo.

O dia correu relativamente bem. Na parte da tarde, algumas horas depois do almoço, Jane a Maura levaram Harriet ao cinema para ver uma animação, e embora o programa parecesse o mais inofensivo possível, Maura voltara para a casa com o casaco ensopado de refrigerante e Jane, com pedaços de pipoca no cabelo. As mãos grudentas da menina, que tinha comido um saquinho de M&Ms, agarravam o pescoço da loira da sala do cinema até o carro, e depois do carro até entrar em casa - porque agora Harriet se recusava a andar no chão, na presença de muitas pessoas. Apesar de toda a sujeira, ouvir a risada da garotinha tinha compensado qualquer pequeno dano.

Quando chegaram em casa, Angela estava esperando por elas com o jantar praticamente pronto.

'Mãe?' Jane olhou escandalizada para a cozinha. Eram apenas cinco e meia da tarde, ninguém comeria tão cedo.

'Vocês só precisam esquentar mais tarde!' Ela disse indignada, pegando Harriet no colo e beijando-a, depois colocando-a no chão e se aproximando das duas mulheres. 'Maura, querida, você está bem? Jane não teve a decência de me ligar!' Ela deu um tapa no ombro da morena.

'Nós estamos bem, Angela.' Maura disse gentilmente, agradecida pela preocupação da mulher. A mais velha inclinou e abraçou com cuidado a loira.

'E quanto a mim?' Jane ergueu as mãos como se querendo explicação.

'Você?! Vaso ruim não quebra fácil, eu já entendi como funcionam as coisas com você!' Angela disse irritada com Jane. Por algum motivo ela continuava implicante com ela. 'Mas eu estava preocupada. Só que sabia que você não estava aqui quando...' Ela encolheu os ombros.

Jane tinha entendido. 'Okay, mãe. Vamos... mudar de assunto.'

'Eu já estou de saída, Jane. Tenho um encontro com Cavanaugh. Só dei uma passada para checar vocês com meus próprios olhos. Você sabe, da próxima vez... Um telefonema não custa nada!'

'Ok, ok, mãe.' Ela dispensou as palavras com um aceno de mão e Angela se retirou logo em seguida. Jane revirou os olhos.

Lado positivo: a janta já estava preparada.

'Eu vou dar um jeito no meu casaco.' Maura anunciou para a morena antes de se retirar da sala.

Jane se jogou no sofá e ouviu Harriet conversando com Bass e Joe em algum canto da casa. Apesar do dia ter sido leve, ela se sentia cansada. É claro que os efeitos da noite anterior não iriam sumir de um dia para o outro, e é claro, que apesar de ter prometido para Maura que não se envolveria na perseguição do invasor, ela não conseguia deixar de pensar no assunto. Ainda assim, ela tinha que se esforçar e parar de se perguntar em que pé andavam as coisas. Ela estava considerando ligar para Korsak mais tarde, apenas para perguntar, inocentemente, se eles haviam conseguido algo. Apenas para saber se eles tinham encontrado o homem. Ela não estaria quebrando a promessa que fizera para Maura, estaria? Claro que não. Era algo que a própria loira gostaria de saber.

Ela foi tirada de seu devaneio quando Harriet voltou para a sala com Joe a seus pés, escalou o sofá e se sentou ao seu lado.

'Ei tartaruga.'

'Nós podemos ir ao cinema amanhã de novo?' Ela perguntou enquanto juntava os joelhos no peito.

'Você quer assistir o mesmo filme outra vez?' Jane franziu o cenho.

Harriet pareceu horrorizada e olhou para Jane como se ela fosse louca. 'Não! Eu quero ver aquele outro, do robô gordo!'

Jane riu. 'Por mim tudo bem, mas você deveria perguntar para Maura. Eu não sei se ela aguentaria outro banho de refrigerante.'

'Aquele tigre gigante me assustou!' Ela se defendeu, levantando-se no sofá. 'Raaaaaaaaw.' Ela fez garras com as mãos imitando o animal. Jane riu e a pegou no colo, enchendo a bochecha vermelha de beijos.

