Fantasmas escrita por SweetJúlia


Capítulo 1
Capítulo Único: Honrando os Mortos


Notas iniciais do capítulo

Então, tive essa ideia e para me distrai botei no papel e aqui está, uma fanfic quentinha saindo do forno. Espero que gostem, e aqueles que shippam Thalico, espero que entenda que nessa fic, preferi focar na amizade entre os dois. Aproveitem!



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Uma pessoa nunca sobrevive inteiro a uma guerra. São inúmeros machucados, arranhões e cortes. Serão também pesadelos, ilusões, um medo irracional, a paranoia e haverá fantasmas. A Guerra é um lugar maligno que suga sua vontade de viver.

Não se assustem com minhas palavras duras. É a verdade, e eu a prezo acima de tudo. Também digo mais, as coisas não continuarão da maneira que é para sempre. Há sempre mudanças a caminho. Somos seres humanos, nossa melhor característica é a adaptação. Acostumamos com a dor e aprendemos a viver com ela, até que um dia ela não é nada mais que apenas uma memória.

Falo isso com experiência própria.

A primeira guerra que presenciei foi quando eu era apenas um garoto. Ela me tirou a inocência, levou minha irmã e me largou em sofrimento tamanho que me fez ter atitudes que me arrependo até hoje. Naquela época eu não pensara que sobreviveria muito tempo, mas eu o fiz e aqui estou.

A segunda guerra não demorou muito para acontecer após a primeira e fora ainda mais sangrenta. Semideuses voltando contra semideuses, Deuses loucos e o mundo ameaçando ruir sob nossos pés. Espero não presenciar nada como aquilo mais uma vez. Não acredito que eu seria capaz de sobreviver a tanto sofrimento mais uma vez.

Apesar dessas memorias não terem desaparecido da minha mente, estamos em paz desde o fim da última. Foi uma paz muito merecida e cheia de sacrifícios, nossa sobrevivência estava em jogo naquela época, e agora a paz é merecedora.

Hoje, exatamente, faz 100 anos desde que a primeira guerra terminou. Muitos perderam suas vidas nas ruas de Manhattan, outros tantos perderam as suas no Monte Talmapais. E no final, todos saíram vencendo. Essas pessoas, garotos e garotos, centauros, seres da natureza, são fantasmas aos quais homenageio hoje.

No quintal de minha casa pego um tacho de bronze onde ponho doces, frutas, sanduiches, pizzas e balinhas azuis. Me preparo por um tempo e começo as orações.

– Deuses do Olimpo, do Submundo e dos Campos Elísios, ouçam minhas preces. Ofereço esses sacrifícios as almas daqueles que lutaram contra a ascensão de Cronos, aqueles que hoje descansam como heróis. Seus nomes jamais serão esquecidos.

O tacho pegou fogo de uma só vez e a comida desapareceu no meio das chamas. Esperei que essas diminuíssem até que apagasse completamente. O braseiro estava limpo, sem nenhuma evidencia das minhas oferendas. Peguei-o e pus em uma estante na garagem. Entrei para a casa, subi as escadas, rumando ao banheiro. Era melhor eu tomar um banho, ainda tenho outros compromissos nessa tarde.

***

A guerra tem consequências inevitáveis. A destruição, o breve caos e seus fantasmas.

A noite, quando durmo, ainda vejo os rostos daqueles que morreram durante as noites de guerra. Vejo vidas interrompidas, sonhos destruídos e a agonia de morrer no meio de tanto terror. A esperança é um mito no meio de tanta destruição.

Eu me lembro de todos.

Não só aqueles que morreram durante a luta me assombram, mas aqueles que se foram depois, durante os anos de paz também o são. Todos guerreiros se tornam fantasmas de guerra após a morte.

São fantasmas apenas por assombrarem os sobreviventes. Por ainda estarem vivos na mente de alguém. Eles me assombram a cem anos, e eu os assombro também. Se os deuses me deram o tempo, vou aproveitá-lo e não me esquecerei deles.

***

Atualmente eu vivo em uma chácara no subúrbio da cidade. Vendo coisinhas na internet, bugigangas e consigo dinheiro suficiente para sobreviver. Eu tenho minha própria vida entediante, sozinho. A viagem de quarenta e cinco minutos de carro é colorida por uma paisagem cheia do verde, amarelo, vermelho, rosa e outras cores do final do verão. O cheiro do mar vem carregado pelo vento e preenche a caminhonete com seu odor.