'Era um leão, Harriet. Um leão.' A voz de Maura veio de trás das duas. A menina se virou para ela, ainda no colo de Jane e imitou o gesto de novo.

'Raaaawwwww. Maior leão de todos!'

'E inofensivo.' Jane a lembrou. A menina fez um bico para ela.

'Assustador.' Ela disse, tirando o tênis e deixando-o no chão. Ela ficou em pé no sofá de novo e caminhou até a extremidade para falar com Maura - que agora estava na mesa, alcançando uma maça para comer.

'Mamãe?' Ela chamou e Maura se virou imediatamente para ela. Ela nunca se cansava de escutar a menina chamando-a daquele jeito.

'Sim, querida?'

'Você pode comprar um leão?'

Maura riu. 'Para quê você quer um leão, Harriet? Achei que você tivesse medo.' Ela se aproximou e se sentou ao lado de Jane, e a menina se ajoelhou ao se lado.

'Todo mundo tem.' Ela pontuou com a inteligência afiada que tinha.

De acordo com o raciocínio de Maura, aquilo só podeira significar uma coisa: com um leão dentro de casa, ninguém ousaria entrar ali. Jane pareceu ter pensado a mesma coisa, porque as duas trocaram um olhar preocupado.

Jane se levantou e pegou a menina no colo. 'Sim, nós podemos ter um leão. Ouvi dizer que tem um circo aqui perto, quem sabe não fechamos um negócio? Além do mais, eles estão cobrando muito barato. Apenas uma tartaruga! Nós podemos vender o Bass, não podemos, Maura?'

Harriet pegou ar em uma arfada, escandalizada. 'Nunca!' Ela disse.

'Bom, tartarugas e leões são corajosos e fortes, igualmente. É uma troca justa.'

'É verdade?' A menina pareceu em dúvida.

'Claro! Você não sabia?'

Harriet inclinou a cabeça para olhar para Maura, querendo confirmação. A loira balançou a cabeça em sim.

'Nada feito. Meu Bass não sai daqui!' Ela disse decidida. Jane beijou sua bochecha e a devolveu no sofá. No mesmo instante, a campainha tocou.

Jane arrastou os pés preguiçosamente até a porte e a abriu. Christine, a assistente social estava do lado de fora.

'Boa tarde, Rizzoli.'

...

Maura se levantou e olhou preocupada para a mulher. No mesmo instante, Jane gesticulou para que ela entrasse, um tanto quanto nervosa.

'É só uma visita de rotina.' Ela disse antes de qualquer coisa, notando a preocupação estampada no rosto das mulheres. 'Vocês vão receber algumas, já que agora possuem a guarda da menina. Ainda que não oficialmente. Ouvi dizer que logo toda a documentação estará pronta.'

Jane trocou um olhar com Maura. O que estava acontecendo?

'Por favor, sente-se.' Maura mencionou o lugar no sofá, lembrando-se da boa educação que lhe fora dada. Ela esperou que a mulher se senta-se para tomar um lugar em seguida. Ao fazê-lo, a loira se dobrou para recolheu o tênis da menina que estava perto do sofá, tirando-o do meio do caminho. Depois, pegou das mãos de Christine um dos bichinhos de pelúcia de Harriet que havia sido abandonado no sofá.

'Ouvi sobre o ataque ontem. Apenas gostaria de saber... Como vocês estão indo. E como Harriet está indo.' Ela colocou a mão nas pernas delicadamente.

As mulheres trocaram um olhar. Maura agarrou a manta decorada com coelhinhos e flores de Harriet, a manta que ela sempre deixava ali para cobrir a menina quando ela dormisse no sofá. Harriet estava em todo lugar da casa, Maura agora notara. Na sala, com a manta, os sapatos e os bichinhos. Na cozinha com os copos de plásticos e os desenhos na geladeira. Em seu quarto, o pijama pequeno e customizado dobrado em cima da cama. Ela estava em qualquer lugar na casa... menos ali. Onde estava a menina?

Maura virou o pescoço para Jane. Onde ela estava? Ela estava no sofá um minuto atrás.

'Nós estamos... lidando com isso. Bem, de maneira geral.'

Maura ignorou as palavras de Jane e se levantou.

'Eu posso vê-la?' A assistente perguntou, estranhando a atitude de Maura.

'Maura?' Jane a chamou.

'Ela estava aqui agora mesmo. Harriet?' Ela chamou, contornando o sofá.

Com o coração disparado, ainda mais se sentindo pressionada pela presença da mulher, Jane levantou-se rapidamente. 'Harriet?' Ela chamou e olhou para Maura. Com uma troca de olhares, o tipo de conversa que só elas entendiam, Jane se encaminhou para o andar de cima e deixou Maura em baixo, com a outra mulher.

'Harriet!' Jane chamou pela criança, sentindo o coração bater tão forte no peito a ponto de doer. 'Cadê você?' Ela procurou no primeiro quarto de cima. Nenhum sinal da menina. Era tarde e o sol invadia a casa de uma maneira acolhedora, quente, mas os raios passaram totalmente despercebidos diante de sua preocupação.

'Harriet?' Ela tentou de novo enquanto empurrava a porta do banheiro. Então ela parou um minuto para pensar. Em que lugar ela se escondia quando criança? Que lugar lhe oferecia proteção? Instintivamente ela avançou corredor adentro e parou em frente a porta do quarto da garotinha. É claro. A menina estava escondida em baixo da cama, ela soube no momento em que viu a pequena manta rosa se mexer lá em baixo. A detetive se ajoelhou no chão, apoiou os braços e olhou para verificar. Sim, ela estava lá, a manta cobrindo todo o corpo, exceto os pés calçados com meias coloridas.

'Querida, o que você tá fazendo aí?' Ela se deitou de barriga no chão. A menina tinha o rosto coberto pela manta e assim que soube que tinha sido encontrada, ficou o mais imóvel possível. 'Harriet?' Jane tentou de novo. 'O que aconteceu? Por que você tá se escondendo?'

'Medo.' A resposta veio tão fraca que Jane quase não ouviu.

A detetive sentiu o coração se apertar. Ela conseguia ouvir a respiração irregular da menina. Ela estava chorando? 'De quê, tartaruga?'

'Não quero que me levem de novo.' Ela murmurou baixo, ainda sem se mexer.

E Jane podia entender seu medo, podia se sufocar com sua angústia. Como explicar para uma criança coisas complicadas que só adultos são capazes de criar e de quase nunca resolver? De que adiantaria ela dizer que ninguém iria levá-la dali, se os fatos diziam o contrário? Se a menos de um dia alguém tinha agredido Maura em sua frente para levá-la? Se Christine estava agora em sua casa - mesmo que não fosse para tirá-la dali, o que a menina tinha aprendido da primeira vez era que, quando a mulher aparecia, ela ia embora.

A morena suspirou e, agora deitada de costas no chão, cruzou as mãos sobre barriga. 'Eu sei que você tá com medo e... Harriet, sabe de uma coisa? Quando eu era pequena e ficava assustada, minha mãe cantava uma música para mim.' Ela virou a cabeça para o lado. 'Você... eu posso cantar para você?'

Pequenas mãos agarraram a borda da manta, mas a cabeça ainda estava coberta. 'Ok.' A menina disse, finalmente.

Jane estreitou os olhos enquanto se lembrava do começo da letra. Depois de encher o pulmão de ar, começou a cantar a música um tanto quanto antiga. A voz rouca e grave preencheu o quarto, vibrando suavemente no ar. 'I've been thinking about all the times you told me, you're so full of doubt, you just can't let it be, but I know... If you keep on comin' back for more, then I'll keep on tryin', I'll keep on trying...'