A imagem de um garoto moreno de olhos verdes invadem minha mente. Percy sempre é o mesmo adolescente em minhas memorias. Ele é um de meus fantasmas. A proximidade com o mar faz com que eu me lembre dele com frequência, impedindo que eu o esqueça um dia.

Hoje é 18 de agosto, seria seu aniversário.

Percy Jackson teve uma vida longa, ou pelo menos longa pelo padrão semideus. Viveu mais quinze anos após o fim da guerra. Se casou com a mulher que amava, tiveram um filho, foi feliz, mas no final, um monstro enfim conseguiu derrota-lo e seu fim foi trágico.

Sinto falta dele, de seu sorriso fácil, suas piadas sem graça, sua lerdeza, sua amizade e lealdade. Mas sei que mesmo que ele tivesse sobrevivido a Quimera, ele não estaria vivo até hoje.

As colinas verdes trocam de lugar com os prédios acinzentados. A cidade de Nova York estava imponente como sempre. Seus prédios altíssimos nos fazia deitar o pescoço se quiséssemos dar uma olhada melhor. Durante os anos eu a vi crescer, mas cada dia ela parece mudar e se atualizar diante de meus olhos.

O transito estava caótico como sempre. Os minutos passavam arrastados e temi me atrasar. Seria possível eu demorar mais para chegar no meu destino final do que demorei para chegar a cidade?

Não demorei tanto quanto imaginei, mas tive que estacionar a pelo menos cinquenta metros de distância do local combinado. O lugar era uma lanchonete simples. Uma música lenta saia dos alto falantes e o ambiente cheirava a fritas com queijo.

Vejo Thalia em uma mesa, olhando pela janela. Ela está de costas para mim, mas eu sei que é ela. Eu não me confundo facilmente. Me sentei na cadeira a sua frente e ela então me nota.

Thalia Grace é a mesma garota que conheci a um século. Se o tempo havia sido gentil comigo, havia sido ainda mais com ela. A garota não envelhecera um dia. Mas afinal, a benção de Artemis concede uma quase imortalidade para suas caçadoras. Ela vestia o uniforme da caçada, uma calça de malha prateada e uma t-shirt do Nirvana por baixo do casaco também prateado.

– Boa tarde, Nico. É bom te ver.

– Igualmente.

Thalia sorria sonhadora, mas uma tristeza antiga manchava seu olhar. Eu me encontrava com ela todos os anos nesse mesmo dia, e eu nunca vi essa mancha desaparecer completamente.

A garçonete chegou até nós e fizemos nosso pedido. Uma coca-cola e uma porção de fritas com queijo para Thalia e um café expresso para mim.

Durante nossa refeição conversamos trivialidades. Ela me contou sobre os lugares que visitou desde que eu a vira por último, falou das caçadas que participou e dos monstros que matou. Ouvi com atenção, Thalia era uma boa narradora e viajei através de suas aventuras e palavras.

Quando ela terminou, me perguntou sobre o meu ano. Ele não havia sido tão agitado quanto o dela. Me sinto velho demais para aventuras e as poucas que tenho são obras do destino. Disse que estava em Nova York fazia uns 5 anos, que comprara uma casa com um dinheiro que guardei durante anos e agora estava vivendo de vendas on-line. Ela riu e debochou, dizendo que eu havia ficado frouxo com a passagem do tempo e que essa não era a vida de um semideus. Ri com seus comentários e pensei comigo mesmo, talvez eu tivesse mesmo amolecido durante os anos.

Depois de um tempo flagrei Thalia me analisando, como tão frequentemente fazia. Era desconcertante ter aquele par de olhos azuis brilhantes me encarando. Dei um pigarro e ela aprumou o corpo.

– Desculpa, eu sei que você não gosta, mas é tão estranho, não consigo evitar. Ela cora como uma adolescente durante suas desculpas.

– Não tem problema, eu já me acostumei.

Mentira, eu nunca iria me acostumar.