E de repente tinha sido o suficiente para que a menina empurrasse a coberta para baixo e virasse o pequeno rosto para Jane. Os olhos azuis estavam intensos, carregados de admiração, um resquício de medo e... algo que Jane não sabia identificar. Eles estavam tão fixos no dela que por um instante tudo o que a morena desejou é que permanecessem assim, que a conexão nunca se quebrasse. Inconscientemente ela estendeu a mão e, para sua surpresa, Harriet estendeu a dela também. As pontas dos dedos se tocaram levemente. Jane apenas acariciou. Ela não precisava segurá-la, não precisa prendê-la. Harriet era livre, e ela esperaria até que a menina se sentisse confortável e segura o suficiente para abandonar seus medos.

Quando a criança segurou com firmeza dois dedos de sua mão, ela continuou cantando. 'And I've been drinking now, just a little too much, and I don't know how I can get in touch with you... Now there's only one thing for me to do, that's to keep on tryin' to get home to you.'

E na parte em que dizia que ela andava bebendo, uma careta arrancou uma risadinha da menina.

'Cerveja?' A menina perguntou.

'Pode apostar. Me nego a tomar aquele vinagre que sua mãe chama de vinho.' Ela revirou os olhos e a menina riu baixinho. 'Não conta para ela que eu disse isso.' Jane acrescentou, brincalhona.

'Continua cantando?' Os olhos azuis piscaram para ela e a menina segurou seus dedos, agora com as duas mãos. Ela se arrastou para mais perto da morena e, agora ao alcance, Jane deslizou o dorso da mão nas bochechas rosadas dela. A melodia preencheu o quarto mais uma vez.

'And I feel so satisfied when I can see you smile, I want to confide in, all that is true so I'll keep on tryin', I'm through with lying, just like the sun above, I'll come shinin' through...'

'Vem aqui?' Jane perguntou para ela, sem realmente esperar que ela fosse ceder. Entretanto, Harriet se arrastou para fora, e a confiança que a garotinha demonstrava ter nela lhe preencheu com o mais puro e verdadeiro sentimento de alegria. Ela esticou o braço e a menina apoiou a cabeça no seu ombro, os olhos nunca deixaram de estudar o rosto da morena. Jane cantou mais um trecho da música enquanto sentia a perna da menina pousar na sua barriga, o pequeno pé apoiado no osso do quadril.

'Oh, yes I'll keep on tryin', I'm tired of cryin', I got to find a way to get on home to you... I've been thinkin' about all the times you held me, I never heard you shout the flow of energy was so fine... Now I think I'll lay it on the line, and keep on trying to get home to you.'

E logo depois da última palavra a morena beijou a cabeça de Harriet. Aquela menina... Pequena e corajosa, cheia de energia e carinhosa. Jane a amava e compreendia e compartilhava aquele medo da menina. O medo de perdê-la, de nunca mais vê-la. Harriet passara a ser sua fraqueza e, numa lógica onde só quem ama consegue entender, ser sua fortaleza. Maura tinha razão, ela sempre tinha. O medo era justificável, ter ficado tão assustada era justificável. E era justamente aquilo que a colocava de pé, que a mantinha firme e determinada: a ameaça de perder aquela pequena criança que se enroscava nela durante a noite, na sala, enquanto assistia um documentário aleatório e dormia tão tranquilamente em seu colo, confiando seu sono na pessoa - na mãe - que agora Jane era; os pequenos pezinhos pressionados contra suas costas no meio da noite quando a menina escapava para seu quarto; a pequena e fofa mão segurando a sua com força nos lugares lotados; os olhos de Maura sorrindo para ela toda vez que tinha Harriet dormindo no colo, e o jeito que a criança ria numa risada igual a de Maura. Sim, seria estranho se ela não temesse perder isso tudo, todos os pequenos detalhes que ela amava.

'Harriet?' Ela chamou e a menina olhou para cima, encontrando seu olhar. 'Christine não veio levar você. Na verdade, ela veio ver como você está. Ela quer que você fique com a gente, e tá tomando conta disso. Entende?'

'De verdade?' A menina perguntou de sobrancelhas erguidas.

'De verdade. Juro. Ela é nossa amiga.'

'Desculpa.' A menina disse baixinho, caindo o olhar para baixo.

'Quer saber? Eu fico com medo também, as vezes.'

Os olhos claros se arregalaram e olharam de volta para ela. 'Oh! É mesmo?'

'É sim.' Jane deu de ombros.

'Eu achei que gente grande nunca ficasse com medo.' As mãos apoiaram nos ombros da morena, enquanto Harriet a estudava com curiosidade.

'Pff! Besteira... Todo mundo fica com medo, até mesmo eu!'

A menina inclinou a cabeça por um segundo, enquanto pensava em algo e Jane quis desesperadamente beijar sua bochecha.

'Você quer que eu cante para você? Quando você ficar com medo?' A menina perguntou encarando-a.

Jane queria ter gravado aquilo. Queria que sua memória funcionasse como uma câmera de vídeo, com as funções de reproduzir a cena quantas vezes ela desejasse. Ela queria rever aquele rosto cheio de bondade e amor, os olhos tão intensos quanto o mar e os lábios vermelhos desenhando as palavras numa oferta tão honesta e generosa que apenas uma criança pode fazer.

'É claro. Eu adoraria, tartaruga.'

A menina sorriu para ela e seus olhos se fecharam, na mais absoluta fofura.

'Nós podemos voltar lá em baixo? Quem sabe você poderia dar um oi para Christine?'

Ela pareceu ainda insegura. 'Não me solta?'

'De jeito nenhum.'

'Tá bom, então.'

Jane se levantou e carregou a menina no colo até o andar de baixo. É claro que Maura só se encontrava calma como estava porque certamente ela havia escutado a conversa entre as duas. Talvez até mesmo Christine tivesse ouvido. Jane não se importou, nem se sentiu incomodada. Quando ela parou a alguns passos da assistente, Harriet olhou para ela e ela balançou a cabeça em sim, e depois...

'Oi.' A menina disse tímida, e olhou de novo para Jane que sorriu em aprovação.

'Olá, Harriet. Como você está?' Ela sorriu gentilmente para a menina.

'Bem.' Ainda tímida, mas agora mais confiante. Jane ainda estava segurando-a.

'Ouvi dizer que você foi ao cinema hoje? Maura me disse.'

A loira balançou a cabeça para ela, num sorriso tranquilo.

'Fui. Vi um leão, muito, muito grande!' Ela abriu os braços em exagero e a assistente riu pela primeira vez no dia. Pela primeira vez que Jane se lembrava, na verdade.

'Oh! Você gosta de leões?'

'Prefiro tartarugas.' Ela disse, cedendo à conversa pouco a pouco.

'Realmente, elas são mais confiáveis. Você não acha?'

Ela acenou com a cabeça. Depois, ela mordeu os lábios em pensamento e apertou os braços em torno do pescoço de Jane. 'Você não vai me levar, não é?' E embora a voz tivesse sido baixa, a pergunta veio cheia de coragem.

Maura mordeu os lábios e trocou um olhar com Jane.

'Não, Harriet. Eu não... Eu não levo as crianças para longe de suas famílias. É meu trabalho garantir que essas crianças encontrem uma família boa, legal. Uma família que irá cuidar bem delas. Você entende?'

'Nós cuidamos bem, uma das outras.' Ela ofereceu como recurso de defesa.

'Eu sei. Eu sei, e eu não vou levar você comigo para outra família. Até onde sei, agora Maura e Jane são suas mães, e é meu dever garantir que vocês estejam bem.'

A menina mordeu os dedos e olhou para Jane e Maura. 'Nós estamos bem...?' Foi meio pergunta, meio afirmação.

'Nós estamos bem.' Maura garantiu à ela.

'Bem!' Harriet concordou e sorriu.

'Ótimo! Nós podemos ser amigas agora? Você não precisa ter medo de mim.'

Mais uma vez, a menina olhou para Maura e Jane em busca de orientação, e apenas concordou com a idéia quando as duas lhe deram um sinal positivo.