O que realmente aconteceu, foi o seguinte: quando eu era apenas um garotinho eu fui mandado para um hotel onde o tempo passava muito devagar. Eu e minha irmã ficamos por lá durante 70 anos, mas para nós foram apenas umas semanas. Não envelhecemos nada durante nossa estadia lá. Anos depois que saímos foi que eu percebi que havia algo errado comigo. Eu não envelhecia como as pessoas normais, mas lentamente, muito lentamente. Eu consultei meu pai e ele me disse que raramente acontecia, mas que sim, existiam alguns casos de pessoas que após certo tempo no Cassino Lotus envelhecem mais devagar e vivem uma vida mais longa que o comum.

Então hoje eu tenho quase 200 anos e um corpo de 30. Acho que encontrei o poço da juventude.

– É uma maldição para mim, Grace.

Ela me olha com intensidade, tentando me decifrar. Sua cabeça está inclinada para sua esquerda e o movimento me lembra o de um pássaro.

– Por quê? Você terá uma vida longa, mais longa do que as pessoas tem direito. ela diz, tomando um longo gole da sua bebida.

Suspiro profundamente. Ela não entende, ela escolheu a imortalidade, eu não tive tal escolha, apenas as consequências de escolhas que nem eu mesmo fiz.

– Você não sofre? Viver mais do que aqueles que você ama viveu? Vê-los todos morrer, um por um e no fim você se vê sozinho, sabendo que as próximas pessoas que se envolver ainda vão envelhecer e morrer antes de você. É triste, Thalia.

Digo, soltando tudo de uma só vez. Minha voz é baixa, mas firme. Eu penso muito nessas coisas quando estou sozinho, e fico sozinho muito.

– Dói por um tempo, mas eu me acostumei, Nico. Você sabe muito bem que todos devem morrer, não há como impedir isso.

Eu abaixo minha cabeça, sabendo que ela tem razão e que eu não devia me abater por isso. Por que eu não consigo ver isso como uma benção?

Ficamos os dois em silencio por um tempo, pensando em nossas palavras e também naqueles que morreram, nossos fantasmas.

Fora ideia de Percy nos encontrarmos nessa data todo ano e homenagearmos os mortos das guerras. Annabeth, sua esposa, havia morrido, o deixando sozinho para cuidar de seu filho, Max. Mesmo após sua morte eu e Thalia continuamos com a tradição. Também era uma forma de mantermos em contato um com o outro. Nós éramos os únicos ainda vivos daquela geração, não seria certo nos afastarmos completamente.

– Você está pronta? perguntei para ela.

Thalia tinha uma batata já fria nas mãos e brincava com ela distraidamente, empurrando as outras que restaram no prato. Ela demorou para responder ao meu chamado, como se brincar com sua comida fosse ainda mais importante, mas no fim ela levantou os olhos tristes e confirmou com a cabeça.

Nos levantamos, deixando uma nota de vinte dólares sob a mesa e saímos para a rua.

Andamos lado a lado em silencio. Thalia tinha uma grande sacola de papel pardo em uma das mãos. Passamos lentamente através do fluxo intenso da maior metrópole do mundo. As pessoas passavam apressadas ao nosso redor, quase não nós notando. Para esses simples humanos, éramos apenas mais dois na multidão.

Passamos em frente ao Empire State Building, os dois olhando para cima automaticamente. A nossa frente víamos apenas o prédio, mas nós sabíamos mais, nós sabíamos o que se esconde no 600º andar, acima das nuvens. Os Deuses estão olhando para nós.

Continuamos com nossa caminhada até que chegamos ao píer, onde os rios se encontram com o mar. Ao longe vemos a Estátua da Liberdade, imponente e enorme no meio do mar.

Thalia tira os objetos da sacola. Um buquê de flores silvestres as preferidas de Annabeth, Thalia diz , enfeitado com conchas do mar e alguns doces da cor azul. Ela olha para aquele conjunto e o joga na água. Ela apruma a cabeça e começa a dizer suas orações.

– Deuses do Olimpo, Deuses do Mar, Deuses do Elisios, me ouçam. Essa oferenda é uma homenagem a Percy Jackson, Annabeth Chase, Luke Castellan e todos aqueles que morreram combatendo Cronos. Eles nunca serão esquecidos e serão honrados eternamente. Por favor, aceitem.

Ao final de suas palavras o mar afundou o buquê. Olhamos para a água por um tempo, imaginando se as almas receberiam tais homenagens. Eu esperava que sim. Apesar de ser filho do Senhor do Submundo, eu ainda não tinha certeza se nossa esforço não era em vão. Eu tinha esperança de que não.

– Vamos embora. disse Thalia e voltamos a caminhar pela cidade.

Acabamos por nos sentarmos em um banco no Central Park. Observamos os mortais passarem por ali, com seus filhos e seus animais de estimação. Pessoas indo para o trabalho, pessoas saindo do trabalho, pessoas apenas querendo aproveitar um pouco de natureza no meio de uma selva de pedras e concreto.

– Você tem razão Nico, a imortalidade pode ser triste e solitária. Thalia diz. Sua expressão é triste e nostálgica. Nós Caçadoras vivemos lado a lado, não envelhecemos, não adquirimos doenças e só somos mortas por combate. Em grupo, a imortalidade é mais dócil, mas vejo por que sofre. Você não tem ninguém, não tem companheiros, aqueles que amava já morreram a muito tempo, e mesmo que se envolvesse com mortais, eles não viveriam o tanto que você e você acaba sendo deixado para trás. As parcas não foram totalmente gentis quando criaram seu destino.

Ao terminar de dizer, Thalia se cala e eu abro um mínimo sorriso. Estou feliz que ela tenha compreendido. Estou feliz que nos entendemos.

– Não, elas não foram, mas como você mesma disse mais cedo, eu me acostumei. Acredito que eu seja capaz de viver essa vida longa e satisfeito. digo e ela também sorri para mim.

Conversamos mais, falando sobre os prós e contras da imortalidade, ou quase-imortalidade em nosso caso, também lembramos de nossos amigos a muito tempo mortos, mas que ainda vivem em nossas mentes, como fantasmas, sempre a nos assombrar e impedindo que esquecemos dos momentos incríveis que um dia passamos ao seu lado. Falamos também que devíamos manter mais contato e nos encontrar mais do que apenas uma vez por ano. Penso mais uma vez em Percy e imagino no quanto ele ficaria feliz em vermos combinando encontros e caçadas. Podemos ser unidos, eu e Thalia, mesmo que aquele que nos unia não esteja mais entre nós. Mas ele está. Ele está em nossos corações e sempre estará.

Fomos nos levantar apenas quando o sol se pós atrás dos prédios e o dia começou a ceder lugar para a noite.

– Eu tenho que ir, Lady Artemis espera por mim. diz Thalia. Me mande uma mensagem de íris a qualquer dia, Nico. Se precisar de mim, é só chamar que eu venho o mais rápido que puder. Até em breve.

Ela me deu um último abraço, e não me senti desconfortável, mas bem ao saber que tinha uma amiga em Thalia. Eu podia pensar que era sozinho, mas não totalmente, eu ainda tinha algumas pessoas que se importavam comigo. Ela se virou e desapareceu no meio do mato.

Mais um 18 de agosto havia terminado, o mundo ainda estava em paz e os ventos diziam que ficaríamos desse jeito por mais um bom tempo. Eu me sinto feliz, tranquilo com minha vida, e mal espero para poder chegar em casa, deitar no sofá e ver televisão, a vida tediosa, normal e calma que todo mortal tem. Vou procrastinar e ao mesmo tempo vou ficar chateado por isso, e vou então me lembrar da minha juventude, de quando eu me metia em problemas, matava monstros e ainda tinha amigos vivos ao meu lugar. Mas também vou me lembrar que a minha identidade diz que tenho 30 anos, e que tecnicamente ainda sou jovem e tenho energia. Então, talvez, só talvez, amanhã eu saia com minha espada, viaje nas sombras como antigamente, me embrenhe em matas pouco exploradas e mate alguns monstros.

Tudo isso com fantasmas ao meu lado, porque meus fantasmas nunca me deixam. Não são fantasmas ruins, são fantasmas bons, são aqueles que sempre me fizeram ver o melhor em mim. E eles ainda o fazem. Eu ainda tenho uma vida longa pela frente, provavelmente sobreviverei mais algumas gerações, para então a Morte chegar para eu ser levado ao reino de meu pai, para uma vez mais ver meus amigos e nunca mais ir embora.


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Notas finais do capítulo

Meus dedinhos estão coçando para poder responder seus comentários! Estou esperando :)



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