'Sim, nós podemos.' E, um tanto quanto incerta, ela estendeu a mão para a mulher. Christine tomou a pequena mão babada da criança na sua, sem se importar, e chacoalhou levemente. Ela sorriu para Harriet e a menina sorriu para ela, mas quando as mãos se soltaram, ela abraçou o pescoço de Jane outra vez.

'Maura?' Jane chamou a mulher e entregou Harriet em seus braços. Ela sinalizou com a cabeça e a loira pediu licença ao se retirar com a criança.

'Vamos encontrar Bass?' A loira perguntou para a menina que se virou rapidamente outra vez para Jane.

'Mamãe?' Ela esticou os braços.

'Tudo bem, querida, nós só vamos conversar.' Jane garantiu e a menina se virou para Maura.

'Bass, Bass, Bass!' Ela apontou para o outro canto da sala e Maura suspirou, esperando que a conversa não fosse algo pesado a soar no ouvido da criança.

'Eu sinto muito que vocês tenham passado por isso. E não queria ser um incômodo nesse momento frágil.' A mulher se virou para Jane.

'Harriet está assustada, mas nós estamos trabalhando nisso.' Ela disse honestamente e viu um sorriso brotar nos lábios da mulher. Ela esperou que não fosse um para ridicularizá-la. Ela sabia que a mulher tinha ouvido ela cantar para a menina.

'Eu vejo que vocês estão se saindo muito bem. E que ela confia completamente em vocês. Isso me deixa realmente tranquila, detetive. Tem sido um tanto quanto complicado encontrar famílias assim, e... Sinto muito que tudo tenha sido tão turbulento da primeira vez que precisei levá-la.'

Jane suspirou. 'Era só o seu trabalho, Christine. E qual é, me chame de Jane.'

'Meu trabalho, de fato. Eu sei que o sistema pode ser lento e não funcional, Jane, mas eu faço o melhor que posso para as crianças que acabam nas minhas mãos.'

'Eu sei que sim.'

'Ótimo. Como eu disse, eu só vim checar vocês. É uma visita de rotina e... Nós sabemos que o que aconteceu não está de forma alguma relacionado a vocês como mães. Eu espero que prendam logo quem é que tenha feito isso.'

'Eu também. Para falar a verdade, não estar nesse caso está me consumindo, mas...' Ela encolheu os ombros e olhou para Maura e Harriet. 'É mais importante eu ficar por perto delas.'

'Eu compreendo. Como você deve saber, nós vamos precisar registrar isso, mas quero enfatizar, mais uma vez, que o que aconteceu não agrava em nada o processo de adoção de vocês.'

'Obrigada, nós...' Ela abaixou a cabeça. Ela só estava feliz de a visita não significar nada grave. De Harriet ter perdido pelo menos parte do medo que sentia da mulher. 'Só... Obrigada.'

'Não por isso. Preciso ir agora, outros casos e outras crianças.'

Jane balançou a cabeça e indicou a saída. Ao cruzar a sala, ela acenou para Harriet e perguntou educadamente. 'Tudo bem se eu voltar outro dia?'

Mais uma vez, Harriet buscou pela orientação das duas mulheres e só depois confirmou com a cabeça.

'Ok.' Ela disse e acenou um adeus para a mulher.

E logo Christine havia ido embora. Em seguida, Harriet estava novamente no sofá, as meias coloridas dançando de um lado para outro enquanto ela esperava por Maura e Jane lhe fazer companhia, para assistir o que quer que estivesse passando na tv, antes de jantarem juntas. E, aos poucos o dia anterior ia se tornando cada vez mais longe. Com o passar das horas. Com o acréscimo de gestos gentis. Com a melodia de mais cedo que passava uma vez e novamente pela cabeça das três.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

A música do capítulo é essa: Keep on trying, do Poco. Gosto dela desde que a conheci vendo Bones, aqui segue o vídeo com a versão que mais gosto.

https://www.youtube.com/watch?v=ZkZ83YGmSS8

(talvez você queria checar a tradução também.)
http://letras.mus.br/poco/301391/

Me digam o que acharam! =)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Sobre amor, tartarugas e novas chances" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.